Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3710/18.2T8FAR.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
REPARAÇÃO DO DANO
DANO FUTURO
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
SUCESSÃO MORTIS CAUSA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
IDADE DAS VÍTIMAS
CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial, não vinculando os tribunais.
II - Não obstante, os factores ali avançados podem evidentemente ser ponderados pelo julgador, mormente porque se lhe impõe a prossecução do princípio da igualdade, o que, sem deixar de atender às especificidades do caso concreto, implica a procura, tanto quanto possível, de uma uniformização de critérios, tarefa para a qual as indicadas tabelas podem contribuir, atenta a objectividade dos factores ali referidos.
III - A indemnização a encontrar num juízo equitativo há-de ser tendencialmente consentânea com a que tem vindo a ser encontrada pelos Tribunais Superiores, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, para situações que se apresentem com alguma semelhança com a dos autos, pelo que deve cumprir-se ainda o que dispõe o artigo 8.º do CC, de acordo com o qual a justiça do caso concreto há-de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.
IV - A indemnização peticionada pelos AA. para ressarcimento da perda de rendimento decorrente da morte do seu marido e pai, constitui-se por via do disposto no artigo 495.º, n.º 3, do CC, na sua esfera jurídica e não na do falecido, porquanto a delimitação dos sujeitos a quem foi conferida legitimidade substantiva foi feita por via legal.
V - Assim sendo, é de afastar liminarmente a repartição do valor mediante o qual será de indemnizar os lesados pelos danos causados pelo responsável na ocorrência do sinistro, por via de cálculos de natureza sucessória, como foram os avançados pelos ora Apelantes, referindo-se à meação da Autora e à percentagem que lhe caberia, bem como à parte que caberia ao filho, do valor que o falecido angariaria até ao final do tempo médio de vida, no pressuposto, errado, de que a indemnização lhes é deferida por via sucessória.
VI - Pese embora existam critérios de cálculo que se encontram razoavelmente sedimentados, o certo é que, deve reconhecer-se, nem sempre se verifica unanimidade na utilização pelos tribunais de todos os factores base em equação, existindo três que têm merecido maior discussão no cálculo do valor deste tipo de dano patrimonial futuro, e que são os de saber se o salário da vítima deve ser computado líquido ou ilíquido; se a idade considerada deve ou não ser a correspondente à esperança média de vida; se deve ou não haver desconto pelo recebimento de uma só vez de um capital que normalmente deveria ser recebido mensalmente pela vítima, e, em caso afirmativo, qual a sua quantificação.
VII - Como factores de cálculo da indemnização devida a título de danos patrimoniais futuros decorrentes da perda do rendimento da vítima no agregado familiar que compunha juntamente com a sua mulher e filho, ora AA., deve atender-se ao salário ilíquido; à esperança média de vida que, de acordo com os últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística em 28-05-2020, foi estimada em Portugal, em 77,95 anos para os homens e 83,51 anos para as mulheres.
VIII - Atenta a idade da vítima e o seu enquadramento pessoal e profissional, ao valor encontrado não deve equitativamente aplicar-se qualquer redução, por não se extrair das regras da experiência comum que aquele não viria a perceber ao longo da vida que lhe foi abruptamente tirada, o valor agora globalmente calculado num patamar que se encontra próximo do salário mínimo legalmente garantido a qualquer trabalhador a tempo integral, como era o caso, e quando são nulas ou quase, as taxas de juro pelas aplicações de capital sem risco.
IX - Perante um agregado familiar de 3 pessoas e com rendimento de ambos os membros do casal, ainda que fosse menor o de um deles, entendemos ajustado valorar que a vítima despenderia consigo cerca de 1/3 do rendimento que angariava, sendo essa igualmente a medida da perda aquisitiva da viúva, e devendo a compensação da Apelante a título de lucros cessantes equivaler à medida dos ganhos do lesado que reverteriam a seu favor, entende-se equitativo cifrar a indemnização a este título em 128.000,00 €.
X - Não resultando dos princípios gerais respeitantes às responsabilidades parentais uma idade que constitua o termo para a obrigação dos pais sustentarem os filhos, para efeitos de um juízo equitativo na sede da atribuição de compensação por danos futuros, podemos servir-nos, a título de indicador quanto ao tempo normalmente requerido para que a formação de um filho se complete, da idade de 25 anos a que alude o artigo 1905.º, n.º 2, do CC, considerada pelo legislador como sendo o limite razoável até ao qual o processo de educação ou formação profissional do filho maior deva estar concluído, sendo equitativa a indemnização de 55.000,00 €.
XI - Em acidente simultaneamente de viação e de trabalho, tendo os lesados instaurado a presente acção contra a seguradora automóvel, pedindo indemnização pelos danos futuros decorrentes da perda da retribuição do falecido, que parcialmente já haviam obtido da seguradora laboral, e tendo esta deduzido intervenção principal na causa, para obter da seguradora do lesante o reembolso de tais montantes das pensões que pagou aos AA., condenada esta nesse pagamento, sob pena de duplicação da indemnização pelos mesmos danos, há que deduzir da indemnização a título da mesma classe de danos arbitrada nestes autos, a quantia já recebida pelos lesados, e que deles já não poderá ser futuramente reclamada pela seguradora laboral que optou pelo pedido de reembolso directamente da seguradora do lesante.
XII - Os AA., respectivamente viúva e filho da vítima, têm, em conjunto, legitimidade substitutiva para requerer o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima até ao momento da morte, devendo a indemnização devida pelas dores e sofrimento muito intensos que a falecida vítima teve antes da morte, fixar-se em 15.000,00 €.
XIII - Tendo a vítima 33 anos de idade, sendo saudável e sem deficiência, imigrante que tinha conseguido fazer a sua vida e estabelecer-se em Portugal, exercendo as funções de pedreiro, esforçando-se para conseguir ter uma vida digna, casado há cerca de 5 anos e com um filho de 4 anos de idade, que vivia e trabalhava para dar uma vida digna à sua família, tendo a seu cargo a sua esposa, e o seu filho, tendo uma vida profissional e pessoal activa, sendo socialmente bem inserido, sendo muito trabalhador, esforçado e batalhador, e tendo o acidente que o vitimou ocorrido quando se encontrava a trabalhar, sem qualquer responsabilidade da sua parte, considerando os valores mais recentemente atribuídos para compensação do dano morte, entendemos ser mais justa e equitativa do que a arbitrada na sentença recorrida, a indemnização de 90.000,00 €, a título de compensação à viúva e filho do lesado, pelo dano da morte do seu marido e pai.
XIV - Reputamos ainda justa e equitativa a quantia de 30.000,00 €, devida a cada um dos autores para ressarcimento dos seus próprios danos não patrimoniais decorrentes da perda do seu marido e pai, não vislumbrando razão para proceder à distinção entre os valores devidos a este título, habitualmente superiores para os cônjuges, quando, das regras da experiência extraímos que o sofrimento que comummente mais perdura será até o da perda de algum dos progenitores. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I - RELATÓRIO
1. A… e F…, instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra … Companhia de Seguros SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia total de 516.160,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a data do acidente e até efectivo e integral pagamento, sendo: 15.000,00 € a título de indemnização pelo sofrimento da vítima desde a data do acidente até à data da sua morte; 100.000,00 € a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima; 35.000,00 € a A…, a título de indemnização pelo sofrimento da perda do seu marido; 45.000,00 € a F… a título de indemnização pelo sofrimento da perda do seu pai; e 321.580,00 € a título de lucros cessantes resultantes do que a vítima iria auferir até à idade da reforma e depois desta.
Em fundamento da sua pretensão alegaram, em síntese, que, no dia 27 de Novembro de 2015, ocorreu um acidente de viação na sequência do qual faleceu V…, marido e pai, respectivamente, dos 1.ª e 2.º Autores, que foi embatido pelo veículo automóvel de matrícula …GZ, segurado na Ré, sendo o condutor deste último responsável pela ocorrência do sinistro por, para além de conduzir sob a influência do álcool, não ter adequado a velocidade a que seguia de forma a não embater na vítima que se encontrava a trabalhar na via, então devidamente sinalizada.

2. A R. contestou, aceitando a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente aqui em causa, por via do invocado caso julgado relativamente aos factos da sentença penal condenatória do condutor do veículo, defendendo, no entanto, que são excessivos os danos e os montantes peticionados, e impugnando parte dos danos invocados.
Mais formulou pedido de intervenção principal provocada das Seguradoras …, SA, para que venha aos autos deduzir o respetivo pedido de reembolso das quantias que tenha pago aos Autores relativas ao acidente de viação dos autos, que foi simultaneamente um sinistro de trabalho; e solicitou a intervenção acessória provocada de M…, com fundamento no facto deste, enquanto interveniente no acidente de viação em causa nos autos, ser responsável pelo mesmo e conduzir sob a influência do álcool.
3. Admitidas as requeridas intervenção principal e acessória, Seguradoras …, SA, apresentou articulado pedindo a condenação da Ré … Companhia de Seguros SA, no pagamento da quantia de 42.104,58 €, relativa a indemnização pelo acidente de trabalho sofrido por V… do qual resultou o seu falecimento, acrescida de juros vencidos desde a data dos pagamentos efetuados até integral pagamento, e M… deduziu contestação cujo desentranhamento foi determinado.

4. O Instituto de Segurança Social, IP, deduziu pedido de reembolso contra a Ré pedindo o pagamento das prestações por morte de V…, pagas à Autora na qualidade de viúva, e ao Autor, filho menor, entre Dezembro de 2015 e Janeiro de 2019, no valor total de 7.168,18 €, acrescido das prestações pagas na pendência da acção e de juros de mora desde a notificação, até integral pagamento.

5. A Ré … Companhia de Seguros, SA, deduziu contestação ao articulado da Seguradoras …, SA, impugnando os valores invocados como pagos aos herdeiros do sinistrado, bem como o teor dos documentos juntos, e apresentou contestação ao pedido de reembolso do Instituto de Segurança Social, IP, aduzindo desconhecer a factualidade alegada e impugnando a certidão de pagamentos apresentada, invocando que os eventuais valores pagos devem ser deduzidos ao montante indemnizatório a fixar.

6. Na audiência prévia foi proferido despacho saneador que fixou o valor da acção, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, tendo sido considerada assente a factualidade relativa à dinâmica do acidente de viação e à condução sob o efeito do álcool, bem como o teor dos artigos 6.º a 35.º da contestação da Ré … Companhia de Seguros SA (fls. 360).

7. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decide-se:
a) Condenar a Ré … Companhia de Seguros SA a pagar aos autores a quantia total de 310.000,00 nos seguintes termos:
i. Aos Autores A… e F… em conjunto, na qualidade de herdeiros de V…, o valor total de € 85.000,00, sendo € 80.000,00 pela perda do direito à vida e € 5.000,00 pelo sofrimento da própria vítima;
ii. à Autora A… a quantia de € 45.000,00, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento causado pela morte de V… e € 80.000,00 por danos patrimoniais;
iii. ao Autor F… a quantia de € 45.000,00, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento provocado pela morte de V… e € 55.000,00 por danos patrimoniais, sendo todas as quantias de i. a iii. acrescidas de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis;
2) Condenar a Ré … Companhia de Seguros SA a pagar ao Instituto de Segurança Social, IP- Centro Distrital de Faro a quantia de € 7.168,18, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido de reembolso à Ré até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis;
3) Condenar a Ré … Companhia de Seguros SA a pagar à Seguradoras …, SA a quantia de € 42.104,58, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido de reembolso à Ré até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis;
4) Absolver a Ré do demais peticionado».

8. Inconformada, a Ré apelou, finalizando a respectiva minuta recursória com as seguintes conclusões:
«1) Andou mal o Tribunal a quo, porquanto, sendo a idade de reforma 66 anos (Portaria n.º 50/2019, de 8 de fevereiro) e tendo a vítima à data do óbito 33 anos, considerou, para efeitos de cálculo dos lucros de cessantes, 35 anos ao invés de 33 anos, o que, atenta a idade da A., sendo plausível que a mesma venha a refazer a sua vida afetiva e familiar, e ponderado conjuntamente com os fatores levados em conta pelo Tribunal a quo, designadamente que o falecido V… teria despesas/gastos consigo e o facto de a indemnização ser paga de uma só vez (justificando-se um desconto no valor achado), necessário será concluir que a quantia arbitrada à A. €: 80.000,00 e ao A. de €: 55.000,00 não se afigura como justa e, muito menos, equitativa, devendo ser reduzida em conformidade.
2) Mal andou igualmente o Tribunal a quo, ao condenar a Ré, ora Recorrente, no pagamento €: 80.000,00 à A. A… e €: 55.000,00 ao A. F… a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) e, simultaneamente, condenar a Ré a pagar à Interveniente Seguradoras …, S.A., a quantia de €: 42.104,58, a título de reembolso da indemnização paga aos AA. no âmbito do processo de acidente de trabalho, sem proceder à dedução de igual quantia na indemnização arbitrada aos AA.
3) Considerando que o pedido feito pelos AA. nos presentes autos, destina-se a colmatar os lucros cessantes que a vítima iria auferir até à idade da reforma; e que, há, nos presentes autos, intervenção da seguradora de acidente de trabalho e, consequentemente, um efectivo exercício do direito de sub-rogação (inexistindo consequentemente qualquer desvinculação da responsabilidade da Ré), é pacífico na jurisprudência que, em caso de acidente de viação que seja simultaneamente acidente de trabalho, as respectivas indemnizações, não são cumuláveis, mas complementares;
4) E, ainda que a responsabilidade infortunística civil assuma o carácter principal, isso não pode jamais resultar no pagamento por parte do Ré de duas indemnizações pelo mesmo dano: uma aos AA. e outra à Interveniente – veja-se designadamente, o acórdão do STJ de 15/02/2018, Proc. 4084/07.2TBVFX.L1.S1 (in www.dgsi.pt) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2012 (Proc. n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1), in www.dgsi.pt.
5) Ora, tendo o Tribunal a quo dado como provado (facto provado 20) que “A Seguradoras …, SA, no âmbito do acidente de trabalho de V…, pagou aos Autores a quantia total de € 42.104,58, sendo que, para além do valor referido em 19) ao Autor F… a interveniente pagou a pensão anual e temporária de € 1.732,62 desde o dia seguinte ao da morte do sinistrado, tendo esta pensão sido atualizada para o montante de 1.739,60 a partir de 01-01-2016 até 6 de Junho de 2016, tendo pago o montante de € 1.126,24 a título de pensão anual temporária e, desde o dia 6 de Junho de 2016 até à presente data pagou o montante de € 4.783,90 a título de pensão anual temporária a F… e pagou ainda aos Autores aos referidos beneficiários o montante de € 5.533,68 a título de subsídio de morte (artigos 35º a 39º do articulado das Seguradoras …, SA).”, necessário será concluir que os AA. foram ressarcidos dos danos (lucros cessantes) naquele montante no âmbito do processo laboral.
6) Em suma, sendo a Ré condenada a pagar à Congénere Seguradoras … (ao abrigo do direito de sub-rogação) o valor por aquela pago no âmbito do acidente de trabalho a título de danos patrimoniais, necessariamente se terá de concluir que com essa condenação e respectivo pagamento à Congénere ficará saldada a responsabilidade da Ré para com os AA. em igual montante quanto aos lucros cessantes, e que, com a condenação da Ré no pagamento à Congénere daquele montante ficará extinto o direito de reembolso daquela Interveniente contra os lesados, os AA..
7) Inquestionável é que, tratando-se do mesmo dano, o qual não pode ser objecto de dupla indemnização. Sendo a Ré devedora das Seguradoras … não pode ser simultaneamente devedora dos AA. daquele montante (já adiantado pela Congénere), sob pena de levar, no caso concreto, a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido na duplicação ou acumulação material de indemnizações, revertendo aquele montante em benefício dos lesados consumando-se num verdadeiro enriquecimento sem causa.
8) Mal andou pois, o Tribunal a quo, ao duplicar a quantia indemnizatória por conta dos mesmos danos, devendo o valor indemnizatório por lucros cessantes a pagar aos AA. ser descontado do valor em que a Ré foi condenada a pagar à Seguradoras … no âmbito dos mesmos danos por acidente de trabalho,
9) Ou, caso assim não se entenda, ser a Ré absolvida do pedido de reembolso da Seguradoras Unidas, por ser aquele reembolso devido pelos AA. e não pela Ré.
10) Quanto aos danos não patrimoniais peticionados, os mesmos, em face da matéria dada como provada, afiguram-se claramente excessivos e injustificados.
11) Conforme tem vindo a ser reconhecido jurisprudencialmente, “Para ressarcir o dano não patrimonial ante morte torna-se necessário provar no mínimo a ocorrência de dores, ou sofrimento, ou a consciência da possibilidade do decesso”, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21.02.2018, disponível em www.dgsi.pt.
12) Seguindo de perto o Acórdão do STJ de 28.11.2013, também disponível em www.dgsi.pt, “2. Não se deve confundir a equidade com a mera arbitrariedade ou com a entrega da solução a critérios assentes no puro subjectivismo do julgador, devendo aquela traduzir a “justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”. 3. O dano sofrido pela vítima antes de morrer varia em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas, a existirem, se teve consciência de que ia morrer.”
13) Não se poderá deixar igualmente de atender à Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, a qual estabelece critérios indemnizatórios a ser seguidos em casos análogos; e, tendo o falecido sobrevivido cerca de 13 horas após o sinistro (factos provados 2 e 7), não resultando provado que o mesmo teve consciência de que ia morrer, estabelece a citada Portaria um valor indemnizatório não superior € 2.200,00 como sendo justo e equitativo.
14) Quanto ao direito à vida, sendo inquestionavelmente um direito supremo, não se entende como justo e, muito menos, equitativo, a quantia arbitrada pelo douto Tribunal a quo; e, chamando novamente à colação a citada Portaria, estabelece esta, como valor ajustado para as vítimas de idade semelhante à do sinistrado, uma quantia na ordem dos € 55.000,00.
15) E, mesmo jurisprudencialmente, o valor reclamado mostra-se desfasado da realidade indemnizatória nacional, vide, designadamente, o acórdão datado de 12.09.2013, o Supremo Tribunal de Justiça, disponível em www.dgsi.pt, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.02.2018, em www.dgsi.pt, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/11/2016 (Proc. 6/15.5T8VFR.P1.S1, pelo que, sendo o valor arbitrado excessivo deverá ser em conformidade reduzido.
16) Finalmente, quanto à perda de um familiar, marido e pai, sempre se dirá que a indemnização arbitrada pelo douto Tribunal a quo, mais do reparar qualquer dano, permitiria outrossim, colocar os respectivos beneficiários em clara situação de benefício pecuniário.
17) A citada Portaria 377/2008, de 26-05, visou fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação, aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do DL 291/2007, de 21-08 (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5.ª Directiva automóvel – Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-05) – e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal).
18) Designadamente estabeleceu critérios que visam, pese embora possam ser pontualmente temperados com factores subjectivos, ser o mais objectivos possível,
19) E, em situações análogas fixam valores indemnizatórios na ordem dos € 22.000,00 para a viúva e de € 16.500,00 para o filho menor, não se descortinando qualquer razoabilidade na atribuição de valores indemnizatórios superiores aos estabelecidos legalmente, Termos em que, sendo o valor arbitrado excessivo deverá igualmente ser reduzido».

9. SEGURADORAS …, S.A., Interveniente Principal, apresentou RESPOSTA às alegações, concluindo que deve «o presente recurso ser julgado totalmente improcedente na parte em que é requerida a absolvição da Recorrente do pedido de reembolso formulado pela Interveniente Principal “Seguradoras …, S.A.”, confirmando-se, em consequência, o segmento decisório constante no n.º 3 da sentença recorrida».

10. Os AA. apresentaram resposta à alegação da Ré, e recurso subordinado, concluindo que:
«I. Quanto ao recurso interposto pela recorrente companhia de seguros, deve o mesmo ser julgado improcedente.
II. Quanto ao recurso subordinado deve o mesmo ser julgado procedente e:
a. Fixado € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização pelo sofrimento da vítima, desde a data do acidente até à sua morte;
b. € 100.000,00 (cem mil euros), a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima.
c. A título de danos patrimoniais: € 321.580,00 (trezentos e vinte e um mil e quinhentos e oitenta euros), a título de lucros cessantes, resultantes do que a vítima viria a auferir até à idade da reforma, e depois da vida activa o valor da reforma e demais rendimentos que lhe seria possível obter, valor que à falta de outros critérios deve ser fixado por equidade.
d. No mais deve a sentença ser mantida nos seus precisos termos».

11. A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso subordinado, por considerar «que a decisão recorrida, a merecer algum reparo nesta sede, será por pecar por excesso e não por defeito no quantum indemnizatório».

12. Observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistas as conclusões do recurso principal e subordinado, as questões a apreciar respeitam ao quantum indemnizatório arbitrado pela sentença recorrida para ressarcimento: i) do sofrimento da vítima ante morte; ii) da perda do direito à vida, iii) dos danos não patrimoniais devidos pelo sofrimento causado pela morte da vítima aos AA; iv) dos danos patrimoniais decorrentes da perda do rendimento do falecido marido e pai dos AA; v) e finalmente, se ao valor encontrado deve descontar-se o montante pago à Seguradora do acidente de trabalho ou, em alternativa, se deve a Ré/Apelante ser absolvida do pedido de reembolso por esta formulado e o mesmo ser satisfeito pelos AA.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1) Os Autores A… e F… são respetivamente viúva e filho de V… (artigo 1º da petição inicial).
2) No dia 27 de novembro de 2015, cerca das 17.40 horas, o condutor do veículo automóvel de marca Opel, modelo Tigra, com a matrícula …GZ, conduzia o seu veículo no sentido de marcha Quarteira/Loulé, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool de 1,216 g/l de sangue (artigos 6º e 17º da petição inicial).
3) Antes de chegar ao Km 19,00 da E.N. n.º 396, o condutor do veículo de matrícula …GZ deparou com a sinalização vertical temporária, colocada de forma correta, indicando trabalhos/obras de requalificação/reestruturação da via, sinalização essa que não respeitou, mesmo estando o piso irregular, com gravilha e com zonas sem alcatrão, sem marcas separadoras de vias de trânsito e linhas limites de faixa de rodagem e não adequou a sua condução ao estado da via e entrou em despiste, invadindo o lado esquerdo da via, atravessando-a sem sequer acionar os respetivos mecanismos de travagem e embatendo em V… que se encontrava a construir uma valeta em betão para águas pluviais e, que estava devidamente equipado com colete refletor e capacete e cujo corpo foi projetado, tendo caído no solo a cerca de cinco metros do local do embate, tendo o condutor do veículo de matrícula … GZ apenas conseguido imobilizar o veículo alguns metros mais à frente junto a uma árvore ali existente (artigos 7º a 12º da petição inicial).
4) O local onde ocorreu o embate tem boa visibilidade e a estrada estava em mau estado de conservação devido aos trabalhos que ali ocorriam, estando por isso devidamente sinalizada e com a antecedência necessária, tendo como limite de velocidade 30 km/h, sendo as condições climáticas boas (artigos 15º e 16º da petição inicial).
5) O condutor do veículo de matrícula…GZ agiu de forma livre e consciente, representando como previsível o resultado da sua conduta, sendo certo que outro comportamento e cuidado lhe eram exigíveis por lei, pois sabia que a condução automóvel é uma atividade perigosa e suscetível de colocar em causa a vida dos demais utentes da via pública, apesar disso, conduziu nas circunstâncias referidas em 3) convencido de que não provocaria qualquer embate e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (artigos 24º e 25º-parte, da petição inicial).
6) Como consequência do embate, V… não perdeu de imediato a consciência e sofreu lesões na zona da cabeça: sufusões sanguíneas subepicranianas; infiltração sanguínea da região occipital; hemorragia subdural e subaracnoideia discretas posteriores, bem como lesões na zona do tórax: fraturas pelos arcos anteriores da 1ª, 3ª, 4ª, 6ª e 7ª costelas direitas, pelos médios da 2ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e 9ª, rodeadas de infiltração sanguínea; fraturas pelos arcos anteriores da 4ª e 5ª costelas esquerdas, rodeadas de infiltração sanguínea e ainda lesões na zona do abdómen (cavidade peritoneal suja de sangue, presença de infiltração sanguínea retroperitoneal; cólon transverso com rotura; fratura multiesquirolosa da bacia, com desarticulação), lesões essas que lhe causaram a morte (artigos 13º e 14º da petição inicial).
7) Em consequência do embate, V… foi conduzido para o Hospital de Faro, onde deu entrada no mesmo dia, pelas 19.05 horas, tendo-lhe sido detetadas as lesões referidas em 6) e tendo sido submetido a uma cirurgia ainda na mesma data, pelas 21.47 horas, tendo piorado e tendo falecido pelas 06.30 horas do dia 28 de novembro de 2015 (artigos 40º a 43º da petição inicial).
8) O condutor do veículo de matrícula …GZ, na sequência dos factos descritos de 2) a 5), foi condenado, em autoria material e concurso real, [pela prática] de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo artigo 137º, n.º 1 e 69, n.º1 al. a) do Código Penal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelos artigos 292º e 69º, nº1 al. a) do Código Penal, por sentença transitada em julgado proferida no processo n.º 954/15.2GBLLE, que correu termos no Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Loulé cujo teor de fls. 187 a 210 se dá por integralmente reproduzido (artigo 25º-parte da petição inicial).
9) V… faleceu aos 33 anos de idade (artigo 49º da petição inicial).
10) V… e a Autora A… casaram em 20 de novembro de 2010 e F…, filho de ambos, nasceu em 29 de janeiro de 2011 (artigo 52º da petição inicial).
11) V… tinha uma vida ativa, profissional, pessoal e era socialmente bem inserido, era saudável e não padecendo de qualquer deficiência, sendo muito trabalhador, esforçado e batalhador, esforçando-se para conseguir ter uma vida digna (artigo 50º da petição inicial).
12) V… era imigrante e tinha conseguido fazer a sua vida e estabelecer-se em Portugal (artigo 51º da petição inicial).
13) V… vivia e trabalhava para dar uma vida digna à sua família, tendo a seu cargo a sua esposa, A…, e o seu filho F…, suportando as despesas de alimentos, vestuário, educação e escolares, médicas e medicamentosas, sujeitando-se para o efeito a um trabalho no âmbito do qual veio a falecer, contribuindo a Autora igualmente para as despesas domésticas num trabalho a tempo parcial no qual auferia € 279,00 líquidos por mês (artigo 53º da petição inicial).
14) A Autora sentiu grande aflição vendo o seu marido hospitalizado e sofreu grande dor pois não se consegue conformar com a morte do seu marido, sofrendo dia após dia, com a saudade e o desgosto que a transtornou (artigos 57º e 61º da petição inicial).
15) A Autora estava habituada à companhia e apoio do seu marido, não tendo outros familiares em Portugal (artigos 58º e 59º da petição inicial).
16) O casal sempre se deu muito bem, traduzindo um ambiente familiar muito saudável e positivo e com muita cumplicidade, razão pela qual conseguiram atravessar o difícil processo de imigração de ambos, conseguindo construir a sua vida em Portugal (artigo 60º da petição inicial).
17) O Autor F…, durante muito tempo após ter tido conhecimento do óbito do pai, o que só correu cerca de 2 meses depois da sua morte por a mãe lhe dizer até essa data que estava doente, perguntava pelo seu pai, dizendo que o queria ver e não percebendo porque é que ele tinha ido embora, ainda sentindo atualmente saudades do pai (artigo 65º da petição inicial).
18) Na data do embate V… trabalhava na empresa …, Lda. com sede na Rua dos … Vilamoura, exercendo funções de pedreiro e auferindo mensalmente, o valor de € 545,00 de salário (artigo 74º da petição inicial).
19) V… encontrava-se no exercício da sua atividade profissional no momento do embate referido em 3), sinistro que foi objeto de transação entre a Autora e a Companhia de Seguros…, SA, em 10 de maio de 2016, no âmbito do processo nº 3057/15.6T8FAR, no qual a seguradora pagou à Autora a quantia de € 30.664,40 a título de capital de remição referente a uma pensão anual e vitalícia de € 2.599,03 (artigos 24º e 25º da contestação da Ré).
20) A Seguradoras …, SA, no âmbito do acidente de trabalho de V…, pagou aos Autores a quantia total de € 42.104,58, sendo que, para além do valor referido em 19), ao Autor F… a interveniente pagou a pensão anual e temporária de € 1.732,62 desde o dia seguinte ao da morte do sinistrado, tendo esta pensão sido atualizada para o montante de 1.739,60 a partir de 01-01-2016 até 6 de Junho de 2016, tendo pago o montante de € 1.126,24 a título de pensão anual temporária e, desde o dia 6 de Junho de 2016 até à presente data pagou o montante de € 4.783,90 a título de pensão anual temporária a F… e pagou ainda aos Autores aos referidos beneficiários o montante de € 5.533,68 a título de subsídio de morte (artigos 35º a 39º do articulado das Seguradoras …, SA).
21) O proprietário do veículo automóvel de matrícula … GZ transferiu para a Ré … Companhia de Seguros SA mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 008410606910000, a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação provocados pelo referido veículo (artigo 3º da petição inicial).
22) O Instituto de Segurança Social, IP pagou à Autora, a título de pensão de sobrevivência na sequência do óbito de V…, no período de 2015/12 a 2019/01 o montante global de € 7.168,18 (artigos 2º e 3º do pedido de reembolso)».
A respeito dos factos «não provados» consignou-se: «Não se provaram quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada»[4], relevando atentar de entre esses, nos seguintes:
- Que a vítima esteve em sofrimento durante 13 horas – art. 44º da p.i.;
- Que para além do referido em 14), aquando da hospitalização do marido, a A. se tenha apercebido que o marido estava “cada vez mais perto da morte” (art. 61º da p.i.).
Ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC, encontra-se ainda provado, por documento e acordo, que:
- V… nasceu em 11 de Março de 1982.
- Consta no relatório do Hospital de Faro[5], para além do demais referente a paciente admitido por “Choque hemorrágico em doente politraumatizado + CIV”, classificado como “Politraumatizado grave”, com “choque hemorrágico com DMO (neurológica, respiratória, cardiovascular, renal, hematológica, metabólica), coagulação intravascular disseminada”, relativamente ao qual foi tentado contacto com St.ª Maria, que: “à chegada da primeira equipa INEM” e “no percurso da transferência, doente consciente”; aquando da admissão, pelas 19:08h, a vítima apresentava “fractura exposta do membro inferior direito, ferida no membro superior direito” e referia “dor torácica”, que foi avaliada pela Enf.ª no grau 8 numa escala de 0-10; Pelas 19:29h, foi anotado “à entrada na SR doente consciente”… (morf. admt), “instável e com dor”, “pain scale 10/10”; pelas 21:46, foi anotado: “doente em choque grave, com dor abdominal”, “Mau prognóstico”, “Indicação operatória”, “estado do paciente: piorou”; Pelas 21:48, foi anotado: “vítima de atropelamento. À chegada consciente e orientado, muito queixoso”, “com a SIV fez 1000ml de SF 0,9% + metoclopramida 10 mg EV + morfina 4cc); “Foi ao BO: durante o intra-operatório doente sempre hemodinamicamente instável, PCR que reverteu após 10 minutos de manobras de SAV”; “Durante internamento na UCIP, doente com evolução desfavorável”, “sendo necessário iniciar adrenalina” e ser “politransfundido”.
- Para além do salário referido em 18) multiplicado por 14, Vasile Curca recebia ainda subsídio de alimentação no valor de 93,94 €, durante 11 meses, encontrando-se transferida para a Companhia de Seguros Tranquilidade, a totalidade da retribuição anual de 8.663,34 €[6].
- No mês de Novembro de 2015, consta no recibo de vencimento do falecido, que recebeu por “ajudas de custo” o valor de 315,04 €[7].
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III.2. – O mérito dos recursos
III.2.1. Considerações gerais
Na presente acção os Autores, ora também Recorrentes, alegaram factos tendentes a demonstrar a culpa efectiva e exclusiva do condutor do veículo segurado na ré na produção do acidente de viação objecto dos autos, que vitimou V…, marido da 1.ª Autora e pai do 2.º Autor, quando o mesmo se encontrava a exercer a sua actividade profissional, alegando ainda factos tendentes a demonstrar que, em consequência daquele evento, tanto o falecido como eles, sofreram danos não patrimoniais e estes ainda danos patrimoniais (lucros cessantes), cujo ressarcimento reclamam.
Estamos, pois, perante um acidente que é simultaneamente de viação e de trabalho, sendo pacífico o entendimento vertido no recente aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 04-06-2020[8], de que «perante a natureza dual do acidente quem deve responder em 1.ª linha pelo ressarcimento dos danos é o responsável pela reparação do acidente de viação», apreciando-se infra a questão de saber como se articulam as vertentes indemnizatórias em presença.
Assim, por força do contrato de seguro celebrado entre o proprietário do veículo e a ré seguradora e titulado pela apólice junta aos autos, não sofre dúvida que esta é a responsável pela satisfação aos lesados dos danos emergentes do evento danoso decorrente de culpa exclusiva do condutor daquele veículo, já que nos termos do artigo 64.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório, como acontece no caso dos autos.
Nos termos do disposto no artigo 483.º do Código Civil[9] “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação", não sofrendo contestação o facto de todos os pressupostos da responsabilidade civil se encontrarem verificados na situação em presença.
Efectivamente, a matéria de facto alegada pelos AA. relativamente à dinâmica do acidente veio a ser aceite pela ré seguradora e considerada provada com base no acordo das partes constante da audiência prévia e ainda na documentação e certidão da sentença proferida no processo crime n.º 954/15.2GBLLE, não estando consequentemente em causa no presente recurso o facto de a responsabilidade pelo sinistro se dever a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré, nem os danos decorrentes do mesmo para a vítima e para os autores, constantes da matéria de facto provada e supra descrita – que nenhuma das partes impugnou –, restringindo-se as questões colocadas à apreciação por este Tribunal da Relação, do quantum indemnizatório adequado ao ressarcimento de tais danos, que será tratado conjuntamente na parte em que a pretensão recursiva da R. e dos AA., sendo oposta, já que estes pretendem obter por via do recurso um valor superior ao encontrado na decisão recorrida e aquela entende que o arbitrado é excessivo, respeita ao mesmo tipo de dano.
Porque a pretensão da Ré/Recorrente, em todas as vertentes impugnadas, tem como fundamento orientador da pretendida diminuição da indemnização encontrada em primeira instância os valores indemnizatórios para o tipo de danos em presença decorrentes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, que como aquela nota, «visou fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação, aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do DL 291/2007, de 21-08 (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5.ª Directiva automóvel – Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-05) – e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal», importa deste já assentar que o critério legal fundamental para a fixação da indemnização devida pelo danos patrimoniais na vertente dos peticionados “lucros cessantes”, como especialmente pelos danos não patrimoniais sofridos, é a equidade[10].
Por isso, na esteira da jurisprudência unanimemente afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, vimos referindo que os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial, não vinculando os tribunais. Consequentemente, os mesmos não se sobrepõem ao sobredito critério fundamental para a determinação judicial destas indemnizações, a equidade, de harmonia com o preceituado nos artigos 4.º, alínea a), 494.º, 496.º, n.º 4, e 566.º, n.º 3, todos do CC[11], lembrando-se, aliás, que o legislador, logo frisou «que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas», e expressamente declarou no n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 377/2008, que «as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos».
Vale isto por dizer que a comparação entre os valores substancialmente inferiores a que se chegaria para efeitos de apresentação de proposta razoável pela seguradora aos lesados, não implica, como a Recorrente parece entender, que o tribunal a quo se tenha afastado de um julgamento equitativo da situação em presença, o que abaixo apreciaremos, tanto mais quando vozes autorizadas têm assinalado que «as ofertas muito baixas[12], feitas pelas seguradoras às vítimas de sinistros, agora apoiadas pelas infelizes portarias do Governo, têm ainda uma dimensão da maior injustiça»[13], mormente quando é sabido que, apesar do anúncio referente a actualizações anuais, que o artigo 13.º da citada Portaria continha, de que «anualmente, até ao final do mês de Março, são revistos todos os critérios e valores constantes na presente portaria, sendo os valores automaticamente actualizados de acordo com o índice de preços no consumidor (total nacional, excepto habitação)», apenas ocorreram as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho.
Não obstante, os factores ali avançados podem evidentemente ser ponderados pelo julgador, mormente porque se lhe impõe a prossecução do princípio da igualdade, o que, sem deixar de atender às especificidades do caso concreto, implica a procura, tanto quanto possível, de uma uniformização de critérios, tarefa para a qual as indicadas tabelas podem contribuir, atenta a objectividade dos factores ali referidos, sem prejuízo de, como era entendimento de pretérito a respeito de outras tabelas matemáticas e vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de uma tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade[14].
Deve ainda ter-se presente, que a indemnização a encontrar num juízo equitativo há-de ser tendencialmente consentânea com a que tem vindo a ser encontrada pelos Tribunais Superiores, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, mormente para situações que se apresentem com alguma semelhança com a dos autos, pelo que deve cumprir-se ainda o que dispõe o artigo 8.º do CC, de acordo com o qual a justiça do caso concreto há-de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.
Finalmente, importa ainda atentar que, na atribuição da indemnização decorrente de acidente de viação, conforme realçado no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2011[15], relativamente às circunstâncias aludidas no artigo 494.º do CC, «é desprovida de sentido a ponderação da situação económica do lesante nos casos em que não é o património deste mas de terceiro, designadamente a seguradora a suportar o pagamento da indemnização».
Vejamos, pois, à luz deste enquadramento genérico e daquele que respeita a cada um dos segmentos da decisão recorrida que importa sindicar, se o quantum indemnizatório encontrado em primeira instância para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais impugnados, merece ou não a censura que lhe fazem os Apelantes, seguindo a ordem de apreciação nesta efectuada.
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III.2.2. – Dos danos patrimoniais
III.2.2.1. Perda do rendimento do falecido marido e pai dos AA
Convocando o disposto nos artigos 562.º e 563.º do CC, peticionou a autora, por si e em representação do seu filho menor, o pagamento de uma indemnização que computou em 321.580,00 €, a título de dano patrimoniais (lucros cessantes) decorrentes da perda do rendimento auferido pela vítima, cabendo-lhe a si 240.870,00 €, que “corresponde à sua meação acrescida da metade na partilha com o filho”; e a este 80.290,00 €, “correspondente à sua parte na partilha com a mãe”.
A respeito desta pretensão ponderou-se na sentença recorrida que «no caso sub judicie, à data do óbito a vítima tinha 33 anos, teria cerca de 44 anos de esperança média de vida (segundo os últimos dados do I.N.E. a mesma é de 77 anos para os homens e de 83 para as mulheres) e cerca de 35 anos de tempo provável de vida ativa (considerando que a idade de reforma tem vindo sucessivamente a ser aumentada) auferia um vencimento mensal líquido de cerca de € 545,00 deste vencimento seria razoável que 2/3 do mesmo fosse para fazer às despesas domésticas, ou seja, € 363,33 (€ 363,33 x 14 = 5.128,62x35=179.501,70), despesas domésticas essas que se reduzirão um pouco à medida que o filho se tornar independente, sendo certo que se apurou que a Autora exercia uma atividade laboral a tempo parcial na qual auferia € 279,00 líquidos mensais, sendo plausível que venha a refazer a sua vida afetiva e familiar.
Relativamente ao filho, que tinha 4 anos na data do óbito do pai, será apenas expectável que viesse a precisar de alimentos deste até aos 25 anos de forma a garantir a sua formação profissional e entrada no mercado de trabalho.
Ora, tendo em atenção que àquela quantia há que proceder a um desconto (de cerca de 1/5) em função de ser recebida de uma só vez e em função também destes factos afigura-se-nos equilibrado arbitrar à Autora a quantia de € 80.000,00 e ao Autor a quantia de € 55.000,00».
Insurge-se a Ré seguradora, considerando que, «atento o facto de a idade de reforma ser de 66 anos (Portaria n.º 50/2019, de 8 de fevereiro) e que a vítima tinha à data do óbito 33 anos, para efeitos de cálculo dos lucros de cessantes deveria o Tribunal a quo ter considerado 33 anos ao invés dos 35 anos efectivamente considerados. (…)
Termos em que, ponderados estes fatores conjuntamente com os fatores já levados em conta pelo Tribunal a quo, designadamente que o falecido V… teria despesas/gastos consigo e o facto de a indemnização ser paga de uma só vez (justificando-se um desconto no valor achado), necessário será concluir que a quantia arbitrada à A. €: 80.000,00 e ao A. de €: 55.000,00 não se afigura como justa e, muito menos, equitativa, devendo ser reduzida em conformidade».
Por seu turno, os Apelantes defendem que deveria ter sido arbitrada a indemnização a este título pelo valor peticionado, por não haver razão para as reduções aplicadas, devendo antes calcular-se a indemnização devida, tendo presente os critérios que indicaram, porque a vítima contribuía com todo o seu salário para os encargos da vida familiar, sendo que a indemnização paga de uma só vez não traz uma vantagem significativa, por ser de todos sabido que a aplicação financeira do dinheiro não tem qualquer rentabilidade, nos dias de hoje.
Vejamos.
Pese embora no campo da responsabilidade civil extracontratual, em que ora nos movemos, o princípio geral seja a circunscrição da reparabilidade pelo lesante dos “danos causados ao titular dos bens imediatamente atingidos pelo facto danoso, e não já os de terceiro”, e a regra geral vertida no artigo 483.º, n.º 1, do CC, seja tradicionalmente vista como apenas sustentando o pedido de indemnização por banda daquele “cujo direito absoluto ou cujo interesse protegido por uma norma jurídica de protecção foi lesado” [16], o campo fértil das situações de vida em que, por via da lesão directa causada à vítima de um facto ilícito, o lesante atinge reflexamente terceiros relativamente àquele evento danoso, levou o legislador a tutelar directamente algumas situações mais frequentes, alargando o âmbito daqueles cujo interesse é protegido por via de concretas normas jurídicas de protecção.
Na espécie, ambos os autores, por serem, respectivamente, mulher e filho do falecido, alegando e provando que o vencimento deste era utilizado na satisfação dos encargos da vida familiar, e que deixaram de contar com tal valor em consequência da morte, demonstraram a ocorrência do dano para si decorrente dessa perda patrimonial, pelo que numa leitura actualista das virtualidades que aquela regra geral encerra sempre teriam direito a indemnização pelo rendimento perdido, que os tornasse indemnes, fundada nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do CC, e calculada de harmonia com os critérios previstos nos artigos 563.º, 564.º e 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC, porquanto o dever de indemnizar compreende os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo eles inquestionavelmente lesados pela falta da receita perdida pelo agregado familiar com a morte da vítima do acidente.
No caso em apreço, a questão de saber se estamos ainda perante lesados directos pela miríade de consequências danosas que um evento dinâmico como um acidente de viação pode trazer, apesar de apenas mediatamente afectados por este, perde relevância porquanto o legislador veio expressamente tutelar no leque de terceiros relativamente ao facto determinativo da perda ou da redução da prestação, mas prejudicados com tal evento danoso, considerando abrangidos pelo direito à indemnização em caso de morte ou de lesão corporal do lesado, aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Conforme refere ABRANTES GERALDES[17] «[a] expressa previsão, no artigo 495.º, n.º 3, do direito de indemnização integrado pelos lucros cessantes imputáveis à perda ou redução de alimentos prestados pelo lesado serviu para superar dificuldades que poderiam surgir quanto à integração de uma tal pretensão nas normas gerais da responsabilidade civil. (…)
Apesar de estarmos perante pessoas que apenas mediatamente são afectadas, considerou a lei que a circunstância de estarem unidas à vítima por um vínculo que, além do mais, importa o benefício de alimentos, efectivo ou potencial, era merecedora de uma específica tutela indemnizatória susceptível de colmatar os efeitos da secagem ou redução do caudal da respectiva fonte».
Significa o que vimos de referir que o direito peticionado pelos AA. constitui-se por via desta norma na sua esfera jurídica e não na do falecido, porquanto a delimitação dos sujeitos a quem foi conferida legitimidade substantiva foi feita por via legal. Acolhendo as palavras do citado Autor «são titulares do direito de indemnização aqueles que, de acordo com as normas de direito substantivo, são sujeitos da relação jurídica geradora da obrigação de alimentos a cargo do lesado directo».
Assim sendo, é de afastar liminarmente a repartição do valor mediante o qual será de indemnizar os lesados pelos danos causados pelo responsável na ocorrência do sinistro, por via de cálculos de natureza sucessória, como foram os avançados pelos ora Apelantes, referindo-se à meação da Autora e à percentagem que lhe caberia, bem como à parte que caberia ao filho, do valor que o falecido angariaria até ao final do tempo médio de vida, no pressuposto, errado, de que a indemnização lhes é deferida por via sucessória.
Conforme igualmente se expressou no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2016[18], «[c]onsagra-se neste normativo uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, nele se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso.
A obrigação de prestar alimentos integra, a par do dever de contribuir para os encargos da vida familiar, o dever de assistência a que os cônjuges estão reciprocamente vinculados durante a vigência do matrimónio, em conformidade com o estabelecido nos artigos 1672º e 1675º nº 1 do mesmo Código Civil.
Afirmam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 359), que a obrigação de alimentos, praticamente, só se autonomiza do dever de contribuição para os encargos da vida familiar quando os cônjuges vivem separados, de facto ou de direito. Só quando cessa a vida familiar, ou seja, a comunhão de vida que caracteriza o casamento, surge em toda a sua plenitude o dever de prestar alimentos com fundamento legal também no artigo 2009º nº 1 al. a) do Código Civil.
Quando a relação matrimonial cessa devido à morte de um dos cônjuges em consequência de acidente de viação, exclusiva ou parcialmente, imputável a outrem, pondo-se dessa forma termo à vivência conjugal, verifica-se uma involuntária quebra do dever de assistência por facto culposo de terceiro, adquirindo, então, autonomia a componente do dever de prestação de alimentos.
A ruptura da relação familiar em circunstâncias completamente alheias à vontade de qualquer dos cônjuges, devida à actuação culposa de um terceiro causador do acidente de viação que vitimou um dos membros do casal e fez cessar, por essa razão, o cumprimento do dever de assistência, faz sobressair a obrigação de prestar alimentos, passando para o lesante o dever de, através da componente indemnizatória prevista no nº 3 do citado artigo 495º, ressarcir esse dano face à impossibilidade da desejável reconstituição natural (artigos 562º e 566º nº 1 do Código Civil).
Esta indemnização não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre o credor da indemnização e a vítima tal como está perspectivado para o direito a alimentos consagrado nos artigos 2003º e seguintes do Código Civil. Radica no casamento e, por isso, os critérios da sua atribuição divergem dos consignados nos normativos que regem a matéria dos alimentos (vide neste sentido os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 12.10.2009 (proc. 220/03.6TBSTB.E1), de 14.10.2010 (proc. 845/06.8TBVCD.P1.S), e, bem assim, o de 31.01.2012 já citado, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj».
Trata-se de jurisprudência estabilizada no Supremo Tribunal de Justiça que vem afirmando, que «uma tal indemnização é sempre devida, independentemente da efectiva necessidade do outro cônjuge, pois os cônjuges, no seio da comunhão conjugal, não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar, na proporção das respectivas possibilidades»[19].
Podemos, pois, assentar que a peticionada indemnização, pese embora fundada na denominada “obrigação de alimentos” do lesado, é absorvida pela obrigação de indemnizar, não dependendo dos requisitos do direito à concessão de alimentos por banda daquele que a estes se encontra obrigado, antes se funda na ficção do seu potencial recebimento decorrente da «conexão legal com o lesado directo», que levou o legislador «a conceder àqueles que dele recebiam alimentos ou estavam em condições de os receber o direito de indemnização em medida equivalente aos ganhos que, não fora o facto causador da morte ou da lesão corporal, poderiam vir a auferir»[20].
Revertendo o que vimos de referir ao caso em presença, uma vez que a obrigação de indemnizar os terceiros com aquela conexão legal ao lesado directo, não depende da verificação do requisito da obrigação de alimentos em vida deste a favor do cônjuge e dos filhos, referente à «necessidade do alimentando», é apodíctico que o facto de a Autora auferir um rendimento próprio, não afasta a indemnização que lhe é devida por danos futuros reportados à perda para sempre da contribuição material do seu cônjuge, falecido no acidente de viação, e que está a reclamar junto da seguradora, nos termos do artigo 495.º, n.º 3, do CC.
Os tribunais são amiúde chamados a calcular este tipo de dano, retirando-se da jurisprudência publicada que a indemnização a arbitrar, por equidade, resultará da ponderação de vários factores, quais sejam, a idade do sinistrado à data do acidente, o grau de culpabilidade do responsável, o prazo de vida previsível, os rendimentos auferidos, os encargos e outros elementos eventualmente atendíveis, como sejam também os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência para casos análogos, sendo todos estes elementos ponderados para obter o cálculo da indemnização que, como usa dizer-se, deve conduzir a um capital que produza um rendimento semelhante ao que o lesado teria caso não tivesse ocorrido o evento danoso, isto é, in casu, à perda de rendimento que os lesados provavelmente não teriam sofrido se não tivesse ocorrido a morte do seu marido e pai.
Não obstante a assumpção da dificuldade da quantificação de um dano denominado futuro precisamente porque depende de vários factores incertos ao tempo do seu cálculo, o afinamento destes na busca da justiça do caso concreto tem sido uma preocupação constante dos tribunais, conforme recentemente se mostra sintetizado no aresto de 28-05-2020[21], no qual se afirma que «o Supremo Tribunal de Justiça, ressalvando a dificuldade da quantificação dos danos futuros (et pour cause), sempre contingentes, como a idade, o tempo de vida e evolução salarial do lesado, taxas de juros ou coeficientes de inflação, tem critérios bem definidos, assim generalizadamente enunciados, v. g., no Ac. de 17.06.2008, Proc. 08A1266, seguido pelo recente Ac. de 11.04.2019, Proc. 465/11.5TBAMR.G1.S1 (ambos em www.dgsi.pt), nas seguintes ideias:
“1.ª A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2.ª No cálculo desse capital interfere necessariamente e de forma decisiva a equidade, o que implica deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3.ª As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4.ª Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos) consideração esta que somente vale no caso de morte;
5.ª Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia[22];
6.º Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média activa de vida, a esperança média de vidas, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de 73 anos e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)”».
Pese embora existam critérios de cálculo que se encontram razoavelmente sedimentados, o certo é que, deve reconhecer-se, nem sempre se verifica unanimidade na utilização pelos tribunais de todos os factores base em equação, existindo três que têm merecido maior discussão no cálculo do valor deste tipo de dano patrimonial futuro, e que são os de saber se o salário da vítima deve ser computado líquido ou ilíquido; se a idade considerada deve ou não ser a correspondente à esperança média de vida; se deve ou não haver desconto pelo recebimento de uma só vez de um capital que normalmente deveria ser recebido mensalmente pela vítima, e, em caso afirmativo, qual a sua quantificação.
Não obstante no caso em presença o salário considerado como base de cálculo pelos Autores tenha sido apenas o correspondente ao vencimento do falecido, nada impede que tal base seja alargada por este Tribunal ao cálculo do valor anual percebido com inclusão do subsídio de refeição, nos termos em que o seu salário foi considerado pela entidade patronal para efeitos de transmissão da sua responsabilidade, para a respectiva seguradora, apenas havendo que verificar, a final, se o cálculo global das indemnizações parcelares a atribuir se contém ou não dentro dos limites do pedido[23].
Assim, num juízo equitativo, não podemos deixar de atender como base de cálculo da indemnização devida, à comprovada retribuição anual de 8.663,34 €, posto que era esta a efectivamente recebida pela vítima, não olvidando que a perda de ganhos tem sido o fundamento para a opção «pelo salário ilíquido que é, afinal, o que traduz a perda de rendimentos e que tem obtido acolhimento na jurisprudência do STJ», conforme se assevera no sumário do citado aresto de 28-05-2020, o que bem se compreende se tivermos presente que a parte do mesmo não recebida no presente será no futuro adquirida a título de reforma e, por outro lado, ao longo da vida, a título de benesses sociais, mormente com o acesso aos serviços de saúde.
Prosseguindo agora na apreciação dos demais factores de cálculo controvertidos, e concretamente quanto à questão que nos é colocada pela Recorrente seguradora, relativamente ao tempo de ganho futuro a ponderar para este efeito, na idealizada busca da justiça do caso concreto na determinação de danos futuros sofridos pela viúva da vítima, encontramos decisões do nosso mais Alto Tribunal em que se ponderou que: não podemos considerar como factor a esperança média de vida, mas apenas atribuir-lhe uma indemnização que lhe permita, nos tempos mais próximos, refazer a sua vida[24]; no cálculo deste tipo de danos computa-se apenas o previsível período de vida profissional activa, por referência à idade “legal” da reforma[25]; outras considerando a previsível idade activa até aos 70 anos, salientando que esta é a idade atendida pela já citada Portaria[26]; e outras, ainda, socorrendo-se do período previsível da vida do falecido contado pela média da longevidade para o respectivo género, ponderando que para além da vida laboral activa a vítima perceberia ainda uma pensão de reforma, com a qual continuaria a contribuir para os encargos da vida familiar[27].
Tendo presente que o cálculo da perda do poder aquisitivo que uma vida não vivida poderia trazer ao seu agregado familiar, assenta precisamente numa previsibilidade futura de verificação impossível, tanto maior quanto mais jovem é o lesado, entendemos ser de fazer prevalecer o critério que se apresente, simultaneamente mais objectivo e mais harmonizável com aquilo que ao tempo do evento danoso, eram as obrigações legalmente decorrentes para o lesado dos vínculos familiares em presença.
Conforme igualmente se sublinha no recente aresto que vimos citando, «é nítida a evolução jurisprudencial no sentido de considerar não a esperança média de vida activa da vítima, mas a esperança média de vida, pela razão assinalada de que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixe de trabalhar por virtude da reforma (Ac. de 17.06.2008, cit., no mesmo sentido indo os dois estudos acima referidos), havendo factores não facilmente determináveis no cálculo, como a progressão na carreira ou profissão, a variação das taxas de juro ou dos coeficientes de inflação».
Precisamente pela indicada razão da não cessação das necessidades básicas do lesado no momento em que atinge a idade da reforma – que nos tem levado a considerar como factor de cálculo nas situações de incapacidade permanente parcial a esperança média de vida[28] –, também em caso de morte daquele, constituindo-se excepcionalmente este direito a indemnização por danos patrimoniais na esfera dos terceiros que tenham a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos que daquele podiam exigir, ou a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, a decorrência lógica daquele pressuposto é a já afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no aresto de 02-03-2004[29], de que «o óbito do lesado provoca, no próprio momento em que se verifica, para além do dano consistente na perda do bem da vida, um dano patrimonial, também indemnizável, que se traduz na perda da capacidade produtiva pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria e cujo valor tem de ser aferido tendo em conta o próprio rendimento susceptível de ser produzido mediante a concretização dessa capacidade».
Na realidade, como não podemos saber quando é que uma concreta pessoa deixava de querer (por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens) ou poder (por incapacidade ou morte) cumprir as suas obrigações familiares, e porque as mesmas se mantêm durante toda a vida relativamente ao cônjuge, afigura-se-nos que o critério que mais compatibiliza a objectivação possível, é o que tem em conta a esperança de vida, já que perante tanta incerteza – como seja a decorrente do termo previsível de uma vida que afinal já terminou –, a introdução de outros factores de cariz subjectivo ou olhando apenas a vertente da vida activa do lesado, não se nos afiguram tão ajustados, mormente quando, em regra, mesmo após o (também somente previsível) termo da vida activa a vítima receberia uma pensão de reforma, que seria igualmente um activo do agregado familiar.
Deste modo, diversamente do pretendido pela Recorrente seguradora, concluímos ser de atender como factor de cálculo da indemnização devida a título de danos patrimoniais futuros decorrentes da perda do rendimento da vítima no agregado familiar que compunha juntamente com a sua mulher e filho, ora AA., à esperança média de vida que, de acordo com os últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística em 28-05-2020, foi estimada em Portugal, em 77,95 anos para os homens e 83,51 anos para as mulheres, tendo por referência o período compreendido entre 2017 e 2019, período em que a idade mais frequente do óbito foi de 86 anos para os homens e de 88 anos para as mulheres.
Mais deverá ainda ter-se presente que, de acordo com a mesma fonte, a esperança de vida aos 65 anos atingiu 19,61 anos para o total da população, confirmando a tendência que se tem vindo a verificar relativamente ao aumento médio da longevidade, mas também uma diminuição na última década da diferença na expectativa de vida entre homens e de mulheres, que tem vindo a aproximar-se mercê de um maior aumento da esperança média de vida na população masculina na comparação com a esperança média de vida na população feminina[30], não podendo ainda descurar-se num juízo equitativo o dado presentemente confirmado de que a expectativa média de vida da população, independentemente do género, é actualmente superior aos 80 anos (80,93).
Tudo sopesado, concluímos, por arredondamento, que a idade limite a ter em consideração, para o cálculo dos danos futuros, é no caso de 78 anos.
Finalmente, a respeito da aplicação e quantificação de um factor de desconto pelo recebimento de uma só vez de um capital que normalmente deveria ser recebido mensalmente, referiu-se no citado aresto de 28-05-2020, em síntese das posições assumidas, que o Supremo Tribunal de Justiça «tem aplicado redução entre 10% e 33% a variar desde logo em função do valor do capital e às notoriamente baixas taxas de juro que o mesmo, uma vez aplicado, poderia render, no caso se justificando uma redução equitativa não muito distanciada da menor compressão, de 12,5%».
Portanto, saber se no caso em presença é ou não de reduzir a quantia encontrada e, em caso afirmativo, em que percentagem, é questão à qual voltaremos após efectuarmos o cálculo com base nos critérios objectivados que vimos referindo para depois verificarmos se, num julgamento equitativo, deve ou não ser aplicado um desconto pelo recebimento global desse capital, na situação em apreço.
Vejamos.
A vítima nasceu em 11 de Março de 1982, pelo que, à data do acidente ocorrido em 27 de Novembro de 2015, tinha 33 anos e 8 meses de idade, perspectivando-se que trabalharia ainda activamente pelo menos mais 33 anos[31], e poderia viver aproximadamente mais 44 anos e 4 meses, recebendo depois a respectiva pensão de reforma. Assim, tendo presente que à data da sua morte a totalidade da retribuição anual era de 8.663,34 €, e aquele período previsível de vida, com o inerente rendimento decorrente do vencimento e posteriormente da reforma, chegamos à quantia aproximada de 384.000,00 €, que a vítima potencialmente poderia angariar em virtude do exercício da sua profissão de pedreiro, no decurso da sua vida profissional activa e subsequentemente pela sua pensão de reforma.
Deve esta quantia a que se chega por via de simples cálculo aritmético ser reduzida por ser recebida integralmente e não mensalmente?
Na situação em presença entendemos que não. Na realidade, mostra-se provado que V… era imigrante e tinha conseguido fazer a sua vida e estabelecer-se em Portugal, onde tinha uma vida activa, profissional, pessoal e era socialmente bem inserido, era saudável e não padecendo de qualquer deficiência, sendo muito trabalhador, esforçado e batalhador, esforçando-se para conseguir ter uma vida digna, constando do seu último recibo de vencimento, relativo ao mês de Novembro de 2015, que recebeu por “ajudas de custo” o valor de 315,04 €, o que nos permite constatar que estaria disponível para trabalhar, por exemplo, fora da zona de residência, assim se comprovando que aquela alusão às suas qualidades de ser homem trabalhador e esforçado, tinha também alguma contrapartida económica. Significa o que vimos de referir que, perante um homem jovem, em pleno vigor da sua vida activa, com estas características de personalidade, muito provavelmente, haveria a forte possibilidade de vir a ter aumentos de vencimento decorrentes da sua prestação profissional. Aliás, ainda que assim não fosse, sempre teríamos que ter presente o aumento que entretanto se verificou no rendimento mensal mínimo garantido, aquele que se perspectiva ser possível a breve trecho, e até uma melhoria gradual e generalizada daquele valor que é considerado o nível básico de subsistência, a um nível europeu. Sopesando, no outro lado da balança, as baixas (nulas ou quase) taxas de juro actualmente pagas pelas aplicações de capital, sem risco, pensamos que este pequeno benefício apenas equilibra, provavelmente até para menos (atenta a previsão de manutenção, pelo menos na próxima década, das taxas Euribor a níveis muito baixos ou até negativos), aquele que seria o potencial aumento do rendimento mensal angariado pela vítima e que não logrará obter para a sua família.
Neste sentido, e num tempo em que o rendimento de capital era superior ao presente, já o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou em aresto de 29-03-2007[32], de cujo sumário se extrai que «no caso dos danos patrimoniais futuros, não se justifica qualquer dedução ao valor da indemnização correspondente à mais-valia que adviria para o lesado de receber de uma só vez aquilo que iria recebendo ao longo do tempo, se, devido à juventude da vítima, não se puder conjecturar quer nunca viria a perceber o rendimento global derivado dessa indemnização».
Concluímos, pois, que na situação em presença, atenta a idade da vítima e o seu enquadramento pessoal e profissional, ao valor encontrado não deve equitativamente aplicar-se qualquer redução, por não se extrair das regras da experiência comum que aquele não viria a perceber ao longo da vida que lhe foi abruptamente tirada, o valor agora globalmente calculado num patamar que se encontra próximo do salário mínimo legalmente garantido a qualquer trabalhador a tempo integral, como era o caso, e quando são nulas ou quase, as taxas de juro pelas aplicações de capital sem risco.
Prosseguindo.
Temos ainda assente que V… vivia e trabalhava para dar uma vida digna à sua família, tendo a seu cargo a sua esposa, A…, e o seu filho F…, suportando as despesas de alimentos, vestuário, educação e escolares, médicas e medicamentosas, sujeitando-se para o efeito a um trabalho no âmbito do qual veio a falecer, e que a Autora contribuía para as despesas domésticas desenvolvendo um trabalho a tempo parcial no qual auferia 279,00 € líquidos por mês.
Como é evidente, em face da sua morte, as despesas que tinha consigo deixam de ser realizadas.
Na sentença recorrida, foi considerado que o falecido destinaria 2/3 do seu rendimento às despesas do agregado familiar, composto por si, pela mulher e pelo filho menor, o mesmo é dizer que foi entendido que aquele gastava com a sua própria pessoa, 1/3 do seu rendimento.
Também a este respeito, pese embora não desconheçamos que é comum considerar 1/3 do rendimento como sendo o valor que a vítima gastaria consigo[33], pensamos que, num julgamento equitativo, não podemos usar sempre a mesma medida independentemente do número de pessoas que compõem o agregado familiar e do rendimento global de que este beneficia, o mesmo é dizer, de quanto são as receitas e quem suporta as despesas com a manutenção da vida familiar, sabido que estas, por exemplo, na parte correspondente às despesas com a habitação se mantêm num valor fixo ou apenas diminutamente menor, independentemente de quantos são os elementos do agregado, já que existe uma pequena “economia de escala”.
Ora, na situação em presença, apesar de escassos, não podemos desconsiderar os proventos recebidos pela ora Autora, não sendo difícil conjecturar que usassem os rendimentos de ambos para suportarem as despesas essenciais, como sejam, o pagamento da renda de casa, electricidade, água, gás, alimentação, vestuário, despesas escolares com o filho, e médicas e medicamentosas.
Nestes termos, perante um agregado familiar de 3 pessoas e com rendimento de ambos os membros do casal, ainda que fosse menor o de um deles, entendemos ajustado valorar que a infeliz vítima despenderia consigo cerca de 1/3 do rendimento que angariava.
Calculando, temos então que com o prematuro falecimento deste seu membro, o agregado familiar deixou de poder contar com o previsível valor de cerca de 256.000,00 € que aquele perceberia até ao termo provável da sua vida.
Encontrada esta quantia, qual será então, num juízo equitativo, o valor da indemnização devida à mulher e ao filho da vítima, a título de danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes.
Relativamente à viúva aplica-se mutatis mutandis idêntico raciocínio, sendo razoável considerar que a perda da contribuição da vítima a favor do agregado familiar se repercutisse relativamente à sua mulher também em 1/3 do valor auferido pelo lesado.
Deste modo, para que possa considerar-se indemne, a compensação da Apelante a título de lucros cessantes terá de equivaler à medida dos ganhos do lesado que reverteriam a seu favor, na pequena economia familiar, não fora o facto ilícito que ceifou prematuramente a vida ao marido, e que no caso se entende equitativo cifrar em 128.000,00 € e não nos 80.000,00 € arbitrados na sentença recorrida.
Vejamos, agora, o caso do Autor, que à data da morte do pai tinha apenas 4 anos de idade.
O fundamento do direito à indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da falta dos rendimentos que a vítima angariava para o seu agregado familiar, decorre igualmente do artigo 495.º, n.º 3, do CC, desta feita conjugado com o disposto no artigo 2009.º, n.º 1, alínea b), por ser seu filho e o pai estar legalmente obrigado a prestar-lhe alimentos.
Não obstante, a fixação da indemnização pelo previsível dano futuro para si decorrente da perda do sustento que o pai lhe assegurava, não pode ancorar-se nos mesmos critérios que vimos deverem aplicar-se à mãe, porquanto «o montante da indemnização deverá ter em consideração o período de tempo em que previsivelmente se manteria a prestação alimentícia»[34], donde, não é o mesmo o tempo pelo qual previsivelmente esta se manteria para a mãe e não se extinguiria a seu favor, já que, pese embora o dever de assistência entre pais e filhos compreenda a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar, como decorre do artigo 1874.º, n.º 2, do CC, não é menos certo que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os mesmos possam assegurar tais encargos, mantendo-se tal obrigação após a maioridade, apenas na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, conforme se extrai dos artigos 1879.º e 1880.º do CC.
Não resultando dos princípios gerais respeitantes às responsabilidades parentais uma idade que constitua o termo para esta obrigação, para efeitos de um juízo equitativo na sede da atribuição de compensação por danos futuros, podemos servir-nos, a título de indicador quanto ao tempo normalmente requerido para que a formação de um filho se complete, da idade de 25 anos a que alude o artigo 1905.º, n.º 2, do CC, considerada pelo legislador como sendo o limite razoável até ao qual o processo de educação ou formação profissional do filho maior deva estar concluído, nesse pressuposto concluindo que previsivelmente o pai poderia contribuir para assegurar as despesas com o ora Autor, durante ainda mais de 20 anos, contados desde a data da ocorrência do evento danoso.
Como deve então calcular-se o valor da indemnização devida ao Autor?
Nestes casos em que estamos perante criança na primeira infância, conforme o Supremo Tribunal de Justiça decidiu no aresto de 06-05-2008[35], «a fixação da indemnização pelo previsível dano futuro (perda de alimentos), … não pode ancorar-se em puros critérios matemáticos», pelo que, ponderando que apesar das necessidades actuais da criança fossem então relativamente reduzidas, dada a sua tenra idade, as mesmas iriam aumentar, à medida que fosse crescendo e progredindo na vida escolar; e, por sua vez, também seria de esperar que o salário de € 1.000,00 que o pai, de 28 anos de idade, auferia, fosse subindo progressivamente, ano após ano, e que, por isso, pudesse aumentar a ajuda económica à filha, julgando assim razoável a verba de € 78.540,00, atribuída pela Relação para indemnização por este dano patrimonial futuro.
Revertendo esta ponderação para a situação em presença, em face do vencimento da vítima e da sua idade, temos por ajustada e equitativa a quantia de 55.000,00 € arbitrada ao Autor pela decisão recorrida, a qual corresponde a uma média mensal que se reputa adequada para satisfazer as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que o pai, com o rendimento que angariava e o seu previsível aumento, pudesse assegurar tais encargos, inclusive proporcionando-lhe formação superior, uma vez que há também que contabilizar a parte correspondente à obrigação que sobre a mãe igualmente impende, ainda que na medida das suas possibilidades.
Como decorre do simples cálculo aritmético, a soma da indemnização atribuída à viúva e ao filho da vítima, não é igual ao valor que aquele previsivelmente poderia auferir e não virá a receber, como os Autores haviam calculado. Mas tal mais não é do que a decorrência lógica de não estarmos perante um valor que entrou na esfera jurídica do falecido e a estes se transmitiu por via sucessória, mas sim, do facto de os prejuízos imputáveis ao evento na esfera dos lesados a quem a lei conferiu legitimidade substantiva para reclamar os lucros cessantes, se conterem no limite dos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, que sejam previsíveis, nos termos previstos no artigo 564.º do CC.
Isto dito, é tempo de apreciar a questão de saber se as prestações realizadas pela seguradora de acidentes de trabalho, para a qual a entidade patronal da vítima mortal havia transferido a respectiva responsabilidade, devem ou não ser deduzidas aos valores ora encontrados como sendo a indemnização devida pela Ré seguradora da responsabilidade civil decorrente do acidente de viação que vitimou o trabalhador, enquanto desenvolvia a sua actividade profissional.
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III.2.2.2. Dedução à indemnização das prestações pagas pela Seguradora do Acidente de Trabalho
Como é entendimento pacífico, o mesmo facto naturalístico pode ser gerador de diversos tipos de responsabilidade, sendo o caso em apreço paradigmático do que vimos de afirmar porquanto o acidente de viação em apreço causou a morte da vítima que se encontrava a exercer funções por conta da sua entidade patronal, podendo também determinar a obrigação da entidade patronal indemnizar civilmente os danos decorrentes do mesmo, já que é simultaneamente um acidente de trabalho.
Efectivamente, conforme referem MARIA ADELAIDE DOMINGOS, VIRIATO REIS e DIOGO RAVARA[36], «a responsabilização do empregador é independentemente de culpa, ou seja, estamos no domínio da responsabilidade objetiva (cfr. art. 7.º da LAT). A responsabilidade subjetiva, ou seja, decorrente de culpa do empregador (noção que abrange o dolo e a negligência), está, contudo, presente nas situações em que a lei menciona como casos especiais de reparação previsto no art. 18.º da LAT. (…) Assim o sistema português, no que concerne aos acidentes de trabalho, caracteriza-se por consagrar uma responsabilidade objetiva, com recurso à responsabilidade subjetiva para todas as matérias não especialmente reguladas. Por outro lado, a verificação de acidente de trabalho não afasta a responsabilidade delitual sempre que se encontrem preenchidos os requisitos do art. 18.º do LAT, já que no que toca ao empregador a existência duma responsabilidade objetiva não a desresponsabiliza em caso de culpa e, quanto a terceiros, sempre há direito de regresso por parte do empregador ou de quem efetivamente tenha procedido à reparação do dano».
Na situação em presença, está demonstrado que V… encontrava-se no exercício da sua atividade profissional no momento do embate do veículo automóvel, tendo tal sinistro laboral sido objecto de transação entre a Autora e a Companhia de Seguros …, SA, em 10 de Maio de 2016, no âmbito do processo nº 3057/15.6T8FAR, no qual esta seguradora pagou à Autora a quantia de 30.664,40 € a título de capital de remição referente a uma pensão anual e vitalícia de 2.599,03 €, e a Seguradoras …, SA, no âmbito do acidente de trabalho de V…, pagou aos Autores a quantia total de 42.104,58 €, cujo reembolso peticionou nestes autos à Ré … Companhia de Seguros, S.A., tendo a sentença recorrida julgado procedente tal pedido de reembolso, salientando, porém, «que o facto dos Autores terem recebido a quantia de € 42.104,58 da seguradora da entidade patronal da vítima mortal do acidente de viação e de trabalho não tem qualquer consequência no plano da obrigação da Ré os indemnizar pelos danos patrimoniais futuros», louvando-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2019[37], de cujo sumário se extrai que «I – Em caso de acidente de viação e de trabalho, as respetivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário. II – Na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho».
Insurge-se a Recorrente, defendendo que, sob pena de intolerável enriquecimento, deve proceder-se à dedução na indemnização por danos patrimoniais das prestações que foi condenada a satisfazer à seguradora do acidente de trabalho ou, em alternativa, deve a Ré/Apelante ser absolvida do pedido de reembolso por esta formulado e o mesmo ser satisfeito pelos AA.
Concordando-se integralmente com o que vem afirmado no sumário daquele aresto, porque ali não houve formulação de qualquer pedido pela entidade patronal ou pela seguradora laboral, o certo é que o caso em presença não é igual ao ali julgado, havendo que distinguir as situações precisamente porque naquele(s) caso(s) o direito ao reembolso da seguradora laboral não havia sido exercido por esta, enquanto no caso em presença tal pedido de reembolso foi formulado pela mesma, enquanto interveniente principal nestes autos, pedindo da responsável civil o pagamento das quantias que satisfez aos Autores. Assim, pese embora a quantia ainda não tenha sido efectivamente satisfeita, a condenação da Ré nesse pedido da interveniente não pode deixar de se repercutir na indemnização atribuída aos Autores nestes autos àquele título, na parte em que o dano a indemnizar é o mesmo, num e noutro caso.
Vejamos.
Fazendo nossa a fundamentação expressa pelo nosso mais Alto Tribunal no indicado aresto, é entendimento pacífico que «quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário. De facto, a responsabilidade primeira é a que incide sobre o responsável civil. É essa responsabilidade que vai definir o quadro indemnizatório geral, sendo certo, no entanto, que, quanto ao mesmo dano concreto, não pode haver duplo ressarcimento.
Mantém plena validade o ensinamento de Vaz Serra, em anotação ao acórdão do STJ de 30.05.1978[6]: “A solução de que as indemnizações por acidentes simultaneamente de viação e de trabalho se não cumulam e apenas se completam até ao ressarcimento total do dano causado ao lesado é manifestamente exacta, pois a finalidade da indemnização é reparar o prejuízo causado ao lesado e não atribuir a este um lucro”.
Por isso se diz que as indemnizações fixadas em cada uma dessas jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se. As indemnizações são independentes e dessa independência decorre que o tribunal em que for formulado o pedido de indemnização exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos, e deixando ao critério do lesado a opção pela que melhor lhe convenha, devendo, porém, acrescentar-se que os danos não patrimoniais não entram no cômputo da indemnização laboral».
Assim é.
Portanto, na presença de um acidente simultaneamente de viação e de trabalho, há desde logo que verificar se estamos ou não em face do ressarcimento dos mesmos danos. Em caso negativo, como ocorre, por exemplo, com os danos não patrimoniais que não são arbitrados na indemnização laboral ou, mesmo nas situações exemplificadas naquele aresto na parte em que a indemnização pelo dano biológico não coincide com a decorrente da incapacidade parcial permanente que o lesado sofreu, ou ainda quanto a danos de outra natureza, como seja a relativa ao subsídio por morte, nada há a deduzir na indemnização arbitrada em processo civil. E, ainda que haja coincidência nos danos, como ocorre na situação que nos ocupa, já que tanto ali como aqui, a única indemnização devida é a decorrente dos lucros cessantes, também nada cumpre deduzir se a entidade patronal ou a seguradora do trabalhador sinistrado, ainda que tendo já satisfeito a indemnização aos lesados, nada reclamaram da seguradora do responsável civil.
A explicação decorre ainda da citação que no mencionado aresto se faz do acórdão de 11-12-2012, quanto às razões pelas quais não se pode fazer o “abatimento imediato”, dos valores pagos aos lesados, cingindo-nos ao excerto em que cristalinamente se refere que «no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor (actualmente, o art. 31º da Lei 100/97), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efectivado necessariamente por uma de três formas:
- substituindo-se ao lesado na propositura da acção indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente;
- intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efectivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas;
- exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral”.
Terá de ser, portanto, o responsável laboral a promover qualquer uma dessas iniciativas processuais para lograr a efectivação do direito de regresso ou o reembolso das quantias que tiver pago ao sinistrado.
Não faria, de facto, sentido que o lesante no acidente de viação – responsável primacial pelas consequências do facto ilícito – se desvinculasse unilateralmente da obrigação a seu cargo de suportar a integralidade da indemnização pelos danos que causou, sem que o verdadeiro titular do interesse protegido (entidade patronal e/ou seguradora) houvesse tomado qualquer iniciativa no sentido de garantir ou assegurar o direito ao reembolso das quantias pagas».
Ora, na situação em presença o lesante no acidente de viação, não se desvincula unilateralmente da obrigação a seu cargo, antes pelo contrário, tendo os lesados exercido os seus direitos tanto no Tribunal de Trabalho, como nos termos gerais, conforme consentido pelo n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que actualmente regula esta matéria, e tendo ali obtido a referida indemnização, conforme expressamente previsto no n.º 5 do indicado preceito, «o empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo».
Assim, voltamos aos princípios já anunciados naquele aresto, pelo que, tendo presente que «quanto ao mesmo dano concreto, não pode haver duplo ressarcimento», e que nestes «casos de concurso de responsabilidades para ressarcimento dos mesmos danos existe uma pluralidade de responsáveis, a título solidário, sendo um caso de solidariedade imprópria, porquanto o responsável a título laboral pode fazer repercutir no terceiro responsável a totalidade da responsabilidade que lhe cabe», tendo este satisfeito já a indemnização que agora peticiona, não pode deixar de descontar-se esta ao valor global a receber por cada um dos autores, e equitativamente julgados adequados para o ressarcimento dos danos futuros.
Na realidade, afigura-se-nos que a situação em presença se assemelha ao caso que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu no aresto de 15-02-2018[38], onde se afirmou que «as indemnizações por acidente de trabalho e por facto ilícito decorrente de acidente de viação, reportadas ao mesmo dano, não são cumuláveis. Se a ré seguradora já liquidou, no âmbito do acidente laboral a título de danos patrimoniais futuros – perda da capacidade de ganho – o valor de € 50 150, 77, deve ser este montante deduzido ao valor total arbitrado, sob pena de dupla indemnização do mesmo dano», e em cuja fundamentação se exarou que «o interesse protegido através da consagração da regra da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral – pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado – sendo antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido (traduzida, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprio lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de 1 ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito).
Aliás, o reconhecimento ao lesante da faculdade de opor ao lesado a excepção peremptória de recebimento da indemnização laboral – alegando na contestação e provando cabalmente que os danos peticionados abrangiam prestações decorrentes da legislação laboral, já integralmente satisfeitas pela entidade patronal ou respectiva seguradora – sempre teria de depender de uma condição fundamental: ser permitido ao titular do direito de regresso ou reembolso efectivá-lo no confronto do lesante ou respectiva seguradora; é que, a não se entender assim, o regime legal conduziria a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido em o abate da indemnização laboral no quantitativo global peticionado pelo lesado acabar por reverter em benefício do próprio lesante, autor do facto ilícito».
Mais recentemente, ponderou-se também no já citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 04-06-2020, que a referida «duplicidade pode ocorrer quanto aos danos patrimoniais futuros (lucros cessantes) relativos à perda da capacidade de ganho da vítima, recebida como pensão (acidente de trabalho) ou como capital antecipado e recebido de uma só vez (acidente de viação)».
Revertendo ao caso em apreço, tendo os lesados instaurado a presente acção contra a seguradora da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, pedindo, para além do mais, indemnização pelos danos futuros decorrentes da perda da retribuição do falecido, que parcialmente já haviam obtido da seguradora laboral, e tendo esta deduzido intervenção principal na causa, para obter da seguradora do lesante o reembolso de tais montantes das pensões que pagou aos AA., condenada esta nesse pagamento, sob pena de duplicação da indemnização pelos mesmos danos, há que deduzir da indemnização a título da mesma classe de danos arbitrada nestes autos, a quantia já recebida pelos lesados a esse título[39], e que deles já não poderá ser futuramente reclamada pela seguradora laboral que optou pelo pedido de reembolso directamente da seguradora do lesante.
Procede, pois, nestes termos, o recurso da Ré/Seguradora.
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III.2.3. – Dos danos não patrimoniais
Com fundamento no artigo 496.º do CC, os Autores peticionaram e a sentença atribuiu-lhes as seguintes compensações a título de danos não patrimoniais:
i. Em conjunto, na qualidade de herdeiros de V…, o valor de 80.000,00 € pela perda do direito à vida, e de 5.000,00 € pelo sofrimento da própria vítima;
ii. A cada um dos Autores, a quantia de 45.000,00 €, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento causado pela morte daquele.
Insurgem-se todos os Apelantes contra os valores encontrados para ressarcimento dos danos indicados em i., pretendendo os AA. que os mesmos devem ser computados respectivamente em 100.000,00 € e 15.000,00€ e a Ré que não devem exceder a quantia de 55.000,00 € e 2.200,00 €; insurgindo-se ainda esta quanto às quantias indicadas em ii., que reputa de manifestamente exageradas, por em situações análogas têm sido fixados valores indemnizatórios na ordem dos 22.000,00 €, para a viúva, e de 16.500,00 €, para o filho menor.
Apreciando.
Nos termos do disposto no artigo 496.º n.º 1 do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.”
O que deve entender-se por danos não patrimoniais há muito se encontra sedimentado na mais autorizada doutrina que tem sido seguida pela jurisprudência, como sendo “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[40].
À questão de como serão indemnizáveis estes danos de natureza não pecuniária, responde-nos a lei afirmando que o cálculo da indemnização devida será efectuado com base na equidade, assim se indemnizando apenas os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – citados n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do CC.
Também para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, podemos atentar no ensinamento de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA: “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”[41].
Um dos aspectos a ter em conta, a culpa do lesante, tem sido realçado pelos tratadistas que acentuam a importância da componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.
Assim, MENEZES CORDEIRO ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”[42].
Por seu turno, GALVÃO TELLES, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”[43].
Para MENESES LEITÃO a reparação por danos morais assume-se “como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[44].
Nestes moldes, desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[45]; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[46], jurisprudência que se mantém actual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de jurisprudência temática disponível no sítio do STJ[47], e espelhada no recente acórdão citado, nos seguintes termos: «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente».
Sendo indemnizáveis aqueles danos que cumulativamente preencham os dois requisitos referidos no preceito, «a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado, e deve ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ter gravidade bastante para justificar a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado»[48] – pressupostos estes que no caso em apreço não se encontram colocados em crise pela Seguradora, até porque todos os danos peticionados pelos Autores têm a gravidade que a lei impõe para merecerem a tutela do direito.
Cumpre, pois, apreciar se os mesmos foram ou não arbitrados de forma equitativa, tendo-se presente que perante a imaterialidade dos interesses em causa, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica, visando antes compensar os lesados pelos danos sofridos, considerando-se que «embora não susceptíveis de avaliação pecuniária, já que atingem bens que não integram o património do lesado, os danos não patrimoniais podem ser compensados, com a atribuição ao lesado de uma reparação ou satisfação adequada, que possa contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar as dores físicas e o sofrimento psicológico em que tais danos se traduzem»[49], proporcionando-lhes uma quantia pecuniária que, não sendo irrisória ou miserabilista, permita a satisfação de alguns seus interesses que mitiguem o sofrimento causado pela lesão, com a atribuição de um justo grau de compensação pela perda sofrida.
Conforme precisa FILIPE ALBUQUERQUE MATOS[50], no âmbito do artigo 496.º do CC, podemos identificar uma trilogia de danos: a morte como um dano autónomo (art. 496.º, n.º 2), os danos próprios sofridos pelos familiares na sequência da morte (art. 496.º, n.º 4), e os danos do de cuius antes da morte quando esta não tenha sido instantânea. No mesmo sentido, tem afinado a jurisprudência, conforme se dá nota no aresto do STJ de 21-03-2019[51], onde se afirma que «de acordo com a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal ao interpretar o regime do art. 496.º, n.º 2, do CC, admite-se a atribuição de uma compensação pecuniária tripartida: pela perda da vida da vítima directa; pelos sofrimentos da vítima directa que antecederam a morte; pelos sofrimentos próprios dos familiares por causa da morte da vítima directa».
Todos estes danos foram pedidos pelos AA., e todos foram concedidos em primeira instância, cumprindo aquilatar em face do recurso principal e subordinado, da conformidade dos valores atribuídos com o juízo equitativo que a justiça do caso concreto convoca.
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III.2.3.1. – Dano pelo sofrimento da vítima ante morte
Como já referimos, dissentem AA. e R. relativamente ao valor de 5.000,00 € atribuído na decisão recorrida para ressarcimento do chamado dano intercalar, correspondente ao sofrimento da vítima no período compreendido entre o acidente e o decesso, e cuja justeza cabe apreciar primeiramente, por anteceder naturalisticamente o dano pela sua morte (artigo 496.º, n.º 2, do CC), pugnando aqueles pela respectiva fixação em 15.000,00 €, e esta pela redução de tal valor para 2.200,00 €.
Conforme se ponderou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2007[52], «ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte; o dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o n.º 3 do mencionado art. 496.º [actual n.º 2]; estes danos nascem ainda na titularidade da vítima; mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido; há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão; quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse. Do teor literal do n.º 2 do art. 496.º do CC, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos».
Em face do disposto neste preceito, os AA., respectivamente viúva e filho da vítima, têm, em conjunto, legitimidade substitutiva para requerer o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima até ao momento da morte, o que pressupõe que do evento danoso não resulte a morte imediata da vítima ou o seu estado de inconsciência, de tal modo que nem chegue a aperceber-se dessa possibilidade[53].
No caso em apreço retira-se da matéria de facto provada que em consequência do embate, V… sofreu a panóplia de lesões listadas no ponto 6 dos factos provados, tendo-se mantido consciente durante o transporte, a admissão, pelas 19.05 horas, tendo sido submetido a uma cirurgia ainda na mesma data, pelas 21.47 horas, tendo piorado e tendo falecido pelas 06.30 horas do dia seguinte ao acidente. Diz a Seguradora Apelante que não se provou que a vítima tivesse estado sempre consciente – o que é verdade, sendo facto que não o estaria certamente aquando da intervenção cirúrgica a que foi sujeito –, nem que se tivesse apercebido da aproximação da morte. Sem razão, neste aspecto segundo cremos, porque tendo permanecido consciente, ao que tudo indica durante as horas que mediaram até à cirurgia o seu estado foi-se degradando e as dores, computadas à sua entrada num grau 8 numa escala de 0-10, foram depois elevadas para o grau máximo desta escala, não sendo crível que não se tivesse apercebido das movimentações à sua volta, ainda que lhe tivessem ministrado medicamentos para diminuir as dores, e dessas retirasse a gravidade do seu estado que, pela panóplia de lesões sofridas e pelo estado em que se encontrava, não poderia deixar de sentir. Foram, pois, dores e sofrimento muito intensos aqueles que a falecida vítima sofreu antes da morte, claramente merecedores de uma compensação no montante pedido pelos Autores, uma vez que o valor arbitrado não se encontra em linha com os valores aos quais a jurisprudência tem atendido em situações relativamente similares, já que não podemos deixar de ter presente que a vítima foi violentamente atropelada e arrastada, tinha a bacia desarticulada e fracturas expostas, chorando e queixando-se com dores, como se respiga do relato das testemunhas e que medicamente foram calculadas depois num grau máximo na escala de dor, tudo pelo menos no período entre a hora do embate e a da operação, sendo certo que a vítima apenas veio a falecer na madrugada desse dia, desconhecendo-se a partir de então qual o estado de consciência em que se encontrava porque não foi possível respigar qualquer menção dessa natureza do Boletim hospitalar.
Ora, já em 18-10-2007[54] o Supremo Tribunal de Justiça, considerou adequada para compensar danos de natureza muito semelhante, precisamente a quantia peticionada pelos AA., num caso em que «tendo a vítima, em face da velocidade a que o veículo seguro na Ré seguia, sido violentamente colhida por ele, ficando debaixo do mesmo veículo, que a arrastou provocando-lhe politraumatismos por via do atropelamento e do arrastamento, sofrendo a vítima, viva e consciente, dores imensas, gritando por socorro, sempre lúcida enquanto não foi retirada debaixo do carro e apercebendo-se da aproximação da morte, sofreu a inerente angústia, cuja intensidade, sobretudo perante a idade da vítima – 31 anos – é notória, entende-se ser adequado, para compensar os sofrimentos da própria vítima, o montante de 15.000 €»[55], e em 13-12-2007[56], julgou dever ser fixado em 12.000,00 € «o montante compensatório pela enorme angústia e intensíssimas dores sofridas pela vítima que veio a falecer uma hora após ao acidente, não tendo a vítima concorrido de alguma forma para a produção do acidente».
E tanto basta para afastar completamente a ideia de excesso na compensação peticionada, e defendida no recurso subordinado, em face duma indemnização actualista e equitativa, porquanto, basta cotejar a matéria de facto que temos em presença neste caso, com aquela que nos é trazida pelo Acórdão STJ de 21-03-2019[57], no qual, após a afirmação de que «quanto à indemnização devida pelos sofrimentos da vítima directa que antecederam a morte, os valores fixados na jurisprudência deste Supremo Tribunal variam bastante, em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente da gravidade das lesões, da intensidade das dores sofridas e do período de tempo durante o qual as dores se prolongam», se ponderou que, tendo ficado provado que, “Em consequência do atropelamento N sofreu lesões, mormente nos membros inferiores, resultando destas a sua morte” e que a vítima “teve morte quase imediata”, era justo e adequado fixar a indemnização, a este título, em 20 000,00 €[58].
Pelo exposto, é de considerar acentuadamente insuficiente o valor encontrado na decisão recorrida, julgando-se equitativa a atribuição de compensação a este respeito no peticionado valor de 15.000,00 €, com a consequente improcedência da pretensão da Ré/seguradora.
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III.2.3.2. – Do dano da morte
Apreciando agora a mais grave lesão que o acidente em causa provocou, urge avaliar qual seja a quantia reputada adequada para o ressarcimento do dano da morte, certo que a sua ressarcibilidade às pessoas com legitimidade substantiva para requererem tal compensação, nos termos referidos no n.º 2 do artigo 496.º do CC, não merece dúvidas enquanto dano autónomo decorrente da violação do bem pessoal mais valioso do ser humano, que é o direito à vida, não sendo necessário para esta finalidade aprofundar a problemática existente a respeito da natureza do direito à compensação do dano da morte enquanto direito que se constitui na esfera do falecido, transmitindo-se aos seus familiares por via sucessória[59], ou antes, como um direito próprio dos familiares expressamente indicados no preceito em referência[60], já que essa indemnização é atribuída, em bloco, às pessoas a quem cabe, nos termos do indicado normativo, e repartida entre elas[61].
Como a jurisprudência, una voce, tem vindo a enfatizar «o dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros»[62]. Não obstante, esta unanimidade, pontua alguma divergência entre os arestos em que se considera, como no que vimos citando, que na «determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e sócio-económica», e aqueloutros em que se sustenta que «o bem vida não pode ser avaliado em função de quaisquer circunstâncias pessoais, físicas - de saúde ou de doença, de idade -, sociais ou económicas. Sendo absoluto, o bem vida tem um valor transcendental igual para todos, insusceptível de gradações independentemente da qualidade de vida de cada um e da maior ou menor expectativa da sua duração»[63].
Independentemente da concepção que se adopte, afigura-se-nos que a preponderante é a que vem afirmada naquele já citado recente aresto do STJ de 28-05-2020, no qual se reitera o entendimento preconizado inter alia no citado acórdão de 18-12-2007, (re)afirmando-se que «quanto ao dano de perda do direito à vida, importa atender que, enquanto ser, a vida da pessoa é o bem mais precioso e na procura do valor para a compensação da sua perda não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a realização profissional, a situação familiar».
Ora, volvido cerca de um ano sobre a ocorrência do evento danoso em apreciação, em acórdão tirado no Supremo Tribunal de Justiça, em 03-11-2016, efectuou-se uma breve resenha das compensações concedidas a este título, afirmando-se que «A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em wwwdgsi.pt., onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre € 40 000,00/8.000.000$00 e € 50 000,00/10.000.000$00.
Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00»[64], sendo notório que as indemnizações mais elevadas têm sido atribuídas a vítimas mais jovens.
Neste TRE, no Acórdão (inédito) proferido em 13-09-2018, no processo n.º 2708/15.7T8FAR.E1[65], foi considerada ajustada, equilibrada e adequada a compensação de 80.000,00 € pelo dano morte, «ponderadas a idade da vítima (25 anos) e as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua)» e que tal valor «estava situado dentro das margens definidas em tais arestos e respeita[va] o padrão referencial que vem sendo seguido pela jurisprudência do STJ. Mais, em face dos 25 anos de idade da vítima, esse valor é inteiramente razoável, adequado e plenamente justificado, não merecendo acolhimento as objeções, a tal respeito, apresentadas pelo recorrente/interveniente».
Feito este excurso pela jurisprudência mais recente e louvando-nos no acima citado Acórdão de 28-05-2020, onde se efectua igualmente uma ponderação da demais jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, aí se afirma que «havendo que prevenir-se a uniformização de critérios, enquanto decorrência do princípio da igualdade, importa atentar no que os tribunais têm decidido em casos similares susceptíveis de comparação pelo dano da supressão ou privação da vida, sendo que o STJ tem fixado valores que oscilam entre os 50.000,00 € e os 100.00,00 € e pontualmente mais (120.000,00 €[66])», sendo ainda relevante ter presente que outro evento nefasto – os incêndios de 2017 –, veio excepcionalmente reputar como indemnização adequada a, naquelas particulares circunstâncias, ressarcir o dano da morte, a quantia de 150.000,00 €.
Assim, tendo em consideração a necessidade da observância possível do princípio estabelecido pelo artigo 8.º, n.º 3, do CC, e visando-se justificar os padrões ou critérios que vêm sendo seguidos por uma jurisprudência evolutiva e actualista, conclui-se que os valores mais baixos das indemnizações atribuídas têm sido em casos onde as vítimas já têm uma idade mais avançada à data do acidente que as vitimou, do que nos outros. Compreende-se que assim seja. Mesmo concordando com a evidência de que a vida é um bem absoluto, admitimos que o dano decorrente da violência da sua perda abrupta, é tanto maior quanto menor é a vida cuja oportunidade de ser vivida foi interrompida por acto ilícito e culposo de outrem, devendo a indemnização ser maior em casos de vidas mais novas e com um futuro pela frente cujas janelas de oportunidade se perdem por via do evento danoso.
Os arestos acima citados, tirados no Supremo Tribunal de Justiça já este ano, e relatados pelo mesmo Conselheiro, evidenciam bem o que vimos de dizer. Na realidade, enquanto no de 04-06-2020, «estando em causa uma vítima com 56 anos de idade, homem robusto e saudável, encarregado geral de obras, com alegria de viver e orgulho próprio e na família e que em nada contribuiu para o acidente que o vitimou, em relação ao qual o lesante agiu com elevado grau de culpa ao conduzir de forma desatenta e com invasão da faixa de trânsito contrária à sua», se considerou ser de confirmar o valor fixado pela perda do direito à vida em 60.000,00 €; no tirado em 28-05-2020, estando «em causa duas vítimas, uma, com 44 anos de idade, casada, saudável, alegre, bem-disposta e apegada à vida, com vida regrada e dedicação ao trabalho enquanto funcionária pública … e à família, tinha ainda bastante tempo para tirar da vida satisfação; a outra, com 17 anos de idade, solteiro, bom aluno do 10.º ano de escolaridade, alegre, realizado e feliz e socialmente integrado, então acompanhando os peregrinos …, dispunha de toda uma vida pela frente para sua realização, a privação da vida de cada um deles, pelo que poderá configurar-se como dano situado num patamar superior da escala de gravidade dos danos deste tipo, acresce que em nada contribuíram para o acidente que os vitimou, em relação ao qual o lesante agiu com elevado grau de culpa, de resto espelhado na pena de prisão que se encontra a cumprir, pelo que os valores fixados, de 95.000,00 € em relação à perda do direito à vida da vítima mulher e de 120.000,00 € em relação à vítima menor, não merecem censura, sendo de confirmar».
Revertendo o que vimos de ponderar ao caso concreto em presença, estando em causa vítima com 33 anos de idade, saudável e sem deficiência, imigrante que tinha conseguido fazer a sua vida e estabelecer-se em Portugal, exercendo as funções de pedreiro, esforçando-se para conseguir ter uma vida digna, casado há cerca de 5 anos e com um filho de 4 anos de idade, que vivia e trabalhava para dar uma vida digna à sua família, tendo a seu cargo a sua esposa, e o seu filho, tendo uma vida profissional e pessoal activa, sendo socialmente bem inserido, sendo muito trabalhador, esforçado e batalhador, e tendo o acidente que o vitimou ocorrido quando se encontrava a trabalhar, sem qualquer responsabilidade da sua parte, e tendo presentes os valores mais recentemente atribuídos para compensação do dano morte, entendemos ser mais justa e equitativa do que a arbitrada na sentença recorrida, a indemnização de 90.000,00 €, a título de compensação à viúva e filho do lesado, pelo dano da morte do seu marido e pai.
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III.2.3.3. – Dano pelo sofrimento próprio
Peticionaram ainda os AA. e foi-lhes concedida a indemnização no valor de 45.000,00€ pelo sofrimento por si sentido com a morte do seu marido e pai.
No caso, não se suscitam dúvidas de que a dor, sofrimento, angústia e tristeza, sofridos pelas pessoas referidas no artigo 496.º, n.º 2 do CC, em consequência da morte do lesado directo pelo evento danoso, configuram danos próprios dessas mesmas pessoas, cujo ressarcimento depende da prova que cada uma delas fizer da existência e dimensão de tais danos não patrimoniais na sua esfera jurídica.
É incontestável a violência do acidente que vitimou, sem qualquer culpa deste, o falecido V..., e que as circunstâncias concretas de vida deste agregado familiar, são específicas porque apenas estava em Portugal a família nuclear, constituída pelo falecido, a mulher e o filho do casal, com 4 anos de idade, a incomensurável dor sentida pela jovem viúva, com a incapacidade de relatar a situação ao filho, a perda desta criança que vai crescer sem a figura paterna, enfim, todo o quadro factual do qual se alcança a profunda alteração nas vidas dos autores motivada pelo acidente que vitimou o pai.
Não obstante, e salvo o devido respeito, os valores encontrados estão, neste caso, bastante acima daquelas que são as indemnizações que têm vindo a ser arbitradas aos cônjuges e aos filhos, rondando os 25.000,00 €, situando-se sempre abaixo das que, aproximando-se, essas sim, do valor arbitrado em primeira instância, têm sido deferidas aos progenitores que perdem um filho (como ocorreu no acórdão deste TRE acima referido), e ainda assim em circunstâncias muito excepcionais.
Nestes termos, pese embora também se entenda que não há razão para proceder à distinção entre os valores devidos a este título, habitualmente superiores para os cônjuges, quando, das regras da experiência extraímos que o sofrimento que comummente mais perdura será até o da perda por um filho de algum dos seus progenitores, sendo manifestamente excessiva a indemnização arbitrada no confronto com situações semelhantes, reputamos justa e equitativa a sua redução para a quantia de 30.000,00 €, devida a cada um dos autores para ressarcimento dos seus próprios danos não patrimoniais decorrentes da perda do seu marido e pai.
Nestes termos, procede parcialmente o recurso principal e o recurso subordinado, nos termos abaixo discriminados.
Porque parcialmente vencidos na Apelação, e atenta a regra da causalidade vertida no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, a Ré/Recorrente e os AA./Recorrentes subordinados suportam as respectivas custas, na vertente de custas de parte, na proporção do seu decaimento, de harmonia com o disposto nos artigos 529.º, n.ºs 1 e 4 e 533.º, todos do CPC. Porém, tendo sido concedido aos Autores o benefício do apoio judiciário nessa modalidade, encontram-se dispensados de proceder ao respectivo pagamento.
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IV - Decisão
Pelo exposto, na parcial procedência dos recursos principal e subordinado, acordam os Juízes deste Tribunal em revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando:
a) a Ré … Companhia de Seguros SA a pagar aos autores as seguintes quantias:
i. Aos Autores A… e F…, em conjunto, na qualidade de herdeiros de V…, o valor total de 105.000,00 €, sendo 90.000,00 € pela perda do direito à vida, e 15.000,00 €, pelo sofrimento da própria vítima;
ii. à Autora A… e ao Autor F…, a quantia de 30.000,00 €, para cada um, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento causado pela morte de V….
iii. à Autora A… a quantia de 128.000,00 €, e ao Autor F… a quantia de 55.000,00 €, por danos patrimoniais, deduzidas do valor das quantias satisfeitas pela interveniente principal, a cada um dos Autores, a título de capital de remição e pensões, e sendo todas as quantias de i. a iii. (estas no valor decorrente da dedução) acrescidas de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis;
b) e no mais confirmando a decisão recorrida.
Custas em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.
Évora, 24 de Setembro de 2020
Albertina Pedroso [67]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo Central Cível de Faro - Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Salvo o devido respeito, trata-se de formulação genérica, arredada do rigoroso cumprimento do preceituado no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, que dificulta a apreensão pelas partes e pelo Tribunal superior da concreta materialidade que a primeira instância reputou não provada e que, no caso, se especifica na parte em que pode eventualmente relevar no cômputo indemnizatório.
[5] Cfr. documento junto de fls. 59 a 68 dos autos.
[6] Cfr. documento 1 junto a fls. 20 dos autos com a petição inicial, artigo 23.º da contestação e auto de tentativa de conciliação junto pela Ré, que faz fls. 214 a 216 dos autos.
[7] Cfr. documento 1 junto a fls. 20 dos autos com a petição inicial, que não foi impugnado.
[8] Disponível in ECLI:PT:STJ:2020:43.16.2GTBJA.E1.S1.
[9] Doravante CC.
[10] Cfr. a título meramente exemplificativo da jurisprudência consolidada a este respeito no nosso mais Alto Tribunal, o Ac. STJ de 04-06-2015, proferido no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[11] Como sumariado no Ac. STJ de 29-10-2013, in ECLI:PT:STJ:2013:62.10.2TBVZL.C1.S1.38, «as tabelas de valores que constam da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/09, de 23-08, têm um âmbito institucional específico de aplicação extrajudicial, sem vincular os tribunais, para os quais o critério fundamental continua a ser o decorrente das disposições conjugadas dos arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do CC».
[12] Quando existem, o que no caso em presença nem sequer foi alegado.
[13] Referindo-se à “lamentável Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho”, veja-se a crítica desassombrada de MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil, vol. VIII, ALMEDINA, págs. 752 a 754.
[14] Cfr. inter alia, o Ac. STJ de 05-11-2009, processo n.º 381-2002.S1- 7ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Proferido no processo n.º 3301/07.3TBBCL.G1.S1 - 7.ª SECÇÃO, com sumário disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[16] Assim, VAZ SERRA, in respectivamente BMJ 86º, pág. 103, e BMJ 93º, pág. 11.
[17] In TEMAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL, II VOLUME, INDEMNIZAÇÃO DOS DANOS REFLEXOS, 2.ª Edição revista e actualizada, ALMEDINA, 2007, pág. 19.
[18] Proferido no processo n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1 - 7ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Neste mesmo sentido, pode ainda consultar-se o Ac. STJ de 10-01-2012, Revista n.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1 - 6.ª SECÇÃO.
[20] Cfr. ABRANTES GERALDES, ob. e loc. cit.
[21] Disponível in ECLI:PT:STJ:2020:16.15.2GTCBR.C1.S1.
[22] Trata-se de critério colocado em crise nos dias de hoje.
[23] Conforme referido, e bem, na sentença recorrida, e constitui jurisprudência pacífica de que são meros exemplos as decisões de que fez eco, «os limites da condenação contidos no artigo 609.º do Código de Processo Civil devem entender-se como referentes ao pedido global e não às várias parcelas em que o pedido é desdobrado».
[24] Assim, no Ac. STJ de 30-10-2007, disponível in ECLI:PT:STJ:2007:07B3459.5A, de cujo sumário se extrai que «na determinação de danos futuros sofridos pela viúva da vítima não podemos considerar como factor a esperança média de vida, tal como acontece com uma indemnização resultante de uma IPP: o que parece justo é apenas atribuir-lhe uma indemnização que lhe permita, nos tempos mais próximos, refazer a sua vida, sob pena de não acreditarmos que ela possa refazer com sucesso a sua vida, malgrado o momento difícil pelo qual passou». Trata-se de situação em que à data do falecimento do marido a A. não tinha ainda completado 30 anos.
[25] Cfr. inter alia, o Ac. STJ de 12-07-2011 - Revista n.º 322/07.0TBARC.P1.S1 - 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt, tendo ainda por referência a idade de 65 anos.
[26] Neste sentido, e a título meramente exemplificativo, cfr. o Ac. STJ de 09-07-2015, in ECLI:PT:STJ:2015:4931.11.4TBVNG.P1.S1.79, em cujo sumário se refere que: «Para efeitos de fixação de indemnização é de considerar, ainda que de forma flexível, a idade de 70 anos como sendo a de vida activa, na senda, aliás, dos arts. 6.º, n.º 1, al. b), e 7.º, n.º 1, al. b), da Portaria n.º 377/2008, de 26-05(e que pode neste particular ser aproveitado, não obstante o seu âmbito de aplicação se restringir a resoluções extrajudiciais)».
[27] Afirmando que «Quanto ao critério da esperança de vida, há que ter em conta a presumível subsistência de atividade económica relevante, num horizonte mesmo para além da idade da reforma», pode consultar-se o recente aresto de 04-06-2020, in ECLI:PT:STJ:2020:2732.17.5T8VCT.G1.S1.
[28] Como, por exemplo, no acórdão desta conferência de 10-05-2018, proferido no processo n.º 258/14.8TBELV.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[29] Proferido na Revista n.º 24/04 - 6.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[30] O INE precisa que «nos últimos 10 anos, a diferença na esperança de vida à nascença de homens e mulheres diminuiu de 6,03 para 5,56 anos».
[31] Sabendo-se de acordo com a Portaria publicada em 31-01-2020, que a idade legal de acesso à reforma sobe um mês, para os 66 anos e seis meses, já a partir de 2021, e que continuará previsivelmente a subir, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
[32] Proferido na Revista n.º 3261/06 - 2.ª Secção, na esteira do já antes ponderado no Ac. STJ de 13-05-2004 - Revista n.º 1845/03 - 2.ªSecção, no qual se afirmou que «Não se justifica qualquer dedução para obviar a um “enriquecimento sem causa” devido ao recebimento imediato e de uma só vez do capital global, porquanto a atribuição patrimonial é, desde já, devida pelo lesante, não podendo, por conseguinte, considerar-se que exista enriquecimento injustificado à custa deste», ambos disponíveis em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[33] Assim, por exemplo, se referia no Ac. STJ de 21-04-2005 - Revista n.º 562/05 - 2.ª Secção, apesar de estar em causa um agregado familiar de 4 pessoas. Diversamente, o Ac. STJ de 13-05-2004 - Revista n.º 1845/03 - 2.ªSecção, onde se ponderou: «não esquecendo que também acorreria às necessidades próprias, parece excessivo o desconto de 1/3 do vencimento num agregado de 4 pessoas.

[34] Cfr. ABRANTES GERALDES, ob. cit, pág. 22.
[35] Proferido na Revista n.º 851/08 - 6.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[36] In “Acidentes de Trabalho e doenças profissionais. Introdução”, Coleção de Formação Inicial, CEJ, Julho de 2013, págs. 21 e 22.
[37] Proferido no processo n.º 1456/15.2T8FNC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que constitui, tanto quando nos é dado apreciar em face da jurisprudência publicada, entendimento pacífico, como pode ver-se do confronto com os arestos ali mencionados, que decidiram no mesmo sentido, e do Acórdão STJ de 19-10-2016, acima citado.
[38] Proferido no processo n.º 4084/07.2TBVFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. No aresto do STJ de 21-02-2008, Revista n.º 26/08 - 7.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, afirmou-se também que «por forma a que não haja uma duplicação de indemnizações, no cálculo da indemnização devem deduzir-se as quantias recebidas pelas autoras da seguradora do acidente (também) de trabalho», e no acórdão tirado em 25-06-2015, Revista n.º 686/12.3TBLSA.C1.S1 - 1.ª Secção, igualmente se afirmou que à indemnização pela perda do contributo do falecido «se deverá deduzir a quantia por si auferida, a título de pensão anual e vitalícia, no âmbito da reparação pelo acidente, simultaneamente de viação e de trabalho».
[39] Já não na parte em que a Seguradora laboral pagou aos Autores o montante de € 5.533,68 a título de subsídio de morte.
[40] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, vol. l.°, pág. 571.
[41] In “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501.
[42] In “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 288.
[43] In “Direito das Obrigações”, pág. 387.
[44] In “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 299.
[45] Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460, pág. 444.
[46] Cfr. Ac. STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, pág.65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, pág.181.
[47] Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, Proc.º n.º 298/06.0TBSJM.S1, disponível em www.stj.pt.
[48] Cfr. Ac. STJ de 18-12-2007, Revista n.º 3715/07 - 7.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.

[49] Idem.
[50] Cfr. “A compensação do dano não patrimonial do proprietário por morte do animal de estimação”, em anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Fevereiro de 2015, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 144.º (n.º 3993), pág. 496 (nota 60).
[51] Revista n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 - 2.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[52] Proferido na Revista n.º 1359/07 - 7.ª Secção, disponível em www.stj.pt. Sumários de Acórdãos.
[53] Veja-se neste sentido, o Ac. STJ de 31-01-2006, Revista n.º 3769/05 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt. Sumários de Acórdãos, onde se afastou a ressarcibilidade «Provando-se que o filho dos Autores desmaiou logo que ocorreu o acidente e que sobreviveu cerca de uma hora não há que considerar quaisquer danos não patrimoniais sofridos por este no período entre o acidente e a sua morte», ou o de 21-02-2008 - Revista n.º 26/08 - 7.ª Secção, onde se considerou que «não deve ser arbitrada uma indemnização pelo dano não patrimonial (não) sofrido pela vítima antes da sua morte», se «a gravidade dos ferimentos sofridos pela vítima mortal foi de tal ordem que nada permite concluir que tenha tido sequer a possibilidade de sofrer, que tenha tido a consciência de sentir-se irremediavelmente atingido no seu património vital».
[54] Revista n.º 3084/07 - 6.ª Secção, disponível em www.stj.pt. Sumários de Acórdãos.
[55] O mesmo valor de 15.000,00 € foi atribuído pelo sofrimento da vítima com a aproximação da morte no Ac. de 27-05-2008 - Revista n.º 1456/08 - 7.ª Secção.
[56] Revista n.º 3927/07 - 1.ª Secção.
[57] Revista n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 - 2.ª Secção, disponível em www.stj.pt. Sumários de Acórdãos.
[58] Igual montante tinha sido encontrado no Acórdão STJ de 02-03-2017, Revista n.º 36/12.9TBVVD.G1.S1 - 7.ª Secção, ponderando-se ser «equilibrada a indemnização de € 20 000 transmissíveis por via sucessória, para compensar os "danos não patrimoniais", graves lesões e fortes dores, registados pela vítima no acidente», e no Acórdão STJ de 19-02-2015 Revista n.º 1094/08.6TBSLV.E2.S1 - 7.ª Secção, por intensas dores sofridas até ter falecido 4 horas após o acidente, com perfeita consciência da aproximação da morte.
[59] Assim, CALVÃO DA SILVA, in Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 1990, pág. 687, ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, 2009, pág. 602 (nota 1). Na jurisprudência, cfr., a título meramente exemplificativo, o Ac. STJ de 16-10-2008 - Revista n.º 2477/08 - 2.ª Secção, disponível em www.stj.pt. Sumários de Acórdãos.
[60] Neste sentido, cfr. ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em geral, vol. I, 10.ª edição, Coimbra, 2005. Na jurisprudência, cfr., a título meramente exemplificativo, Ac. STJ de 24-05-2007, Revista n.º 1359/07 - 7.ª Secção, disponível em www.stj.pt. Sumários de Acórdãos.
[61] Cfr. Ac. STJ de 03-11-2016, proferido no processo n.º 6/15.5T8VFR.P1.S1, 7ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt.
[62] Inter alia, o citado aresto de 18-12-2007.
[63] Cfr. Ac. STJ de 24-01-2008, Revista n.º 4500/07 - 2.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos. Visão idêntica consta plasmada no Parecer do Provedor de Justiça que sustentou a atribuição das indemnizações devidas pela tragédia da queda da Ponte de Entre-os-Rios, e que ao tempo determinaram um acentuado aumento do valor da compensação arbitrada pelos tribunais pela perda do direito à vida.
[64] Cfr. (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.)».
[65] No qual a ora Relatora foi 1.ª Adjunta e o ora 1.º Adjunto foi 2.º Adjunto.
[66] Compensação arbitrada, por exemplo, no Acórdão STJ de 22-02-2018, disponível em ECLI:PT:STJ:2018:33.12.4GTSTB.E1.S1.CE, num caso em que «a vítima era um jovem de 25 anos de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, sendo piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira».
[67] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado electronicamente pelos três desembargadores que integram esta conferência.