Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
334/12.1T2STC-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ASSINATURA
ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Vale como título executivo o documento particular assinado por um dirigente de uma pessoa colectiva com expressa invocação dessa qualidade, mesmo nos casos em que os respectivos estatutos exijam a assinatura de dois titulares.
II - O artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais é aplicável às associações sem fim lucrativo, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Código Civil.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Processo n.º 334/12.1T2STC-A.E1 (2.ª Secção)
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

União (…) Club deduziu oposição à execução que lhe move (…) alegando, entre outras coisas que ao recurso não interessam, o seguinte:
- Inexistir título executivo porquanto o acordo junto aos autos para o referido efeito apenas se encontra assinado pelo Presidente da Executada, quando a mesma apenas se obriga pela assinatura conjunta do Presidente ou Vice-Presidente e do Director Financeiro.
*
Foi proferido saneador-sentença em que foi decidido julgar procedente a oposição com o fundamento em que que o documento apresentado à execução não se encontra assinada pela Executada atenta a forma de obrigar desta e estando provado que esta forma não foi observada quando da assinatura do documento apresentado como título executivo.
*
Desta sentença recorre o exequente alegando que o documento/acordo junto como título executivo é válido e o facto de não conter a assinatura de outro gerente não é impeditivo de o considerar válido; tal irregularidade gera responsabilidade nas relações internas da executada e não bule nas relações com terceiros.
Aplica-se, por analogia, o que se estabelece no art.º 260.º do Código das Sociedades Comerciais.
*
Foram colhidos os vistos.
*
A matéria de facto que o tribunal recorrido considerou é a seguinte:
1- O Exequente apresentou como titulo executivo documento denominado acordo de pagamento, datado de 7 de Outubro de 2008, no qual o executado reconhece ser devedor do exequente pela quantia de € 9.070,00; tal valor deverá ser pago no prazo de 4 anos.
2- O documento referido está assinado, em nome da Executada, por (…), na qualidade de Presidente da Direcção.
3- Nos termos do art.º 50.º dos Estatutos da Executada “Os documentos e contratos que obriguem o Clube exigem a assinatura conjunta do Presidente ou Vice-Presidente e a do Director Financeiro.
*
Notaremos em primeiro lugar que o problema tem que ver só com a questão de o documento ser ou não título executivo.
*
O argumento fundamental do recorrente é o da aplicação do art.º 260.º, n.º 1, Cód. Soc. Comerciais, segundo o qual os «actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na perante terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberação dos sócios». De acordo com este preceito legal, os tribunais aceitaram já que cheque e livranças subscritas apenas por um dos gerentes (quando o pacto social exige a assinatura de dois) valem como títulos executivos. O recorrente cita, a este propósito, o ac. da Relação de Lisboa, de 17 de Janeiro de 2008 (caso de cheques); no mesmo sentido se podem citar também os acórdãos referidos naquele na sua nota 6.
Os documentos particulares que podem servir de título executivo devem ser assinados pelo devedor e deles deve constar a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, nos termos do art.º 46.º, n.º 1, al. c), Cód. Proc. Civil anterior.
O problema, no nosso caso, coloca-se quanto à identidade do devedor e coloca-se nestes termos: basta a assinatura de um titular de um órgão dirigente de uma pessoa colectiva para vincular esta quando o pacto social exige a assinatura de mais uma pessoa?
O art.º 260.º, Cód. Soc. Comerciais, estabelece, no seu n.º 1, que os «actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na perante terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social».
Com base neste preceito legal, a jurisprudência entende que a sociedade fica vinculada pelo acto de só um dos seus gerentes mesmo quando o contrato exige a assinatura de dois. Além do ac. já citado, pode ver-se o recente ac. do STJ, de 8 de Setembro de 2015, de acordo com o qual «facto de o pacto social prever a assinatura dos dois gerentes para vincular uma sociedade por quotas não é oponível a terceiros que com ela contratem».
O devedor a que alude o citado art.º 46.º é a pessoa colectiva que, por meio de um seu representante (e não há dúvida quanto ao nexo de representação), reconheceu uma dívida (assim se alterando parcialmente o que se escreveu no ac. desta Relação, de 16 de Junho de 2016).
Como escreve Raúl Ventura, o indispensável «para a vinculação da sociedade é a reunião dos dois elementos: assinatura pessoal do gerente e menção da qualidade de gerente» (Sociedade por Quotas, Almedina, Coimbra, 1991, p. 171). No nosso caso, temos que o Presidente da Direcção da recorrida assinou o documento invocando expressamente essa qualidade.
*
O recorrente discorda também da sentença na medida em que esta afirma que a executada é uma associação civil e não uma sociedade por quotas, pelo que não se aplica este regime àquelas.
Concordamos com o recorrente quando alega que a ratio da aplicação de tal regime é o facto de estarmos face a uma pessoa colectiva e não face à natureza mercantil ou não da sociedade (neste caso, Associação). Com efeito, o que distingue a figura da sociedade comercial da da associação é o escopo lucrativo na primeira e a ausência deste na segunda. Esta diferença, contudo, em nada interfere com a representação pois que ambas são pessoas colectivas; queremos dizer, não é diferença de objectivo da actividade que pode justificar o modo como a pessoa colectiva é representada.
Assim, e considerando o disposto no art.º 10.º, n.º 2, Cód. Civil, e na ausência de uma disposição semelhante ao citado art.º 260.º, entendemos que a razão de ser desta norma aplica-se, por analogia, às associações sem fim lucrativo (veja-se, aliás, o art.º 163.º, n.º 2, Cód. Civil, em confronto com o art.º 260.º, n.º 2, Cód. Soc. Comerciais).
*
Sendo o documento dado à execução título executivo, importa analisar as demais questões levantadas na oposição.
*
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida e determina-se o prosseguimento do processo para conhecimento de mais questões existentes.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 09 de Fevereiro de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
Tomé de Carvalho