Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
638/17.7T8PTM.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
FACTOS CONCRETOS
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: i) O trabalhador deve indicar de forma sucinta os factos concretos que justificam a resolução do contrato de trabalho.
ii) A mera alegação do imputações genéricas, juízos de valor e conclusões, sem indicação de factos concretos, não cumpre o requisito formal referido e tem como consequência a ilicitude da resolução do contrato de trabalho.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 638/17.7T8PTM.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: BB (autor)
Apelada: CC, SA (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J2.

1. O autor veio propor ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra as rés, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 7 489,08, sendo:
a) € 4 060,80, a título de compensação pela resolução do contrato de trabalho com justa causa;
b) € 1 194,38, a título de parcial de subsídio de férias e de Natal;
c) € 2 233,90, a título de diferenças salariais não pagas;
Quantias a que deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, ainda, sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no artigo 829.º-A n.º 4 do Código de Processo Civil.
Alegou para o efeito que, tendo celebrado contrato de trabalho com a ré em 04.01.2016, acabou por resolver o mesmo, com invocação de justa causa, em 29.04.2016, pelo que pretende obter compensação pela cessação do contrato de trabalho.
Mais alegou que ficaram em dívida as quantias suprarreferidas, atendendo a que foi remunerado em valor abaixo do previsto no CCT aplicável.
Teve lugar a audiência de partes, na qual não foi possível obter a respetiva conciliação.
Na contestação, a ré aceitou a existência do contrato de trabalho tal como invocado pelo autor, mas rejeitou que o mesmo tenha invocado justa causa válida para por termo ao contrato nos moldes em que o fez, como igualmente recusa que ao autor sejam devidos os montantes peticionados.
Pugna, por isso, pela ilicitude da resolução do contrato de trabalho por parte do autor e pede que a ação seja julgada improcedente.
Em reconvenção, pede que se reconheça o crédito que detém sobre o autor, pela quantia de € 586,40, a título de indemnização por falta de aviso prévio na denúncia do contrato de trabalho.
Foi proferida sentença, com a resposta à matéria de facto, com a seguinte decisão:
Em face do supra-exposto e nos termos das disposições legais supracitadas, decide-se julgar a ação improcedente e, em consequência, absolve-se a ré dos pedidos contra ela deduzidos pelo autor.
Julga-se procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré contra o autor, no que se refere à quantia devida a título de aviso prévio em falta, no montante de € 586,40 (quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta cêntimos), mas não se condenada o autor no seu pagamento, na medida em que a ré já procedeu ao desconto de tal quantia nos valores devidos ao autor.
Custas a cargo do autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

2. Inconformado, veio o A. interpor recurso de apelação que motivou e concluiu que:
I - A sentença proferida a fis. pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, não considerou que o apelante tenha invocado justa causa de despedimento válida para pôr termo ao aludido contrato de trabalho, contudo tal despedimento foi lícito e assim deverá ser considerado.
Il - Não se verifica por parte do apelante qualquer violação do disposto no art.° 394.° do CT.
III - Muito pelo contrário, o apelante fez cessar imediatamente o contrato de trabalho sub judice com justa causa e nos termos e para os efeitos do legalmente estatuído na citada disposição legal.
IV - O apelante cumpriu com a estatuição que lhe incumbia, designadamente, cumpriu com o respetivo procedimento para a resolução do contrato, ou seja, que comunicou a resolução ao contrato de trabalho ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justifica.
V - O apelante não gozou qualquer período de férias e encontram-se por lhe pagar o montante de € 1 194,38, a título de parcial de subsídio de férias e de Natal.
VI - O apelante tem direito a receber, a título de diferenças salariais não pagas onde se inclui trabalho suplementar e trabalho prestado em dias feriados, o montante de € 2 233,90.
Nestes termos, e nos mais de direito que serão objeto do douto suprimento de V.as Ex.ªs deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, seguindo-se os seus termos até final.

3. A ré não respondeu.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de ser confirmada a sentença recorrida. Notificado, não foi oferecida resposta.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – A justa causa para a resolução do contrato de trabalho e respetivas consequências.
2 - Os créditos reclamados pelo autor.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
A. Autor e ré celebraram o contrato que constitui o documento de fls. 13-15 dos autos, com o seguinte teor:
“CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
Entre:
CC, S.A., com sede no …, adiante designado por PRIMEIRO OUTORGANTE e BB… como SEGUNDO OUTORGANTE, é estabelecido um contrato de trabalho a termo certo, regido pela legislação geral aplicável e pelo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e a FETESE – Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços e outro, publicado no BTE nº 32, de 29 de Agosto de 2014, aplicável por força da Portaria de Extensão nº 95/2015, de 27 de Março, publicada no Diário da República, celebrado de acordo com as seguintes cláusulas:
1. O Segundo Outorgante é admitido ao serviço do Primeiro Outorgante para desempenhar as funções inerentes à categoria legal de segurança privado, na especialidade de Vigilante, exercendo a função respetiva, com a seguinte caracterização sumária: prestar serviços de vigilância, prevenção e segurança em instalações industriais, comerciais e outras para as proteger contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias, faz rondas periódicas para inspecionar as áreas sujeitas à sua vigilância e regista a sua passagem nos postos de controlo, para provar que fez as rondas nas prescritas, controla e anota o movimento de pessoas, veículos ou mercadorias de acordo com as instruções recebidas e, em geral, prevenir a prática de crimes em relação aos bens objeto da sua protecção/vigilância tal como se encontra definida na Lei nº 34/2013, de 16 de maio.
2. A designação e caracterização da categoria profissional é entendida, por expresso acordo entre ambos os outorgantes, sem prejuízo da indispensável polivalência inerente à atividade própria da empresa Primeiro Outorgante, pelo que livre e conscientemente se obriga o Segundo Outorgante, quando tal lhe seja determinado, ao exercício de outras funções e tarefas distintas das correspondentes à sua categoria legal, nomeadamente ao exercício das funções inerentes à especialidade de operador de central de alarmes, desde que para tal possua qualificação profissional adequada e não implique desvalorização profissional, seja afins ou funcionalmente ligadas às daquela categoria, sem prejuízo do direito à retribuição mais elevada que corresponda a estas funções, enquanto o seu exercício, ainda que acessório, se mantiver, nos termos dos art.ºs 118.º e 267.º do Código do Trabalho.
3. O presente contrato tem início em 04/01/2016 e termo a 31/12/2016 com um período experimental de 30 dias. O presente contrato não será renovado e cessará automaticamente no dia 31/12/2016.
4. O contrato é celebrado pelo prazo estabelecido na cláusula 2.ª, ao abrigo da alínea f) do art.º 140.º do Código de Trabalho, e justifica-se devido ao acréscimo excepcional da atividade da empresa, nomeadamente para fazer face ao contrato de prestação de serviços celebrado com …, cujo prazo de duração é até 30 de Dezembro de 2016.
5. Ao Segundo Outorgante será paga uma remuneração mensal base de € 651,56 (seiscentos e cinquenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) sujeita aos impostos e descontos legais em vigor. O subsídio de refeição, quando devido ao Segundo Outorgante, será pago através de Ticket Restaurant.
6. O período normal de trabalho semanal é de 40 horas, de acordo com o período de referência estipulado respetivamente no instrumento de regulamentação coletiva aplicável e distribuído todos os dias da semana de acordo com o mapa de horário de trabalho a estabelecer. O período normal de trabalho diário poderá sofrer um aumento até quatro horas por dia, no máximo de quatro dias de trabalho por semana, distribuído pelos dias da semana de acordo com o mapa de horário de trabalho a definir pelo 1º Outorgante. O período normal de trabalho pode, igualmente, ser aumentado ou diminuído até quatro horas diárias. A distribuição diária do período normal de trabalho, poderá ser livremente alterada pelo 1º Outorgante. O segundo outorgante não pode em simultâneo praticar horário de trabalho concentrado em regime de adaptabilidade.
7. O Segundo Outorgante aceita que o descanso compensatório devido pelo trabalho prestado em dia feriado seja substituído por prestação de trabalho remunerado com o acréscimo nos termos previstos no CCT aplicável.
8. O local de trabalho será …. E OUTROS EM NEGOCIAÇÃO.
9. A duração das férias do Segundo Outorgante é definida e regulada pelas normas correspondentes e aplicáveis ao caso concreto, da Subsecção X, Secção II, do Capítulo II do Código do Trabalho.
10. A denúncia do contrato pelo Segundo Outorgante, está sujeita às regras impostas pelos art.º 400.º, 401.º e 402.º do Código do Trabalho.
11. O Segundo Outorgante está obrigado a observar os deveres de sigilo, tanto de índole profissional como legal relativamente a quaisquer assuntos profissionais que tome conhecimento, ainda que indirectamente, enquanto trabalhador da empresa, e de lealdade, nomeadamente, não negociando, por conta própria ou alheia, em concorrência coma empresa, conforme o que se encontra disposto no art.º 6.º n.º 1 da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio e alínea f), do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho, respetivamente.
12. O segundo outorgante está obrigado a manter actualizados os seus dados, de forma permanente, informando de imediato a primeira Outorgante de qualquer alteração registada a partir da presente data, estando igualmente obrigado a entregar anualmente nas instalações da primeira outorgante certificado de registo criminal, mediante recibo de comprovativo de entrega, responsabilizando-se por toda e qualquer consequência emergente do incumprimento destas obrigações, nomeadamente coimas, multas, sanções pecuniárias, daí resultantes.
13. O segundo outorgante está obrigado a velar pela conservação e boa utilização dos bens e equipamento que lhe forem confiados pela primeira outorgante para o exercício das suas funções, bem como está impedido de aproveitar, em proveito próprio, quaisquer bens ou equipamento, propriedade dos clientes da primeira outorgante, a que o primeiro tenha acesso no desempenho da atividade agora contratada.
14. Com o ato da assinatura do presente contrato o Segundo Outorgante declara expressamente ter sido informado e cumprido o “Dever de Informação” previsto nos art.ºs 106.º a 109.º do Código de Trabalho.
15. O segundo outorgante é titular do cartão profissional nº …, cartão atribuído pela Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública para o exercício das suas funções de vigilância.
16. O segundo outorgante, conhecedor da legislação que regulamenta o uso do cartão profissional, obriga-se a manter aposto em local visível do seu fardamento, quando no exercício das funções de vigilância e segurança privada de que está incumbido pelo presente contrato, o cartão profissional de que é titular, de modo a considerar-se identificado e responsabilizando-se pelas coimas resultantes do não cumprimento desta determinação legal.
17. As partes, conscientes da existência de normas imperativas que regem o exercício da profissão de segurança privado e das funções desempenhadas pelo pessoal de vigilância, sujeitam o presente contrato à condição resolutiva de o segundo outorgante não renovar o cartão profissional atribuído pela Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública; cessando por caducidade o presente contrato por falta de habilitação legal a partir da data em que caducar o seu cartão profissional.
18. O segundo outorgante compromete-se a manter válido o seu cartão profissional e a observar todas as regras necessárias à sua renovação, estando obrigado à entrega imediata nas instalações da primeira outorgante, mediante recibo de comprovativo, de cópia do pedido de renovação do cartão profissional, bem como de cópia do novo cartão profissional que lhe for atribuído, responsabilizando-se por toda e qualquer consequência emergente do seu incumprimento, nomeadamente coimas, multas, sanções pecuniárias, daí resultantes.
19. O segundo outorgante obriga-se a participar às autoridades policiais o extravio, a qualquer título, o furto ou roubo do seu cartão profissional, enviando cópia dessa comunicação à primeira outorgante e à Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, responsabilizando-se por toda e qualquer consequência emergente do seu incumprimento, nomeadamente coimas, multas, sanções pecuniárias, daí resultantes.
20. Após a cessação do presente contrato de trabalho, independentemente da sua causa, o segundo outorgante obriga-se a proceder à entrega do seu cartão profissional, nas instalações da primeira outorgante, mediante recibo de comprovativo, no prazo de 10 dias úteis, ainda que se encontre pendente de decisão judicial, ficando, desde já, informado que o incumprimento deste dever constitui fundamento para o cancelamento do mesmo.
21. O Segundo Outorgante tomou conhecimento de todas as normas da empresa, que constituem o Manual de Vigilante anexo, ao presente contrato e dele fazendo parte integrante para todos os efeitos legais, normas que lhe foram explicadas em procedimento interno, obrigando-se o segundo outorgante ao seu integral cumprimento e responsabilizando-se por toda e qualquer consequência emergente do seu incumprimento, nomeadamente coimas, multas, sanções pecuniárias, daí resultantes.
22. O Segundo Outorgante obriga-se a informar imediatamente a primeira OUTORGANTE, caso tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso previsto no Código Penal e demais legislação penal.
23. O segundo outorgante não é filiado em nenhum sindicato profissional.
24. Não será dada informação do teor do presente contrato, nos termos do n.º 1 do art.º 144.º do Código do Trabalho, dada a inexistência de comissão de trabalhadores e não ser o Segundo Outorgante sindicalizado.
Celebrado a 30 de Dezembro de 2015, constando de dois exemplares, devidamente assinados e distribuídos pelas partes outorgantes.
(…)” (artigos 1º a 4º da p.i. e artigo 1º da contestação)
B. Em 29.04.2016, o autor remeteu à ré a carta reproduzida a fls. 16, por esta recebida em 02.05.2016, com o seguinte teor:
“…, 29 Abril 2016
Exmos Srs.
Venho por este meio rescindir por justa causa o contrato que me liga à vossa empresa, pelos motivos que passo a descrever;
O Contrato Coletivo de Trabalho não está a ser cumprido, ou seja os meus ordenados nunca estão certos.
Além disso no passado dia 27 de Abril testemunhei o seguinte, um colega meu a ser maltratado pelos meus superiores da CC, o meu colega foi tratado abaixo de cão, e até tinha razão, portanto tenho toda a legitimidade para pensar ontem foi o meu colega, amanhã posso ser eu.
É esta a imagem da CC?
Na CC não existe chefias, existe um bando de malfeitores, arruaceiros, pessoas estúpidas, arrogantes, malcriadas, incompetentes e irresponsáveis.
Foi um erro de casting trabalhar na CC, não foi por falta de aviso, mas agora sei que trabalhar na CC é retroceder 500 anos, é quase voltar ao tempo da pedra.
Esta rescisão tem efeito a partir do dia 1 de Maio.
Junto envio as minhas folhas de horas para serem revistas.
(…)” (artigos 6º e 7º da p.i. e artigo 23º da contestação)
C. Enquanto ao serviço da ré, o autor não gozou qualquer período de férias. (artigo 8º da p.i.)
D. A ré pagou ao autor os valores constantes dos documentos de fls. 19 a 23, 73 e 109 a 113, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 10º da p.i. e artigos 31º e 32º da contestação)
E. O autor não é filiado em nenhum sindicato.

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos:
1 – A justa causa para a resolução do contrato de trabalho e respetivas consequências.
2 - Os créditos reclamados pelo autor.

B1) A justa causa para a resolução do contrato de trabalho
O art.º 394.º n.º 1 do CT prescreve que ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
O n.º 2 do mesmo artigo, enumera exemplificativamente comportamentos do empregador que constituem justa causa para o trabalhador fazer cessar o contrato de trabalho.
O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos (art.º 395.º n.º 1 do CT).
A justa causa é apreciada tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que sejam relevantes no caso (art.º 351.º n.º 3, aplicável ex vi do art.º 394.º n.º 4 do CT, com as necessárias adaptações).
A lei exige o cumprimento dos requisitos formais consubstanciados na redução a escrito e indicação dos factos, embora de forma sucinta, que justificam a resolução do contrato de trabalho. A falta da comunicação por escrito ou da indicação dos factos concretos que constituem o fundamento para a resolução do contrato de trabalho tem como consequência a sua ilicitude.
No caso concreto, quanto a esta questão, resulta dos factos provados que o autor alegou que “o Contrato Coletivo de Trabalho não está a ser cumprido, ou seja os meus ordenados nunca estão certos.
Além disso no passado dia 27 de abril testemunhei o seguinte, um colega meu a ser maltratado pelos meus superiores da CC, o meu colega foi tratado abaixo de cão, e até tinha razão, portanto tenho toda a legitimidade para pensar ontem foi o meu colega, amanhã posso ser eu.
É esta a imagem da CC?
Na CC não existe chefias, existe um bando de malfeitores, arruaceiros, pessoas estúpidas, arrogantes, malcriadas, incompetentes e irresponsáveis.
Foi um erro de casting trabalhar na CC, não foi por falta de aviso, mas agora sei que trabalhar na CC é retroceder 500 anos, é quase voltar ao tempo da pedra”.
Como se vê, o autor não alega factos concretos. Limita-se a fazer imputações genéricas, sem qualquer concretização, o que impede, nomeadamente, a verificação da sua veracidade pela empregadora e o cumprimento do prazo de 30 dias previsto na lei. O trabalhador deveria ter esclarecido, embora de forma resumida e simples, em que consistem os erros no processamento dos ordenados.
Quanto ao mais, invoca factos que nem sequer se passaram consigo e, em qualquer caso, não os situa no tempo nem reproduz o que foi dito para podermos concluir pela verificação dos juízos de valor que formula.
O trabalhador não comunica à empregadora factos concretos, mas apenas conclusões e juízos de valor, que de modo algum cumprem a exigência narrativa exigida pelo art.º 395.º n.º 1 do CT.
A consequência é considerar-se ilícita a resolução do contrato de trabalho efetuada pelo trabalhador[1], aqui autor, com as consequências previstas nos art.ºs 399.º e 401.º do CT.

B2) Os créditos reclamados pelo trabalhador
O apelante conclui que: “não gozou qualquer período de férias e encontram-se por lhe pagar o montante de € 1 194,38, a título de parcial de subsídio de férias e de Natal e tem direito a receber, a título de diferenças salariais não pagas onde se inclui trabalho suplementar e trabalho prestado em dias feriados, o montante de € 2 233,90”.
Sobre esta matéria, escreveu-se na sentença recorrida: “Da matéria de facto provada – designadamente, dos recibos de vencimento juntos, cuja exatidão não foi posta em causa por nenhuma das partes – resulta que ao autor foram pagas as seguintes quantias ilíquidas:
- janeiro de 2016: € 620,53 (vencimento) – cf. fls. 19 e 109;
- fevereiro de 2016: € 651,56 (vencimento)
€ 57,34 (61 horas noturnas a 25%, reportado a 01/2016)
€ 94,00 (100 horas noturnas a 25%, reportado a 02/2016)
€ 194,25 (trabalho suplementar, reportado a 01/2016)
€ 282,74 (trabalho suplementar, reportado a 02/2016) – cf. fls. 20 e 110;
- março de 2016: € 651,56 (vencimento)
€ 26,32 (28 horas noturnas a 25%, reportado a 02/2016) – cf. fls. 21 e 111;
- abril de 2016: € 651,56 (vencimento)
€ 20,68 (22 horas noturnas a 25%, reportado a 03/2016)
€ 15,04 (8 horas de trabalho em dia feriado, reportado a 03/2016)
€ 63,00 (trabalho suplementar, reportado a 03/2016) – cf. fls. 23 e 112;
- maio de 2016: € 216,79 (subsídio de Natal)
€ 69,56 (74 horas nocturnas a 25%, reportado a 04/2016)
€ 216,79 (férias)
€ 216,79 (subsídio de férias)
€ 15,04 (8 horas de trabalho em dia feriado, reportado a 04/2016)
€ 52,50 (trabalho suplementar, reportado a 04/2016) – cf. fls. 73 e 113.
E resulta, também, que no acerto final de contas a ré procedeu ao desconto da quantia de € 586,40, a título de aviso prévio em falta (cf. fls. 73 e 113).
Por outro lado, está provado que o vencimento base do autor era no montante mensal de € 651,56, o que corresponde ao valor previsto na tabela salarial constante do CCT aplicável, em vigor à data, para a categoria profissional do autor (vd. Anexo II, A) Tabela salarial - Nível XVI do CCT suprarreferido).
Acresce que, nos termos do n.º 1 da Cláusula 12.ª do CCT em causa, o período normal de trabalho será, em regra, de 8 horas diárias e 40 semanais. Porém, nos termos da Cláusula 13.ª do mesmo CCT (sob a epígrafe «Adaptabilidade»), o período normal de trabalho poderá ser acrescido de 2 horas diárias, não podendo ultrapassar as 10 horas por dia, nem as 50 por semana, nem podendo o período normal de trabalho diário ser inferior a 4 horas; aí se prevê, também, que as horas de trabalho prestado em regime de alargamento do período de trabalho normal serão compensadas com a redução de horário normal em igual número de horas, num período nunca superior a seis meses.
E, nos termos da Cláusula 15.ª do CCT em causa (com a epígrafe «Horário concentrado»), o período de trabalho normal diário pode ter aumento, por acordo entre trabalhador e entidade empregadora, até, no máximo, 4 horas diárias, tendo em vista concentrar o período normal de trabalho semanal no máximo de 4 dias, com 3 dias de descanso consecutivo num período de referência de 45 dias; ou para estabelecer um horário de trabalho que contenha, no máximo, 3 dias de trabalho consecutivos, seguidos, no mínimo de 2 dias de descanso, devendo a duração do período normal de trabalho semanal ser respeitado, em média, num período de referência de 45 dias. Aí se prevê, igualmente, que o trabalho prestado nestes termos é pago de acordo com o valor/hora do trabalho normal, não havendo lugar ao pagamento de qualquer retribuição especial.
Importa, ainda, ter em conta que o valor/hora da retribuição devida ao autor, de acordo com a Cláusula 29.ª do CCT aplicável é de € 3,76.
Finalmente, nos termos da Cláusula 30.ª do mencionado CCT, considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado depois de terminado o período normal de trabalho e que não esteja devidamente identificado nos mapas de horário como trabalho prestado em regime de banco de horas, adaptabilidade ou horário concentrado – sendo que tal trabalho deverá ser remunerado com acréscimo de 40% sobre o valor da retribuição horária – e nos termos da Cláusula 31.ª, considera-se trabalho noturno o prestado entre as 21 horas de um dia e as 6 horas do dia seguinte, devendo o trabalho prestado nessas circunstâncias ser remunerado com acréscimo de 25% sobre o valor da retribuição horária.
Em face do quadro convencional aplicável, e tendo em conta o que consta da cláusula 6.ª do contrato de trabalho assinado entre as partes, que constitui expressa aceitação da aplicabilidade quer do regime de adaptabilidade, quer do horário concentrado, previstos no CCT aplicável, ainda que não em simultâneo, importa analisar as pretensões do autor.
Quanto aos valores relativos a férias e subsídios de férias e de Natal:
De acordo com o disposto no artigo 263.º do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito a um subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, o qual deve ser proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato.
E, nos termos do disposto no artigo 264.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho (e da Cláusula 24.ª do CCT aplicável), tem também direito à retribuição do período de férias correspondente à que receberia se estivesse em serviço efetivo, a que acresce um subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondente à duração mínima das férias.
Assim, quanto aos valores devidos a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tendo em conta que a relação laboral perdurou entre 04.01.2016 e 01.05.2016, ou seja, três meses e 28 dias, e visto o valor da retribuição auferida, ao autor eram devidas as quantias de € 213,584 × 3, ou seja, o valor global de € 640,74.
Segundo os cálculos: € 651,56 ÷ 12 × 3 = € 162,90
€ 651,56÷ 12 ÷ 30 × 28 = € 50,68
€ 162,90 + € 50,68 = € 213,58
Como a tal título a ré contabilizou o valor global de € 650,37 (€ 216,79 × 3), é de concluir que nada mais é devido ao autor, neste âmbito.
No que se refere ao trabalho prestado pelo autor, tendo em conta o que já se referiu quanto ao valor/hora da retribuição devida (€ 3,76), quanto aos acréscimos devidos em caso de horas noturnas dentro do horário normal (+25%) e no caso de trabalho suplementar (+40%), e tendo também em conta quanto resulta dos registos do tempo de trabalho juntos pelo próprio autor e dos recibos de vencimento (juntos por ambas as partes), contabilizadas todas as horas pagas a título de trabalho noturno, de trabalho suplementar e trabalho prestado em dias feriados e cotejadas as mesmas com os aludidos registos, não se vê que tenha ficado por pagar qualquer quantia a tal título devida, sendo de referir que os cálculos efetuados pelo autor no artigo 10.º da petição inicial (aperfeiçoada) partem de um valor horário que não corresponde à realidade e, por outro lado, se bem os entendemos, constituem uma dupla contabilização do tempo de trabalho prestado (enquanto horas noturnas e horas de trabalho normal – sendo que, no caso, o período normal de trabalho diário pode ser prestado durante a noite, atenta a natureza das funções desempenhadas)”.
A sentença recorrida fez uma análise correta dos factos provados e das normas legais e contratuais aplicáveis ao caso, pelo que se mantém.
Na verdade, é evidente que a empregadora pagou ao trabalhador a retribuição devida pela prestação de trabalho, tendo em conta o regime geral previsto no CT, no CCT aplicável e no seu contrato de trabalho.
Nesta conformidade, julgamos a apelação improcedente e confirmamos a sentença recorrida.

Sumário: i) o trabalhador deve indicar de forma sucinta os factos concretos que justificam a resolução do contrato de trabalho.
ii) a mera alegação do imputações genéricas, juízos de valor e conclusões, sem indicação de factos concretos, não cumpre o requisito formal referido e tem como consequência a ilicitude da resolução do contrato de trabalho.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de julho de 2018.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço

__________________________________________________
[1] Neste sentido, em caso semelhante, Ac. STJ, de 14.07.2016, processo n.º 1085/15.0T8VNF.G1.S1, www.dgsi.pt/jstj.