Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
299/17.3TXEVR.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO
EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Após o cumprimento de 2/3 de pena de prisão superior a 5 anos, não pode sustar-se a execução da pena acessória de expulsão aí aplicada ao condenado, com fundamento na pendência contra o mesmo de um outro processo-crime com julgamento já marcado, no âmbito do qual não foi requerida a prisão preventiva do arguido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No processo n.º 299/17.3TXEVR-A do Tribunal de Comarca de Évora, Juízo de Execução das Penas de Évora - Juiz 2, foi proferido despacho a recusar a execução da pena de expulsão aplicada ao arguido SK, no dia 16.07.2019, por o recorrente ter ainda pendente contra si o processo n.º ---/15.5JDLSB com início de julgamento agendado para Novembro deste ano, o que impediria a execução da pena acessória de expulsão.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“1. O recorrente foi condenado numa pena de 7 anos e 6 meses de prisão efetiva, no processo n.º ---/14.9JELSB do Juízo Central Criminal de Portimão.

2. Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão pelo período de 5 anos.

3. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 188.º-A do CEPMPL, “Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que: b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão.”

4. O recorrente cumpriu os dois terços da pena em que foi condenado no dia 16.07.2019.

5. Veio, no entanto, o Tribunal a quo, por despacho proferido em 05.07.2019, recusar a execução da pena expulsão no dia 16.07.2019.

6. Entendeu que não se encontra estabilizada a situação jurídico-penal do recorrente, pois tem ainda pendente contra si o processo n.º ---/15.5JDLSB, com início de julgamento agendado para novembro deste ano, razão pela qual não pode ser executada a pena acessória de expulsão.

7. O recorrente ainda não foi condenado, muito menos julgado, no processo ---/15.

8. O recorrente não tem condenações pendentes para que se possa falar numa questão de penas sucessivas ou de cúmulo jurídico neste momento.

9. O Tribunal a quo excedeu os limites da sua competência, tentando antecipar o que possa a vir a acontecer no processo ---/15.

10. O processo ---/15 não pede a aplicação da prisão preventiva ao recorrente, nem este foi ouvido por um juiz de instrução com vista a aplicar uma medida de coação mais gravosa que o TIR.

11. E mesmo que o recorrente venha a ser condenado numa pena de prisão efetiva, sempre existem outros mecanismos aptos à exequibilidade da pena que a execução da pena acessória não coloca em causa.

12. O fundamento do despacho recorrido para a não execução da pena acessória de expulsão ultrapassa os limites da competência do TEP que deve reportar-se apenas à pena a executar, resultante da decisão do tribunal de condenação, sempre transitada em julgado.

13. Só assim não seria se viesse a ser proferida decisão que altere ou revogue a pena acessória de expulsão, antes da sua concretização, que não é o caso dos presentes autos.

14. O despacho recorrido violou o princípio da presunção de inocência e do caso julgado.

15. Neste momento, o recorrente já alcançou o pressuposto formal dos 2/3 no dia 16 de julho de 2019, pelo que é automática e obrigatória a sua expulsão.

16. Não são aplicadas ao caso concreto do recorrente as situações elencadas no acórdão do STJ proferido nestes autos em 26.07.2019, que invalidariam a execução da pena acessória.

17. O facto de o recorrente ter ainda processo pendente de julgamento não constitui impedimento formal – pois apenas é exigido o cumprimento de 2/3 da pena – ou material – porque não se aplicam – à execução da pena de expulsão.

18. Salvo o devido respeito por outra posição, estavam reunidas as condições para que o recorrente fosse colocado à ordem do SEF para expulsão no dia 16.07.2019.

19. A execução da pena de expulsão inicia-se com a decisão obrigatória do juiz de execução das penas, logo que cumpridos os dois terços da pena, ficando o recluso em situação de reclusão apenas enquanto os procedimentos do SEF não se mostrarem concluídos.

20. O que impunha que o juiz de execução determinasse a execução da pena acessória de expulsão.

21. Até porque a demora na realização do julgamento no processo ---/15 não é imputável ao recorrente, pelo que não pode o mesmo ser responsabilizado por tal pendência.

22. Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido coloca o recorrente numa situação contrária às finalidades deste instituto, que se prendem com a realização de objetivos de reinserção social, violando a norma ínsita no artigo 188.º-A do CEPMPL.

23. A interpretação da norma constante do artigo 188.º-A do CEPMPL, segundo a qual se entenda que não pode ser executada a pena acessória de expulsão, quando o condenado tenha pendente contra si o início de julgamento num outro processo, inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por contenderem com o estatuído nos artigos 18.º, 27.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

24. Por outro lado, caso se entenda que não pode ser executada a pena acessória de expulsão, quando o condenado tenha pendente contra si o início de julgamento num outro processo, é a norma constante do artigo 188.º-A do CEPMPL inconstitucional por violar o disposto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

25. Por todo o exposto, entende o recorrente que deve ser imediatamente determinada e executada a pena acessória de expulsão.

26. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, deve o recorrente ver apreciada a liberdade condicional por referência aos dois terços da pena, com vista à realização de objetivos de reinserção social.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso obter provimento e, consequentemente:

a) Ser determinada e executada a pena acessória de expulsão em que o recorrente foi condenado,

b) Ou, caso assim não se entenda, ser apreciada a liberdade condicional por referência ao cumprimento de dois terços da pena.”

O Ministério público respondeu ao recurso, concluindo:
“1. A decisão objecto de recurso mostra-se em conformidade com os preceitos legais, inexistindo qualquer violação dos mesmos, designadamente, os invocados pelo recluso quanto à violação do princípio da inocência e do caso julgado.

2. Sufragamos totalmente o entendimento exarado no despacho recorrido, uma vez que a decisão contrária impediria o efeito útil do citado preceito legal.

3. Com efeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não viola os termos do disposto no artigo 188.º-A do CEPMPL, uma vez que os fundamentos para execução da pena acessória de expulsão não se mostram definitivos.

4. Assim, a iminência da realização de julgamento poderá, por um lado, influir no marco temporal de 2/3 da pena em que o recluso possa vir a ser condenado e, por outro lado, representar a impossibilidade de execução da pena no âmbito do Processo n.º ---/15.5JDLSB, caso o mesmo venha a ser condenado.

5. A ponderação pelo Tribunal a quo de que a situação jurídicopenal do recluso não se encontra estabilizada – ante a iminência de novo julgamento crime – não viola o princípio da inocência ou do caso julgado, antes sendo necessário acautelar o efeito útil das decisões.

6. Pelo exposto, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada nos seus precisos termos.”

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
“Nos termos e com os fundamentos melhor explanados no requerimento em epígrafe, veio o recluso requerer que seja executada a pena acessória de expulsão no dia 16 de Julho de 2019, referindo que a circunstância de ter contra si pendente o supra-referido processo nº ---/15.5JDLSB não o impede.

Conforme já tivemos oportunidade de explanar no despacho de fls. 201-202, o recluso foi condenado no processo à ordem (processo nº ---/14.9JELSB) na pena principal de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, bem como na pena acessória de expulsão pelo período de 5 (cinco) anos, sendo que nessas situações há lugar à execução da pena acessória de expulsão quando cumpridos 2/3 da pena principal, o que se prevê que venha a ocorrer em 16 de Julho de 2019.

Contudo, conforme também já tivemos oportunidade de explanar no despacho de fls. 228, o recluso tem ainda pendente contra si o processo nº ---/15.5JDLSB, em que é acusado da prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, pelo que não se encontrando estabilizada a sua situação jurídico-penal, a pena acessória de expulsão não pode ser executada.

Tal solução é de compreensão evidente, por diversas razões:

- Caso o recluso fosse expulso antes de julgado no processo nº ---/15.5JDLSB, a exequibilidade da pena a que viesse a ser condenado estaria colocada em causa (obviamente sem prejuízo da presunção de inocência de que beneficia em tal processo);

- Caso venha ser condenado em tal processo, a actual data dos 2/3 da pena torna-se irrelevante, pois aí passará a contar a data dos 2/3 da pena única a que venha a ser condenado (caso se verifique situação de concurso de crimes) ou os 2/3 do somatório das penas de execução sucessiva (caso não se verifique situação de concurso de crimes) – veja-se o disposto no art. 188º-A, nº 1, do CEPMPL.

Em consequência do que vem dito, indefiro o requerido, continuando os autos a aguardar conforme determinado na primeira parte do presente despacho.

Notifique.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à admissibilidade (legal e constitucional) da sustação da execução da pena acessória de expulsão, a condenado em pena superior a 5 anos de prisão e uma vez cumpridos os dois terços da pena.

O recurso encontra-se, assim, “limitado à questão da concessão ou recusa da execução da pena acessória de expulsão”, como aliás resulta do preceituado no art. 188.º-C, n.º 4, do CEPMPL (“O recurso interposto da decisão que decrete ou rejeite a execução da pena acessória de expulsão é limitado à questão da concessão ou recusa da execução da pena acessória de expulsão”).

O recorrente cumpriu dois terços da pena de 7 anos e 6 meses de prisão, e tendo sido também condenado em pena acessória de expulsão (pelo período de 5 anos), ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 188.º-A do CEPMPL pretende que esta (pena acessória) lhe seja de imediato executada.

A norma invocada em defesa da sua pretensão preceitua que “Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que (…) Cumpridos dois terços da pena (…)” e o recorrente cumpriu no dia 16.07.2019 os dois terços da pena em que foi condenado.

Cumpre assim saber se a circunstância de “não se encontrar estabilizada a situação jurídico-penal do recorrente”, por ter ainda “pendente contra si o processo n.º ---/15.5JDLSB, com início de julgamento agendado para Novembro deste ano” justifica a sustação (ou não determinação imediata) da execução da pena acessória de expulsão no presente caso, como se considerou na decisão. Desta resulta a permissão da continuação do cumprimento da pena de prisão, no máximo até aos 5/6 da pena, momento em que a colocação em liberdade condicional se tornaria inquestionavelmente obrigatória. Está assim em causa, no presente caso, a (viabilidade da) protelação da execução da expulsão dentro desta delimitação temporal.

O art. 188.º-A do CEPMPL trata da execução da pena de expulsão e tem a seguinte redacção, na parte que agora releva:

“1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:

a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas;

b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.

2 - O juiz pode, sob proposta e parecer fundamentado do diretor do estabelecimento prisional, e obtida a concordância do condenado, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que:

a) Cumprido um terço da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprido um terço das penas;

b) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas.

(…)”
Da motivação do recurso, completada com a consulta de elementos do processo principal como seja a decisão proferida em providência de Habeas Corpus, resulta que o arguido reagiu contra uma (mesma) decisão – a decisão recorrida – por duas vias processuais: através da interposição do presente recurso e através da interposição de Habeas Corpus.

A questão que colocou através das duas vias de reacção processual contra o despacho em crise é exactamente a mesma, e encontra-se problematizada, em ambas as vias de reacção, de forma idêntica.

Assim, atenta a identidade de problema colocado e uma vez que já se encontra decidida a providência de Habeas Corpus (por acórdão do STJ proferido nos autos), passa a transcrever-se a fundamentação da providência nas partes agora mais significativas.

Começou por referir-se no acórdão do STJ que “a providência de habeas corpus não interfere nem é incompatível com o recurso ordinário de decisões sobre questões de natureza processual que possam afectar a situação de privação da liberdade, sendo diferentes os seus pressupostos (…) A diversidade do âmbito de protecção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, numa relação de complementaridade, em que aquela providência permite preencher um espaço de protecção imediata perante a inadmissibilidade legal da prisão”.

No entanto, e apesar dessa dissimilitude de abordagens, do que se trata é sempre de um (mesmo) problema de “legalidade da prisão”, que passa, necessariamente, pela conformidade constitucional da interpretação seguida, já que a legalidade pressupõe sempre um juízo prévio sobre essa conformidade (constitucional). Ou seja, não há prisão legal inconstitucional.

O Supremo, considerou que a decisão recorrida não consubstancia uma “ilegalidade da prisão”, admitindo expressamente, no caso dos autos – ou seja, na situação concretamente apresentada no Habeas Corpus e que é a mesma colocada aqui – a possibilidade (legalidade e constitucionalidade) da execução da expulsão poder ser sobrestada pelo tempo estritamente indispensável à remoção do problema que a ela obsta, mas nunca para além dos 5/6 da pena.

É isto, em resumo, e se bem interpretamos o acórdão do STJ, a conclusão enunciada no Habeas Corpus.

E passam a destacar-se os excertos mais impressivos para a decisão do recurso.

Considerou o Supremo que “A densificação do conceito de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, encontra expressão exaustiva nas alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa – a prisão será ilegal se tiver sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente, se tiver sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou se se mantiver para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial.

É, pois, neste quadro, que, no âmbito da providência de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar se a prisão resulta de uma decisão judicial, se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdão de 09.01.2019, proc. n.º 589/15.0JALRA-D.S1, em www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_sumarios_janeiro_2019.pdf). À luz do princípio da actualidade, o que, neste caso, está em causa é a verificação da legalidade da actual situação de privação de liberdade do peticionante, tendo em conta o prazo de duração máxima que deve ser respeitado [artigo 222.º, n.º 2, al. c), do CPP]” (itálico nosso).

Estava em causa a manutenção da prisão para além dos prazos fixados na lei, hipótese que o recorrente renova aqui, como dissemos. Mas o Supremo negou a providência, com base nos fundamentos que se passam a transcrever:

“08. O arguido, agora peticionante, que antes se identificou como JAP, encontra-se preso desde 16.07.2014, em cumprimento da pena de 7 anos e 6 meses de prisão aplicada por acórdão (do STJ, em recurso) de 09.11.2016, transitado em julgado em 02.03.2017, proferido no processo n.º ---/14.9JELSB, do Juízo Central Criminal de Portimão, Tribunal da comarca de Faro, pela prática de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa.

09. Ao arguido foi ainda aplicada (acórdão da 1.ª instância de 27.07.2015) a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, nos termos dos artigos 134.º, n.º 1, al. b) e f), 140.º, n.º 3, 144.º e 151.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho;

10. De acordo com a liquidação da pena efectuada, o arguido cumpriu metade da pena em 16.04.2018 e dois terços em 16.07.2019; cumprirá cinco sextos em 16.10.2020 e atingirá o seu termo em 16.01.2022;

11. No dia 28.06.2018 foram apreciados os pressupostos da liberdade condicional (ao meio da pena), tendo o TEP entendido que estes não se encontravam reunidos, motivo pelo qual não foi concedida a liberdade condicional;

12. No dia 01.07.2019 o recluso requereu, ao abrigo da b), do n.º 1, do artigo 188º-A do CEPMPL e face à proximidade dos 2/3 da pena, que fosse ordenada a execução da pena acessória de expulsão no dia 16.07.2019, o que foi indeferido por despacho proferido no dia 05.07.2019, por se ter entendido que «o recluso tem ainda pendente contra si o processo nº ---/15.5JDLSB, em que é acusado da prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, pelo que não se encontrando estabilizada a sua situação jurídico-penal a pena acessória de expulsão não pode ser executada».

13. Na petição da presente providência de habeas corpus, reeditando as razões que apresentou no requerimento de 01.07.2019, alega o peticionante, em substância e em síntese, que, tendo atingido os dois terços da pena no passado dia 16.07.2019, devendo ser ordenada a execução da pena acessória de expulsão logo que cumpridos esses dois terços da pena e não tendo o juiz ordenado a execução, se encontra em situação de prisão ilegal desde aquela data. O que, do seu ponto de vista, se reconduz à previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

14. Estando o peticionante recluso no estabelecimento prisional em cumprimento de uma pena (principal) de prisão e devendo ser executada uma pena acessória de expulsão do território nacional, importa, pois, convocar o essencial do regime aplicável.

15. Nos termos do n.º 1 do artigo 467.º do CPP, as decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português, dispondo o artigo 478.º do mesmo diploma que os condenados em pena de prisão dão entrada no estabelecimento prisional por mandado do juiz competente, que é o juiz do processo em que foi proferida a condenação (artigo 470.º, n.º 1, do CPP).

Transitada em julgado a sentença condenatória, o tribunal da condenação envia ao tribunal de execução das penas cópia da sentença que aplica a pena de prisão e indicação sobre as datas calculadas para o termo da pena e para efeitos de concessão de liberdade condicional (artigo 477.º, n.ºs 1 e 3, do CPP).

Orientada para a ressocialização do condenado, a execução da pena é acompanhada pelo tribunal de execução das penas através de um processo individual de liberdade condicional, no âmbito do qual é concedida a liberdade condicional e executada a pena acessória de expulsão (artigos 138.º, n.º 2, 144.º, 155.º, 173.º e segs. e 188.º-A e segs. do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade – CEPMPL).

Nos termos do artigo 61.º do Código Penal, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional, com o seu consentimento, quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: (a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e (b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social (n.º 2).

Nos termos do n.º 3, o tribunal coloca ainda o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do n.º 2. Sendo a pena de duração superior a 6 anos, o condenado é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (n.º 4).

16. Sendo o condenado um cidadão estrangeiro a quem seja aplicada uma pena acessória de expulsão, dispõe o n.º 1 do artigo 188.º-A do CEPMPL que o juiz ordena a execução desta pena acessória logo que: (a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas; (b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.

O n.º 2 do mesmo preceito permite a antecipação da execução desta pena acessória logo que estejam cumpridos um terço ou metade da pena, respectivamente, por iniciativa do director do estabelecimento ou do juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público (n.º 3), observado o procedimento previsto nos artigos 188.º-B e 188.º-C do mesmo diploma.

Os artigos 188.º-A a 188.º-C do CEPMPL foram aditados pela Lei n.º 21/2013, de 21 de Fevereiro (que procedeu à terceira alteração ao CEPMPL, constituindo a nova Secção IV deste diploma, com a epígrafe «Execução da pena acessória de expulsão»), com origem na Proposta de Lei n.º 76/XII, que adequou o regime de execução da pena às alterações introduzidas na Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto (resultante da Proposta de Lei n.º 50/XII), nomeadamente ao disposto no respectivo artigo 151.º, n.º 4, com a redacção resultante desta alteração. «Encontrando-se realizada a finalidade da pena na vertente de protecção da sociedade, a alteração» – lê-se na Proposta de Lei n.º 76/XII – «permitirá que, relativamente aos reclusos nas condições referidas» (condenados em penas privativas de liberdade e na pena acessória de expulsão) «a execução da pena possa ser também orientada no sentido da sua reinserção social, através do seu regresso ao país de origem, onde o recluso provavelmente terá laços familiares e afectivos, e onde mais facilmente se integrará».

A execução da pena acessória de expulsão do território nacional cumpridos os tempos mínimos da pena principal de prisão (n.º 1 do artigo 188.º-A), ou antecipadamente (n.º 2 do mesmo preceito), visa, pois, na intenção do legislador, a realização de objectivos de reinserção, idênticos aos prosseguidos pela concessão da liberdade condicional (em território nacional).

17. A execução da pena acessória de expulsão integra-se no processo de execução da pena principal de prisão. Inicia-se com a decisão obrigatória do juiz de execução das penas, que determina a execução concluídos os períodos de tempo mínimos do cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, e termina com a entrega da pessoa no país de destino, competindo ao SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (artigo 159.º da Lei n.º 23/2007) dar execução à decisão judicial que a determina.

A execução da pena acessória constitui causa de extinção da pena de prisão, que deve ser declarada pelo juiz do tribunal de execução das penas, nos termos do artigo 138.º, n.º 4, al. e), do CEPMPL. Dispõe este preceito que «compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria», «Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão».

A pena de prisão em execução mantém-se, assim, com a duração fixada na sentença condenatória, durante os procedimentos necessários à execução da pena acessória, até ser declarada extinta depois e em virtude de o condenado ser enviado e recebido no país de destino.

Como é sabido, situações existem em que a efectiva execução da pena acessória de expulsão não é possível, mesmo depois de ordenada, nomeadamente em casos de condenados indocumentados ou com identidade falsa [como os tratados nos acórdãos de 09.07.2015, proc. 87/15.1YFLSB.S1 (Manuel Braz), e de 28-02-2019, proc. 2058/17.4TXLSB-C.S1 (Francisco Caetano), em www.dgsi.pt], de recusa do expulsando por parte do país de origem ou de perigo de perseguição no país de destino (situação esta protegida pelo artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – protecção contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes), casos em que, estando em execução uma pena de prisão, que deve ser cumprida, o condenado se deverá manter em cumprimento de pena no estabelecimento prisional, beneficiando, então, se for caso disso, do regime de liberdade condicional nos termos previstos no artigo 61.º do Código Penal (assim, Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, pp. 235-241).

18. O que vem de se expor conduz à conclusão de que, havendo condenação na pena de expulsão, acessória da pena de prisão (principal) aplicada, a lei apenas impõe que o juiz ordene a execução daquela pena acessória cumpridos dois terços desta (ou metade, consoante o caso, nos termos do artigo 188.º-A do CEPMPL) – o que não significa que a execução dessa pena, isto é, a expulsão, deva ter lugar nessa data (diz o artigo 188.º-A que «o juiz ordena a execução logo que» «cumprida metade da pena» ou «cumpridos dois terços da pena»).

Esta decisão do juiz não produz, por si mesma, qualquer efeito que juridicamente se projecte na execução da pena principal, pelo que, estando o condenado na situação de reclusão em cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, nessa situação deverá continuar até que se mostrem concluídos os procedimentos de entrega do condenado ao país de destino, através do SEF.

Conclusão diversa, que não encontra suporte legal, impediria a continuação da execução da pena de prisão, em oposição ao regime da liberdade condicional, que apenas impõe a libertação decorridos que sejam cinco sextos da pena no caso de esta ser superior a seis anos (artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal).

E, assim sendo, se deve concluir também que o período de tempo a considerar para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP é, nestes casos, o correspondente à duração da pena de prisão aplicada na sentença condenatória.

Por conseguinte, carece de fundamento a alegação de que o peticionante «já alcançou o pressuposto formal dos 2/3 no dia 16 de julho de 2019, pelo que é obrigatória a sua libertação antecipada».

19. Manifesta ainda o recorrente a sua discordância quanto ao decidido pelo juiz de execução das penas, que recusou ordenar a execução da pena acessória de expulsão com fundamento no facto de se encontrar pendente contra si o processo n.º ---/15.5JDLSB, com julgamento designado para o próximo mês de Novembro.

Trata-se, porém, como anteriormente se explicitou (supra, 8 e 9), de matéria processual estranha ao âmbito e objecto da providência de habeas corpus, pois que o que o peticionante põe em causa é o mérito desse despacho, traduzido na questão de saber se, não obstante a pendência desse processo, deve ser ordenada a execução da pena acessória.

Pelo que não se conhece desta questão.

20. No que agora releva importa apenas verificar se, perante a conclusão a que se chegou, ocorre qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, nomeadamente se a prisão se mantém para além do prazo fixado por decisão judicial [n.º 2, al. c)].

21. Relembrando os actos do processo com relevância, verifica-se que se mostram cumpridos dois terços da pena e que, sendo esta de duração superior a 6 anos de prisão, a libertação é obrigatória logo que sejam cumpridos cinco sextos, o que se prevê que venha a acontecer em 16.10.2020.

Assim sendo, tendo a privação da liberdade sido ordenada por ordem do juiz competente, para efeitos de cumprimento da pena de prisão, em conformidade com o disposto no artigo 27.º da Constituição e nos artigos 467.º e 478.º do Código de Processo Penal, não se mostra presente qualquer dos motivos de ilegalidade da prisão previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Tendo a pena de prisão aplicada a duração de 7 anos e 6 meses e estando o peticionante privado da liberdade para cumprimento desta pena desde 16 de Julho de 2014, a prisão mantém-se dentro do prazo fixado por decisão judicial, não ocorrendo, assim também, o motivo de ilegalidade previsto na alínea c) do mesmo preceito.

Em consequência, deve concluir-se que o pedido carece de fundamento, devendo ser indeferido.”

Da fundamentação acabada de transcrever resulta claro que o acórdão do Supremo não esgotou a resolução do problema colocado em recurso. E também resulta que do acórdão se podem retirar sérios argumentos adversariantes da correcção do despacho recorrido.

Releiam-se os dois excertos seguintes:

“17. A execução da pena acessória de expulsão integra-se no processo de execução da pena principal de prisão. Inicia-se com a decisão obrigatória do juiz de execução das penas, que determina a execução concluídos os períodos de tempo mínimos do cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, e termina com a entrega da pessoa no país de destino, competindo ao SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (artigo 159.º da Lei n.º 23/2007) dar execução à decisão judicial que a determina.” (itálicos nossos)

“19. Manifesta ainda o recorrente a sua discordância quanto ao decidido pelo juiz de execução das penas, que recusou ordenar a execução da pena acessória de expulsão com fundamento no facto de se encontrar pendente contra si o processo n.º ---/15.5JDLSB, com julgamento designado para o próximo mês de Novembro.

Trata-se, porém, (…) de matéria processual estranha ao âmbito e objecto da providência de habeas corpus, pois que o que o peticionante põe em causa é o mérito desse despacho, traduzido na questão de saber se, não obstante a pendência desse processo, deve ser ordenada a execução da pena acessória. Pelo que não se conhece desta questão.” (itálicos nossos)

Adite-se a circunstância de se retirar do exemplo dado no acórdão do Supremo que o fundamento para o indeferimento resultou ali da constatação de uma possibilidade real da concretização da saída do país, do condenado expulso, poder ocorrer, por razões práticas e logísticas, para além dos 2/3 da pena. Podendo nestes casos o arguido continuar em cumprimento da pena, no máximo, até ao momento em que a colocação em liberdade condicional é obrigatória (os 5/6 da pena).

Assim, permanece em aberto a questão de saber se o juiz do TEP pode deixar de ordenar a execução da pena acessória de expulsão uma vez cumpridos os dois terços da pena por condenado em prisão superior a 5 anos, com o único fundamento de este ter pendente contra si um outro processo, com julgamento marcado.

A norma legal que mais directamente trata o problema é o art. 188.º-A do CEPMPL, como se disse. E dela resulta que “Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que: (…) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão (…).”

E resulta também que, em determinadas circunstâncias, “o juiz pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão”.

Ou seja, do CEPMPL resulta que, tal como o interpretou também o STJ no âmbito da providência de Habeas Corpus, o juiz de execução de penas não pode deixar de ordenar a execução da expulsão decorridos aos dois terços da pena. Trata-se de uma decisão ope legis, contrariamente ao que sucede com a decisão sobre a antecipação da execução, esta sim ope judicis.

No despacho recorrido não se indicou a norma legal à luz da qual se decidia e eventualmente habilitante da prolação da decisão tomada.

Disse-se apenas: “ (…) o recluso tem ainda pendente contra si o processo nº ---/15.5JDLSB, (…) pelo que não se encontrando estabilizada a sua situação jurídico-penal, a pena acessória de expulsão não pode ser executada.

Tal solução é de compreensão evidente, por diversas razões:
- Caso o recluso fosse expulso antes de julgado no processo nº ---/15.5JDLSB, a exequibilidade da pena a que viesse a ser condenado estaria colocada em causa (obviamente sem prejuízo da presunção de inocência de que beneficia em tal processo);

- Caso venha ser condenado em tal processo, a actual data dos 2/3 da pena torna-se irrelevante, pois aí passará a contar a data dos 2/3 da pena única a que venha a ser condenado (caso se verifique situação de concurso de crimes) ou os 2/3 do somatório das penas de execução sucessiva (caso não se verifique situação de concurso de crimes) – veja-se o disposto no art. 188º-A, nº 1, do CEPMPL.

Em consequência do que vem dito, indefiro o requerido, continuando os autos a aguardar conforme determinado na primeira parte do presente despacho.”

É verdade que a concretização da expulsão pode fazer perigar a realização da justiça no outro processo. Mas inexiste base legal que permita sustar à expulsão de arguido nas presentes circunstâncias e para o efeito de garantir a sua presença num julgamento num processo (iniciado já em 2015) em que a medida de coacção fixada será o TIR.

Da ausência de base legal resulta também a desconformidade constitucional da decisão tomada, pois a interpretação plasmada no despacho colide com a presunção de inocência e o art. 32º, nº 2, da CRP: mantém-se o arguido em cumprimento de pena de prisão para acautelar a presença em julgamento noutro processo e a possibilidade de futura (nova) condenação.

Esta solução, inconstitucional, confunde ainda a natureza e fins das penas com os das medidas de coacção. Só estas últimas, num quadro legal e constitucional rigoroso e apertado, revestem natureza (estritamente) cautelar.

Em face do exposto, a decisão recorrida é de revogar, devendo ser substituída por outra que ordene a execução da expulsão (sempre sem prejuízo de a prisão do arguido poder ou não interessar à ordem de outro processo, situação que não integra o objecto do recurso).

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que ordene a execução da expulsão.

Sem custas.

Évora, 24.09.2019

(Ana Maria Barata de Brito)

(António João Latas)