Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
456/11.6TBTVR.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Ocorrendo já um histórico de atrasos na conclusão do edifício de que faz parte a fracção prometida vender e comprar e aceitando o promitente-vendedor pagar ao promitente-comprador uma compensação, já quantificada, pelo retardamento na celebração do contrato definitivo, não é razoável o prazo peremptório de quinze dias para cumprimento da obrigação, fixado na interpelação admonitória;
2- Sendo abusiva tal fixação, a mora do promitente-vendedor, em consequência da interpelação, não se transformou em incumprimento. Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação nº 456/11.6TBTVR.E1




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

(…), divorciado, residente no Reino Unido, intentou a presente ação, na forma de processo comum (antiga ação ordinária), contra a Sociedade Construtora de (…), Lda., com sede na Rua Fernão Lopes, (…), (…), (…), pedido a sua condenação no pagamento, em dobro, do valor entregue, a título de sinal, no âmbito do contrato-promessa de compra em venda, outorgado no dia 24 de Abril de 2008, relativo à fração autónoma, de tipologia T2, designada por 2º andar A, que integra o prédio urbano em construção, destinado a habitação, sito no Loteamento (…), sector 4, lote 4.4, freguesia de (…), concelho de Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira, sob o nº (…), e inscrito na matriz, sob o artigo (…), no montante de € 110.000,00, acrescido de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, para tanto articulando factos, que, em seu critério, conduzem à sua procedência.

A demandada, para além de contestar, deduziu pedido reconvencional, onde solicita que se declare resolvido o contrato-promessa em causa, por recusa de cumprimento, por parte do demandante, reconhecendo-se, ainda, o direito de fazer sua a quantia de € 54.400,00, que lhe foi entregue, a título de sinal, alegando factos que, em seu entender, conduzem à sua procedência.

Na sentença, decidiu-se julgar, apenas, o pedido principal procedente, pelo que, em consequência, foi a Ré/reconvinte condenada a pagar ao Autor/reconvindo a quantia de € 108.800.00, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até integral pagamento.


Inconformada com o decidido, apelou a Ré/reconvinte, culminando as suas alegações, com as seguintes “conclusões”:

- A sentença recorrida enferma de nulidade, pois os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, tendo também esta deixado de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar (…);

- O artigo 615.º, nº 1, c), do Código de Processo Civil estatui (…);

- Por seu turno, o artigo 615.º, nº 1, d), do mesmo diploma estabelece que (…);

- No caso em apreço, verifica-se que a fundamentação em que se sustenta a decisão do Tribunal a quo vai em sentido diverso da decisão proferida quando na sua fundamentação refere: “Importa antes de mais ter presente o teor do nº 2, da cláusula oitava do contrato promessa, nos termos da qual o promitente-comprador irá recorrer ao financiamento bancário (…). Tal cláusula encerra uma condição resolutiva do contrato promessa (…)”, no entanto, decide em sentido contrário, fazendo tábua rasa de todos os elementos à sua disposição para, de forma expectável, verificar que a formalidades essenciais do negócio não se encontravam preenchidas, e assim, proferir a sua decisão em sentido diametralmente oposto, contrariando a prova documental que o próprio Tribunal refere por diversas vezes que se considera facto assente e aceite pelas partes ora em litígio;

- Nesse sentido, veja o (…) Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (…);

- No mesmo sentido, veja-se também o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (…);

- Por fim, veja-se ainda o (…) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (…);

- Mais grave, tal situação supra referida enferma, em si, da nulidade prevista na alínea d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, uma vez que, perante tal impassividade, a sentença ora recorrida deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, pelo que fere, nessa parte, de nulidade, por omissão de pronúncia em relação a tal facto concreto, não se pronunciando sobre o óbvio, nomeadamente, a não verificação, por parte deste Tribunal das normais diligências por parte de qualquer promitente-comprador a vésperas de uma escritura de compra e venda, a saber, a obtenção dos documentos necessários para a liquidação do IMT, pagamento de imposto de selo, entre outros formalismos que competiam ao promitente-comprador e que, do que decorre dos autos, o Autor não se ensaiou em nenhum de tais preparativos;

- Assim, se por um lado, o Tribunal a quo reconhece e dá como provado que, quer no dia 30 de Setembro de 2009, quer no dia 21 de Junho de 2010, o Autor não havia recorrido ao financiamento bancário previsto contratualmente como condição para a realização do negócio, por outro lado, olvida todos os atos preparatórios, opinando no sentido que o Autor podia ter outras formas de pagar o preço que não passassem pelo financiamento bancário, omitindo o deve legal (artigo 615.º, nº 1, d)) de se pronunciar quanto à não observância em concreto de uma formalidade essencial do contrato prometido celebrar;

- Nesta senda, retoma-se o supra referido (…) Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (…), quando refere “(…)”;

- Sendo assim, em face do exposto, o juiz a quo jamais poderia deixar de pronunciar-se de dar com provado que uma das condições essenciais para a realização do negócio não se encontra preenchida, isto porque é de manifesta importância determinar se as obrigações a que o Autor estava obrigado se encontravam preenchidas, afastando desta forma qualquer situação de mora ou incumprimento que se possa ser imputável à Ré, ora recorrente;

- A decisão recorrida encontra-se claramente em oposição com os fundamentos dados como provados pelo próprio Tribunal a quo e, não menos grave, deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, pelo que, enferma nesta parte, de nulidade (…), uma vez que, para a mesma situação (obrigação de cumprimento de formalidades das partes, para uma parte considera o prazo meramente indicativo, mas para a outra parte – da Ré – já considera (erradamente) o prazo como definitivo;

- Ora, tendo o Tribunal a quo bem interpretado a cláusula 5ª, nº 1, do contrato-promessa de compra e venda, ao considerar que tal prazo aí previsto é um prazo relativo ou meramente indicativo, no entanto, mal andou quando da tal decisão resulta que a recorrente nessa data já se encontraria em mora;

- Secundando-nos do teor do nº 2 da cláusula 6ª, cristalino fica que o incumprimento definitivo relativamente a este contrato-promessa de compra e venda só se daria, quer com a declaração do vendedor em como não iria cumprir, quer com a não obtenção do financiamento por parte do comprador (fato que já se demonstrou supra que o Autor não obteve o dito financiamento);

- Dos factos resultantes dos autos ora em crise, em lado algum resulta que a Ré estaria em incumprimento, uma vez que fez tudo, incluindo a obtenção da licença de utilização, para que se celebrasse a escritura de compra e venda, não se podendo aferir o mesmo por parte do Autor que, por seu lado, tudo fez para que a mesma não se realizasse;

- Também relativamente à interpretação da cláusula 8ª, e conforme já atrás referido, a sentença ora recorrida, por um lado, vem dizer que quanto às obrigações do comprador, a não verificação das mesmas têm um carater resolutivo e suspensivo: “importa (…)”;

- No entanto, a interpretação dada por este Tribunal quanto às obrigações do vendedor, a sua verificação de suspensão de prazo labuta em erro;

- Assim, ambas as condições de verificação de formalismos estão dependentes de terceiros (por um financiador do comprador e por outro, a autarquia emitente da licença de utilização);

- Em face do referido contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes, não podemos deixar de retirar as seguintes ilações: o imóvel prometido vender constituía um bem futuro, ou seja, o Autor tinha pleno conhecimento de que, à data da sua outorga, o promitente vendedor ia dar á início à construção do referido empreendimento; o pedido de licença de utilização foi solicitado, quer após a celebração do contrato promessa de compra e venda, quer após a interposição da notificação judicial avulsa, facto este que era do perfeito conhecimento do Autor; aquando da interpelação ao vendedor, por parte do comprador, por via da notificação judicial avulsa, o comprador, aqui Autor, já sabia que a licença de utilização ainda não tinha sido solicitada, no entanto, interpelou a Ré para a marcação de escritura, quando, com o conhecimento que previamente tinha, podia logo ter interpelado a Ré nesse sentido, mas não o fez;

- Tendo em consideração o teor das cláusulas do contrato-promessa de compra e venda, não podemos deixar de considerar que as partes condicionaram a eficácia do contrato à verificação das condições suspensivas aí previstas, ou seja, quer à obtenção de financiamento, quer à emissão da licença de utilização, ficando, até lá, os efeitos definitivos do contrato suspensos, ou seja, enquanto não se verificar, não operar a condição, o negócio não produz efeitos, o que tem toda a lógica, dado que, em face da natureza do negócio, jamais as partes podiam vincular-se a fixar uma data determinada e concreta;

- Mais, nos termos e ao abrigo do artigo 270.º do Código Civil, as partes podem (…);

- Também o mesmo entendimento defende Oliveira Ascensão in (…);

- E tal como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (…);

- Ou ainda o acórdão do Supremo tribunal de Justiça (…);

- Logo, dúvidas não podem subsistir de que as partes previram e estipularam no contrato promessa objeto dos presentes autos verdadeiras condições suspensivas;

- Também quanto ao teor do nº 1 da cláusula 6ª a sua interpretação não pode ser senão esta – na eventualidade de a escritura de compra e venda não ser realizada até à data designada e caso não exista qualquer tipo de culpa ou incumprimento do contrato por parte do promitente vendedor não assiste ao promitente-comprador o direito à resolução do contrato, ficando apenas o promitente-vendedor obrigado a pagar ao promitente-comprador juros sobre o montante do sinal e respetivos reforços entregues, calculados à taxa Euribor ou outra que a venha substituir, acrescida de 2 pontos percentuais até efetiva realização da escritura pública de compra e venda;

- Assim, de acordo com o teor destas cláusulas para ser acionado o direito à resolução do contrato-promessa de compra e venda com a consequente devolução em dobro das quantias entregues, seria necessário que se verificasse por parte do promitente-vendedor o incumprimento definitivo do contrato, por facto que lhe fosse culposamente imputado a si próprio;

- Ora, como é do conhecimento público, não é possível instruir qualquer escritura pública sem a respetiva licença de utilização, pelo que não sendo a referida emissão facto imputável à Ré, pelo menos de forme direta e exclusiva, nunca seria de aplicar à situação sub judice;

- Como também não é possível reconhecer-se, como fez a sentença ora recorrida que, apesar de considerar o prazo do Autor suspensivo, não podendo ser imputável qualquer incumprimento definitivo à recorrente, esta deverá ser condenada (sem mais) a proceder ao pagamento em dobro do sinal prestado, por não ter conseguido obter a licença de utilização da fração no prazo mínimo de 15 dias dado pela primeira e única interpelação efetuada pelo Autor;

- Também não podem restar dúvidas de que a recorrente sempre quis que o contrato definitivo fosse celebrado, tendo sido materialmente impossível realizar ao mesmo em data anterior, pois não estava em condições de ter a licença em data anterior;

- Concluindo, mal andou o Tribunal recorrido, quanto à interpretação dadas às cláusulas 5ª, nº 1, 6ª, nº 1 e 8ª do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes, no que se refere ao prazo acordado para a celebração da escritura pública de compra e venda e não reconhecimento da inexistência de qualquer tipo de incumprimento imputável à recorrente, uma vez que o Autor não dispunha de sustentação jurídica e fáctica para proceder à resolução do contrato-promessa de compra e venda, através da notificação judicial avulsa de 21 de Junho de 2010, não podendo, por conseguinte, deixar de se considerar a mesma como manifestamente ilícita e abusiva;

- Deste modo, mesmo que considerássemos que a escritura de compra e venda deveria ter sido realizada impreterivelmente até finais de Novembro de 2009, o que não se concede, não obstante o decurso do prazo, as partes não afastaram a possibilidade de virem a ultimar a celebração da escritura em momento posterior;

- Conforme já anteriormente referido ao ora Autor foi comunicado que, em finais de maio/princípios de junho, a fração estaria concluída, pelo que, apercebendo-se que a recorrente ia a todo o momento requerer a emissão da licença de utilização (o que ocorreu poucos dias após a interpelação pra a celebração da escritura), não obstante o ora Autor de uma forma manifestamente ilícita e abusiva, interpelou a promitente-vendedora para a marcação da escritura no prazo de 15 dias, sob pena de considerar o contrato definitivamente incumprido, por culpa exclusiva da recorrente;

- Ou seja, o ora recorrido ao verificar que a recorrente estava a finalizar a conclusão das obras e porque não tinha quaisquer intenções de celebrar o contrato definitivo, quer por razões financeiras, quer pela perda do interesse do imóvel em questão, vem, abusivamente, interpelar a recorrente para proceder à marcação da escritura no prazo de 15 dias, até porque, conforme decorre dos articulados deste, acompanha a obra com alguma regularidade, ficando assim provado que estava ciente da evolução da obra;

- Tendo pleno conhecimento de que jamais nesse período seria possível solicitar a emissão da licença de utilização e a Câmara Municipal de Tavira vir a emiti-la (fosse ou não a mesma deferida), motivo pela qual não se ponde deixar de considerar que o prazo concedido era manifestamente abusivo e violador do princípio da boa-fé;

- Pelo exposto, ao requerer a resolução do contrato-promessa de compra e venda, o Autor violou os mais elementares princípios da proporcionalidade, da correção e da confiança, inserido no conceito de boa-fé, princípio este que se revela essencial e estruturante da ordem jurídica contratual, motivo pelo qual jamais deverá ser reconhecido o direito à devolução das quantias solicitadas;

- Daqui resulta que o Autor não pretendia adquirir a fração, dado que conhecia que existiam obras levadas a cabo até pelo menos Junho de 2010;

- Sendo assim, em face do exposto, é por demais evidente que não podemos deixar de considerar a declaração de resolução efetivada pelo Autor como manifestamente ilegítima, infundada e abusiva;

- Ferida fica também a sentença ora proferida nos presentes autos, quando a esse propósito refere que a Ré deveria ter marcado a escritura de compra e venda e aí comprovar que o ora Autor estava agir de má-fé, deixando-o em situação de incumprimento definitivo;

- No entanto, tal forma de agir, sugerida por este Tribunal, não se coaduna com a forma de agir da Ré, uma vez esta, se ainda não tinha os documentos necessários, não iria estar a marcar uma escritura que sabia que não ia ser possível realizar;

- Ademais, como já estava previsto contratualmente que o prazo para a realização de escritura se estendia até que as formalidades da parte fossem observadas, a Ré nunca equacionou que o Autor arquitetasse tal enredo, não só não cumprindo a sua parte, como, mais grave, prejudicando a Ré;

- Concluindo, mal andou o Tribunal recorrido ao não conhecer a omissão de formalidades inerentes ao Autor e, em consequência, não considerando a nulidade do negócio;

- Assim, o ora recorrido não só procedeu à sua resolução de forma ilícita e abusiva, como também demonstrou de forma inequívoca e determinante a sua vontade em não celebrar o contrato prometido, pois conforme a sentença referiu em nenhuma das datas em que o Autor considerou como interpelação, o Autor estava em condições de cumprir, uma vez que ainda não tinha informado a Ré da obtenção de financiamento, nem tão pouco tinha diligenciado na obtenção da documentação necessária ao pagamento do IMT e respetivo imposto de selo;

- Também sempre se dirá que se a marcação da escritura pública de compra e venda não foi efetuada em data anterior, tal facto deve-se a motivos alheios à vontade do recorrente e que de forma alguma lhe poderão ser imputáveis;

- A verdade é que o Autor sempre acompanhou o decurso da execução da obra, tendo inclusivamente pedido para que determinados materiais fossem por ele fornecidos;

- E, só após ter tido conhecimento de que já se encontrava concluída a obra na fração prometida vender, mas inda não estava concluída a totalidade da obra no empreendimento é que vem de forma manifestamente abusiva e de má-fé, por notificação judicial avulsa, em Julho de 2010, interpelar o recorrente para a marcação da escritura de compra e venda no prazo de 15 dias, sob pena de resolução do contrato;

- Pois dúvidas não podem subsistir que tais comportamentos são expressamente reveladores da sua intenção de não proceder à celebração do contrato de compra e venda relativo à fração em causa, tentando de forma ilícita e abusiva ocultar as verdadeiras razões para a sua recusa em proceder ao contrato definitivo que não foram outras senão a sua indisponibilidade financeira para preceder ao remanescente do preço acordado e à perda do interesse na aquisição do referido imóvel;

- Por outro lado, também dúvidas não podem subsistir de que a ora recorrente procedeu à marcação da escritura de compra e venda logo que conseguiu dar entrada de um segundo pedido da emissão da licença de utilização, dado que estava convicto que não haveria quaisquer outos impedimentos a que a mesma fosse emitida;

- Tenho para o efeito comunicado ao recorrido por carta registada com aviso de receção que a realização da escritura pública de compra e venda encontrava-se agendada para o próximo dia 30 de Agosto de 2010;

- No entanto, dos autos apenas consta que o Autor não compareceu, sem qualquer motivo justificativo que seja, nem tão-pouco se fez representar na data e local designados para a celebração da escritura;

- Logo, a escritura pública de compra e venda não se realizou por facto que é exclusivamente imputável ao Autor, na medida em que não existia – nem existe – qualquer causa que justificasse a sua conduta, a não ser, eventualmente, a falta de interesse do promitente-comprador na concretização do negócio;

- Desta forma, o seu comportamento integra, de forma inequívoca, uma manifestação expressa da sua recusa em proceder ao cumprimento do contrato-promessa;

- Aliás, tal recusa de cumprimento sempre dispensaria a promitente vendedora da fixação de qualquer prazo suplementar admonitório, incorrendo o Autor, promitente-comprador, em incumprimento definitivo;

- Pelo que só se poderá concluir pela má decisão deste Tribunal, ao não considerar como provado as motivações ora apresentadas, devendo, portanto, uma vez mais, tal decisão ser retificada em conformidade.


Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, considerar improcedentes todos os pedido efetuados em sede de 1ª instância, reconhecendo o pedido reconvencional da recorrente.


Contra-alegou o recorrido, manifestando-se pela manutenção do decidido.

Face às conclusões das alegações, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: a) a alegada nulidade da sentença, devido a contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia; b) o alegado erro na aplicação do direito aos factos dados como provados.

Foram colhidos os vistos legais.

Fundamentação


A - Os factos


Na sentença recorrida, foi considerado provado o seguinte quadro factual:


- Com data de 24 de Abril de 2008, foi celebrado entre Autor e Ré um escrito, que denominaram de contrato-promessa de compra e venda, em que a segunda prometeu vender ao primeiro, livre de quaisquer obrigações contratuais, ónus ou encargos, e este prometeu comprar, a fração autónoma de tipologia T2, designada por segundo andar A, do lote 4.4, sector 4, da Urbanização (…), que integra o prédio urbano em construção, destinado a habitação, sito no Loteamento (…), sector 4, lote 4.4, freguesia de (…), concelho de Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o nº (…), e inscrito na respetiva matriz predial, sob o artigo (…);


- No referido contrato, ficou estipulado que o preço de venda era de € 275.00,00 sendo o pagamento do mesmo feito da seguinte forma: € 55.000,00 pagos, aquando da outorga do contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, de que a então vendedora e ora Ré deu a respetiva quitação no contrato-promessa referido; o remanescente do preço, ou seja, a importância de € 220.000,00 a pagar pelo promitente-comprador, ora Autor, à promitente-vendedora, ora Ré, na data da celebração da escritura pública de compra e venda;


- Foi, igualmente, estipulado, no nº 1 da cláusula 5ª do contrato-promessa que a escritura de compra e venda será realizada até 30 de setembro de 2009 e poderá ser realizada em data anterior, logo que se mostre cabalmente executada a construção da obra e o seu devido licenciamento, devendo, para o efeito, em qualquer dos casos, a promitente-vendedora notificar o promitente-comprador da data, hora e local da sua realização, por meio de carta registada, com aviso de receção, e com a antecedência mínima de 15 dias;


- Na cláusula 6ª do contrato-promessa, ficou estipulado que: 1 - Não sendo outorgada a escritura na data designada, por ação ou omissão imputável a qualquer das partes, deverá a parte faltosa pagar à outra, a título de compensação pelo atraso, juros de mora, à taxa Euribor ou outra que a venha a substituir, agravada de 2 pontos percentuais, calculados sobre o valor em dívida, desde o dia acordado para a celebração da escritura, até ao dia da competente realização efetiva desta, isto sem prejuízo do estipulado nos artigos 442.º e 830.º do Código Civil. 2 - Em caso de incumprimento definitivo do presente contrato-promessa, por qualquer das partes, dá o direito à contraparte em resolver, de imediato, o presente contrato-promessa, devendo, para o efeito, notificar a parte faltosa, por meio de carta registada com aviso de recepção;


- Na cláusula 8ª do contrato-promessa, ficou consignado que: 1 - O presente contrato fica subordinado à condição de ser emitida a respetiva licença camarária de habitabilidade e de utilização. 2 - O promitente-comprador irá recorrer ao financiamento bancário para a aquisição do imóvel objeto do presente contrato, pelo que este e posterior celebração da venda e escritura pública fica subordinada a esta condição que, em caso e por qualquer motivo, não venha a ser concedido ao promitente-comprador, as partes desvinculam-se deste contrato, obrigando-se a promitente-vendedora, sem direito a qualquer indemnização, a devolver ao promitente-comprador, em singelo o valor entregue a título de sinal, na data da assinatura deste contrato;


- O reconhecimento presencial da assinatura do representante da promitente-vendedora no contrato, ocorreu no dia 29 de Abril de 2009;


- No dia 30 de Abril de 2008, fizeram Autor e Ré um aditamento ao contrato-promessa;


- Nesse aditamento, declararam Autor e Ré “(…) que nesta data, e ao contrário do estipulado na cláusula 3ª, a) do contrato-promessa de compra e venda que o promitente- comprador apenas prestou sinal e princípio pagamento a quantia de EUR 54.400,00 (…)”;


- No mesmo aditamento, declararam, também, Autor e Ré “(…) que o restante preço ou seja agora a importância de EUR 220.600,00 (duzentos e vinte mil e seiscentos euros) será paga na data da celebração da escritura pública de compra e venda”;


- Os materiais necessários à pavimentação do chão de toda a fração, os azulejos da cozinha e das duas casas de banho e o passa-pratos quis o Autor que fossem por ele escolhidos, adquiridos e fornecidos à Ré, com o que a Ré concordou;


- Estes materiais são distintos dos existentes em todas as restantes frações do lote, em que se integra a fração objeto do contrato-promessa;


- O Autor acordou ainda com a Ré que o poliban a instalar em uma das casas de banho deveria estará embutido no solo;


- Todos os materiais foram fornecidos pelo Autor antes das respetivas fases da sua colocação na fração;


- No dia 30 de Setembro de 2009, o Autor ainda não havia recorrido ao financiamento bancário;


- Em Novembro de 2009, quando o Autor se dirigiu à fração autónoma referida, as obras de construção não estavam concluídas, nomeadamente, as referentes à cozinha e casa de banho;


- Aquando desta deslocação, o Autor informou um responsável da Ré de que pretendia passara férias na referida fracção autónoma em Abril de 2010, tendo-lho sido dito que as obras estariam concluídas nesse mês;


- Em Fevereiro de 2010, as obras não tinham terminado;


- No dia 2 de Março de 2010, o Autor dirigiu-se, novamente, à fração e verificou que, na casa de banho, o poliban não se encontrava completamente instalado, a paredes interiores tinham apenas a aplicação de tinta “base”, a instalação do elevador estava sem ligação à eletricidade e sem sinalética e botões e a parede da porta de acesso ao terraço estava partida junto às dobradiças;


- O autor procurou saber junto da Ré informações sobre as razões porque a fração não se mostrava concluída;


- O Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré para que esta procedesse à marcação da escritura pública de compra e venda, no prazo de 15 dias, com a cominação de que a falta da marcação dentro do prazo estipulado consideraria o contrato-promessa incumprido definitivamente, por sua culpa exclusiva, considerando-o resolvido, com as legais consequências, nomeadamente, a devolução ao Autor, em dobro, do somatório do montante por este entregue à Ré, a título de sinal;


- A notificação judicial avulsa, que deu entrada no Tribunal Judicial de Oeiras, no dia 21 de Junho de 2010, foi efetuada, no dia 06 de Julho seguinte;


- No dia 21 de Junho de 2010, o Autor ainda não havia recorrido ao financiamento bancário mencionado no número 2 da cláusula oitava do contrato;


- O Autor não comunicou à Ré ou a qualquer dos seus colaboradores que tinha pedido financiamento bancário, nem que este tinha sido aprovado;


- No dia 22 de Junho de 2010, foi requerida à Câmara Municipal de Tavira a emissão do alvará de autorização de utilização;


- A Ré respondeu por escrito à referida notificação judicial, por carta datada de 22 de Julho de 2010, dirigida à mandatária do Autor, Dra. (…), na qual, além do mais fez constar: “Conforme já lhe foi transmitido pela minha advogada, Dra. (…), em virtude da impossibilidade de realizar a escritura no prazo previsto no contrato promessa celebrado com e seu cliente, foi-lhe facultada a chave da fração objeto desse contrato, dado que este assim o solicitou, porquanto queria passar férias no mesmo. (…). A impossibilidade de realização da escritura em causa não é imputável à sociedade construtora mas sim à autarquia, atentos os lapsos de tempo que leva para realizar vistorias e emitir a respetiva autorização de utilização, imprescindível para a outorga da escritura. Dado que será em breve emitida a autorização de utilização em causa, segundo me foi transmitido na câmara municipal de Tavira, venho solicitar que a escritura com o seu cliente seja celebrada até ao próximo dia 30 de agosto, sendo de imediato entregue a respetiva chave da fração, como aliás sempre lhe foi transmito, dado que a fração já há largos meses que se encontra concluída e pronta a habitar”;


- O Autor não solicitou à Ré a requisição do registo provisório de aquisição mencionado no número 2 da cláusula quinta do contrato;


- Na sequência do requerimento de emissão do alvará de autorização de utilização, os técnicos da Câmara Municipal de Tavira, no dia 29 de Julho de 2010, emitiram uma informação, onde, além do mais, consta o seguinte: “Em deslocação aos lotes referenciados em processos, acima descritos, informam estes serviços que, estão a ser colocados as cabines dos elevadores, assim como o sistema de incêndios e pinturas dos espaços de estacionamento referente às frações. Informa-se ainda que os candeeiros junto aos arruamentos dos referidos lotes se encontram partidos, assim com a obra na sua totalidade pelo seu aspecto só tem a primeira pintura (...)”;


- Na sequência desta informação, a Ré, no dia 18 de Agosto de 2010, requereu à Câmara Municipal de Tavira a emissão de licença de utilização do Bloco 44-A de 8 fogos para o segundo andar, fração A e, no dia 19 de Outubro de 2010, requereu a emissão de licença de utilização para todo o prédio, uma vez aquele estar terminado;


- No dia 9 de Novembro de 2010, foi emitido, pela Câmara Municipal de Tavira, o alvará de autorização de utilização nº 209/10 do prédio onde se situa a fração em causa.


B - O direito


Quanto à alegada nulidade da sentença, devido a contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia


- “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se” [1];


- O juiz deve conhecer “de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”; por isso, “o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)” [2]; na verdade, uma coisa é “deixar de conhecer questão que devia conhecer-se” e outra “deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte” [3].


Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos dados como provados


- “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Excetuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (…), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (…)” [4];


- As partes, para além da faculdade de “escolher cada uma delas, livremente, o outro contraente”, gozam da “possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos contratos típicos ou paradigmáticos disciplinados na lei (celebrando contratos atípicos) ou de incluírem em qualquer dos contratos paradigmáticos cláusulas divergentes da regulamentação supletiva (…)” [5];


- Em princípio, nada obsta que as partes subordinem, a um acontecimento futuro e incerto, a produção ou a resolução dos efeitos de um negócio jurídico [6];


- No cumprimento da obrigação e no exercício do crédito correspondente, as partes devem proceder de boa-fé, isto é, com a lealdade, a correção, a diligência e a lisura, exigíveis pelas circunstâncias do negócio [7];


- “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a prestação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento de contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou” [8];


- O retardamento da prestação, isto é, quando a prestação não é efetuada no devido tempo, por causa imputável ao devedor, este fica constituído na obrigação de reparar os danos causados ao credor [9];


- Em caso de mora, permite-se que o credor fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena “de se considerar a prestação como não cumprida” [10];


- “A quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, que o facto seja positivo, quer negativo. À parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito” [11].


C- Aplicação do direito aos factos


Quanto à alegada nulidade da sentença, devido a contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia


Lida a sentença proferida pelo Tribunal recorrido, nomeadamente, a parte que tem como epígrafe “Conclusão Facto - Jurídica”, a mesma não aponta para a improcedência do pedido principal e procedência do reconvencional. Como tal, não padece o decidido de “vício lógico” [12].


O mesmo se poderá dizer do segmento da mencionada parte da sentença, denominado “Má fé/abuso de direito” – de que faz parte o parágrafo transcrito nas conclusões das alegações da recorrente – onde, ao fim e ao cabo, o mesmo Tribunal apreciou, apenas, o argumento da Ré/reconvinte Sociedade Construtora de (…), Lda. de a interpelação admonitória efectuada pelo Autor/reconvindo (…), em 06 de Julho de 2010, sem recorrer “ao financiamento bancário de que necessitava para pagar o preço”, constituir um abuso de direito [13], concluindo pela sua não verificação. Ou seja: o Tribunal recorrido limitou-se a abordar a questão do não recurso ao financiamento bancário, pelo prisma do abuso de direito, não a considerando na vertente dos efeitos de uma condição resolutiva, que diz ocorrer.


Inexiste, pois, contradição entre os fundamentos e a decisão.


Por outro lado, o Tribunal recorrido, contrariamente ao alegado pela recorrente Sociedade Construtora de (…), Lda., não deixou de se pronunciar sobre as questões que devia conhecer – todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas.


Se, porventura, não se pronunciou “sobre o óbvio, nomeadamente, a não verificação (…) das normais diligências por parte de qualquer promitente-comprador a vésperas de uma escritura de compra e venda, a saber, a obtenção dos documentos necessários para a liquidação do IMT, pagamento de imposto de selo” é questão que não gera nulidade da sentença.


Não ocorre, também, omissão de pronúncia.


Pelo exposto, improcede esta parte da apelação.


Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos dados como provados


Exceptuando as cláusulas referentes à quantificação do montante da indemnização devida, em caso de mora [14], e à “desvinculação” do promitente-comprador, em caso de impossibilidade de obter e financiamento bancário [15], o Autor/reconvindo (…) e a Ré/reconvinte Sociedade Construtora de (…), Lda. outorgaram um típico contrato-promessa de compra e venda.


Com a primeira das cláusulas atípicas pretenderam os outorgantes “evitar dúvidas futuras e litígios (…) quanto à determinação do montante da indemnização” [16]; com a segunda, passou o promitente-comprador a beneficiar de um regime divergente da regulamentação supletiva, que lhe permite reaver o sinal prestado, em caso de incumprimento do contrato-promessa, por razões financeiras, tudo se passando, nesta hipótese, como se o negócio não tivesse sido efetuado.


É este o sentido global da declaração negocial, decorrente, em parte, das antes mencionadas cláusulas atípicas, cuja validade é suportada pelo princípio da liberdade contratual.


Propositadamente, não se considera o ponto I da cláusula 8ª [17], na medida em que o mesmo é irrelevante, dado que a “licença camarária de habitabilidade e utilização” foi, entretanto, emitida. Além disso, tal cláusula é de aplicação prática bastante reduzida, uma vez a licença referida resulta, essencialmente, da conclusão dos trabalhos, como aconteceu no caso dos autos.


Os pedidos deduzidos decorrem do mecanismo do sinal – devolução em dobro ou perda – consoante o incumprimento do contrato-promessa é imputável, respetivamente, ao promitente-vendedora ou ao promitente-comprador.


O Autor/reconvindo (…) fundamenta o pedido de devolução do sinal em do dobro, na seguinte causa de pedir: situação de mora em que se encontrava, desde 30 de Setembro de 2009, a Ré/reconvinte Sociedade Construtora de (…), Lda., conjugada com o insucesso da interpelação admonitória de 6 de Julho de 2010, que lhe concedeu um prazo de 15 dias para a marcação da escritura do contrato definitivo, com a cominação de que a falta da marcação, dentro do prazo estipulado, o contrato promessa seria tido como incumprido.


Para o efeito, nada mais tinha que alegar e provar, nomeadamente, que tinha dinheiro para pagar o preço, por não ser um facto constitutivo do direito, que pretendeu fazer valer em juízo.


A mora é inquestionável, como decorre da fixação de um montante indemnizatório, “a título de compensação pelo atraso”. A interpelação, por seu turno, uma realidade.


Discutível é a razoabilidade do prazo concedido – 15 dias –, considerando o histórico dos atrasos na conclusão dos trabalhos – que se verificavam, ainda, em Março de 2010 –, conjugado com a circunstância de o retardamento, na outorga da escritura de compra e venda, implicar o pagamento de uma já quantificada indemnização, por parte da dita promitente-vendedora, que certamente seria ou podia ser deduzida no preço acordado.


No critério desta Relação o prazo concedido não é razoável, não só pelo anteriormente referido, como também por não considerar a típica capacidade de resposta dos serviços camarários, para emitir a “licença camarária de habitabilidade e utilização”.


E, pois, possível concluir, com segurança, que o Autor/ reconvindo (…), ao fixar tal prazo peremptório para cumprimento, não se moveu com lealdade e correção (de boa-fé) e, sim, com o propósito, apenas, de, em curto prazo, de obter um lucro apreciável, e não de, em última análise, concluir um processo negocial iniciado dois anos antes.


Sendo o aludido prazo abusivo, não pode o mesmo ser considerado, para efeito de transformação da mora em incumprimento.


Ora, sem incumprimento inexiste a possibilidade de resolução do contrato, com a inerente devolução do sinal em dobo, como pretende o dito Autor/reconvindo.


Por seu turno, a recorrente Sociedade Construtora de (…), Lda. fundamenta o seu pedido – perda do sinal prestado –, na circunstância de o Autor /reconvindo (…) não ter acertado uma data, entre finais de Julho e 30 de Agosto de 2010, para a celebração da escritura, “demonstrando com esse comportamento que não era sua intenção realizá-la” [18].


Acontece, porém, que era à promitente-compradora que competia, pura e simplesmente, marcar a escritura, comunicando a data, “com a antecedência mínima de quinze dias”, o que não se confunde com manifestação de um propósito de celebrá-la, em determinado lapso de tempo.


Além disso, importa referir que, apenas em Novembro de 2010, foi emitida a indispensável “licença camarária de habitabilidade e utilização”, o que inviabilizava a feitura da pertinente escritura de compra e venda, em Agosto do mesmo ano.


Não ocorreu, assim, incumprimento do contrato, por parte do Autor/reconvindo (…).


Procede, deste modo e parcialmente, a apelação.


Decisão

Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando a apelação parcialmente procedente, revogar a sentença recorrida, na parte respeitante à condenação da Ré/reconvinte Sociedade Construtora de (…), Lda. no pedido principal, mantendo-a, na parte restante (absolvição do Autor/reconvindo … do pedido reconvencional).

Custas pela recorrente e recorrido, tendo em atenção os decaimentos.
Évora, 09 de Julho de 2015

Sílvio José Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura
Maria da Conceição Ferreira
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[1] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 704, e artigo 615º., nº 1, c), 1ª parte, do Código de Processo Civil.
[2] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 704, e artigos 608º., nº 2 e 615º., nº 1, d), 1ª parte, do Código de Processo Civil.
[3] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, pág. 143.
[4] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ªedição, pág. 223, e artigo 236º., nºs 1 e 2 do Código Civil.
[5] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ªedição, pág. 355, e artigo 405º., nºs 1 e 2 do Código Civil.
[6] Artigo 270º. do Código Civil.
[7] Artigo 762º., nº 2 do Código Civil e Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 4ªedição, pág. 4.
[8] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ªedição, pág. 422. e artigo 442º., nº 2, 1ª parte do Código Civil.
[9] Artigo 804º., nºs 1 e 2 do Código Civil.
[10] Artigo 808º., nº 1 do Código Civil e Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, pág. 71.
[11] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 452, e artigo 342º., nºs1 e 2 do Código Civil.
[12] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, pág. 141.
[13] Artigo 58º da contestação.
[14] Cláusula 6ª, nº 1.
[15] Cláusula 8ª, nº 2.
[16] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, pág. 73.
[17] “O presente contrato fica subordinado à condição de ser emitida a respetiva licença camarária de habitabilidade e de utilização”.
[18] Artigos 107.º e 110.º da contestação.