Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
116/07.2PCFAR.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: CONTUMÁCIA
AUSÊNCIA DO ARGUIDO EM JULGAMENTO
NULIDADE DO JULGAMENTO
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Enquanto contumácia se mantiver não pode ter lugar o julgamento do arguido, na sua ausência, ainda que este tenha sido notificado para ali comparecer através de carta rogatória. [1]
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÈVORA


I. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo comum com intervenção de tribunal singular nº 116/07.2PCFAR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Lagos, Juiz 2, foi o arguido AA, condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p.p., pelo Artº 152 nsº1 al. a) e 2 do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, com as seguintes conclusões (transcrição):

1 ° - Por sentença proferida no dia 06 de Julho de 2017, o douto tribunal a quo condenou o Recorrente, pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art. 152°, nº 1 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e seis meses.

2° - O arguido viu os seus direitos de defesa restringidos, tendo apresentado uma contestação limitada, devido ao facto de não ter conseguido deslocar-se a Portugal, não tendo conseguido reunir as provas que conseguiria reunir caso tivesse vindo, pessoalmente, a Portugal.

3° - A contumácia do arguido impossibilitou que o mesmo se apresentasse a juízo e tivesse apresentado defesa condigna com acesso a todos os meios de prova que entendesse adequados, como não permitiu que comparecesse na audiência de julgamento para prestar declarações.

4° - O arguido não compareceu à audiência de discussão e julgamento porque lhe era impossível estar presente, dado não ter passaporte português válido que permitisse viajar para Portugal, tendo o douto tribunal a quo sido informado.

5° - Não tendo sido lhe dada oportunidade de prestar declarações no processo e de se defender.

6° - A cessão da contumácia ocorreu, apenas, no decorrer da leitura da sentença proferida nos presentes autos, o que impossibilitou o exercício dos direitos de defesa do arguido, designadamente, o direito de apresentar uma defesa condigna e de estar presente na audiência de discussão e julgamento, art. 32° nºs. 1, 2 e 7 da CRP., art. 61° nº. 1 a) e b) CPP.

7° - O exercício de tais direitos não foi possível em virtude de não ter sido previamente cessada a contumácia.

8º- A presença do arguido na audiência, era obrigatória nos termos do disposto no art. 332° n°. 1 do CPP.

9° - O douto tribunal a quo não se pronunciou quanto à ausência do arguido, conforme decorre da acta com a ref. citius 106347288.

10° - Verifica-se uma nulidade insanável por terem sido violadas os direitos e as garantias de defesa do arguido, quer por não ter comparecido na audiência de julgamento quando a sua comparência era obrigatória, art. 119° c) do CPP, quer por terem sido violados os direitos e garantias de defesa do arguido pelo facto do mesmo ter sido privado de praticar de forma condigna, integra e livre, actos processuais necessários à sua defesa, pelo facto de estar impossibilitado de viajar para Portugal, por não ter conseguido renovar passaporte, devido à declaração de contumácia, mesmo, depois, de ter informado os autos do local onde se encontrava a residir, art. 32° da CRP ..

11 ° - Devem ser declarados nulos todos os actos processuais praticados, posteriormente, ao despacho de acusação.

12° - Caso assim não se considere, por cautela de patrocínio, sempre se dirá que,

13° - A ofendida prestou declarações perante as autoridades judiciais brasileiras, tendo o douto tribunal a quo apreciado a gravação dessas declarações.

14° - Em virtude disso, o arguido ficou impossibilitado de solicitar esclarecimentos acerca das declarações prestadas pela ofendida que lhe diziam respeito.

15° - Nem lhe foi permitido estar presente no momento da recolha dessas declarações de forma a que, visse esclarecido algum ponto dúbio ou contraditório dessas declarações.

16° - A resposta a esses pedidos de esclarecimento podiam ter permitido ao Mmo. Juiz do tribunal a quo um diferente entendimento acerca da credibilidade das declarações da ofendida, pondo em causa essas mesmas declarações.

17° - Violando-se, novamente, os direitos e garantias de defesa do arguido, art. 32º da CRP, e das regras de inquirição, art. 1380 do CPP, sendo um meio de prova ilegal, art. 125° CPP e, consequentemente, nulo que contaminou a douta decisão recorrida com nulidade.

18° - A ofendida refere que as agressões ocorreram na habitação em que ela e o arguido viviam, sita Quinta …, Santa Maria, Lagos, conforme decorre das declarações prestadas peja mesma e que constam no registo áudio minuto 3 a 4.

19° - De acordo com a escritura de compra e venda junta com a contestação como doe. 1, o arguido vendeu o supra referido imóvel em 29/01/2017.

20° - As testemunhas JF e JB referem que, em 2017 o arguido já vivia em Évora.

21° - Tais factos contradizem as declarações da ofendida.

22° - O douto tribunal desconhece onde ocorreram as supostas agressões, facto este importantíssimo para dissipar as dúvidas e contradições que pairavam sobre as declarações da ofendida.

23° - O ponto 5 dos factos provados jamais podia ter sido dado provado com base nas declarações da ofendida, pois, impunha-se a audição do visado, isto é, do AP, de forma a se aquilatar se o mesmo viu ou não viu, presenciou ou não presenciou.

24° - Por ser um facto sensorial do próprio, devia AP ter sido ouvido quanto ao mesmo, enquanto testemunha, pois, era a única pessoa que podia atestar se viu elou ouviu alguma coisa.

25° - O douto tribunal a quo não devia ter dado ênfase às declarações da ofendida e com base nelas dar como provados os factos 1 a 7 dos factos provados e condenar o arguido no crime que lhe era imputado.

26° - Caso, ainda, assim não se entenda, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que,

27º - Por o facto indicado no ponto 5 dos factos provados, jamais poder ser dado como provado, a circunstância qualificante do crime de violência doméstica imputada ao arguido deixa de se verificar, pelo que, o mesmo deve, assim, ser condenado pela prática do crime de violência doméstica, nos termos do disposto no artigo 152°, nº1 do Código Processo Penal.

28° - A douta decisão recorrida deve ser revogada, tendo violado, por errada interpretação e aplicação, entre outros:

- Artigos 61°, 119°, 125°, 1280 e 138° do Código de Processo Penal;
- Artigo 1520 do Cód. Penal;
- Artigo 32° da CRP

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA SENTENÇA RECORRIDA, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

C – Resposta ao Recurso

O M.P. respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que lavrou parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.

In casu, são as seguintes as questões levantadas no recurso:

1) Nulidade insanável do processado
2) Impugnação da matéria de facto
3) Inexistência de crime qualificado

B – Apreciação
Definidas as questões a tratar, importa atentar no fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

FUNDAMENTAÇÃO
Factos Provados
Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. AA casou com BB em 06 de Fevereiro de 2007.

2. AA e BB divorciaram-se em 30 de Outubro de 2008.

3. No dia 20 de Setembro de 2007, pelas 01,00 horas, AA chamou-lhe vagabunda e vaca.

4. Acto contínuo, desferiu-lhe vários socos com o punho direito na cara, tendo partido um dente da parte superior da dentadura/frente de BB.

5. Tais factos foram presenciados por AP, filho de AA, de 11 anos de idade.

6. O arguido AA sabia que molestava corporalmente a sua esposa, e que ao dirigir-lhe palavras ofensivas da sua honra e consideração, causava-lhe sentimentos de medo, vergonha e frustração.

7. Agiu deliberada, livre e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.

8. Não tem antecedentes criminais registados.
x
Factos Não Provados
Não se provou que:
a. O casal residia na Quinta …, Santa Maria;

b. O mencionado em 3., ocorreu na sequência de uma discussão por causa do pedido de divórcio, tendo AA chamado BB de puta;

c. As condições pessoais e económicas do arguido.

Nem ficaram por provar nem quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão na causa ou com relevância para a mesma.

B.1. Nulidade insanável do processado

Alega o recorrente a nulidade do processado, porquanto, em síntese apertada, tendo tido conhecimento que havia sido declarado contumaz apenas quando tentou renovar, sem sucesso, o seu passaporte português, no Brasil, onde reside, veio então dar conhecimento nos autos da sua morada e solicitar o levantamento da contumácia, o que só veio a ocorrer no decorrer da leitura da sentença.

Nessa medida, ficou impedido de se deslocar a Portugal e de comparecer em Audiência, como pretendia, o que o impossibilitou de apresentar a sua defesa e de ter acesso aos meios de prova apresentados pela acusação.

Conclui, assim, pela nulidade do processado, nos termos combinados dos Artsº 61 nº1 als. a) e b), 119 al. c) e 332 nº1, todos do CPP e 32 nsº1 e 7 da CRP.

Apreciando, ter-se-á de concluir que a razão lhe assiste, como logo se consta pela cronologia dos autos que se segue:

Por despacho de 20/04/12 (Fls. 493/494), foi declarada a contumácia do arguido

Em 30/11/16 (Fls. 631), o arguido vem aos autos informar que só teve conhecimento da existência do processo devido à impossibilidade de renovação do seu passaporte, comunicando então a sua morada, no Brasil e solicitando que nesta fosse notificado para todos e quaisquer efeitos, requerendo ainda, o levantamento da sua contumácia.

Na sequência deste requerimento, em 09/12/16 (Fls.633), foi designado o dia 27/06/17 para Audiência de Julgamento, tendo sido determinada a expedição de carta rogatória para notificação do arguido, quer desta data, quer da acusação contra si formulada e da faculdade de requerer a abertura da instrução.

Em 26/01/17 (Fls. 653/654), veio o arguido alegar que vivendo no Brasil desde 2009 e tendo sido notificado do despacho anterior, não lhe era possível viajar para Portugal, na medida em que tem o seu passaporte caducado e a renovação do mesmo exigia que a contumácia deixasse de constar do registo informático dos serviços de identificação civil.

Alegou ainda, que a deslocação a Portugal, para recolher prova e preparar a sua defesa era essencial, pelo que, estando impedido de sair do Brasil pelos motivos referidos, solicitou que lhe fosse considerado, nos termos do Artº 107 nº2 do CPP, justo impedimento para a prática dos actos referentes à abertura da instrução, que logo os assumiria assim que a impossibilidade de viajar para Portugal cessasse.

Sobre este requerimento, a instância recorrida nada disse, tendo sido exarado, em 06/02/17, a Fls. 658, o seguinte despacho: “Nada em concreto é requerido, nada a determinar”.

Em 30/03/17 (Fls. 680/687), foi recebida nos autos a referenciada carta rogatória para notificação do arguido e que foi objecto de cumprimento.

Em 22/06/17 (Fls. 711), o arguido informou que não se poderia deslocar a Portugal e comparecer à Audiência de Julgamento, por não ter conseguido renovar o passaporte junto do Consulado Português de Curitiba, por continuar registada a contumácia decretada no âmbito dos presentes autos.

A Audiência de Julgamento teve lugar no dia 27/06/17, com inquirição de testemunhas (Fl.s 724/728), continuando no dia 06/07/17 (Fls. 743/743), com a leitura da sentença condenatória, após a qual foi declarada cessada a contumácia do arguido.

Da mera leitura desta descrição do processado, logo ressalta uma evidência que implica a sua nulidade insanável:

Procedeu-se a julgamento do arguido sendo este contumaz, tendo-se até verificado a situação assaz bizarra de o recorrente ter sido julgado e condenado mantendo esse estatuto processual, ou seja, sem que a sua contumácia tenha sido levantada, pois a declaração de levantamento da mesma só ocorreu depois de já ter sido lida a sentença condenatória! (Cfr, acta de Fls. 743, supramencionada).

Como se sabe, a manutenção de uma situação de contumácia é incompatível com a possibilidade de alguém ser julgado, sendo imprescindível que a declaração da sua cessação ocorra antes de o julgamento se iniciar, como decorre da economia concertada dos Artsº 335 nº3, 337 nº1, 336 nº1, 332 nº1 e 119 al. c), todos do CPP.

Se esta circunstância, já por si, desde logo inquinaria irremediavelmente o processado – por se ter realizado o julgamento do arguido sem a sua presença quando esta é obrigatória sob pena de nulidade insanável – a cronologia atrás referida denuncia outras incorrecções na forma como se tramitaram os autos.

Estando o arguido contumaz desde 2012, só quatro anos depois e por sua iniciativa é que se soube nos autos a respectiva morada: o arguido informou então que vivia no Brasil (ao que parece, desde 2009) e que ao pretender renovar o seu passaporte português teve conhecimento da existência deste processo, por nele ter sido declarado contumaz, facto que era impeditivo daquela renovação.

Apesar de já em Março de 2017 estar nos autos comprovada a notificação do arguido nessa qualidade e dos termos da acusação, em nenhum momento foi aberta conclusão para a competente declaração de levantamento da contumácia, obrigatória face àquela notificação, e que pelo arguido já havia sido solicitada aquando do seu primeiro requerimento no processo.

Importa ainda dizer, que, a este nível, em Janeiro de 2017 – ou seja, cerca de seis meses antes da data designada para o julgamento – o arguido veio de novo comunicar que não conseguia sair do Brasil por não lhe ser admitida a renovação do seu passaporte, tendo em conta que a contumácia continuava a constar dos serviços informáticos da identificação civil, informando ainda, que pretendia requerer a abertura da instrução, pelo que, solicitava que se considerasse justo impedimento a impossibilidade de a requer, já que, para a recolha de provas e preparação da sua defesa, entendia como imprescindível a sua vinda ao território português.

Ora, sobre este requerimento, o tribunal a quo proferiu o despacho acima transcrito, o qual, como o devido respeito, não é compreensível, já que ao contrário do que aí se plasmou, havia uma solicitação do arguido - a questão do justo impedimento – que exigia uma decisão judicial.

O tribunal, todavia, aí não se pronunciou, como também não se pronunciou, em Julgamento, sobre a ausência do arguido, nada referindo sobre a base legal pela qual, nessa circunstância, dava inicío à Audiência, tendo em conta que o mesmo, comprovadamente, residia no estrangeiro e estando notificado para a mesma continuava declarado contumaz, sendo manifesto que tinha tido a preocupação de comunicar aos autos, cinco dias antes, que não poderia comparecer, por não ter conseguido renovar o passaporte junto do Consulado Português de Curitiba, já que a contumácia decretada no âmbito deste processo se mantinha activa.

A verdade é que, em consequência da declaração de contumácia, ao abrigo do nº3 do Artº 337 do CPP, ao arguido foi proibida a renovação do passaporte, pelo que, quando este alegou que não conseguia viajar para Portugal por tal renovação lhe ter sido negada, parecia não estar a faltar à verdade.

Nessa medida, deveria o tribunal a quo atender a esta pretensão do arguido e decretar a cessação da contumácia, assim que fosse notificado da acusação e assumido essa qualidade nos autos, o que poderia ter ocorrido logo em Março de 2017, muito a tempo de o ora recorrente viajar a Portugal e requerer a abertura da instrução, ainda antes da data designada para julgamento.

Tem assim razão o arguido quando refere que os seus direitos de defesa foram restringidos, na medida em que se viu impossibilitado de viajar até Portugal para estudar o processo, recolher meios de prova e requerer a pretendida abertura da instrução.

Com efeito, a tramitação dos autos impediu-o de viajar para Portugal, quer para preparar, pessoalmente, a sua defesa – direito inalienável de qualquer cidadão, nos termos do filosofia ínsita no Artº 32 da Constituição da República Portuguesa - quer para comparecer em Julgamento, sendo esta circunstância apenas imputável ao tribunal recorrido, que, não só não apreciou o seu requerimento que alegava justo impedimento para o requerimento de abertura de instrução, como apenas declarou cessada a contumácia com o julgamento concluído e já após a leitura da sentença condenatória.

Sendo obrigatória a presença do arguido em julgamento, a sua ausência é cominada pela lei como uma nulidade insanável, ao abrigo das disposições combinadas dos Artsº 61 nº1 als. a) e b), 332 nº1 e 119 al. c), ambos do CPP, sendo que, tendo em conta o que atrás se expôs em relação à pretensão do arguido de requerer a abertura da instrução, importa declarar a nulidade de todos os actos processuais praticados após a notificação ao arguido da acusação que lhe foi deduzida.

Procede, nestes termos, o recurso, logo neste segmento, o que prejudica, naturalmente, a apreciação dos demais.

3. DECISÃO
Nestes termos, concede-se provimento ao recurso e em consequência, declara-se nulo todo o processado desde a notificação ao arguido da acusação que lhe foi formulada.
Sem custas.

Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 26 de Junho de 2018
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Renato Barroso
(Relator)
___________________
Maria Leonor Botelho
(Adjunta)
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[1] - Nos termos do AUJ n.º 5/2014 «Ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia.»