Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
478/19.9GHSTC.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
CIRCUNSTÂNCIAS
Data do Acordão: 06/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25º, do DL n.º 15/93, haverá de se proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras.
- O elemento "quantidade" não é suficiente, por si só, para a qualificação do tráfico como "de menor gravidade", é um dos elementos a que o art.º 25° do DL 15/93 de 22/01 determina a que se atenda para que a ilicitude do facto se revele como "consideravelmente diminuída", concomitantemente com outros que ali se enumeram, a título exemplificativo, tais como, os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção e, em especial, a "qualidade"- das plantas, substâncias ou preparações - aferida esta em função da maior ou menor perigosidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório
1.1 - No Processo Abreviado N.º 478/19.9GHSTC, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém - Juiz 2, o arguido:
JOT, filho de FST e de GMO, nascido a ../…/1989, natural de …., solteiro, titular da carta de condução n.º …….e residente na ……………………….(TIR de fls. 23 e 24), actualmente em prisão preventiva, à ordem destes autos, com efeitos desde 22.10.2019,
foi julgado, tendo sido proferida a sentença seguinte:
“a) Condenar o arguido JOT pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-A, I-B e I-C, na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
b) Determinar a manutenção do estatuto coactivo do Arguido, mantendo-se o mesmo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, aplicada por despacho judicial de fls. 60 a 64;
(…)”

1.2 - O arguido, inconformado com essa decisão, dela recorreu, tempestivamente, apresentando, na sua motivação, as conclusões seguintes:
“1.ª A matéria de facto considerada provada, na Sentença recorrida, implica o arguido recorrente na prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não num crime de tráfico de substâncias estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do mesmo diploma.
2.ª Encontram-se plenamente preenchidos os critérios tendencialmente cumulativos desenvolvidos pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça por forma a aferir acerca da ilicitude diminuída referida no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
3.ª As condições pessoais do arguido, nomeadamente a ausência de condenação por crime grave, a consistente inserção familiar, a existência de uma profissão e de experiência num modo de vida consentâneo com as normas jurídicas e sociais, sugerem que a pena que venha a ser aplicada ao arguido de ser suspensa na sua execução, nos termos do art. 50º do Cód. Penal.
4.ª As razões de prevenção geral que, segundo se invocou, são muito acentuadas, per se, não podem justificar o afastamento do regime do art. 50º do Cód. Penal.
5.ª Já as razões de prevenção especial, parecem evidenciar que a ameaça do cumprimento do remanescente da pena em regime efetivo apresentar-se-á proficiente na reintegração do arguido.
Nestes termos, pedimos a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação de Évora, se dignem conceder provimento ao recurso e, por consequência, decidam:
I. Alterar a qualificação jurídica dos factos provados para o tipo p. e p. pelo art. 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a consequente correcção da medida da pena; e
II. Suspender o cumprimento da pena de prisão que fixarem ao arguido
Porquanto,
Só assim farão a costumada Justiça!!!”

1.3 - O Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta ao recurso, concluindo:
“a) Andou bem o Tribunal a quo em qualificar toda a factualidade provada na norma do artigo 21.º do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 janeiro.
b) Serviu de base a tal qualificação uma apreciação global e cuidada dos fatos, tais como, a preparação, o investimento e organização, os meios empregues, o grau de pureza, a quantidade e o tipo de estupefaciente transacionada, o número de consumidores que frequentam o local, tudo de acordo com as regras da experiência e a realidade da Comarca, bem como todas circunstancias suscetíveis de interferir na gravidade do facto, perigosidade da acção ou o desvalor do resultado, grau de ofensa do bem jurídico protegido.
c) Tendo-se concluído, e bem, que a ilicitude do arguido não é consideravelmente diminuída, pelo que fica desde logo afastada a norma do artigo 25.º do citado diploma legal.
d) A inserção profissional do arguido é duvidosa, já que a mesma não evitou/impediu que o arguido recorresse ao tráfico como forma de auferir rendimentos.
e) A pena de prisão aplicada ao arguido, não deverá ser suspensa na sua execução, por se considerar que, a simples censura do fato e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada.
Termos em que deverá o recurso ser declarado improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida nos seus precisos termos.
Porém, só V. Exas. farão, como sempre, Justiça!!!!.”.

1.4 - Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo:
“Não creio que a sentença aprecianda mereça censura relevante, por forma a dar guarida às pretensões do recorrente.
Com efeito, ante a matéria de facto assente como provada e a respetiva motivação, a convicção do julgador não se apresenta credora de reparo algum, emergindo do respectivo confronto com o argumentário do recorrente o total naufrágio das pretensões deste, que visam apenas impor as suas pessoais, parciais e não isentas leituras daquela mesma factualidade provada.
Na verdade, a matéria de facto assente como provada não permite, claramente, fundar um juízo de ilicitude com os contornos da natureza e gravidade a que alude o artigo 25° do Decreto-lei n.º 15/93, e afasta irremediavelmente os seus entendimento e pretensão.
Provados e incontestados os factos que integram aquele tipo (tráfico), razão de facto (e de direito) alguma releva que permita conduzir à censurabilidade do decidido, porque dúvidas não restam de que o recorrente os cometeu, querendo-os e conhecendo o seu significado antijurídico.
Quanto à medida da pena, dada a violação dos valores e bens jurídicos protegidos pela norma, não se me afigura passível de censura o quantum encontrado, o qual se revela, a meu ver, como a resposta que a sociedade entende como ajustada e adequada à gravidade e consequências do ilícito em causa.
E, por fim, a propósito da pretendida suspensão da execução da pena, importa, no caso, considerar o seguinte: como se anuncia no preâmbulo do Código Penal de 1982 e decorre do disposto nos seus artigos 42° e 43°, é pressuposto da execução das penas um objetivo pedagógico e ressocializador; por isso que, na prossecução de tal objetivo, apenas se deva recorrer à pena de prisão quando outras reações penais, não detentívas, não se mostrem adequadas à gravidade do crime e à recuperação dos seus agentes.
As reações penais com a apontada natureza funcionam, com aquele mesmo objetivo, como medidas de substituição que, com maleabilidade, servem a cobrir um leque considerável de infrações puníveis com pena de privação da liberdade.
Releva, para tanto, que o julgador conclua, ante a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem (permitam fundadamente supor, conformem uma expetativa séria) de forma adequada e suficiente o predito objetivo pedagógico e ressocializador (Código Penal, artigo 50°, n." 1).
A verdade é que o crime em causa é de incontornável gravidade, e exigências de prevenção geral e especial recomendam uma punição que não deva ser vista, aos olhos do cidadão comum, como condescendente.
O que vale por dizer que a suspensão da execução da penal no caso, corporizaria, a meu ver, um conteúdo punitivo premiai encapotado e injustificado, pois que não estão demonstradas razões e motivos consistentes que permitam formular um juízo otimista quanto à futura compostura social do recorrente.
3. Em razão do exposto, creio dever o recurso interposto ser julgado improcedente.”

1.5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º do C.P.P. O Arguido respondeu, mantendo, no essencial, a sua posição inicial.

1.6 - Foram colhidos os vistos legais.

1.7 - Cumpre apreciar e decidir.


II - Fundamentação.
2.1 - O teor da sentença recorrida, na parte que interessa, é o seguinte
“2.1.1. Efectuado o julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1. Como forma de obter proventos financeiros e, assim, prover ao seu sustento e dispor de dinheiro para todas as suas despesas, o arguido JT, dedicou-se, desde data não concretamente apurada, à venda e distribuição de produto estupefaciente, nomeadamente de heroína, cocaína e canábis, a outros indivíduos que previamente o contactavam para tal, sendo que aquele produto estupefaciente era cedido por terceiro, recebendo o Arguido uma quantia não concretamente apurada.
2. O arguido desenvolvia tal actividade de narcotráfico na zona de mato existente na zona da ……, zona limítrofe à …, área pertencente ao concelho de Sines, local este onde, há vários anos, dezenas de toxicodependentes e pequenos traficantes de Sines e dos Concelhos adjacentes se deslocam diariamente para comprar heroína e cocaína.
3. No dia 22/10/2019, cerca das 11h25, o arguido encontrava-se no local supra referido, acompanhado de outro individuo cuja identidade não foi possível apurar, junto de um veículo, onde procediam conjuntamente à venda de heroína, cocaína e canábis, aos respectivos ocupantes.
4. Nessa ocasião, ao avistarem os militares da GNR, o arguido e o outro indivíduo encetaram a fuga, seguindo caminhos distintos, e durante essa fuga, o arguido atirou ao chão, para o meio da vegetação um saco que tinha consigo, o qual foi recuperado e continha:
i. Quarenta e oito embalagens, contendo heroína, com um peso líquido total de 171,233 gramas, com um grau de pureza de 8,3%, quantidade suficiente para 142 (cento e quarenta e duas) doses médias individuais diárias;
ii. Uma embalagem, contendo cocaína (éster met.), ainda em pedra, com um peso líquido de total de 19,689 gramas, com um grau de pureza de 35,6%, quantidade suficiente para 233 (duzentas e trinta e três) doses médias individuais diárias.
5. O arguido também tinha consigo uma bolsa de cor azul com inscrições a branco, da marca Nike, a qual continha os seguintes bens adquiridos com a venda de estupefacientes:
i. A quantia monetária de € 185,00 (cento e oitenta e cinco euros), dividida em cinco notas do B.C.E. com valor facial de € 20,00 (vinte euros), sete notas do B.C.E. com valor facial de € 10,00 (dez euros) e três notas do B.C.E. com valor facial de € 5,00 (cinco euros), produto das vendas de estupefacientes então realizadas;
6. A mesma bolsa continha ainda os seguintes bens utilizados na venda de produtos estupefacientes:
i. Um telemóvel da marca SAMSUNG, Modelo S8, de cor preta e sem IMEI;
ii. Três telemóveis da marca “NOKIA”, dois de cor preta e um de cor azul;
iii. Uma bateria de telemóvel, marca “NOKIA”, de cor preta;
iv. Duas facas, uma prateada e outra com cabo de madeira.
7. Na aludida bolsa o Arguido detinha ainda:
i. Um pedaço de canábis, em folhas e sumidades, com um peso líquido total de 0,278 gramas, com um grau de 8,1THC, quantidade insuficiente para completar uma dose média individual diária;
ii. Uma chave pertencente a um veículo automóvel não identificado, propriedade de um individuo não concretamente apurado.
8. As quantias monetárias apreendidas ao arguido provinham da venda de produto estupefaciente a terceiros, correspondendo ao lucro obtido pelo arguido com a referida actividade.
9. Também os telemóveis apreendidos ao arguido eram pelo mesmo utilizados nos contactos que encetava de molde a desenvolver a actividade de venda de produto estupefaciente a terceiros.
10. O arguido conhecia a natureza estupefaciente das substâncias que guardava consigo, que já tinha vendido e pretendia continuar a vender a terceiros, em comunhão de esforços e vontades com o segundo indivíduo não identificado.
11. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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12. O Arguido deslocou-se propositadamente no aludido período desde a zona suburbana de Lisboa, onde reside, para proceder à venda de produto estupefaciente.
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13. JOT nasceu em …………de 1989, em ………….
14. Deslocou-se para Portugal em 2007, onde já se encontravam os seus progenitores.
15. O Arguido, antes de se encontrar detido, vivia com os seus progenitores, em casa destes, bem como com a sua namorada.
16. O seu progenitor é pedreiro, auferindo cerca de 700,00 € (setecentos euros), mensais.
17. A sua mãe trabalhava como empregada de limpeza, encontrando-se de baixa há cerca de 3 (três anos), auferindo cerca de 100,00 ou 200,00 € cem ou duzentos euros de subsídio.
18. O seu progenitor suporta cerca de 400,00 € (quatrocentos euros), mensais de empréstimo bancário.
19. O Arguido trabalhava como pintor de automóveis, sem contrato de trabalho, auferindo cerca de 700,00 € (setecentos euros), por mês.
20. O Arguido não tem filhos ou dependentes a seu cargo.
21. A sua namorada encontra-se a trabalhar como repositora de stocks em supermercado, auferindo ordenado não concretamente apurado.
22. O Arguido completou o 9.º ano de escolaridade completo.
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23. O Arguido foi condenado por sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, JL P. Criminalidade, proc. …./15.4PFSNT, proferida em 02 de Novembro de 2015, transitada em julgado em 04 de Dezembro de 2015, pela prática, em 01 de Novembro de 2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 € (sete euros), o que perfaz o montante global de 420,00 € (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, tendo a primeira sido convertida em prisão subsidiária, descontado o dia de detenção e 350,00 € (trezentos e cinquenta euros) pagos, extinta por referência a 24 de Fevereiro de 2019, a segunda declarada extinta por referência a 13 de Fevereiro de 2017.
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2.1.2. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa, nomeadamente que:
a) O Arguido dedicava-se à compra para posterior revenda de produto estupefaciente
b) O Arguido iria auferir 200,00 € (duzentos euros), pela venda do aludido produto estupefaciente;
c) Os bens referidos em 6. e 7. foram adquiridos com o produto da venda de estupefacientes;
d) A chave referida em 7. foi utilizada na venda de produto estupefaciente.
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2.1.3. Motivação
O Tribunal formou a sua convicção do conjunto da prova produzida, nomeadamente:
a) Nas declarações dos militares da GNR que relataram a operação de fiscalização que encetaram, com vista a surpreender os traficantes que pressentiram no local e recorrentemente se encontram na zona da …../………...
Assim, JC e DS explicaram a operação, em termos coincidentes, referindo que avistaram rodados de veículo recentes, no pavimento, suspeitando desde logo de actos de tráfico de estupefacientes, atenta a zona onde se encontravam, que não é conhecida por qualquer outra actividade, seguindo no seu encalço, tendo visto dois indivíduos apeados junto de um carro.
Quando foram avistados pelos aludidos indivíduos, estes colocaram-se em fuga apeada, tendo as testemunhas seguido no seu encalço, até ao momento em que se separaram, decidindo as mesmas seguir um deles, o Arguido, acabando por o interceptar. Referem igualmente que o individuo atirou um saco para o chão, durante a fuga, que apuraram, de acordo com os testes rápidos, conter produto estupefaciente. Mais confirmaram as restantes apreensões, nos termos constantes dos autos de fls. 27 a 30. Tal relato encontra-se em perfeita consonância com o auto de notícia de fls. 15 e 16.
O Arguido quis prestar declarações, confirmando apenas o insofismável: o produto estupefaciente encontrava-se na sua posse e destinava-o à venda a terceiros.
Mais refere que lhe foi cedido por um individuo que lhe ia pagar duzentos euros pela venda.
A sua versão em nada contribuiu para a descoberta da verdade, uma vez que o Arguido apenas admite o que já era conhecido pela sua detenção em flagrante delito, sendo que, nos relevantes pormenores desconhecidos, dá respostas evasivas, referindo apenas conhecer o individuo que lhe cedeu a droga pelo primeiro nome, não o conseguindo, rectius, querendo identificar por alguma forma, designadamente nome completo ou morada, negando igualmente conhecer o individuo que procedia à venda de produto estupefaciente consigo, e tão pouco conseguindo identifica-lo. No mais, apresenta uma versão menorizante da sua actuação, designadamente que aquele era o primeiro dia em que se tinha deslocado para vender droga, justificando tal facto com dificuldades financeiras que é incapaz de esclarecer, associadas a uma gravidez da sua companheira que não se encontrava sequer confirmada.
Ora, esta versão não é credível, afigurando-se que, encontrando-se os dois indivíduos junto da viatura, dos pretensos compradores, naquele local, teriam necessariamente de actuar em conjunto, não sendo crível que estivessem a fazer concorrência um ao outro, pacificamente, no mesmo local.
Admite que 165,00 € do dinheiro que possuía provinham da venda de produto estupefaciente e que o telemóvel Samsung era da sua pertença. Todavia, face à versão menorizante que o Arguido apresenta, não é possível concluir que apenas os 165,00 € provinham da venda de produto estupefaciente ou que um dos telemóveis que possuía não se destinava ao tráfico. Naquele local (associado ao tráfico de produtos estupefacientes, com conhecido efeito criminógeno), com a aludida quantidade de droga, a referida quantidade de dinheiro, em notas iguais ou inferiores a 20,00 €, tem de se concluir, de acordo com as regras da experiencia comum, que constituem o produto da venda. De igual modo, a aludida quantidade de telemóveis e baterias apenas é justificada pela actividade de tráfico. O mesmo deve ser dito da presença das duas facas, que seriam destinadas a ajudar no corte do produto, em caso de necessidade.
No que respeita à chave da viatura, o Arguido nega que seja da sua propriedade, inexistindo qualquer elemento que permita relacioná-la ou ao respectivo veículo, com a actividade de tráfico.
Assim, face aos aludidos elementos, provou-se que o Arguido se dedicou, desde data não concretamente apurada, venda de produto estupefaciente, designadamente aquele que possuía no aludido dia, a terceiros, fazendo uso dos aludidos objectos, em conjugação de esforços e intentos com outro indivíduo.
Atribuiu-se, contudo, credibilidade à sua versão, de que é um mero vendedor e não o proprietário do produto estupefaciente, face às regras da experiencia comum, e ao conhecido fenómeno de venda de droga no aludido local, sempre com as mesmas características.
Com efeito, como referido pelos militares, tal zona é conotada com o tráfico de estupefacientes, sendo, também, segundo os inúmeros julgamentos já feitos sobre circunstâncias semelhantes, o perfil dos vendedores o mesmo: jovens, cabo-verdianos, recrutados de entre as zonas suburbanas de Lisboa, normalmente oriundos de famílias com dificuldades económicas, que se deslocam propositadamente para fazer venda apeada e que são facilmente substituídos em caso de detenção. Deste modo, não é crível que o Arguido fosse o proprietário da droga e que os proveitos totais se destinassem a si, mas sim que estivesse no final da cadeia de distribuição, sendo apenas um dos fungíveis vendedores, logo substituídos por outros, assim que se procede à sua detenção. Todavia, também o montante que o mesmo referiu auferir se afigura demasiado baixo para o risco associado, pelo que tão pouco se julgou provado.
No que tange à natureza, grau de pureza e quantidade dos produtos estupefacientes apreendidos, teve-se em consideração o exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, constante de fls. 168.
No que respeita ao facto 2., para além de facto notório na área da comarca, o mesmo foi dado como provado com base no depoimento dos militares da GNR, os quais esclarecerem a zona da …………. é reconhecida desde há muitos anos na região centro como um “supermercado de droga”. No referido local a prática de actos de tráfico de droga, designadamente heroína e cocaína, ocorre praticamente de forma diária.
Face a todo o circunstancialismo e à gravidade do comportamento bem como à elevada censurabilidade social da sua conduta, resta concluir que o Arguido, em tudo agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei, não se abstendo de o praticar.
b) As condições pessoais e de vida do Arguido consideraram-se provadas com base nas suas declarações, inexistindo razões para as censurar nesta matéria.
c) Em relação aos antecedentes criminais, teve-se em consideração os certificados de registo criminal do Arguido, constantes electronicamente dos autos sob a referência 89158494.
d) A factualidade não provada decorreu da análise supra exposta, sendo que não resultou provado que os bens referidos em 6. e 7. foram adquiridos com o produto da venda de estupefacientes, nem que a chave referida em 7. foi utilizada na venda de produto estupefaciente, uma vez que inexiste qualquer elemento de prova nesse sentido.”.

2.2 - O registo magnetofónico da prova permite, no que respeita ao recurso da decisão final, ao tribunal de recurso além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente o pretenda e dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P., o que não ocorre no caso “sub judice”, pois que, o arguido não pretende impugnar a matéria de facto) apreciar as questões de direito avançadas pela recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas.
Nestes casos, o recurso aprecia as questões de direito avançadas pelo recorrente e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E, dentro destes parâmetros, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, quer a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, dir-se-á que sendo o objecto de um recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, no caso dos autos, dado o conhecimento oficioso dos vícios indicados no art. 412º n.º 2, do C.P.P., as questões que a recorrente coloca são as seguintes:
a) Errada subsunção da conduta da Recorrente, devendo sê-lo na previsão do no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25°/a) do DL 15/93, de 22/01.
b) Errada graduação da medida da pena. Equacionando, também, a suspensão da sua execução.

2.4 - Conhecimento das questões dos recursos
2.4.1 - O recorrente, como se verifica da sua motivação de recurso e das respectivas conclusões, questiona a subsunção dos factos ao direito, entendendo que a mesma é errónea, devendo sê-lo na previsão do no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25°/a) do DL 15/93, de 22/01.
“Adianta-se que o acórdão recorrido não violou, prima facie, o disposto nos artigos 25º, do D.L.15/93, de 22/01, já que, atenta a matéria de facto dada como provada, não era neste tipo privilegiado que deveria ter enquadrado a sua actuação, e sim no artigo 21º do mesmo diploma legal, como o fez.
Pois que, como, de seguida desenvolveremos, a ilicitude do facto não se mostra consideravelmente diminuída, nem as circunstâncias decisivas demonstram a pequenez da quantidade de droga apreendida, entre outras.
Vejamos às disposições legais!
Art. 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/1 (tráfico e outras actividades ilícitas).
“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”
Art. 25º (tráfico de menor gravidade).
“Se nos casos dos art. 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
b) Prisão até dois anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”
O art. 21º, do DL n.º 15/93 define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime.
Trata-se de um crime de perigo, abstracto ou presumido, pelo que, para a sua consumação, não se exige a verificação de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública, na dupla vertente física e moral), como patenteiam os vocábulos definidores do tipo fundamental - «cultivar», «produzir», «fabricar», «comprar», «vender», «ceder», «oferecer», «detiver».
Por sua vez, o art. 25º, do mesmo DL n.º 15/93, estabelece um tipo privilegiado de tráfico.
O citado art.º 25º, cuja normação vem avocada pela recorrente, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração conjunta dos diversos factores, alguns dos quais o preceito enumera, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados) - e assim, tal como não basta para se configurar este tipo privilegiado de crime a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que se não verifique, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.
«Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25º, do DL n.º 15/93, haverá de se proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras» Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 7-12-99 (Proc. 1005/99).
«A tipificação do art. 25º, do DL n.º 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar» Acórdão, do Supremo Tribunal de justiça, de 15-12-00 (Proc. 912/99).
O elemento "quantidade" não é suficiente, por si só, para a qualificação do tráfico como "de menor gravidade", é um dos elementos a que o art.º 25° do DL 15/93 de 22/01 determina a que se atenda para que a ilicitude do facto se revele como "consideravelmente diminuída", concomitantemente com outros que ali se enumeram, a título exemplificativo, tais como, os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção e, em especial, a "qualidade"- das plantas, substâncias ou preparações - aferida esta em função da maior ou menor perigosidade.
Resumindo, como já referido, a previsão contida no art. 25º, do DL n.º 15/93, representa um tipo privilegiado relativamente ao tipo-de-ilícito figurado no art. 21º, do mesmo DL, e o que privilegia o delito é a diminuição sensível, ponderosa, da ilicitude, revelada em factos relativos, por exemplo, aos meios utilizados, à modalidade e circunstâncias da acção, à qualidade ou à quantidade do produto empossado.” (AC. TRE, de 15/11/2016, por nós relatado, proferido no processo n.º 64/14.0GHSTC.E1).
No caso “sub judice”, como já afirmado, o arguido/recorrente, pretende a subsunção aos factos na previsão do art. 25º, da aludida Lei.
Contudo, dos factos provados, como se mencionado, na sentença recorrida, a conduta do arguido/recorrente não pode ser subsumível, ao tráfico de menor gravidade, porquanto, da factualidade provada, “constata-se que o arguido agiu mediante acordo prévio, em conjugação de esforços e vontades, com a intenção de vender a terceiros as substâncias cuja natureza estupefaciente bem conhecia, com um segundo individuo, designadamente:
- Quarenta e oito embalagens, contendo heroína, com um peso líquido total de 171,233 gramas, com um grau de pureza de 8,3%, quantidade suficiente para 142 (cento e quarenta e duas) doses médias individuais diárias;
- Uma embalagem, contendo cocaína (éster met.), ainda em pedra, com um peso líquido de total de 19,689 gramas, com um grau de pureza de 35,6%, quantidade suficiente para 233 (duzentas e trinta e três) doses médias individuais diárias.
- Um pedaço de canábis, em folhas e sumidades, com um peso líquido total de 0,278 gramas, com um grau de 8,1THC, quantidade insuficiente para completar uma dose média individual diária;
Tais actos materiais, detenção dos referidos produtos e colocação à venda, integram, desde logo, a previsão do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A, I-B e I-C.
A diversidade e quantidade de produto estupefaciente que o Arguido detinha (142 doses de heroína e 233 de cocaína) apontam para uma ilicitude que se reconduz ao tipo matricial.
Note-se que o Arguido e o outro individuo detinham tal produto estupefaciente a mais de 120 km da sua habitação, num local com o qual não possuem qualquer contacto.
Tais factos por si, e independentemente de outras considerações sobre a droga apreendida, transmitem uma ideia clara de que a actividade ilícita exercida pelo Arguido se situa num patamar relevante e distante de uma organização de modesta ou mediana dimensão.
Não é menos verdade que a cocaína e a heroína são drogas duras e, por isso, é elevada a sua danosidade, o que significa que o desvalor de acção é acentuado, que pretendiam ser distribuídas a uma grande quantidade de consumidores (não olvidando o produto da venda já obtido), o que colocava em causa a saúde de várias pessoas e torna também relevante o desvalor de resultado. Com efeito, a conduta de venda é aquela que tem uma maior potencialidade ofensiva do bem jurídico.
Assim, entendemos que a factualidade descrita no libelo acusatório é, por si só, suficiente para preenchimento do tipo de ilícito previsto pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.”
Por conseguinte, e uma vez que o arguido, sem para tal estar autorizado, detinha na sua posse, destinando-as a venda, substâncias estupefacientes previstas na Tabela I (mais especificamente, Tabelas I-A, I-B e I-C), a sua conduta integra-se nas modalidades de acção contidas na previsão abstracta do crime previsto no artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
Por outro lado, atenta a relevante quantidade de produtos estupefacientes - 142 doses de heroína e 233 de cocaína - encontrados na posse do arguido, a natureza de tais estupefaciente, bem como o demais circunstancialismo provado, indiciador de urna actuação profissionalizada por parte do arguido, a impor ligações a circuitos de distribuição, é de concluir que a ilicitude do facto não é consideravelmente reduzida, sendo de afastar, de forma inequívoca e manifesta, a inserção da conduta do arguido no tipo legal objectivo do crime de tráfico de menor gravidade, previsto pela alínea a), do artigo 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Efectivamente, estamos perante um quadro que não consente que falemos em ilicitude consideravelmente diminuída, razão por que a conduta do arguido cai na previsão do citado art.º 21º do DL 15/93, atendendo à quantidade e natureza do estupefaciente, e do modo de actuação do arguido, que indica uma actuação profissionalizada, com intuito lucrativo, é de concluir que a ilicitude do facto não é consideravelmente reduzida, sendo de afastar a qualificação dos factos como integradores da prática do crime previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro
Concluindo, neste segmento do recurso, falece razão ao recorrente.

2.4.2 - Incorrecta determinação da medida da pena.
Nas suas conclusões insurge-se o recorrente quanto à pena que lhe foi aplicada em concreto.
Na presente situação estamos perante um facto típico que tutela o bem jurídico saúde pública, cujo grau de ilicitude se situa num grau elevado (basta considerar a destruição de seres humanos derivado ao consumo de drogas).
Nos termos do art. 40° n.º 1 do Código Penal a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez o n.º 2 da disposição legal referida estatui que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O art. 71º n.º l do C Penal refere que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 do mesmo artigo estipula que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Como refere Germano Marques da Silva (DPP, V 01. 1ll/130) a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena.
O referido art. 71º n.º 2, indica as circunstâncias comuns que determinam a agravação ou atenuação da pena concreta dentro dos limites da penalidade. Esta indicação é feita a título exemplificativo sem indicar quais as circunstâncias agravantes e quais as atenuantes.
O valor de cada circunstância só pode determinar-se perante cada facto concreto.
A circunstância indicada na al. a) do n.º 2, do art. 71 (O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente) engloba todas as circunstâncias relativas ao facto ilícito.
Importa atender logo ao grau de ilicitude do facto, à maior ou menor gravidade do ilícito considerando-se o modo de execução (quando não constitui elemento essencial do crime), a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
O limite máximo e mínimo da pena, a aplicar, situa-se entre:
- Os de 4 a 12 anos de prisão.
Este tipo de crime causa gravíssimos problemas de saúde pública e social em geral. Estamos perante um facto típico que tutela o bem jurídico saúde pública, cujo grau de ilicitude se situa num grau elevado.
A gravidade dos factos ilícitos praticados denota um elevado grau de culpa.
O comportamento ilícito do recorrente é sem sombra de dúvidas sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela ordem jurídica, fazendo perigar as expectativas dos restantes presidiários e da comunidade, em geral, na eficácia do ordenamento jurídico (prevenção geral).
As exigências de prevenção geral são relevantes atenta a natureza do ilícito em causa, que nos tempos que correm, dentro dos tipos legais de crimes, é seguramente dos que causa maior repulsa social, face aos malefícios que potencia.
No caso concreto, na fixação concreta das penas considerou-se que:
“No que respeita ao grau de ilicitude, a imagem global do ilícito reconduz a mesma a um ponto próximo do mínimo do tipo matricial. Com efeito, apesar de, entre as condutas típicas, o Arguido proceder à venda do produto estupefaciente que possuíam – o que constitui uma das condutas com maior potencialidade ofensiva do bem jurídico – a verdade é que diversidade e quantidade de produto estupefaciente que o Arguido detinha, ainda associada aos montantes originados pelas vendas anteriores, e o modo de execução, deslocando-se propositadamente ao longo de mais de uma centena de quilómetros para proceder ao tráfico de estupefacientes, sem manter qualquer ligação relevante à região de Sines, fazendo uso de vários telemóveis, apesar de demonstrativo de um nível de organização com alguma relevância, considerando a abrangência do tipo e o nível da pena abstractamente aplicável, não pode deixar de ser reconduzido também a um ponto inferior. Entendemos assim que, não obstante a imagem global do ilícito extravase o patamar do tráfico de menor gravidade, não deixa de se reconduzir a um patamar inferior do tipo principal.
O Arguido actuou a título doloso, na sua modalidade mais gravosa.
Ao nível da culpa deve ter-se em conta a ilicitude da conduta e relevar-se também a actuação dolosa, pelo que, tendo o Arguido apenas antecedentes criminais pela prática de um crime rodoviário, afigura-se que a culpa se situa também num ponto inferior ao médio por referência uma vez mais às condutas típicas do tipo matricial.
No que respeita às exigências de prevenção especial, deve ser ponderado que o Arguido se encontra familiarmente inserido e também, embora de forma precária, profissionalmente, o que não o impediu de praticar o crime.
Ao nível das exigências de prevenção especial é de notar que o Arguido apresenta antecedentes criminais pela prática de um crime rodoviário, sem conexão com aquele em análise, tendo-lhe sido aplicada pena de multa.
De igual modo, em termos de prevenção especial, não é de desconsiderar o elevado rendimento que o crime de tráfico proporciona em troca de reduzido esforço e investimento, o que potencia de sobremaneira a reincidência, pairando sobre o Arguido a tentação de retomar o nível de vida proporcionado pelos rendimentos advenientes da actividade ilícita, ainda mais, quando aquele, atenta a sua idade e escolaridade, tem reduzidas hipóteses de ingressar no mercado de trabalho de maneira estável e com um rendimento semelhante.
O Arguido confessou parcialmente os factos, todavia, numa situação de flagrante delito, como aquela sob análise, tal confissão tem reduzido valor atenuante.”
Tudo ponderado afigura-se justo adequado e proporcional a aplicação, ao arguido, de uma pena de 4 anos e 4 meses de prisão, conforme foi imposto.
Este valor é muitíssimo próximo do mínimo legal. A fixação deste seria injustificada, dado todos os factores e circunstancialismo apontados.

2.4.3 - Por fim, invoca o recorrente que a pena deveria ter sido suspensa na sua execução.
Contudo, não lhe assiste razão.
Efectivamente, tal como já afirmado, a pena imposta ao arguido mostra-se já devidamente analisada e graduada, nos termos constantes da alínea anterior para a qual remetemos.
A redacção atribuída ao citado preceito, pela citada Lei n.º 59/07, de 04/09, preceitua que, "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura de facto e a ameaça da prisão realizou de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Desde logo, a pena aplicada não ultrapassa esse limite máximo, o que não afasta a verificação desse pressuposto de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Todavia, dir-se-á que para a concessão da suspensão da pena devem verificar-se os pressupostos expressos no n.º 1, do primeiro preceito supra aludido e partir-se de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através da vida futura ordenada e conforme à lei.
Portanto, os requisitos da aplicação da medida de suspensão da execução da pena de prisão, relaciona-se, para além do limite máximo de 5 anos, com: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias deste e o poder concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastá-lo da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação do crime. Isto é, na sua base deverá estar uma prognose (termo utilizado por H. H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Vol., pág. 1153) social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência séria à sua conduta e que não voltará a cometer novos factos ilícitos da mesma natureza.
Ora, da factualidade provada não se pode admitir tal prognose, pois que, não há a imprescindível a formulação de um juízo de prognose social favorável que permita esperar que essa pena de substituição reintegre o agente na sociedade, mas também, defenda os bens jurídicos, os fins visados pela pena.
Como se refere na sentença recorrida: “As fortes exigências preventivas, sobretudo as de prevenção geral, que o crime de tráfico de estupefacientes suscita não ficam, adequada e suficientemente, satisfeitas com a simples ameaça da pena e isso justifica que, normalmente, as penas de prisão sejam efectivas.
Apesar de, muitas das vezes e como sucede no caso vertente, estarmos perante indivíduos recrutados nos estratos sociais mais baixos da população e com dificuldades económicas (e que não integram a organização que, normalmente, está por detrás da operação de importação e transporte da droga) não pode ignorar-se que é precisamente através deles que a droga entra no circuito de consumo.
No caso particular a actuação do Arguido tem lugar numa zona conotada desde há vários anos com o tráfico de droga, um autêntico supermercado de drogas duras, com uma repercussão que se alarga aos municípios vizinhos. Ascendem a várias dezenas os julgamentos que nos últimos anos tiveram por objecto o crime de tráfico de estupefacientes na zona da …., sendo que as penas suspensas aplicadas ao longo dos anos a arguidos normalmente primários, não surtiram qualquer efeito de prevenção geral.
Deve notar-se que actuação do Arguido contribui de forma decisiva para difusão rápida e eficiente das drogas junto dos consumidores, o que constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição se mostra essencial para dificultar (tendencialmente sustar) a circulação das drogas e a manutenção do referido mercado de droga, o que apenas será alcançado com a aplicação de penas de prisão efectivas.
De facto, a actuação do Arguido contribui de forma essencial para que se mantenha activa a actividade de tráfico de droga numa determinada zona, amplamente conhecida pela comunidade e, precisamente por isso, induz um acréscimo de razões de prevenção geral de intimidação, razão pela qual que a pena de prisão efectiva se mostra indispensável para que não sejam colocadas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias, não suportando mais a sociedade que uma determinada zona suburbana, às portas de …….., seja amplamente associada e reconhecida por todos, com uma reputação que excede as fronteiras do município, como um local de tráfico de drogas duras, cujas forças de justiça, apesar do seu insofismável conhecimento, são incapazes de sustar, sendo os traficantes benevolamente agraciados com penas suspensas, vistas pela sociedade como absolvições encapotadas, uma vez que permitem a manutenção em liberdade dos (já de si poucos) infractores que se deixam surpreender pela actuação das forças policiais e potenciam o sentimento de confiança na não punição da conduta prevaricadora com pena de prisão efectiva por parte de todos aqueles que continuarão a ser aliciados e a aceitar tais propostas, sendo que a continuação da aplicação de penas de prisão suspensas na sua execução faz com que o risco associado a uma – já de si longínqua – ideia de punição seja amplamente superado pelos enormes proveitos económicos associados à actividade de tráfico de droga, acabando assim os Tribunais por estimular a perpetuação do flagelo de tráfico de droga na zona da Barbuda.”
Portanto, as circunstâncias da prática de crime, com organização, rede de contactos, explorando três tipos de estupefacientes, entre os quais a heroína e a cocaína, a suspensão da pena de prisão não realização as finalidades da punição que só podem ser atingidas com o cumprimento de pena de prisão efectiva.
Em face do exposto, a execução da pena não pode ser suspensa.
Mesmo nos casos, como o “sub judice” em que a pena de prisão aplicada não é superior a cinco anos, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não colocam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.
Sendo aqui particularmente pertinente a judiciosa reflexão constante do Acórdão do S.T.J. de 06.02.08 publicado na base de dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200802060001013: "o crime matriz de tráfico foi balizado em matéria de punibilidade pelo legislador de 1993 de modo a impedir a aplicação de pena de Suspensão da execução da prisão, mediante afixação do limite mínimo da pena aplicável em 4 anos de prisão, sendo certo que as circunstâncias que conduziram o legislador penal àquela solução, decorrentes das necessidades de prevenção geral, se mantêm integralmente, ou se têm mesmo acentuado; é de concluir que, não se estando, no caso concreto, perante situação de menor ilicitude e em que o sentimento de reprovação se mostre esbatido, antes face a uma situação comum de tráfico, há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.”
Concluindo, improcedem, assim, a totalidade das pretensões do recorrente, não se mostrando verificada qualquer nulidade ou violação de preceitos legais, nomeadamente, os invocados art.ºs 25° do D.L. n.º 15/93 de 22 de Janeiro, 40°, 50° e 71° do C. Penal.


III - Decisão
Em face do exposto, pelos fundamentos indicados, acordam em declarar improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, em cinco UCs e demais acréscimos legais
(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas - art. 94 n.º 2 do CPP -).
Évora, 09/06/2020
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(Maria Isabel Duarte de Melo Gomes)

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(José Maria Simão)