Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
342/16.3T8ALM-B.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
REQUISITOS
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Só o documento que, por si só, possa inequivocamente fazer a prova de facto inconciliável com a sentença a rever, pode servir de fundamento ao recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário, dado que só em casos extremos, por imperativos de justiça, é possível sacrificar a intangibilidade do caso julgado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 342/16.3T8ALM-B.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) veio, ao abrigo do disposto no art. 696º, alínea c), do C.P.C., interpor recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no procedimento cautelar a que estes autos se mostram apensos contra (…), (…), (…) e (…).
Para tanto, alegou que, na sequência da partilha de divórcio por mútuo consentimento efectuada entre si e o seu ex-marido, (…), adquiriu os três prédios rústicos melhor discriminados no seu requerimento inicial, prédios estes que foram objecto dos autos a que estes se mostram apensos sem que tivesse sido chamada a intervir nos mesmos. Uma vez que a decisão proferida nos autos de procedimento cautelar a que estes se mostram apensos reconheceu (…) como dono e legítimo proprietário dos referidos imóveis, por via do instituto da usucapião, entende a recorrente que tal decisão deverá modificada, atento o teor dos documentos ora juntos aos autos, devendo a mesma ser considerada como legítima proprietária dos três imóveis em causa.
Notificados os requeridos, apenas (…) se veio a pronunciar, nos termos do disposto no art. 699º, nº 2, do C.P.C.
Assim, veio este reiterar os factos já alegados no requerimento inicial do procedimento cautelar, ou seja, em suma, que tem a posse pública, pacífica e de boa fé dos prédios aqui em questão há mais de 27 anos, sempre na convicção que os mesmos lhe pertenciam por os ter adquirido e pago a (…), que na ocasião interveio por si e como legal representante da recorrente. Para além disso, entende que os documentos ora trazidos aos autos pela recorrente não colidem com o direito por si reclamado, na medida em que o registo de aquisição apenas constitui presunção a favor do titular inscrito, presunção esta que ilidível e que, por isso, pode ser afastada, não comprovando, deste modo, definitivamente o direito de propriedade de que se arroga a recorrente. Conclui pugnando pela absolvição do pedido e, bem assim, pela condenação da recorrente como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor do recorrido em valor nunca inferior a € 2.500,00, bem como, no pagamento dos honorários devidos ao mandatário do recorrido.
Notificada, veio a Recorrente pugnar pela absolvição do pedido de condenação como litigante de má fé.
De seguida, uma vez que se considerou que os autos dispunham de todos os elementos necessários à apreciação do presente recurso de revisão, conforme impõe o disposto no art. 700º, nº 1, do C.P.C., foi proferida decisão pelo Julgador “a quo”, a qual negou provimento ao presente recurso de revisão, por total falta de fundamento, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Inconformada com tal decisão dela apelou a requerente para esta Relação, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo considerou, in casu, existir falta de fundamento para o recurso de revisão e que “não foi alegada a adopção de qualquer conduta pela aqui Recorrente que levasse (…) a deduzir o referido procedimento cautelar também contra esta. Em suma, nenhum facto foi alegado no sentido de a mesma assumir a qualidade de Requerida naquele procedimento cautelar.”;
2. O que, salvo melhor opinião, não pode proceder, uma vez que a conduta mais evidente para que o Recorrido (…) deduzisse o procedimento cautelar contra a Recorrente (…) é o facto evidente, e do conhecimento dos Recorridos, principalmente do (…) e do (…) de a Recorrente (…) ser a dona, legítima e única proprietária dos imóveis em causa nestes autos;
3. Sendo evidente que o procedimento cautelar devia de ter sido deduzido única e exclusivamente, contra a aqui Recorrente;
4. Pelo que, é igualmente evidente e manifesta a intenção do Requerente (…) fazer seus os mencionados imóveis, induzindo em erro e engano o Tribunal por onde correu termos o procedimento cautelar, quando bem sabe que os imóveis supra mencionados não lhe pertencem e são propriedade da Recorrente;
5. Facto esse que o Tribunal não considerou e que só por si modifica a decisão proferida;
6. O facto de a aqui Recorrente não ter sido parte nesses autos, impossibilitou-a de contradizer os factos alegados, violando assim o princípio elementar do contraditório, previsto no n.º 3 do art.º 3º do Cód. Proc. Civil;
7. Nem pôde juntar aos autos os documentos, que comprovam a propriedade, nomeadamente as certidões prediais actualizadas, e que se juntaram com o recurso de revisão;
8. Documentos que já constavam no processo anterior, mas estavam desactualizados;
9. Os mencionados documentos já haviam sofrido alterações substâncias que, deliberadamente pelos Recorridos, não foi dado conhecimento ao Tribunal;
10. E que ao serem considerados pelo Tribunal devidamente actualizados, só por si modificam a decisão proferida no âmbito dos autos do procedimento cautelar;
11. Desde logo, porque ao ser a Recorrente (…) a única e legítima proprietária dos mencionados imóveis, os mencionados autos só deveriam ter corrido termos contra si;
12. Até porque é ilegal e violador dos demais elementares princípios a discussão de qualquer direito sobre qualquer bem sem que seja dada a possibilidade do contraditório à parte contrária, ou seja, ao outro interessado ou pessoa que verá o seu direito reduzido ou afectado, in casu, o direito de propriedade da aqui Recorrente;
13. Pelo que, não se pode aceitar e compactuar com a decisão dos autos do procedimento cautelar e com a negação de provimento do presente recurso de revisão de sentença;
14. Pelo que, deverá ser admitido o prosseguimento do recurso de revisão de sentença e, consequentemente, seja a decisão dos autos do procedimento cautelar alterada no sentido mais favorável à Recorrente (…);
15. Não obstante as certidões prediais dos imóveis já constarem do processo, estavam desactualizadas;
16. Por outro lado, o mencionado recurso de revisão tem de ser admitido uma vez que, o litígio do procedimento cautelar, assenta sobre um acto simulado pelos Recorridos;
17. Acto simulado que o Tribunal a quo não se apercebeu;
18. Tendo o mesmo sido criado com o intuito de prejudicar o direito de propriedade da Recorrente (…) e de favorecer o Recorrido (…);
19. Não sendo verdade que, ao contrário do alegado pelo Requerente do procedimento cautelar, a existir uma posse, a mesma fosse pacífica e de boa-fé;
20. Prova disso são os recorrentes processos judiciais que têm existido e onde se discutiu o alegado direito de propriedade do Requerente do procedimento cautelar, (…), sobre os vários imóveis;
21. Tendo o presente litígio sido assente sobre um acto simulado pelos Recorridos (…) e (…);
22. Pelo que por todo o supra exposto, deverá ser considerado procedente o recurso de revisão da decisão proferida nos autos do procedimento cautelar;
23. E a decisão modificada no sentido de considerar como única e legítima proprietária dos três imóveis em causa a aqui Recorrente (…) e não o Requerente (…). Como, aliás, é de inteira Justiça.
Pelos requeridos não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela requerente, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das questões de saber, por um lado, se os documentos juntos aos autos pela aqui recorrente são susceptíveis de, por si só, rever a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar a que este processo se mostra apenso e, por outro lado, se o litígio em causa assenta sobre um acto simulado praticado entre os requeridos (…) e (…), devendo a decisão proferida no âmbito do referido procedimento cautelar ser revista em conformidade.

Antes de apreciar as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever:
1. Em 11 de Março de 2003, no âmbito dos autos de inventário facultativo n.º 108692-B/1993, que correram termos na extinta 1.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, foi realizada conferência de interessados, na qual (…) e (…) acordaram em pôr termo ao inventário, tendo acordado, para além do mais, que as verbas números 7, 8 e 9 do activo da relação de bens eram adjudicadas à requerente (…).
2. Da relação de bens referida em 1. constam, para além do mais, as seguintes verbas do activo: “(…) Verba 7 Prédio rústico sito na Herdade dos (…) – Gleba (…) – inscrito na matriz sob o artº (…), Secção … a … (parte) e actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob a ficha …/021192 da freguesia das Fazendas de Almeirim, com o v.v. de 35.170$00; Verba 8 Prédio rústico sito na Herdade dos (…) – Gleba (…) – inscrito na matriz sob o artigo (…), Secção … a … (parte) e actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob a ficha …/021192 da freguesia das Fazendas de Almeirim, com o v.v. de 25.315$00; Verba 9 Prédio rústico sito na Herdade dos (…) – Gleba (…) – inscrito na matriz sob o artº (…) Secção … a … (parte) e actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob a ficha …/021192 da freguesia das Fazendas de Almeirim, com o v.v. de 41.653$00 (…)”.
3. Encontra-se registada pela Ap. (…) de 2016/09/09, a favor da Recorrente a aquisição do prédio rústico sito na Herdade dos (…) – Gleba (…) –, freguesia das Fazendas de Almeirim, concelho de Almeirim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob a ficha …/19921102 e inscrito na matriz sob o artº (…), Secção … a … (parte).
4. Encontra-se registada pela Ap. (…) de 2016/09/09, a favor da Recorrente a aquisição do prédio rústico sito na Herdade dos (…) – Gleba (…) –, freguesia das Fazendas de Almeirim, concelho de Almeirim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob a ficha …/19921102 e inscrito na matriz sob o artº (…), Secção … a … (parte).
5. Encontra-se registada pela Ap. (…) de 2016/09/09, a favor da Recorrente a aquisição do prédio rústico sito na Herdade dos (…) – Gleba (…) –, freguesia das Fazendas de Almeirim, concelho de Almeirim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob a ficha …/19921102 e inscrito na matriz sob o artº (…), Secção … a … (parte).

Começaremos, desde já, por analisar a segunda questão suscitada pela recorrente – saber se o litígio em causa assenta sobre um acto simulado praticado entre os requeridos (…) e (…), devendo a decisão proferida no âmbito do referido procedimento cautelar ser revista em conformidade – pois trata-se de questão nova, a qual, não obstante estar prevista na alínea g) do artigo 696.º do C.P.C., apenas foi levantada pela requerente na presente instância recursiva.
Ora, a requerente não suscitou tal questão em sede própria, nomeadamente quando apresentou o requerimento inicial nestes autos, não tendo carreado para o processo qualquer factualidade tendente a demonstrar o alegado acto simulado praticado entre os requeridos (…) e (…), pelo que o tribunal “a quo” não tinha – de todo – que se pronunciar sobre a dita questão.
Por isso, haverá que referir a tal respeito que se trata de uma “questão nova”, a qual, não foi suscitada anteriormente no processo pela recorrente.
Na verdade, relativamente à questão suscitada (e acima enunciada) não será demais repetir que, da análise dos autos, constata-se que a mesma nem sequer foi aflorada ou levantada pela requerente na petição por si deduzida, pelo que, nesta fase processual, não poderá esta Relação tomar conhecimento dela por ser uma “questão nova”, isto é, só agora invocada no presente recurso de apelação.
Com efeito, é entendimento unânime na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que o objecto do recurso é a decisão, ou seja, os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova, não sendo lícito às partes invocar nos recursos questões que não tenham previamente suscitado perante o tribunal recorrido (cfr., nesse sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 6/2/87, 12/6/91, 2/4/92, 3/11/92 e 7/1/93 in, respectivamente, BMJ 364, pág.719, BMJ 408, pág.521, BMJ 416, pág.642, BMJ 421, pág.400 e BMJ 423, pág.540 e, mais recentemente, o Ac. do STJ de 16/1/2002, Rev. nº3247/01, 4ª sec., Sumários, 57º).
Na doutrina é também este o entendimento, conforme resulta da lição de Castro Mendes, in “Recursos”, 1980, página 27 e, mais recentemente, de Armindo Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil”, 1992, págs.140 e 175.
Assim, temos que os recursos visam o reestudo por um Tribunal Superior de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal “a quo” e não a pronúncia pelo tribunal “ad quem” sobre questões novas.
Daí que, pelas razões e fundamentos acima expostos, é nosso entendimento que esta Relação não deverá tomar conhecimento da questão supra referida, uma vez que se trata de matéria que não foi suscitada pela requerente no tribunal “a quo”, sendo certo que, repete-se, esta bem o podia – e deveria – ter feito expressamente quando da apresentação do seu requerimento inicial nos presentes autos, o que, de todo, não fez, não se tratando também de questão que seja de conhecimento oficioso.
Assim sendo, forçoso é concluir que improcede, “in totum”, esta segunda questão suscitada pela requerente na presente instância recursiva.

Passando agora a apreciar a primeira questão levantada pela recorrente – saber se os documentos por ela juntos aos autos com o seu requerimento inicial são susceptíveis de, por si só, rever a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar a que este processo se mostra apenso – haverá, antes de mais, que referir a tal propósito que o recurso de revisão enquadra-se nos vulgarmente designados recursos extraordinários, o qual, nos dizeres de Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto” – cfr. C.P.C., Anotado, Vol. 3º, 2003, pág. 195.
E, no ensinamento de Alberto dos Reis, o recurso de revisão constitui “uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.
Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso dos inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença” – cfr. C.P.C. Anotado, vol. VI 1981, págs. 335/336.
Ou seja, o recurso de revisão, como ferramenta processual extraordinária que é, apenas a ela se pode recorrer nos apertados e fixados limites previstos no art. 696º do C.P.C.
E um de tais casos é o previsto na alínea c) deste preceito, segundo o qual o pode fundamentar a existência de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Deste modo, exige-se a existência de um documento novo, desconhecido da parte ou que dele não tenha podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão revidenda e que, por si só, possua virtualidades para modificar a decisão em sentido favorável ou mais favorável à parte vencida.
Colhendo, mais uma vez, os ensinamentos de Alberto dos Reis, a novidade do documento deve referir-se ao processo anterior, no sentido de aí não ter sido apresentado.
Complementarmente, exige-se que a parte dele não dispusesse nem dele tivesse conhecimento ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, pelo que é “necessário que à parte vencida tivesse sido impossível fazer uso do documento no processo em que decaiu. Se a parte tinha conhecimento da existência do documento e podia servir-se dele; se não o apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência” – cfr. ob. cit., pág.353.
Acrescentando o referido Mestre que se “a parte não teve notícia da existência do documento por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento (…) deve concluir-se que a parte não terá direito à revisão; se não teve conhecimento do documento foi porque não quis tê-lo; é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento. Ora na base do n.º 3 está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu”.
(…)
“O que é essencial é que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior” – cfr. ob. cit., pág. 354 e 355
Por último, o apontado carácter decisivo do documento em causa para a decisão a rever, para o que o julgador deverá relacioná-lo com o mérito da causa, indagando qual teria sido o êxito da mesma se o documento tivesse sido apresentado – cfr. ob cit., pág. 357.
Na verdade, como refere Amâncio Ferreira, o documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Terá de tratar-se de um documento decisivo. Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não se vê razão para se abrir um recurso de revisão – cfr. Manual Dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., págs. 341/342.
Analisados os pressupostos/fundamentos de viabilidade do recurso extraordinário de revisão, importa considerar os documentos em que a requerente, ora apelante, funda a sua pretensão recursiva, a fim de verificar se os mesmos preenchem os requisitos previstos na alínea c) do já citado art. 696º.
Como se constata do teor dos documentos juntos aos presentes autos trata-se de certidão relativa a uma conferência de interessados realizada, na qual a requerente e o seu ex-marido acordaram em pôr termo a processo de inventário, no qual para além do mais, consideraram que três imóveis constantes da relação de bens, aí devidamente identificados, eram adjudicadas à recorrente, bem como de certidões de registo a favor da recorrente da aquisição dos referidos três imóveis.
Ora, a decisão proferida nos autos de procedimento cautelar a que estes se mostram apensos reconheceu Silvestre Catroga como dono e legítimo proprietário dos três imóveis em questão, por via do instituto da usucapião, sendo certo que a tal não obstou o facto de estarem juntas a esses autos certidões de registo (não actualizadas), relativas à propriedade de tais imóveis (nas quais já constavam como proprietários a requerente e o ex-marido desta).
Isto porque, como é sabido, tais certidões de registo apenas fazem presumir que a recorrente é proprietária dos imóveis aqui em discussão (art. 7º do C.R.P.), sendo certo que tal presunção é ilidível, como, efectivamente, veio a ocorrer na decisão proferida na dita providência cautelar.
Assim sendo, os documentos juntos pela requerente neste recuso de revisão apenas fazem presumir que a mesma é proprietária dos três imóveis identificados nos autos, presunção essa que, face à restante prova carreada para a providência cautelar em questão, foi de todo afastada e, como tal, veio a julgar o aqui requerido, (…), como dono e legítimo possuidor dos três imóveis em causa, por os ter adquirido por usucapião.
Por isso, estamos com o Julgador “a quo” quando este, na sentença recorrida, afirmou, a dado passo, o seguinte:
- (…) A Mma. Juiz que proferiu a decisão revidenda deu como provados factos suficientes que preenchem os requisitos necessários à verificação de uma situação de aquisição originária da propriedade: a usucapião. A simples junção aos autos da certidão da acta de conferência de interessados realizada no âmbito do processo de inventário em que eram interessados a aqui Recorrente e o Requerido (…) e, bem assim, das certidões do registo predial de onde resulta que tais imóveis se encontram registados única e exclusivamente a favor da Recorrente (certidões estas que já tinham sido tidas em consideração anteriormente, pese embora desactualizadas, e tidas por irrelevantes) não são, só por si, susceptíveis de alterar a conclusão extraída pela Mma. Juiz, em face da factualidade que a mesma deu como provada.
Com efeito, o documento que se junte, para alicerçar a revisão, deve ser apto, por si só, a modificar a decisão transitada em julgado; o mesmo é dizer que dele deve emergir uma força probatória qualificada, auto-suficiente e impassível de destruição, defendendo alguns inclusive que se está aqui no domínio da prova legal e vinculada – da prova plena – à qual é, em absoluto, alheio qualquer tipo de julgamento de facto produzido pelo julgador, à luz da sua liberdade de apreciação (…), ainda que o julgamento – quanto ao pertinente documento – se bem que com reflexo no facto, seja de direito (neste sentido: LUÍS FILIPE BRITES LAMEIRAS, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Outubro de 2009, p. 294 e 295). Excluem-se, com esta limitação, da supra transcrita previsão normativa os casos em que o documento apenas quando conjugado com outros meios de prova, produzidos ou a produzir, seja susceptível de modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, bem como aqueles em que o documento pode, eventualmente, alterar um dos fundamentos em que se baseou a decisão, mas mantém intacto um outro que também lhe serviu de fundamento. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/01/2017, com o n.º de processo 39/16.4YFLSB, disponível in www.dgsi.pt.
Atendendo a que se trata de documentos já existentes à data da instauração do procedimento cautelar, os documentos não se mostram dotados de força probatória qualificada que, por si só, tenham a virtualidade de alterar a decisão revidenda em sentido mais favorável à ora Recorrente.
Em suma, entende-se que os documentos juntos pela Recorrente não são suficientes, só por si, para modificar a decisão proferida no âmbito dos autos de procedimento cautelar a que estes se mostram apensos.
Ora, a única questão que aqui se pretende apreciar e decidir é se os documentos ora juntos pela Recorrente são, por si só, suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, não sendo esta a sede própria para apreciação e discussão sobre a titularidade da propriedade dos imóveis supra referidos.
Analisado o requerimento apresentado pela Recorrente, ressalta que a mesma pretende, na verdade, ver reconhecido o seu alegado direito de propriedade sobre os imóveis em questão.
Contudo, conforme já referido, este não é o meio adequado para o efeito, como bem sabe a Recorrente, que inclusivamente já instaurou a competente acção judicial para o efeito (processo n.º 98/17.2T8ALR, que moveu contra o Requerente do procedimento cautelar a que estes autos se mostram apensos).

Deste modo, resulta claro que os documentos juntos neste recurso extraordinário de revisão não fazem prova de qualquer facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, que só por eles se verifique ter esta assentado numa errada averiguação de facto relevante para o julgamento de direito.
Assim sendo, não se mostra preenchido, de todo, o fundamento do recurso de revisão previsto no art. 696º, alínea c), do C.P.C., pelo que se conclui pela inexistência de fundamento para a requerida revisão da sentença proferida na providência cautelar a que estes autos estão apensos.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, irrelevam, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pela requerente, aqui apelante, sendo de julgar improcedente o recurso.
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Só o documento que, por si só, possa inequivocamente fazer a prova de facto inconciliável com a sentença a rever, pode servir de fundamento ao recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário, dado que só em casos extremos, por imperativos de justiça, é possível sacrificar a intangibilidade do caso julgado.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se inteiramente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pela requerente, aqui apelante.
Évora, 07-12-2017
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Canelas Brás
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).