Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
352/16.0T8MMN-A.E1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O ser um contrato formalizado por escritura pública não exclui a aplicabilidade ao seu clausulado do regime das cláusulas contratuais gerais plasmado no DL nº 446/85, de 25 de outubro.
2. O dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efetivo, do seu conteúdo.
3. O dever de informação, que pressupõe a efetivação da comunicação, dirige-se essencialmente à perceção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente.
4. A exclusão de cláusulas contratuais de um contrato de mútuo não implica necessariamente a nulidade desse contrato (art.º 9 do regime das CCG).
5. A interpelação do fiador para a liquidação das prestações em dívida é condição da exigibilidade das restantes prestações.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 352/16.0T8MMN-A.E1

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO:

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), Crl., veio (…) deduzir oposição à execução, mediante embargos, pugnando pela extinção da execução contra a mesma.

Alegou, para tanto, em suma, que:

- se desconhece se existiu o saldo utilizado no contrato de abertura de crédito;

- não se percebe qual o documento dado à execução;

- não é percetível qual a obrigação afiançada pela executada;

- a quantia exequenda não é certa, nem líquida nem exigível e não se mostra titulada;

- a decisão proferida no processo n.º 45/09.5TBRMZ constitui caso julgado, obstando ao prosseguimento da execução;

- se desconhece a data da interpelação e de resolução contratual, por ausência de notificações à embargante, pelo que é inoponível à executada o eventual incumprimento contratual;

- foram violados os deveres de informação e comunicação das cláusulas que compõem o contrato de mútuo por referência à embargante, para além de não lhe ter sido facultado um duplicado do respetivo contrato, pelo que é este contrato nulo;

- do título dado à execução não se extrai a taxa de juros remuneratórios e moratórios aplicável;

- do requerimento executivo não consta a data do início da contagem dos juros, sendo certo que se os mesmos respeitam há mais de cinco anos, estes encontram-se prescritos;

- a sobretaxa aplicável não pode exceder os 3%, pelo que na parte em que tal percentagem é ultrapassada, os juros encontram-se abusivamente calculados.

Notificada a exequente, veio esta apresentar contestação onde impugna a factualidade trazida aos autos pelos embargantes.

Finaliza, sustentando a improcedência dos respetivos embargos e consequentemente o prosseguimento da execução.

Procedeu-se à realização da audiência prévia, onde se fixou o valor da causa, proferiu-se despacho saneador onde se conheceu a exceção de caso jugado, julgando-se a mesma improcedente, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.

Realizou-se audiência final. Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente os presentes embargos de executado, e, em consequência, foi determinado o prosseguimento da execução nos termos legais.

Inconformado com esta sentença, veio a embargante interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedentes os Embargos de Executado da ora recorrente e que determinou o prosseguimento da Execução.

2- Em 29.07.2010 foi celebrado um acordo denominado “Crédito a Empresas” entre Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), Crl – mutuante, (…), Instalações Eléctricas, Lda. – mutuária e (…) e (…) – garantes;

3- Este contrato contém cláusulas contratuais gerais, sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo DL nº 446/85, de 25.10.

4- Quer quanto ao devedor principal quer também relativamente ao fiador, parte acessória ou secundária daquele contrato plurilateral, mas igualmente aderente.

5- “Os deveres de comunicação e de informação decorrentes da LCCG (artigos 5º e 6º), abrangem as cláusulas das quais resultam obrigações para o fiador, sendo irrelevante que as mesmas tenham como destinatário principal e originário o devedor principal (no caso os mutuários).”

6- A decisão do tribunal a quo integra as cláusulas contratuais gerais anexas ao contrato de mútuo no art.º 5º do referido diploma, cuja violação levará à sua exclusão por forçada al. a) do art. 8º da LCCG.

7- Acrescente-se, ainda, que “para efeitos da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, o dever de comunicação é distinto do dever de informação: aquele destina-se a dar a conhecer o conteúdo do contrato ao cliente, este visa que o cliente tome adequado conhecimento do conteúdo do clausulado, máxime quando este se mostre ambíguo ou obscuro. O dever de informação que impende sobre o predisponente - e a quem incumbe o ónus do respetivo cumprimento – é independente do dever de prestação de todos os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo cliente” acórdão TRL nº 928/13.8TJLSB.L1-7, de 28.04.2015.

8- Para além da subsunção das cláusulas contratuais gerais presentes no contrato de mútuo ao art. 5º do regime geral das cláusulas contratuais gerais, estas enquadram-se também no art.º 6º do referido diploma: “1- O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

9- “Atento o estatuído no artigo 8º, al. a) do DL 486/85, de 25.10, a sanção para as cláusulas que não tenham sido objeto de comunicação, antes referido, é a sua exclusão dos contratos singulares. E al. b) do mesmo diploma legal fulmina com a mesma sanção as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo.

10- Segundo o nº 2 do artigo 9º, os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número 1 do mesmo artigo, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé” O que já concluímos acontecer, tendo havido um “desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé”.

11- Contrato de mútuo celebrado em 29.07.2010 é nulo como são nulas todas as cláusulas contratuais do contrato de muto cujo conteúdo não foi explicado à recorrente;

12- Ora sendo nulo como é não título válido dado à execução.

13- Também não se provou que recorrente tenha sido interpelada para cumprir e tendo sido não cumpriu nos termos da fiança que prestou.

14- A recorrente, a devedora subsidiária, não está adstrita às consequências do incumprimento do devedor principal, não terá de garantir solidariamente e como principal pagadora, perante a Caixa Agrícola, o integral cumprimento de todas as obrigações da mutuária, decorrentes da aposição da sua assinatura no ato da escritura do acordo de Abertura de Crédito e Hipoteca e Fiança por nunca ter sido interpelada para cumprir. Exigir ao fiador a totalidade do cumprimento sem ter previamente ter sido interpelado para cumprir constitui nos termos do disposto no Artigo 334.º do C. Civil – (Abuso do direito).

15- É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumem ou pelo fim social ou económico desse direito. 16- Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida, e julgando-se procedentes os embargos.

A Recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

A) Em síntese, a Recorrente pretende com o presente recurso que seja revogada a sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que, julgue procedente os embargos apresentados por esta.

B) Alega para o efeito que o contrato celebrado e dado à execução se trata de cláusulas contratuais gerais e que não foram cumpridos os deveres de comunicação e informação à fiadora Recorrente.

C) Ora não podemos concordar com a mesma, a convicção do julgador foi formada em documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas prestados em audiência de discussão e julgamento.

D) Houve uma correta aplicação das normas de Direito aplicáveis ao caso concreto, pois foi celebrada escritura de Abertura de Crédito e Hipoteca e Fiança, perante oficial público, onde se refere: “(…) se assumem fiadores e garantem solidariamente e como principais pagadores, perante a Caixa Agrícola, o bom, atempado e integral cumprimento de todas as obrigações da Mutuária decorrentes deste ato, nos termos exarados nesta escritura que também outorgam” e que também se juntou no requerimento executivo(…) comprometem-se a pagar imediatamente sem qualquer reserva, as quantias que lhe forem reclamadas pela Caixa Agrícola (…) além de que renunciam ao benefício da excussão e a qualquer outro prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer exceção ou oposição”.

E) Termina a referida escritura referindo que foi lida e explicado o seu conteúdo, a ora Recorrente também outorgou a referida escritora, assinando a mesma, em ato contínuo foi celebrado contrato de mútuo onde se especificou as condições do crédito e que a ora Recorrente também assinou na qualidade de fiadora.

F) A Recorrente é mãe da representante da sociedade mutuária e a fiança foi prestada tendo em conta esta especial relação, bem sabendo que assumida a condição de fiadora e que isso implicava a sua responsabilização em caso de incumprimento das prestações por parte da empresa da sua filha.

G) O contrato encontra-se em incumprimento desde 29/10/2011 e até à presente execução nunca foi alegado pela Recorrente a nulidade do mesmo, estranhando-se porque não o fez enquanto a empresa mutuária beneficiava economicamente desta operação bancária.

H) Pelo exposto não podendo deixarmos de concluir que esta alegação tem apenas como único propósito exonerar a fiadora, ora Recorrente de qualquer pagamento do mútuo em questão, pois as obrigações da fiança são do conhecimento geral da sociedade, não sendo possível alegar o seu desconhecimento.

I) Pelo que não há nulidade do contrato de nulo, não merecendo a sentença ora recorrida de qualquer reparo, devendo manter-se nos seus exatos termos.

J) No que se refere à falta de interpelação da fiadora, também não podemos admitir qua a mesma tenha ocorrido. A ora Recorrida tem caraterísticas de um banco de proximidade, mantendo uma relação estreita com os seus clientes, pelo que até chegarmos à execução, foram feitas inúmeras tentativas de resolução extrajudicial da presente dívida.

K) Tentativas levadas a cabo pelos funcionários da Recorrida, quer telefonicamente, quer pessoalmente, não obstante foram juntas à execução cartas registadas de interpelação dos fiadores, pelo que não se entende esta alegação.

L) Não obstante ter existido a interpelação da fiadora, esta nem sequer é exigível uma vez que, uma vez que o contrato determina que o incumprimento de qualquer prestação origina o vencimento automático das restantes.

M) Tendo-se verificado, nos termos legais e contratuais, o incumprimento contratual (art.º 406.º CC) nada mais restou à exequente, ora recorrida, que intentar a competente ação executiva de forma a fazer valer a satisfação dos seus créditos.

N) Desta forma, é nosso entendimento que decidiu corretamente o Tribunal a quo e aplicou de forma correta os preceitos legais e contratuais, ao caso concreto, fazendo assim uma correta aplicação do Direito;

E assim sendo,

Deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se, na íntegra, a sentença

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, POR V/ EX.AS DOUTAMENTE SUPRIDOS, PELO EXPOSTO E SEM NECESSIDADE DE MAIS CONSIDERAÇÕES:

Deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar-se a douta sentença proferida pelo tribunal a quo com todos efeitos legais, por não violar quaisquer preceitos legais, "maxime" os mencionados pela Recorrente, determinando-se o prosseguimento dos autos de execução.

Fazendo assim, V/s Ex.ªas a costumada Justiça! Espera de V/s Ex.ªs deferimento. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II- OBJETO DO RECURSO: Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, nº 1 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões:

i) nulidade do contrato de mútuo por falta de comunicação e informação das cláusulas contratuais;

ii) abuso de direito por falta de interpelação para cumprir.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

1. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), Crl, em 26.02.2016, intentou ação executiva contra (…) e (…), que corre termos neste juízo sob o n.º 352/16.0T8MMN, para pagamento da quantia de € 328.329,68;

2. A exequente deu à execução os seguintes documentos:

i. um acordo escrito denominado “Abertura de Crédito e Hipoteca e Fiança”, exarado perante Notário, no dia 29.07.2010 e celebrado entre “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), Crl”, na qualidade de primeira outorgante, (…), (…) (por si e na qualidade de sócia gerente de “…-Instalações Eléctricas, Lda.”) e “(…)-Instalações Eléctricas, Lda.”, na qualidade de segundos outorgantes e (…) e (…), na qualidade de terceiros outorgantes, junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, do qual consta o seguinte com relevo para os autos:

Primeiro

A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL abre a favor da sociedade que os segundos outorgantes representam, um crédito até à quantia de Trezentos e Quarenta e Sete Mil Euros, para solicitação dos capitais de que necessite com exclusiva aplicação aos fins previstos na lei vigente sobre crédito agrícola mútuo (…)

Segundo

Este contrato durará enquanto convier às partes e aquela que o quiser dar por findo avisará a outra por carta registada com aviso de receção ou notificação judicial, com pelo menos trinta dias de antecedência, da data pretendida para resolução do mesmo.


(…)

Quarto

O crédito aberto cessará e todas as importâncias em dívida se considerarão exigíveis, sem necessidade de prévia interpelação ou aviso, quando a sociedade representada dos segundos outorgantes não cumprir as suas obrigações como sócia ou como mutuária da Caixa Tornando-se incursa em qualquer das penalidades descriminadas na lei vigente sobre crédito agrícola mútuo.

(…)

Décimo

Declararam os terceiros outorgantes:

Que se assumem fiadores e garante, solidariamente e como principais pagadores, perante a Caixa Agrícola, o bom, atempado e integral cumprimento de todas as obrigações da Mutuária decorrentes deste ato, nos termos exarado nesta escritura que também outorgam. Os fiadores comprometem-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva, as quantias que lhes forem reclamadas pela Caixa Agrícola, logo após aviso desta para o efeito, ou logo que verificado o incumprimento da Mutuária além de que renunciam ao benefício da excussão e a qualquer outro prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer exceção ou oposição.


(…)

Décimo Segundo

(…)

Declarou o primeiro outorgante:


Que, pela sua representada Caixa Agrícola, aceita e hipoteca e a fiança agora constituídas, nos termos exarados.

(…)”;

ii. um acordo escrito denominado “Crédito a Empresas” n.º (…), celebrado no dia 29.07.2010, entre “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), Crl”, na qualidade de mutuante, “(…)-Instalações Eléctricas, Lda.”, na qualidade de mutuária e (…) e (…), na qualidade de garantes, junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, do qual consta o seguinte com relevo para os autos:

“(…)

4. A mutuária solicita e contrata com a Caixa um empréstimo/crédito na condições gerais constantes o verso e nas particulares e Anexos referidos nos pontos seguintes:

(…)

4.2 Montante 347 000,00 (…)

4.3. Finalidade Reestruturação de dívida – liquidação dos emp. N.ºs (…) e (…)

5.Prazo do empréstimo/crédito 25 anos

6. Utilização: única (…) 1.ª utilização – data 30/07/2010

7. Reembolso


(…)

7.2. Prestações constantes (capital e juros) atualizável em função das variações da taxa de juro com um ano de carência de capital

N.º Prestações 100 Periodicidade Trimestral 1.ª prestação 30/10/10


(…)

(. Juros: Taxas Vencimento e Pagamento

(…) taxa Ref. Euribor margem 5% = 5,738%


(…)

9. Garantias (…)

9.2. Identificação e data da garantia Abertura de crédito lavrada em 29.07.2010 e livrança subscrita e avalizada em 29-07-2010


10 – Conta de Depósito à Ordem associada ao empréstimo: (…)”.

Nas Condições Gerais deste acordo, nos locais destinados às assinaturas dos garantes constam as assinaturas de (…) e (…);

iii. um anúncio de declaração de insolvência de (…), Instalações Eléctricas, Lda.;

iv. um documento interno da exequente denominado “Extracto de Conta Empréstimo” entre 29.07.2010 e 23.02.2016, referente à conta n.º (…), titulada por (…), Instalações Eléctricas, Lda., junto da exequente, balcão Reguengos de Monsaraz, junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

v. um documento interno da exequente denominado “0252 – Activo e Garantias por D.O. Associada”, datado de 23.02.2016, referente à conta n.º (…), titulada por (…), Instalações Eléctricas, Lda., junto da exequente, balcão Évora, com informação de capital em dívida no montante de € 225.885,92, desde 29.10.2011, junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

vi. carta registada remetida pela exequente, dirigida à embargante, em 11.02.2016, junta aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais; e de onde consta o seguinte com relevo:


“(…)

Assunto: Dívida vencida, empréstimo n.º (…)

(…)

Pela presente carta informamos V. exa. na qualidade de fiadora da empresa (…)– Instalações Eléctricas, Lda. que o empréstimo acima indicado se encontra em incumprimento há mais de um ano.

Nesta data o valor em dívida é de € 327.608,76, a título de capital, juros impostos e despesas.

O valor do referido empréstimo já foi parcialmente amortizado com a aquisição de um prédio urbano destinado à habitação e, aguarda-se a venda dos bens apreendidos à empresa acima identificada, declarada insolvente e posteriormente a entrega à Caixa Agrícola do valor que lhe couber, que estimamos ser muito insuficiente face ao valor em dívida.

Assim, enquanto devedora solidária, deve V. Exa., no prazo de oito dias, junto da sua Agência da Caixa Agrícola, regularizar o valor em dívida, com a cominação, de, nada fazendo, propormos no tribunal competente a ação adequada para cobrança da dívida. (…)”;

vii. comprovativo do recebimento da carta acima identificada pelo destinatário, em 15.02.2016;

viii. carta registada remetida pela exequente, dirigida a (…), em 11.02.2016, junta aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

ix. comprovativo do recebimento da carta acima identificada pelo destinatário, em 17.02.2016;

x. um documento interno da exequente denominado “Simulação de Liquidação de Dívida”, datado de 23.02.2016, referente à conta/empréstimo n.º (…), titulada por (…), Instalações Eléctricas, Lda., junto da exequente, balcão Évora, com informação de capital inicial, do capital em dívida no montante de € 225.885,92, da primeira prestação em atraso: 29.10.2011, dos dias em atraso, do valor em dívida a título de juros, de juros de mora sobre juros, dos juros de mora sobre capital e das despesas para recuperação dos valores em dívida e do total em dívida em 23.02.2016 (€ 328.329,68), junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

3. Por sentença proferida em 17.12.2012, no extinto Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz, no âmbito do processo de insolvência n.º 374/13.3TBRMZ, foi a sociedade (…), Instalações Eléctricas, Lda. declarada insolvente;

4. Em 11.02.2009, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), Crl intentou contra (…) e (…) – Instalações Eléctricas, Lda. o processo executivo n.º 45/09.5TBRMZ, que correu termos neste juízo, para pagamento da quantia de € 301.352,18;

5. A exequente deu à execução identificada em 4. um acordo celebrado no Cartório Notarial de Reguengos de Monsaraz, entre exequente e ora executados, por si e na qualidade de legais representantes de (…) – Instalações Eléctricas, Lda., no dia 07.07.2006, denominado “Mútuo, Hipoteca e Fiança”, junto aos autos principais, onde a primeira emprestou à sociedade o montante de € 212.000,00;

6. No âmbito do processo identificado em 4., foi adjudicado à exequente um dos imóveis sobre os quais recai a hipoteca registada a favor da exequente e a que se referem os acordos acima identificados, pelo montante de € 121.115,00;

7. O montante identificado em 6. foi abatido à quantia em dívida pelos executados;

8. O montante mutuado por força do acordo mencionado em 2.ii) foi disponibilizado na conta à ordem de (…), Instalações Eléctricas, Lda. e por esta utilizado;

9. (…), Instalações Eléctricas, Lda. deixou de liquidar as prestações devidas à exequente, por força do acordo mencionado em 2.ii), em 29.10.2011;

10. Os executados foram instados para o respetivo pagamento, pelo menos em 15.02.2016 e 17.02.2016;

11. No requerimento inicial, a exequente acresceu à taxa de juros de 5,738% uma sobretaxa de mora no valor de 4% e, a partir de Setembro de 2013, uma sobretaxa de mora no valor de 3%; 12. A embargante foi citada nos autos de execução mencionados em 1., em 14.06.2016.

E foram considerados não provados os seguintes factos:

i) As cláusulas contratuais gerais que compõem o acordo mencionado em 2.ii) sob o item “Condições Gerais” não foram explicadas pela exequente aos executados;

ii) A exequente não entregou um duplicado do respetivo acordo aos executados.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

i) Nulidade do contrato de mútuo por falta de comunicação e informação das cláusulas contratuais

No caso em apreço, à semelhança do afirmado na sentença recorrida e tendo em conta o que ficou assente, julgamento ser indiscutível a subsunção das cláusulas contratuais em discussão, ainda que inseridas no corpo individualizado às normas do DL nº 446/85, de 25.10, com as subsequentes alterações (DL nº 220/95, de 31-08 com a Declaração de Retificação nº 114-B/95, de 31-08, DL nº 249/99, de 7-07 e DL nº 322/2001, de 17-12, desde logo porque a embargada não demonstrou que as mesmas foram concreta e previamente negociadas, maxime com a embargante, ora Recorrente.

A aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais ao garante, parte acessória ou secundária de um outro contrato, nomeadamente ao fiador, de um contrato mútuo celebrado com um terceiro, conforme sucede no caso, tem sido aceite pela generalidade da jurisprudência mais recente, em função do garante poder ser também qualificado como “aderente” para efeitos da LCCG (i),

Em abono da sua tese alegou a embargante, aqui Recorrente que são nulas todas as cláusulas contratuais do contrato de mútuo celebrado em 29.07.2010 por o seu conteúdo não lhe ter sido explicado e que sendo nulo não é título válido dado à execução.

A Apelada contra-argumentou, sustentando que a escritura foi lida e explicado o seu conteúdo e que a ora Recorrente também outorgou a referida escritura, assinando a mesma, em ato contínuo foi celebrado contrato de mútuo onde se especificou as condições do crédito e que a ora Recorrente também assinou na qualidade de fiadora.

Na sentença recorrida entendeu-se “Mais, a circunstância de na folha epigrafada de “Condições Gerais”, imediatamente antes da assinatura da executada constar esta tomou conhecimento das condições gerais do respetivo contrato não quer dizer que a exequente lhe tenha efetivamente comunicado tais cláusulas do contrato.

Quer apenas dizer que a executada assinou esses deveres que são, eles próprios, conteúdo de cláusulas contratuais gerais que não se podem dizer ter sido comunicadas à embargante.

Posto isto não pode, pois, duvidar-se que a exequente não cumpriu os deveres de comunicação e informação a que justificadamente estava vinculada no confronto do aderente.

Quer isto dizer que, na eventualidade de se excluir das condições gerais do acordo de mútuo o segmento relativo à excussão prévia, por se encontrar fora da compreensão exigível à embargante, essa realidade em nada modificaria a decisão a proferir nestes autos, uma vez que essa mesma embargante não coloca em crise o teor da escritura pública de abertura de crédito e hipoteca e fiança dada à execução onde está patente um segmento em tudo idêntico ao que se pretende ver excluído do contrato de mútuo e, enquanto tal, sustenta a presença da embargante na execução, nos termos ali peticionados.

E mais, mesmo que se excluísse do acordo de mútuo tal segmento essa hipótese não afetaria a validade da cláusula relativa à fiança na sua totalidade, por ser desproporcionado e contrário à boa-fé excluir a cláusula relativa à fiança do contrato na sua totalidade, quando apenas o segmento relativo à excussão prévia estava fora da compreensão exigível à embargante.

Independentemente da solução viável para os presentes autos (isto é, a exclusão da expressão “com expressa renúncia da excussão prévia”, apenas no que tange ao contrato de mútuo ou a sua manutenção, atento o teor das cláusulas referentes a escritura de abertura de crédito e hipoteca e fiança), está sempre assegurada a manutenção da fiança, que justifica a presença da embargante nos autos e execução e a validade do contrato de mútuo, ao invés do pugnado pela embargante”.

Cumpre decidir:

Suscita-se, pois, a questão de saber terá razão a Recorrente quando, sem exceção, pretende que sejam declaradas nulas todas as cláusulas do contrato em mútuo que lhe dizem respeito.

Os deveres de comunicação e de informação, vêm consignados nos referidos artigos 5º e 6º Da LCCG.

Artigo 5º «1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência.

3. O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.»

Artigo 6º «1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.»

O dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efetivo, do seu conteúdo. O dever de informação, que pressupõe a efetivação da comunicação, dirige-se essencialmente à perceção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente. Impõe-se, nesta circunstância, a prestação espontânea de informação dos aspetos das cláusulas que exijam aclaração, sem prejuízo da prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que sejam solicitados pelo próprio aderente.

Desdobra-se, portanto, em duas vertentes: a iniciativa de informar por parte do predisponente, em relação a aspetos que justifiquem aclaração; a obrigação de informar, em reposta aos esclarecimentos razoáveis que lhe sejam solicitados pelo aderente (ii).

No caso, face à alegação pela embargante da omissão do cumprimento desses deveres, resta decidir se foram incumpridos pela embargada tais deveres quanto a tais cláusulas.

Conforme resulta da matéria dada como assente, a Recorrente interveio na escritura de abertura de crédito e hipoteca e fiança, na qualidade de fiadora, e com renúncia ao benefício da excussão prévia, aí tendo declarado que se confessava e constituía fiadora e principal pagadora das dívidas contraídas pelos segundos outorgantes no âmbito desse contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévio.

Provou-se ainda que a referida escritura foi lida e explicado o seu conteúdo e subsequentemente foram apostas as assinaturas.

Para além desta escritura foi celebrado um acordo escrito denominado “crédito a empresas”, ou seja, um contrato mútuo por escrito particular.

Deste escrito particular consta da folha epigrafada de “Condições Gerais”, imediatamente antes da assinatura o seguinte: “A mutuária e os Garantes (Avalistas e/ou Fiadores) declararam conhecer, estar bem cientes e aceitar as condições particulares e as gerais constantes da frente e verso desta proposta de crédito, que apresentam à Caixa e que assinam, por corresponder à sua vontade e em sinal de conformidade”.

Ora, não consta da escritura que o mútuo é documento complementar e como tal foi lido e explicado o seu conteúdo.

Refere o Ac. do STJ de 13-09-2016, que passamos a transcrever: “No quadro da formação do contrato, estes deveres de comunicação e informação radicam, evidentemente, no princípio da autonomia privada, cujo exercício efetivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação (iii) (iv).

Como é fácil de entender, são, assim, convocados deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de esclarecimentos), como meios ordenados à apropriada formação da vontade do aderente. A obtenção desse objetivo requer, desde logo, que a comunicação do clausulado contratual seja feita com antecedência necessária ao conhecimento completo e efetivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objetivas e subjetivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato – a importância deste, a extensão e a complexidade (maior ou menor) das cláusulas e o nível de instrução ou conhecimento daquele –, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efetivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração (v).

Bem sabemos que as exigências especiais da promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente transmissão ou comunicação, decorrentes dos deveres que oneram o predisponente, para que estes possam ser completamente cumpridos, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação: deste se espera um comportamento leal, correto e diligente, nomeadamente pedindo esclarecimentos, uma vez materializado que seja o seu efetivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.

Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efetivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, p. ex., pedindo esclarecimentos. Foi o que o Ac. desta Secção de 18/4/2006 esclareceu lapidarmente: «O dever de comunicação das cláusulas contratuais constante do artigo 5º do Decreto-lei nº 466/85 de 25 de Outubro destina-se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio. Esse dever acontece na fase de negociação, ou pré-contratual, e deve ser acompanhado de todos os esclarecimentos necessários, possibilitando ao aderente conhecer o significado e as implicações das cláusulas.»(vi)

Pode sustentar-se que a intensidade e o grau do dever de diligência que recai sobre o aderente são maiores ou menores em função das particularidades de cada caso, sobretudo as atinentes à extensão e complexidade das cláusulas e ao nível de instrução ou conhecimento do mesmo. Mas já não é aceitável que, perante esse dever de diligência, o proponente seja dispensado dos seus próprios deveres. Como parece evidente, essa conceção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente.

Ora, sucedeu no caso em apreço que apenas no contexto da subscrição ou outorga do contrato foram dadas a conhecer ou noticiadas à embargante aderente a cláusula contratual geral em discussão, quando, por tudo o exposto, a mesma não teria, para o efeito, de desenvolver mais do que uma diligência comum e era à proponente que caberia propiciar-lhe o antecipado e efetivo conhecimento daquela cláusula”.

Assim, relativamente ao conteúdo do contrato de mútuo, uma vez que não se encontra demonstrada qualquer negociação ou comunicação antecipada, ao contrário do que sucedeu com as regras contidas na dita escritura, não se apurou que tivesse ocorrido, qualquer explicação da mesma à Embargante, pelo que a simples apresentação da mesma em documento, com a subscrição genérica dos dizeres “A mutuária e os Garantes (Avalistas e/ou Fiadores) declararam conhecer, estar bem cientes e aceitar as condições particulares e as gerais constantes da frente e verso desta proposta de crédito, que apresentam à Caixa e que assinam, por corresponder à sua vontade e em sinal de conformidade” não permitem aqui, afirmar que esta conscientemente conheceu devidamente as cláusulas e os seus efeitos práticos, sendo para nós insuficiente tal factualidade, para se considerar satisfeito o propósito informador do artigo 5º da LCCG, maxime do seu nº 2 (vii).

Mostrando-se, pois omitidos aqueles deveres de comunicação e de informação.

Suscita-se agora a questão de saber qual a consequência prevista para a violação destes deveres.

De harmonia com as alíneas a) e b) do art.º 8º, consideram-se excluídas dos contratos singulares:

a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;

b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo.

Por sua vez dispõe o artigo 9º com a epígrafe “subsistência dos contratos singulares”:

“1- Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.

2- Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé”.

Daqui retira-se que a regra geral é a da manutenção do contrato, apesar da exclusão de determinadas cláusulas. Sendo excecional a nulidade de todo o contrato, que só se verifica quando houver razões para dizer que se verifica uma das duas hipóteses previstas no nº 2 do artigo 9º.

Tal como se refere no Ac. do STJ de 13-05-2008 (viii), “o art.º 6º impõe ao proponente um dever de informação de acordo com as circunstâncias do contrato, ou seja, do seu conteúdo.

Por isso e, desde logo, importa ponderar que o aderente pelo simples facto de o ser não pode prevalecer-se de qualquer omissão do dever de informação cometido ao proponente.

Este dever de informar afere-se pelo tipo contratual em causa e pelas circunstâncias da contratação.

Contenderia com as regras da boa-fé exigíveis aos contraentes, mesmo no âmbito de contratos de adesão, se o aderente pudesse, sem mais, invocar o dever de informação, por mais claro que fosse o clausulado contratual e o ambiente em que negociou.

No caso de um empréstimo concedido por um Banco, não constando do contrato cláusulas envolvendo um exigente conhecimento de conceitos técnico-jurídicos, ou uma complexa teia de direitos e deveres recíprocos a demandar exigente esforço interpretativo, o dever de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o aderente se desvincule das obrigações assumidas”.

Ora, no caso dos autos, retirando-se embora todas as cláusulas contratuais do contrato, não há dúvida de que entre houve um encontro de declarações de vontade no sentido de ser entregue em benefício da (…), Instalações Eléctricas, Lda. pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), Crl, uma quantia monetária (€ 347.000,00) a título devolutivo.

Isto é suficiente para se concluir que ainda estamos perante um mútuo (art.º 1142 do CC).

E como daqui não resulta que fique algo por determinar ou a provocação de qualquer desequilíbrio das prestações, o contrato não é nulo em consequência da exclusão das cláusulas contratuais (ix).

Importa referir que nas suas alegações de recurso, a Recorrente alega ter havido um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé, sem especificar em que se traduziu tal desequilíbrio (sendo certo que tal não foi alegado na petição de embargos).

Nesta parte não pode deixar de concordar-se com a sentença recorrida quando afirma que “da escritura de abertura de crédito consta a embargante como fiadora e relativamente a este acordo, a embargante não invoca o desconhecimento da sua realidade enquanto fiadora, o que significa que já não lhe era estranha essa qualidade.

Nessa conformidade não se afigura consentâneo com a boa-fé, princípio estruturante do direito das obrigações, que venha pretender se exonerar dessa responsabilidade com fundamento na falta de comunicação dessa cláusula: afinal a embargante deslocou-se ao notário e apôs a sua assinatura numa escritura pública relativa a um negócio celebrado com um banco.

Por essa razão, não se aceita que a embargante ignorasse que estava a constituir-se fiadora de um empréstimo bancário”.

Nesta parte, não tem, por isso, razão a Recorrente.

ii) Abuso de direito por falta de interpelação para cumprir

A Recorrente sustentou em síntese que não se provou que tenha sido interpelada para cumprir e tendo sido não cumpriu nos termos da fiança que prestou, pelo que exigir ao fiador a totalidade do cumprimento sem ter sido previamente sido interpelada para cumprir constitui abuso de direito.

A Recorrida sustentou em síntese que a Recorrente foi notificada para liquidar os valores em atraso no empréstimo e que ao contrário do alegado, para o vencimento de capital, juros e juros moratórios não é necessária nenhuma interpelação, na medida em que os vencimentos dos mesmos está prevista contratualmente.

Na sentença recorrida considerou-se “estando comprovado nos presentes autos a causa que determinaria o imediato vencimento das obrigações decorrentes do contrato (factos 3., 7. e 10.), bem como a comunicação por escrito solicitando o pagamento imediato das quantias em dívida e ainda a concessão de prazo para regularizar o contrato, sob pena de instauração de ação processual (factos 2.vi); 2.vii) e 10.), entende-se que foram cumpridas todas as exigências legais pela embargada/exequente quer ao nível da interpelação quer mesmo ao nível da resolução contratual (cfr. artigos 436º, nº 1 e 808º, nº 1, ambos do CC)”.

Cumpre decidir:

Dispõe o art.º 334º do Código Civil que:

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

As conceções que procuram precisar o conteúdo do abuso do direito reduzem-se basicamente a duas diretrizes opostas: uma subjetivista e outra objetivista.

Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “a conceção adotada de abuso de direito é a objetiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites.” (Código Civil Anotado, 4ª ed. Vol. I, pág. 298).

Segundo o legislador, a determinação da legitimidade ou ilegitimidade do exercício do direito, ou seja da existência ou não de abuso do direito, afere-se a partir de três conceitos: a boa-fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito.

A doutrina distingue dois sentidos principais da boa-fé. “No primeiro, ela é essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude, resultando de tal estado consequências favoráveis para o sujeito do comportamento. Neste sentido, a boa-fé insere-se nas normas jurídicas como elemento constitutivo da sua previsão, da hipótese. No segundo sentido, já se apresenta como princípio (normativo e/ou geral de direito) de atuação. A boa-fé significa agora que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” [JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Do Abuso do Direito, pág. 55].

“Contudo, dizer-se que a boa-fé, neste segundo sentido, exige um comportamento «honesto, correto e leal» é dizer ainda muito pouco, é confirmar o carácter indeterminado, de «norma em branco», desta cláusula geral - o que acontece, aliás, com quase todas as outras… Por isso, a doutrina moderna, sobretudo a alemã, tem elaborado, com base na jurisprudência dos tribunais, uma série de «hipóteses típicas» ou «figuras sintomáticas» concretizadoras da cláusula geral da boa-fé. Podemos assim destacar a proibição de venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo que os alemães designam por Verwirkung, com que se veta o exercício de um direito subjetivo ou duma pretensão quando o seu titular, por não os ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal ou intolerável); o abuso da nulidade por vícios formais – é inadmissível a impugnação da validade dum negócio por vício de forma por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento realizado pela outra parte; a proibição de o credor recusar a prestação apta a satisfazer o seu interesse, apesar de não estar inteiramente de acordo com as estipulações contratuais (v.g., ligeira ou insignificante ultrapassagem do prazo ou falta de entrega de diminuta importância em dinheiro numa vultosa obrigação pecuniária – cfr. art.º 802, nº 2, do Código Civil); a interdição de se invocar a «exceção de não cumprimento do contrato» (art.º 428), quando a falta do inadimplente não seja de tal modo grave que justifique a recusa em cumprir da outra parte” (Idem, ob. cit., pág. 59 e 60).

Em suma, os conceitos de boa-fé e de abuso de direito têm conteúdo e extensão diferentes, sendo que a ideia de abuso de direito pode muitas vezes estar incluída na violação da boa-fé. “É o que se dará, em regra, no domínio contratual, onde as partes devem proceder segundo a boa-fé: aí, o abuso do direito será frequentemente uma ofensa da boa fé devida” (cfr. Prof. VAZ SERRA, Do Abuso do Direito, págs. 265-266).

Por bons costumes há-de entender-se um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e corretas aceitam comummente.

O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respetiva atribuição pela lei ao seu titular.

“Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade.

Pelo que respeita, porém, ao fim social ou económico do direito, deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados (como sucede no poder paternal, no poder tutelar, etc.), a par de outros em que se reconhece maior liberdade de atuação ou decisão ao titular (direitos potestativos, direito de propriedade, dentro de certos limites, etc.)” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 299 ].

De qualquer forma, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto. É isso que resulta expressamente do art.º 334º e é também essa a lição de todos os autores e de todas as legislações [Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 298/299] (x).

A propósito da interpretação do artigo 781º do Código Civil, dispondo que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”, refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed, p. 54, que “o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se vencera constitui um beneficio que a lei concede – mas não decreta ela própria – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor”.

De todo o modo e, em relação ao fiador, dispõe o art.º 782 do C.C. que a perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações não se estende ao fiador.

Em relação ao fiador, a jurisprudência tem igualmente admitido, porém, que estes preceitos têm natureza supletiva, admitindo-se que ao abrigo do princípio da liberdade contratual – art.º 405.º do Código Civil – o terceiro garante renuncie à proteção que lhe é conferida pelo citado art.º 782.º, deixando de beneficiar do plano de pagamento em prestações acordado em caso de incumprimento de alguma delas.

A renúncia pelo fiador ao benefício de excussão e a constituição do mesmo como «principal pagador» não importa renúncia ao benefício do prazo. De facto, daqui apenas decorre que o fiador, porque renunciou a tal benefício, responde, em solidariedade com o devedor, pelo cumprimento das obrigações deste último.

Na verdade, a interpelação do fiador para a liquidação das prestações em dívida é condição da exigibilidade das restantes prestações (xi).

No caso em apreço, estando provado a comunicação por escrito solicitando o pagamento imediato das quantias em dívida e ainda a concessão de prazo para regularizar o contrato, sob pena de instauração de ação processual (factos s.vi.), 2.vii) e 10.), entende-se que foram cumpridas todas as exigências legais pela embargada/exequente ao nível da interpelação, tal como se entendeu na sentença recorrida.

Nestes termos, concluímos pela não verificação de abuso de direito por parte da exequente, ora Recorrida, pelo que improcede também nesta parte a apelação.

Sumário:

(…)

V- DECISÃO:

Com fundamento no atrás exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, em consequência a sentença recorrida.

Não são devidas custas neste recurso por a Apelante beneficiar de apoio judiciário.

Évora, 7 de novembro de 2019

Mário Rodrigues da Silva - juiz relator

José Manuel Barata

Conceição Ferreira

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(i) Ac. do STJ de 9-07-2015, 1728/12.8TBBRR-A.L1.S1, relatora Ana Paula Boularot, www.dgsi.pt.
(ii) Ac. do STJ de 3-10-2017, 569/13.0TBCSC.L1.S1, relator Henrique Araújo, www.dgsi.pt.
(iii) Tais deveres já resultariam, genericamente, do art.º 227º, nº 1, do CC. Com efeito, a comunicação, na íntegra, dos projetos negociais é, no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa-fé contratual.

(iv) Foi o que ponderou, mais detalhadamente, o anterior Ac. desta Secção de 2/12/2013 (p. 306/10.0TCGMR.G1.S1-Clara Sottomayor):
«O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais constitui um regime especial tutelador, em face do direito comum dos contratos que continua centralizado nos princípios da liberdade e da autorresponsabilidade, presumindo a igualdade entre os sujeitos.
Este regime especial visa conter os efeitos disfuncionais da liberdade contratual e proteger determinada categoria de sujeitos, os aderentes, os quais se encontram integrados em formas estruturais que geram situações de poder a favor de organizações, numa situação que tipicamente os impossibilita de uma autotutela dos seus interesses. Estão, assim, desprovidos de qualquer poder negocial em relação à fixação do conteúdo dos contratos que assinam, sem possibilidade de negociar ou de fazer contrapropostas, e sem alternativas à aceitação formal de cláusulas redigidas pela contraparte, que encaram como uma «inevitabilidade» necessária para terem acesso a bens ou serviços essenciais à sua sobrevivência e qualidade de vida.
Dada a disparidade de poder entre as partes do contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do “modelo de informação” ou “imperativo de transparência”, cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objeto, quer quanto às condições do contrato [Cf. Joaquim de Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra editora, Coimbra, 2007, p. 49.].
Reconhece-se que a liberdade de contratar assenta em pressupostos cognitivos e que a necessidade de transparência e de informação, reportada à fase da formação da vontade, permite combater «a estrutural assimetria informativa entre as partes», e exige ao profissional «deveres positivos de informação, de acordo com parâmetros quantitativos e qualitativos capazes de afiançarem a integralidade, a exatidão e a eficácia de comunicação»[\idem, p. 61.]. O princípio da transparência adequa-se, ainda, ao discurso argumentativo próprio do pensamento civilista, pois a sua função é instrumental à autonomia privada, permitindo criar condições para o seu exercício. O objetivo deste modelo é, assim, o de melhorar a qualidade do consentimento do consumidor, e também, corrigir o desequilíbrio das prestações, bem como promover a defesa da justiça interna do contrato [Cfr. Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Coimbra, 1995, p. 423.].».

(v) A necessidade de concessão de “tempo suficiente”, enquanto requisito inerente ao dever de informar, tem sido uniformemente apontada por este Tribunal. Assim, v., p. ex., para além do já citado de 2/12/2013, os Acs. de 2/6/2015 (p. 109/13.0TBMLD.P1.S1- Hélder Roque), de 8/4/2010 (P. 3501/06.3TVLSB.C1.S1-Lopes do Rego), de 20/1/2010 (p. 2963/07.6TVLSB.L1.S1-Alves Velho), de 30/10/2007 (07A303048-Fonseca Ramos), de 12/12/2002 (p. 02A3692-Silva Salazar), de 18/11/1999 (p. 99B869-Ferreira de Almeida) e de 23/10/2008 (p. 08B2977-Salvador da Costa), tendo concluído este último: «As cláusulas contratuais gerais…, inseridas em propostas de contratos singulares, devem ser comunicadas na íntegra e de modo adequado e com a antecedência necessária aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, incluem-se nos contratos por via da aceitação, e o ónus de prova daquela comunicação incumbe ao contraente predisponente.».

(vi) (P. 06A818-Sebastião Póvoas). Vem aqui também a muito a propósito evocar o voto de vencido que o Cons. Júlio Gomes apôs no já citado Ac. de 9/7/2015, em termos muito impressivos: «Os deveres de comunicação e de informação não se reduzem, estamos em crer, a um dever de prestar esclarecimentos se os mesmos forem solicitados (que corresponde apenas a uma faceta do dever de informação prevista no n.º 2 do artigo 6.º). Aliás sem essa comunicação prévia o leigo muitas vezes nem sequer sentirá necessidade de pedir mais esclarecimentos. Um exemplo: a exclusão do benefício da excussão prévia. Para um leigo - mormente com a 4.ª classe como a Autora - é apenas mais uma frase ininteligível, no meio da "algaraviada" jurídica. Em suma, o leigo muitas vezes não sabe sequer o suficiente para se aperceber das cláusulas ou de todas as cláusulas que lhe são prejudiciais. Acresce que o momento da escritura não é, na realidade o adequado para pedir grandes esclarecimentos. Não o é pela pressão social – se a Autora falasse e questionasse muito punha em risco a realização da escritura de que os devedores necessitavam – e porque é delicado nesse momento colocar os cenários do incumprimento em cima da mesa.»

(vii) Ac. do TRG de 20-09-2018, 4089/16.2T8VCT-A.G1, relator José Flores, www.dgsi.pt.

(viii) 08A1287, relator Fonseca Ramos, www.dgsi.pt.

(ix) Ac. do TRL de 29-06-2017, 78/15.2T8VFC-A.L1-2, relator Pedro Martins, www.dgsi.pt.

(x) Ac. do STJ de 17-05-2017, 309/07.2TBLMG.C1.S1, relator Nunes Ribeiro, www.dgsi.pt.

(xi) Ac. do TRP de 23-11-2017, 7429/13.2TBVNG-A.P1, relator José Manuel de Araújo Barros, www.dgsi.pt.