Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
217/20.1GBCCH-A.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: REGISTO CRIMINAL
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 09/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Para efeitos de determinação da não transcrição da condenação no registo criminal nos termos do artº 13º, nº 1, da L. 37/2015 de 5/5, a circunstância de o condenado ter já anteriormente beneficiado da medida da suspensão provisória do processo não leva a afastar o pressuposto de não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza, pois que o despacho que determina a suspensão provisória do processo, impondo ao arguido injunções e regras de conduta, não reveste a natureza de uma condenação.

2 - Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, previstos no artigo 50º do CP e os pressupostos da não transcrição das decisões condenatórias nos certificados do registo criminal a que se referem os nos nºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei nº 37/2015, de 05.05, previstos no artigo 13º, nº1 do mesmo diploma legal, não são inteiramente coincidentes, pelo que, o juízo de prognose favorável formulado subjacente à decisão de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, não invalida a formulação de um juízo de prognose negativo em relação à verificação do pressuposto material exigido para a não transcrição da decisão condenatória nos certificados do registo criminal, previsto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de processo comum, n.º 217/20.1GBCCH, por sentença proferida em 24/03/2021, já transitada em julgado, foi o arguido (...), melhor identificado nos autos, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP.
1.2. Logo após a leitura da sentença, o arguido requereu a não transcrição da condenação nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, o que viria a ser deferido, por despacho proferido em 15/06/2021.
1.3. Inconformado com o decidido recorreu o Ministério Público para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões:
«1. Por sentença proferida em 24 de Março de 2021, já transitada em julgado, foi o arguido (...) condenado pela prática de um crime de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais.
2. Decidiu o Tribunal a quo não proceder à transcrição da condenação para o registo criminal do arguido.
3. Discorda-se de tal decisão por violadora do disposto o artigo 13.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio.
4. Ainda que se admita que a restrição prevista no artigo 2.° n.º4 alínea a) da Lei 113/2009, de 17 de Setembro não se aplica às condenações pelo crime previsto no artigo 152.° do Código Penal, quando a vítima não seja directamente uma criança ou jovem até aos dezoito anos, certo é que, não se pode olvidar que a regra é a da transcrição e só em casos excepcionais e nos limites da lei se pode lançar mão da excepção, ou seja da não transcrição.
5. A M.ma Juiz a quo laborou em lapso ao considerar que a conduta do arguido configura um acto isolado, razão pela qual não vislumbrou do perigo de cometimento de outros crimes pelo arguido.
6. Olvidou a M.ma Juiz de atentar que o arguido havia já beneficiado de anterior suspensão provisória do processo pela prática de crime de violência doméstica, mormente o inquérito por violência doméstica que corre termos no DIAP de Santarém sob o n.º 351/19.0GBCCH.
7. Tanto assim que, tal suspensão provisória do processo resulta referenciada do despacho de acusação e já após o trânsito em julgado foi requerida para junção a esse inquérito, uma certidão da sentença condenatória proferida nos presentes autos, conforme resulta de referência 7554648 e sobre a qual a M.ma Juiz a quo não se pronunciou no despacho ora recorrido.
8. Por outro lado, não é despiciendo salientar que os factos dados como provados assumem uma gravidade que não permite lançar mão da excepção de não transcrição para o certificado de registo criminal.
9. Do compulso da douta sentença, proferida pela M.ma Juiz titular deste Juízo de Competência Genérica de Coruche, sentença essa que condenou o arguido resulta que:
10. “No presente caso, resultou provado que o arguido se posicionou atrás da ofendida, colocou o seu braço direito por baixo do pescoço da ofendida, ao mesmo tempo que a puxou para si, num movimento vulgarmente designado por “mata leão”. Em face daquele movimento a ofendida gritou “socorro”, o que levou a que o arguido se tivesse colocado lateralmente com o corpo da ofendida, do lado direito daquela, colocou a sua perna esquerda atrás das duas pernas da ofendida e puxou-a, o que fez com que (...) tivesse caído desamparada ao solo de alcatrão, de costas, assim como a filha do casal, a qual se mantinha ao colo da mãe. Após a ofendida estar caída no solo, o arguido, conjuntamente com o seu sobrinho, puxou o corpo daquela, o sobrinho pelas pernas e o arguido pela zona das axilas, para o interior da casa de morada de família, tendo para o efeito percorrido cerca de 30 metros. Tudo isto em plena via pública e enquanto a ofendida tinha a filha de 3 anos ao seu colo!
Esta actuação do arguido é suscpetível de transcender a dimensão física, repercutindo-se também na esfera emocional da ofendida, uma vez que este comportamento revela o intuito de o arguido subjugar a ofendida ao domínio da sua vontade. De resto, poucos comportamentos podem ser mais humilhantes no âmbito da conjugalidade do que o ora em menção, ou seja, a manutenção forçada junto do lar familiar em que a ofendida é “coisificada” no sentido de ser transportada como um saco ou um fardo em plena via pública para quem se ali encontrasse assistir.”
11. Percorridos os elementos disponíveis nos autos, não se vislumbra como pôde a M.ma Juiz a quo entender encontrar-se afastado o perigo de cometimento de novos crimes por parte do arguido, aquando da decisão de não transcrição para o registo criminal.
12. Para além de já constar nos autos a informação de que o arguido beneficiara já da solução processual de consenso da suspensão provisória do processo pela prática de factos que integram o crime de violência doméstica, percorrendo a sentença condenatória considerou-se ainda: “No presente caso, verifica-se que depõem contra o arguido o grau de ilicitude dos factos, que é elevado, face ao facto de o arguido ter actuado em plena via pública e quando a ofendida tinha a filha ao colo, e a intensidade do dolo, que é directo.”
13. Pugnando nesta sede na senda do entendimento já acolhido pela Relação de Lisboa: “Convém não olvidar que a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, sendo a não transcrição a excepção. Na verdade, visando o registo criminal "(...) permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes", a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma excepção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado, já que se reporta a certificados para fins do exercício de profissão e sempre associadas a crimes de pequena gravidade, o que, manifestamente, não acontece no crime de violência doméstica. ..."- Acórdão da Relação de Lisboa de 19/4/2018, relator Antero Luís, in www.dgsi.pt
14. Os elementos disponíveis nos autos não só não permitem afastar o perigo do cometimento de novos crimes de violência doméstica pelo arguido (...), como demonstram precisamente o oposto: o arguido já havia praticado anteriormente um crime de violência doméstica e a suspensão provisória do processo de que que beneficiara no âmbito desse inquérito não foi advertência suficiente que o impedisse da prática de novos factos contra a pessoa da vítima.
15. Devendo, em consequência, ser o despacho judicial substituído por outro que, abraçando o ponto de vista do Ministério Público, determine a transcrição da condenação pela prática do crime de violência doméstica para o registo criminal do arguido (...).
Contudo, V. Exas. farão JUSTIÇA.»
1.4. O recurso foi regularmente admitido.
1.5. O arguido não apresentou resposta ao recurso.
1.6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado procedente, aderindo aos fundamentos aduzidos pelo Ministério Público junto da 1ª instância, na motivação do recurso.
1.7. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo havido resposta.
1.8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. artigo 412º do CPP), sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Assim, no caso em análise, considerando os fundamentos do recurso, a única questão suscitada e que há que apreciar e decidir é a de saber se deve ser revogado o despacho recorrido que, ao abrigo do disposto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, determinou a não transcrição da sentença condenatória proferida no processo de que se trata, nos certificados do registo criminal a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10º da enunciada Lei n.º 37/2015.

2.2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
«(…)
Requerimento apresentado em sede de audiência – referência Citius n.º 86298114
Da não transcrição para o registo criminal
Veio o arguido (...) requerer, nos termos do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, a não transcrição da decisão para o registo criminal.
O Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes da referência Citius n.º 86881785.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 13.º, da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio que “1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º 2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma. 3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão.”.
Por sua vez, prescreve o artigo 4.º da Lei n.º 113/2009 de 17 de Setembro que «1 - Tratando-se de condenação por crime previsto no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, o cancelamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, ocorre decorridos 25 anos sobre a extinção da pena, principal ou de substituição, ou da medida de segurança, e desde que entretanto não tenha ocorrido nova condenação por crime. 2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, mantêm-se os critérios e prazos estabelecidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, exclusivamente para efeito da interrupção prevista na parte final dessa alínea. 3 - Estando em causa o exercício de emprego, profissão ou atividade que envolva contacto regular com menores, o cancelamento provisório de decisões de condenação por crime previsto nos artigos 152.º e 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, só pode ocorrer nas condições previstas nos números seguintes e no artigo 12.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio. 4 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, estando em causa a emissão de certificado de registo criminal requerido para os fins previstos no artigo 2.º da presente lei, o Tribunal de Execução das Penas pode determinar, a pedido do titular, a não transcrição, em certificado de registo criminal requerido para os fins previstos no artigo 1.º da presente lei, de condenações previstas no n.º 1, desde que já tenham sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada, quando seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer. 5 - A decisão referida no número anterior é sempre precedida de realização de perícia de carácter psiquiátrico, com intervenção de três especialistas, com vista a aferir a reabilitação do requerente. 6 - A decisão de não transcrição de condenação prevista nos n.os 1 e 3, proferida ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, apenas opera relativamente a certificados que não se destinem aos fins abrangidos pelo artigo 2.º da presente lei. (negrito nosso)»
Por sentença datada de 24 de Março de 2021, transitada em julgado, foi o arguido (...), condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo sujeita a regime de prova.
Atento o disposto no artigo 13.º da Lei supra citada e a pena aplicada ao arguido, importa aferir se a pena suspensa na sua execução constitui para efeitos da presente Lei, uma pena não privativa da liberdade. Quanto a esta matéria, a jurisprudência já se pronunciou, nomeadamente entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 11 de Junho de 2015, e o Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 18 de Maio de 2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, pelo que, por se secundar a posição neles vertida, transcrevemos o Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 18 de Maio de 2016, no qual se pode ler no seu sumário
«I - Para a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, exige-se a verificação de um pressuposto formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade - e um pressuposto material – arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir o perigo de prática de novos crimes.
II - Sobre a questão de saber se a pena de prisão suspensa é ou não uma pena privativa da liberdade, a Jurisprudência tem-se dividido num e noutro sentido aderindo nós a tese que considera que face à autonomia da pena de substituição aplicada, uma pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena não privativa da liberdade para efeitos do art. 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98 (Lei anterior).
III - Existe uma corrente de opinião (que tem prevalecido nas Relações, sobretudo na Relação de Coimbra) que preconiza uma solução para esta questão que passa pela interpretação da expressão “pena não privativa da liberdade” como abrangendo, não só a pena principal de multa, mas também as penas de substituição não detentivas.
IV - Mas o que se nos afigura decisivo para a solução da questão controvertida é a natureza das penas de substituição, designadamente a de suspensão da execução da pena de prisão.
V - É pacífico o entendimento de que se trata de penas autónomas (em relação à pena principal que substituem) e essa autonomia tem várias implicações. É a pena de substituição que se executa, e não a pena substituída.
VI - No caso vertente, face à pena aplicada de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, se encontra verificado o requisito formal constante do art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/15, de 05/05, vale dizer - condenação em pena não privativa da liberdade
Como se refere no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 13/2016 publicado no DR n.º 193/2016 de 7 de Outubro de 2016 «A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro».
Destarte, das normas supra mencionadas, entendemos que, observando as circunstâncias em que o ilícito foi praticado e suas consequências, constantes dos factos dados como provados na sentença, ao facto de o arguido se encontrar social, familiar e profissionalmente inserido, bem como a ausência de antecedentes criminais anteriores e posteriores aos factos dos autos, e notando ainda que o arguido é trabalhador florestal (pelo que se exclui o contacto com menores no âmbito dessa actividade), o Tribunal acredita que a conduta do arguido se tratou de um acto isolado, não se podendo inferir da mesma, não obstante a censurabilidade jurídico-penal do crime em causa, perigo de prática de novos crimes.
Pelo exposto, determino a não transcrição da sentença proferida nos presentes autos para os certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da referida Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
Notifique.»

2.3. Conhecimento do recurso
Tal como já referimos supra a questão suscitada no recurso em apreciação interposto pelo Ministério Público é a de saber se deve ser revogado o despacho recorrido que, ao abrigo do disposto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, determinou a não transcrição da sentença condenatória proferida no processo em referência, nos certificados do registo criminal a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10º da enunciada Lei n.º 37/2015.
Na decisão recorrida considerou-se estarem verificados os pressupostos legais, previstos no artigo 13º, n.º 1, da Lei 37/2015, para que fosse proferida decisão de não transcrição da sentença condenatória em questão nos certificados do registo criminal a que aludem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10º do referenciado diploma legal.
O Ministério Público/recorrente insurge-se contra essa decisão, defendendo não estar preenchido o pressuposto substancial para que assim se decidisse. Considera o recorrente que «os elementos disponíveis nos autos não só não permitem afastar o perigo do cometimento de novos crimes de violência doméstica pelo arguido (…), como demonstram precisamente o oposto: o arguido já havia praticado anteriormente um crime de violência doméstica e a suspensão provisória do processo de que que beneficiara no âmbito desse inquérito não foi advertência suficiente que o impedisse da prática de novos factos contra a pessoa da vítima.»
Apreciando:
Os certificados do registo criminal contêm os elementos referidos no artigo 10º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio [Lei da Identificação Criminal].
Tais certificados, quando requeridos por pessoas singulares, para os fins previstos nos n.ºs 5 e 6 do enunciado artigo 10º, têm um conteúdo mais restrito do que o daqueles que são requisitados pelas entidades públicas ou oficiais referidas nas alíneas a) a f), h) e i) do n.º 2 do artigo 8º do mesmo diploma, para as finalidades aí previstas, sendo que estes últimos «contêm a transcrição integral do registo criminal vigente» (cf. artigo n.º 3 do artigo 10º).
O conteúdo dos certificados do registo criminal, requeridos por pessoas singulares, para os fins de emprego ou para o exercício de determinada profissão ou atividade, é definido nos n.ºs 5 e 6 do enunciado artigo 10º, que dispõe:
«5. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6. Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.»
A não transcrição de uma decisão condenatória de pessoa singular, nos certificados do registo criminal a que se referem os n.ºs 5 e 6 do citado artigo 10º, depende de decisão judicial nesse sentido e exige que estejam reunidos os pressupostos previstos no artigo 13º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015.
Sobre as decisões de não transcrição estatui o artigo 13º, n.º 1:
«Sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152º, no artigo 152º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo da prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º.»
Decorre do preceito legal acabado de citar, que a decisão de não transcrição de uma sentença condenatória nos certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares, para fins de emprego ou para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, exige que estejam verificados três pressupostos, sendo dois formais e um material e que são, respetivamente, os seguintes:
(i) que a condenação seja em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;
(ii) que o condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e
(iii) que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir o perigo de prática de novos crimes.
Relativamente ao pressuposto formal que se refere à condenação em pena não privativa da liberdade, no âmbito da anterior Lei de Identificação Criminal - Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto - o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. n.º 13/2016, de 07/07/2016[1] fixou jurisprudência no sentido de que «a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro».
No tocante ao pressuposto material, o critério para se aferir da respetiva verificação ou não é o da valoração das circunstâncias que acompanharam o cometimento do crime. Trata-se de um juízo de prognose, em cuja formulação haverá que atender à personalidade do arguido refletida na prática dos factos/crime, no quadro em que foi cometido.
A admissibilidade do acesso ao conteúdo do registo criminal a particulares e à Administração para a fins de obtenção de emprego ou de provimento em certos cargos, visa salvaguardar «exigências de prevenção especial negativa de defesa da sociedade relativamente ao condenado[2]», ou seja, de «defesa social contra os perigos da reincidência.[3]»
E a decisão de não transcrição nos certificados do registo criminal, quando requeridos para fins de emprego ou para o exercício de determinada profissão ou atividade – que constitui uma exceção à regra geral que é a da transcrição[4] das decisões condenatórias, devidamente transitadas em julgado –, visa evitar a estigmatização do condenado por via da publicidade dos seus antecedentes criminais, com influência negativa para a sua reinserção social[5].
Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e baixando ao caso dos autos:
O arguido foi condenado, por sentença proferida em 24/03/2021, já transitada em julgado, pela prática, em 31/05/2020, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP.
Mostram-se, assim, verificados os pressupostos formais para que se pudesse decidir pela não transcrição da sentença condenatória de que se trata, nos certificados do registo criminal do condenado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 13º e 10º, n.ºs 5 e 6, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, considerando:
- a natureza da pena aplicada ao condenado na referida sentença, tratando-se de pena de prisão suspensa na sua execução, devendo esta ser considerada como pena não privativa da liberdade, de harmonia com a jurisprudência uniformizadora estabelecida no enunciado Acórdão do STJ n.º 13/2016 – que embora haja sido proferido com referência ao artigo 17º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro, legislação esta, que entretanto, foi revogada, se mantém válida, se reportada ao artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, atualmente vigente –; e
- que o condenado não regista condenação anterior por crime da mesma natureza[6].
No que concerne a este último pressuposto, a circunstância convocada pelo Ministério Público/recorrente, de o condenado ter já anteriormente beneficiado da medida da suspensão provisória do processo, por crime de violência doméstica, no âmbito do NUIPC n.º 351/19.0GBCCH, pendente no DIAP de Santarém, não leva a afastar este pressuposto, pois que, o despacho que determina a suspensão provisória do processo, impondo ao arguido injunções e regras de conduta, não reveste a natureza de uma condenação.
Com efeito, na suspensão provisória do processo, como refere Isabel Branco Branco[7], «As injunções e regras de conduta, não revestem a natureza jurídica de penas, embora se trate de medidas funcionalmente equivalentes, tratando-se de sanções a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena, nem a correspondente comprovação da culpa (culpa indiciária). Assim, nem as injunções e regras de conduta são penas, nem a Suspensão Provisória do Processo é um despacho condenatório, ou assente num desígnio de censura ético-jurídica, através do qual o arguido aceite respeitar determinadas injunções e regras de conduta, e o Ministério Público se compromete a, caso elas sejam cumpridas, desistir da pretensão punitiva e arquivar o processo.»
Deste modo, concluindo-se estarem reunidos os pressupostos formais para que pudesse decidir-se pela não transcrição da sentença condenatória de que se trata, nos certificados do registo criminal, nos termos do disposto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, a conclusão já é diversa no que respeita ao pressuposto material, que, entendemos não dever considerar-se verificado.
Explicitando:
Tal como resulta do que referimos supra, o critério para se aferir da verificação, ou não, do aludido pressuposto material, é expressamente previsto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, e reporta-se às circunstâncias que acompanharam o cometimento do crime.
Se as circunstâncias que acompanharam o crime permitirem formular um juízo de prognose no sentido de que as mesmas não permitem induzir o perigo da prática de novos crimes pelo condenado, estará verificado o pressuposto material de que depende a decisão de não transcrição da sentença condenatória nos certificados do registo criminal a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10º e nos termos do disposto no artigo 13º, n.º 1, ambos da Lei n.º 37/2015.
Outrossim, não acontecerá se não for possível formular esse juízo de prognose.
Ora, no caso dos autos, os factos praticados pelo arguido e que determinaram a sua condenação, pelo crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, com a agravação do n.º 2, do Código Penal, revestem acentuada gravidade, ocorrendo em plena via pública e tendo a ofendida, companheira do arguido, a filha de ambos, na altura, com apenas 3 anos de idade, ao colo. A ofendida que manifestou pretender ir embora foi impedida de o fazer, sendo manietada pelo arguido, tendo este, primeiramente, a agarrado pelo pescoço, desenvolvendo atuação vulgarmente designada de “mata leão”, e, seguidamente, atirado a ofendida ao solo (sendo o piso de alcatrão), caindo a mesma desamparada, de costas, assim como a filha do casal (que se mantinha ao colo da mãe) e, estando a ofendida caída no solo, o arguido, conjuntamente com o seu sobrinho, puxaram o corpo da ofendida, «o sobrinho pelas pernas e o arguido pela zona das axilas, para o interior da casa de morada de família, tendo para o efeito percorrido cerca de 30 metros.»
As circunstâncias em que o crime de violência doméstica foi cometido pelo arguido/condenado e os traços da personalidade deste que surgem refletidos na respetiva prática, não se abstendo de empreender a atuação que desenvolveu para com a ofendida, mesmo pondo em perigo a filha, de 3 anos de idade, que a ofendida segurava no colo e que caiu juntamente com a mãe, no solo (de alcatrão), não são, de maneira alguma, de molde a permitir formular um juízo de prognose no sentido de que «não permitem induzir o perigo da prática de novos crimes pelo condenado».
Antes pelo contrário, entendemos que as circunstâncias em que o crime de violência doméstica de que se trata foi praticado, não permitem afastar o perigo de o condenado poder vir a reiterar a conduta criminosa, sendo que regime de prova a que ficou sujeito, assente em PIR a elaborar pela DGRSP e que acompanha a suspensão da execução da pena de prisão em que foi cominado[8], poderá vir a contribuir para dissipar ou, pelo menos, minorar aquele perigo.
Concluímos, assim, que, atentas as circunstâncias em que o crime foi cometido, não se pode formular um juízo de prognose, no sentido de que não é possível inferir a existência de perigo da prática de novos crimes por parte do condenado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio.
E assim sendo, não pode subsistir a decisão recorrida que, deferindo o requerimento do arguido/condenado, determinou a não transcrição da sentença condenatória proferida nos autos, nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei nº 37/2015, de 05 de maio.
Impõe-se, pois, revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, indeferindo o requerimento do arguido/condenado de não transcrição da sentença condenatória, proferida no processo n.º 217/20.1GBCCH, nos mencionados certificados do registo criminal, determina a transcrição dessa sentença, nos certificados do registo criminal do condenado, nos termos e para os efeitos legalmente previstos.
O recurso é, pois, procedente.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:

- Revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, indeferindo o requerimento do arguido/condenado de não transcrição da sentença condenatória, proferida no processo n.º 217/20.1GBCCH, nos certificados do registo criminal, a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei nº 37/2015, de 05 de maio, determina a transcrição dessa sentença nos certificados do registo criminal do condenado, nos termos e para os efeitos legalmente previstos.

Sem tributação.

Notifique.
Évora, 21 de setembro de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
_________________________________________________
[1] Publicado no DR n.º 193/2016, Série I, de 07/10/2016.
[2] Como se faz notar no citado Acórdão do STJ n.º 13/2016.
[3] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime- Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pág. 644.
[4] Cfr., entre outros, Ac. da RL de 12/09/2019, proc. 171/17.7PBMTA-A.L1-9 e Ac. da RG de 05/07/2021, proc. 33/19.3GAMGD.G1, acessíveis in www.dgsi.pt
[5] Isso mesmo se refere no enunciado Acórdão do STJ n.º 13/2016 e vem sendo reafirmado pela jurisprudência subsequente, cfr., entre outros, Ac. da RL de 24/09/2020, proc. 517/18.0PWLSB-A.L1-9, Ac. da RG de 09/12/2020, processo nº 55/20.1PBGMR.G1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[6] Ou de qualquer outra natureza.
[7] In Considerações sobre a aplicação do Instituto da Suspensão Provisória do Processo, acessível em http://www.verbojuridico.net/ficheiros/teses, pág. 40.
[8] Refira-se que os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, previstos no artigo 50º do CP e os pressupostos da não transcrição das decisões condenatórias nos certificados do registo criminal a que se referem os nos nºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei nº 37/2015, de 05.05, previstos no artigo 13º, nº1 do mesmo diploma legal, não são inteiramente coincidentes, pelo que, o juízo de prognose favorável formulado subjacente à decisão de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, não invalida a formulação de um juízo de prognose negativo em relação à verificação do pressuposto material exigido para a não transcrição da decisão condenatória nos certificados do registo criminal, previsto no artigo 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015. Neste sentido, cfr., entre outros, Ac. da RP de 13/01/2020, proc. 316/16.4T9AVR-D.P1 e Ac.s da RG de 22/03/2021, proc. 41/17.9GCBRG-J.G1 e de 05/07/2021, proc. 33/19.3GAMGD.G1, acessíveis in www.dgsi.pt.