Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
14/15.6T8SLV-B.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
FALTA DE COMPARÊNCIA
MULTA
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I. Determinando-se a realização de uma tentativa de conciliação, a comparência pessoal ou a representação por mandatário munido de poderes especiais para transigir só é exigível à parte quando esta resida na área da comarca, ou respectiva ilha, caso se trate de uma Região Autónoma, ou quando, aí não residindo, o juiz entenda que tal não representa um sacrifício considerável, atenta a natureza e o valor da causa e a distância da deslocação.
II. Nesses casos, a falta será passível de ser sancionada com multa.
III. O sancionamento em multa pressupõe que se teve como exigível à parte a comparência pessoal na tentativa de conciliação.
IV. Não resultando do despacho que agendou a tentativa de conciliação, nem dos posteriormente proferidos que se fez essa ponderação, não se indicando as concretas razões pelas quais se entende dever a parte comparecer à diligência, apesar de esta antecipada e reiteradamente ter manifestado o propósito irredutível de não transigir, e informar que os seus I. Mandatários forenses, com procuração com poderes especiais para transigir, tinham domicílio profissional em Lisboa e que a comparência nessa diligência representava um dispêndio de custo e de tempo, a falta da parte à diligência em questão não deve ser encarada como violação do dever de cooperação.
V. Na verdade, tendo a diligência em causa como única finalidade a conciliação das partes e tendo desde logo a parte manifestado o seu firme propósito de não se conciliar, o que reafirmou nos autos, a “pertinência” que presidiu à marcação da diligência deixou de poder ser invocada e a realização da diligência constituirá a prática de acto inútil, pois já se sabe que não há possibilidade de se alcançar o resultado pretendido.
Decisão Texto Integral:

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos de embargos de executado, em que é embargante BB e embargado o exequente Banco CC, S.A., que sancionou o embargado, pela falta, em 30/05/2018, à tentativa de conciliação designada nos autos, na multa processual de 2 Ucs, por “falta de colaboração” com o tribunal.

2. Inconformado, recorreu o embagado, concluindo pela revogação do despacho recorrido, com os fundamentos seguintes:
«(…) Vê-se da certidão referida que o ora recorrente tem sede em Lisboa, onde têm domicilio profissional todos os seus mandatários judiciais, e que nos autos apresentou a fls…, aos 19104/2018, o requerimento de fls…, que aqui se dá por reproduzido, informando que não compareceria, nem se faria representar na referida tentativa de conciliação pelos motivos constantes do dito requerimento e que não se conciliava, o que reiterado foi pelo requerimento de fls…, apresentado aos 26/05/2018.
Realizada que foi a referida diligência, é então nos autos proferido o despacho objecto do presente recurso.
É expresso o citado artigo 594º n° 2, do Código de Processo Civil ao estabelecer que "As partes são notificadas para comparecer pessoalmente ou se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais, quando residam na área da comarca, ou na respectiva ilha, tratando-se das Regiões Autónomas dos Açores, OU QUANDO, AÍ NÃO RESIDINDO, A COMPARÊNCIA NÃO REPRESENTE SACRIFÍCIO CONSIDERÁ VEL, ATENTO A NATUREZA E O VALOR DA CAUSA E A DISTÂNCIA DA DESLOCAÇÃO". (maiúsculas nossas)
Ora o que consta dos requerimentos de fls…, e de fls…, que o ora recorrente apresentou nos autos em 19/04/2018 e em 26/05/2018, integra-se precisamente no que consta na parte final do dito preceito legal.
Acresce, ainda, que se impõe, no caso dos autos, no entender do recorrente, ter em consideração o disposto no artigo 7° do Código de Processo Civil.
Acresce que o recorrente não é testemunha.
Daqui, pois, a razão que o recorrente entende lhe assiste.
Aliás questão idêntica foi recentemente decidida de harmonia com o preconizado pelo ora recorrente em Acórdão de 24 de Maio de 2018, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, na la Secção Cível, no Recurso 115/10.7TBOUR-B.E1, Acórdão de que se junta cópia por se desconhecer a respectiva publicação (doc. n.º 1).
(…)
Em conclusão, portanto, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 594°, n° 2, 7° e 508°, n° 4, do Código de Processo Civil, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente por provado, e assim revogar-se o despacho recorrido, na parte objecto do presente recurso, proferindo-se Acórdão que declara sem efeito a condenação do ora recorrente em multa, desta forma se fazendo Justiça»

3. Não se mostram juntas contra-alegações.

4. O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito suspensivo da decisão.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se no caso ocorre fundamento para sancionamento do embargado em multa, por falta de colaboração processual, pela sua falta à tentativa de conciliação designada nos autos.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com pertinência para a decisão relevam as seguintes ocorrências processuais apuradas em face dos elementos juntos aos autos:
1. O executado deduziu oposição, por embargos, à execução que lhe move Banco CC, S.A.;
2. O embargado contestou os fundamentos aduzidos nos embargos;
3. Findos os articulados, a Sr.ª Juíza, julgando pertinente a realização de uma tentativa de conciliação, por despacho de 16/04/2017, designou o dia 30/05/2017 para realização da mesma;
4. Em 19/04/2017, o embargado apresentou requerimento no processo informando de que reiterava o teor da contestação, e que, tendo ele e os demais advogados que constam da procuração, com poderes especiais para transigir, por aquele outorgada, domicílio profissional em Lisboa, não iria comparecer na diligência mencionada, atenta a distância, o custo e o dispêndio de tempo que a deslocação implicaria, deixando expresso que não se concilia;
5. Em 07/05/2017 foi proferido despacho mantendo a realização da tentativa de conciliação, consignando-se que “[é] ao Juiz, e não às Partes, que compete aferir da oportunidade da realização da diligência e que “os motivos invocados pelo embargado não constituem justificação bastante para a sua anunciada falta de comparência”.
6. Em resposta apresentou o embargado, em 26/05/2017, novo requerimento, em que dá conta de que com o seu anterior requerimento não pretendeu por em causa que é ao Juiz que compete aferir da oportunidade da realização da diligência, e que não requereu que a mesma fosse desmarcada, mas tão só deixou expresso que face à distância entre Lisboa e Silves e o facto de não se conciliar, tendo todos os mandatários judiciais do requerente poderes para transigir, não compareceria à dita diligência, nem nela se faria representar.
7. No dia da realização da tentativa de conciliação foi então proferido o despacho recorrido: “(…) Na medida em que a falta de comparência do embargado se revelou inviabilizadora do propósito da presente diligência, e a sua anunciada ausência, não constitui (face aos motivos Invocados) justificação atendível, vai o mesmo condenado, por falta de colaboração com o Tribunal, em multa processual que se fixa em 2 (duas) Ucs. (…)”.
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B) – O Direito
1. A marcação de uma tentativa de conciliação visa obter a composição consensual e equitativa do litígio.
Dada essa finalidade, a lei prevê que as partes sejam notificadas para comparecer pessoalmente na diligência ou para se fazerem nela representar por mandatários especialmente mandatados para transigir (n.º 2 do artigo 594.º do Código de Processo Civil; cf. ainda o n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma).
No entanto, a comparência pessoal ou a representação por mandatário munido de poderes especiais para transigir só é exigível à parte quando esta resida na área da comarca (ou na ilha, caso se trate de uma Região Autónoma) ou, quando aí não residindo, o juiz entenda que tal não represente um sacrifício considerável, atenta a índole da causa, o valor da causa e a distância [Assim, perante idêntico preceito do CPC anterior, vide LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, CPC Anotado, II. Coimbra, pp. 368].
Nesses casos, a falta será passível de ser sancionada com multa, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 7.º, do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Civil e do n.º 1 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais.

No caso em apreço, no despacho que agendou a tentativa de conciliação não se indicou que, apesar de a apelante estar sedeada fora da comarca de Faro (o processo pende no Juízo de Execução de Silves), era nela exigível a comparência de um seu representante ou de um advogado munido de poderes forenses para transigir, e a apelante, após ser confrontada com a marcação da tentativa de conciliação, além de manifestar o propósito irredutível de não transigir, indicou que os seus I. Mandatários forenses, com procuração com poderes especiais para transigir e já junta aos autos, tinham domicílio profissional em Lisboa e que a comparência nessa diligência, pela distância, representava um dispêndio de custo e de tempo.
E, nem no despacho subsequente a esse requerimento nem no despacho apelado são refutadas estas razões, limitando-se este último a constatar a falta da apelante e dos seus I. Mandatários, sem que sejam alinhavadas quaisquer razões que conducentes a concluir que a comparência daquela não representava, na óptica da Mm.ª. Juíza, um sacrifício considerável. Apenas se diz que os motivos invocados não justificam a não comparência, mas não se diz as razões desta conclusão.
Ora, como se disse no acórdão desta Relação, de 24/05/2018, proferido no processo n.º 115/10.7TBOUR-B.E1 (em que foi relatora a 2ª Adjunta nos presentes autos, que apreciou idêntica questão à aqui colocada, e que aqui vimos seguindo de perto, disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt): «…, o sancionamento em multa pressupõe que se teve como exigível à parte a comparência pessoal na tentativa de conciliação.
Daí que, neste contexto, devamos considerar que a falta em questão não deve ser encarada como violação do dever de cooperação - susceptível de espoletar a condenação em multa -, não se verificando, igualmente, um dos pressupostos de que depende a exigibilidade da comparência pessoal que, como vimos, é requisito do sancionamento.»

2. Não se desconhece que, em sentido contrário, se decidiu no acórdão também desta Relação, de 31/01/2013 (proc. n.º 3103/11.2TBEVR-A.E1). Porém, entende-se, com o devido respeito, que a posição assumida no aresto de 24/05/2018, que aqui seguimos, é a que mais se coaduna com a situação agora em apreço.
Na verdade, tendo a diligência em causa como única finalidade a conciliação das partes e tendo desde logo o exequente manifestado o seu firme propósito de não se conciliar, o que reafirmou nos autos, a “pertinência” que presidiu à marcação da diligência deixou de poder ser invocada e a realização da diligência constituirá a prática de acto inútil, pois já se sabe que não há possibilidade de se alcançar o resultado pretendido.
Neste contexto, e independentemente de não poder deixar de se consignar que a postura do embargado não é a que normalmente se vê adoptar em casos como este, certo é que também não se nos afigura razoável que se imponha a obrigatoriedade da deslocação de Lisboa a Silves do representante da exequente/embargada, com os inerentes custos de deslocação e dispêndio de tempo, para a realização de uma tentativa de conciliação que se sabe votada ao insucesso.

3. Deste modo, procede a apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido.
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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Determinando-se a realização de uma tentativa de conciliação, a comparência pessoal ou a representação por mandatário munido de poderes especiais para transigir só é exigível à parte quando esta resida na área da comarca, ou respectiva ilha, caso se trate de uma Região Autónoma, ou quando, aí não residindo, o juiz entenda que tal não representa um sacrifício considerável, atenta a natureza e o valor da causa e a distância da deslocação.
II. Nesses casos, a falta será passível de ser sancionada com multa.
III. O sancionamento em multa pressupõe que se teve como exigível à parte a comparência pessoal na tentativa de conciliação.
IV. Não resultando do despacho que agendou a tentativa de conciliação, nem dos posteriormente proferidos que se fez essa ponderação, não se indicando as concretas razões pelas quais se entende dever a parte comparecer à diligência, apesar de esta antecipada e reiteradamente ter manifestado o propósito irredutível de não transigir, e informar que os seus I. Mandatários forenses, com procuração com poderes especiais para transigir, tinham domicílio profissional em Lisboa e que a comparência nessa diligência representava um dispêndio de custo e de tempo, a falta da parte à diligência em questão não deve ser encarada como violação do dever de cooperação.
V. Na verdade, tendo a diligência em causa como única finalidade a conciliação das partes e tendo desde logo a parte manifestado o seu firme propósito de não se conciliar, o que reafirmou nos autos, a “pertinência” que presidiu à marcação da diligência deixou de poder ser invocada e a realização da diligência constituirá a prática de acto inútil, pois já se sabe que não há possibilidade de se alcançar o resultado pretendido.
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IV – Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido.
Sem custas.

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Évora, 8 de Novembro de 2018
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança