Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
485/08.7TBASL.E4
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: ACIDENTE
ACTIVIDADES PERIGOSAS
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Não tendo resultado provado que a Ré Sociedade Agrícola tenha protagonizado a organização da caçada em que ocorreu o sinistro discutido nestes autos, e independentemente da validade ou eficácia que possua, em termos contratuais ou administrativos, o acto de cedência aos chamados do direito de exploração cinegética, nesse mesmo local, a verdade é que, para efeitos de responsabilidade civil delitual, os hipotéticos vícios daí decorrentes não podem obliterar a responsabilidade dos efectivos detentores da disponibilidade do espaço e da organização dos eventos cinegéticos, sob pena de, assim não sendo, se tutelar uma posição manifestamente contrária aos fins de protecção do próprio instituto da responsabilidade civil.
- Servem tais considerações, por um lado, para, desde já, se excluir a responsabilidade da Ré Sociedade Agrícola pelo sinistro ocorrido, e, por outro, para se considerarem sujeitos passivos directos da previsão legal contida no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil os chamados (…) e (…).
- Os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte.
- Na verdade, o sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte é uma evidência e é, por si só, um facto notório, dispensado de alegação e prova, e que não pode deixar de ser valorizado em sede de indemnização por danos não patrimoniais.
- Porém, no caso dos autos, para além desse facto notório, o certo é que a vítima permaneceu viva durante 17 dias evidenciando grande sofrimento próprio das lesões que haviam de lhe causar a morte, pelo que entendemos como justo e equitativo em fixar tal indemnização no montante de € 10.000,00.
- Fazendo apelo aos critérios fixados jurisprudencialmente, importa salientar que o dano pela perda do direito à vida, direito que se encontra no cerne da existência e da personalidade jurídica, tem oscilado entre os € 50.000,00 e € 80.000,00 (cfr. Ac. do STJ de 31/1/2012, disponível in www.dgsi.pt).
- No caso em apreço, estamos em presença duma vítima com um futuro ainda auspicioso pela frente em termos de realização profissional e com uma vida familiar estabilizada e gratificante, pelo que, nestas circunstâncias, a sua esperança no futuro tinha necessariamente de ser grande e repleta de projectos e de gosto pela vida.
- Por isso, em jeito de conclusão, dizemos que nada poderá pagar o terminus duma vida mas, havendo necessidade de quantificar o dano inerente, consideramos como inteiramente justa e equitativa a compensação de € 50.000,00.
- “In casu”, a morte da vítima não foi um acontecimento anódino e sem significado para o seu filho e para a sua esposa, quer no presente, quer no futuro. Por um lado, a ausência da figura paternal durante todo o resto da vida do filho, aqui A. (com 24 anos na altura da morte do pai), que para sempre lamentará tal falta vendo-se extorquido da afeição e carinho do seu progenitor e, por outro, as sequelas provocadas na esposa, aqui A., pela morte do marido, que ficou privada do seu companheiro de vida, sendo certo que a vítima e mulher viviam em harmonia, formando com o filho uma família muito unida e feliz, e a sua morte causou aos AA. enorme desgosto, choque e sofrimento.
- Deste modo, a não ser por mera insensibilidade a valores fundamentais da natureza humana, não podemos olvidar, de todo, as profundas consequências que a morte da vítima produziu e produzirá na vivência afectiva e emocional dos AA, pelo que entendemos que os montantes indemnizatórios relativos aos danos não patrimoniais sofridos, quer pela A., quer pelo A., devem ser fixados, respectivamente, nos valores de € 20.000,00 (para a actual viúva) e de € 12.500,00 (para o filho).
- Nos termos do disposto no artigo 552.º, nº 1, alínea d), do C.P.C., a petição inicial deve dar cumprimento ao ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, isto é, de todos os factos de cuja verificação dependa a procedência da pretensão deduzida.
- “In casu”, aquilo que obsta à apreciação da responsabilidade da R. Seguradora, à luz da referida apólice n.º (…), é a causa de pedir tal como ela foi configurada na petição inicial pelos AA., a qual – relativamente à R. Seguradora – consiste, tão só, no contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. (apólice n.º …), e já não no contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com os chamados (…) e (…).
- Isto porque, obviamente, o pedido que foi deduzido subsidiariamente contra estes, por parte dos AA., no âmbito do incidente de intervenção principal provocada, não é extensível, de todo, à R. Seguradora.
- Com efeito, resulta claro que, em matéria de responsabilidade, aquilo que estava em causa na presente acção era saber, tão só, se o responsável pelo acidente era a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. e, em caso afirmativo, a R. Seguradora, nos termos da apólice n.º … (de responsabilidade civil da dita Sociedade Agrícola), ou se os responsáveis pelo dito acidente eram os chamados (…) e (…).
- Ora, tendo a Julgadora “a quo” concluído na sentença recorrida pela responsabilidade destes últimos, ambas as RR. (onde se inclui a aqui apelante) deveriam ter sido absolvidas do pedido, já que, como vimos, a hipotética responsabilidade da R. Seguradora à luz da apólice n.º … (de responsabilidade civil dos chamados) não integrava, de todo, o objecto do processo.
- Pela celebração do contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento, sendo que, perante o lesado, o segurado e a seguradora são solidariamente responsáveis, nos termos do artigo 497.º do Código Civil, pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro-lesado por virtude da existência de um contrato de seguro.
- “In casu”, não é aplicável o prazo prescricional mais longo, previsto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil – mas sim o prazo previsto no n.º 1 do referido preceito legal – uma vez que, na definição factual acerca das circunstâncias concretas em que se deu a queda que vitimou o falecido, a responsabilidade é imputada aos chamados/intervenientes a título de culpa presumida (cfr. artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil).
- A invocação da prescrição por parte do chamado (…) não aproveita ao chamado (…), por força do estipulado no artigo 303.º do Código Civil.
- Com efeito, a prescrição constitui um meio de defesa pessoal, que terá de ser invocada por cada um dos devedores e, por isso, não aproveita, de todo, ao devedor que não o fez expressamente, tal como sucedeu, “in casu”, com o chamado (…).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 485/08.7TBASL.E4

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e (…) intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra (…) Seguros, S.A. e Sociedade Agrícola (…), S.A., peticionando que sejam estas solidariamente condenadas a pagar-lhes o montante total de € 101.000,00, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, sendo € 55.000,00 para a A. e € 46.000,00 para o A., a título de danos não patrimoniais por cada um sofridos, bem como dos provocados no falecido (…).
Fundamentaram a sua pretensão nos prejuízos não patrimoniais para ambos havidos, e nos danos não patrimoniais sofridos pelo seu falecido marido e pai, em virtude de queda por este sofrida quando participava numa caçada ao javali na zona de caça explorada pela segunda R., da qual resultaram ferimentos que lhe vieram a provocar a morte. Mais alegam que o referido acidente se deveu à circunstância de não terem sido garantidas, de forma adequada, pela segunda R., as condições de segurança para a prática daquela actividade, tendo o mesmo ficado a dever-se à falta de cuidado dos seus responsáveis na montagem da torre de onde o falecido veio a cair, e que a responsabilidade civil por danos ocasionados na prática da caça, no local em causa, se encontrava transferida para a primeira R., por contrato de seguro celebrado com aquela.
Devidamente citadas, ambas as RR. contestaram.
Quanto à R. seguradora alegou a celebração, com a segunda R., do contrato de seguro mencionado na petição inicial, titulado pela apólice n.º (…), mas referiu que, à data do acidente, a exploração cinegética da Herdade do (…) pertencia a dois particulares, (…) e (…), pertencendo a estes toda a responsabilidade, bem como toda a organização relativa à prática da caça. Mais alegou que a torre de onde o falecido caiu foi construída pelo referido (…), contrariando a proibição constante do contrato de compra e venda da zona de caça, e que o mesmo informou expressamente o sinistrado de que não lhe era permitida a subida à referida torre/palanque. Por outro lado, alega que inexiste nexo de causalidade entre os ferimentos sofridos pelo sinistrado em consequência da queda e a pneumonia que veio a contrair e que foi causa da sua morte. Conclui no sentido de que a acção deve improceder, pelo se impõe, consequentemente, a sua absolvição do pedido.
Por sua vez, a R. Sociedade Agrícola alegou, na sua contestação, que na data do acidente não explorava a zona de caça de que era concessionária, por ter vendido a (…) e a (…) o direito de exercer a exploração cinegética no local em apreço, tendo tal acordo produzido efeitos entre 01.03.2005 e 01.03.2006. Para além do mais, em tal contrato de compra e venda ficou expressamente estipulada a proibição de serem construídos palanques ou andaimes na zona de caça, sendo ainda certo que desconhece, sem obrigação de saber, as circunstâncias do alegado acidente sofrido pelo familiar dos AA., não sendo responsável pela sua verificação. Aduz ainda que não resulta do certificado de óbito junto pelos AA. que a morte de (…) haja ocorrido na sequência da queda descrita na petição inicial.
Os AA. apresentaram réplica, na qual, entre o mais, reiteram que a responsabilidade pela indemnização dos danos reclamados na petição inicial cabe à R. Seguradora, por força do referido contrato de seguro que celebrou com a R. Sociedade Agrícola. Por outro lado, em tal articulado, os AA. mencionaram, além da apólice n.º (…), a apólice n.º (…), requerendo a notificação da R. Seguradora para juntar ambas aos autos, mas isso porque esta última, na sua contestação, tinha mencionado (por mero lapso), que o contrato de seguro celebrado com a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. era titulado pela última apólice. Não obstante, com a junção aos autos dessas duas apólices, os AA. pretendiam comprovar a celebração do contrato de seguro entre a R. Seguradora e a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. em que fundamentavam a pretensão formulada contra aquela.
Além disso, os AA., face às dúvidas existentes quanto ao real titular do direito de exploração cinegética da Herdade em causa – levantadas nas contestações de ambas as RR. – vieram requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 325.º a 329.º do CPC (CPC, na versão anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), a intervenção principal provocada de (…) e (…), como responsáveis e sujeitos passivos da obrigação de indemnizar os AA. pelos factos já elencados na petição inicial.
Não tendo sido manifestada, pelas RR., qualquer oposição à requerida intervenção provocada, e constatada a respectiva admissibilidade legal, foi a mesma deferida, por despacho de 18/2/2009, e determinada a citação dos chamados.
Devidamente citados, ambos os chamados apresentaram contestação.
O (…) consignou, em síntese, que celebrou com a segunda R. o contrato de compra e venda da exploração da zona de caça e que, na altura do acidente, se encontrava de férias, tendo sido o chamado (…) quem organizou a caçada ao javali, sendo que a torre de onde o sinistrado caiu tinha sido construída por aquele, para seu uso exclusivo, e o sinistrado devidamente advertido pelo mesmo de que não lhe era permitido o acesso a tal local. Acrescenta ainda que inexiste nexo de causalidade entre a morte do sinistrado, devida a pneumonia, e a queda da estrutura nas condições descritas na petição inicial.
Quanto ao (…), alegou, em resumo, que o contrato que, em conjunto com (…), celebrou com a segunda R., nos termos do qual compraram a esta o direito de exploração cinegética da Herdade do (…) é materialmente inválido, por violação do regime regulamentar aplicável, pelo que é a referida R. a única responsável pelo acidente descrito na petição inicial, tal como a R. seguradora, nos termos do acordo de seguro entre ambas celebrado. A não ser assim entendido, sempre a responsabilidade pelos danos alegadamente decorrentes do acidente pertence à R. seguradora, dado que entre esta e os chamados igualmente foi celebrado um contrato de seguro (apólice n.º …) que cobria os riscos decorrentes da prática cinegética no local em apreço. Por fim, alega que inexiste nexo de causalidade entre a morte que sobreveio ao sinistrado, em consequência de pneumonia, e as lesões que sofreu com a queda da estrutura existente no local da caçada.
Foi, oportunamente, realizada audiência preliminar, no âmbito da qual se proferiu despacho saneador, declarando-se a competência do tribunal, em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, a inexistência de nulidades ou questões prévias, e se reconheceu a personalidade e capacidade judiciárias das partes, bem como a sua legitimidade, tendo aí sido fixado o valor da causa. Procedeu-se ainda à fixação da matéria de facto assente e à selecção, na base instrutória, da matéria controvertida, as quais não foram objecto de reclamação pelas partes.
De seguida veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência: 1. Absolveu a R. Sociedade Agrícola dos pedidos contra si deduzidos pelos AA.;
2. Condenou solidariamente a R. seguradora e os intervenientes (…) e (…) a pagar aos AA. as seguintes quantias, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento:
a) € 45.000,00 pelos danos não patrimoniais causados a … (€ 5.000,00 + € 40.000,00);
b) € 9.000,00 a cada um dos AA., pelos danos não patrimoniais por cada um sofridos (€ 9.000,00 x 2 = € 18.000,00).
Inconformados com tal decisão dela apelaram os AA., a R. seguradora e os intervenientes (…) e (…), tendo sido proferido acórdão neste Tribunal Superior, datado de 11/5/2017, no qual foi anulada a sentença recorrida, a fim de serem dadas novas respostas aos quesitos 16º a 18º e 18º-A (requisitando-se previamente documentos para ser complementada a prova pericial) e determinando-se a realização de novo julgamento em conformidade com o acima explanado (sendo que na nova audiência a realizar, sempre as partes, querendo, podiam requerer e apresentar novas provas que viessem a complementar ou infirmar a referida prova pericial).
Tendo os autos baixado à 1ª instância, foi solicitado relatório pericial complementar (juntando-se o relatório de autópsia de … necessário para esse efeito) e, uma vez junto aos autos tal relatório complementar, a M.ma Juiz “a quo” proferiu despacho em que determinou – sem mais – que não se impunha a realização de quaisquer outras diligências de prova, bem como, ordenou que as partes proferissem as suas alegações por escrito, sendo que, de seguida, proferiu, de imediato, a respectiva sentença (concluindo-se que não veio a ser realizado, afinal, o novo julgamento no tribunal “a quo”, em conformidade com aquilo que havia sido previamente determinado no aresto supra referido proferido nesta Relação…).
Ora, na mencionada sentença que proferiu, a M.ma Juiz “a quo” veio a julgar a presente acção parcialmente procedente por provada, em consequência:
1. Absolveu a R. Sociedade Agrícola dos pedidos contra si deduzidos pelos AA.;
2. Condenou solidariamente a R. seguradora e os intervenientes (…) e (…) a pagar aos AA. as seguintes quantias, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento:
a) € 45.000,00 pelos danos não patrimoniais causados a … (€ 5.000,00 + € 40.000,00);
b) € 9.000,00 a cada um dos AA., pelos danos não patrimoniais por cada um sofridos (€ 9.000,00 x 2 = € 18.000,00).
Novamente inconformados com tal decisão dela apelaram os AA., a R. seguradora e os intervenientes (…) e (…), tendo sido proferido acórdão neste Tribunal Superior, datado de 31/1/2019, no qual foi anulada a sentença recorrida (uma vez que apenas veio a ser elaborado o relatório pericial complementar junto a fls. 731, por a Julgadora “a quo” ter determinado – por despacho datado de 30/5/2018 – que não se impunha a realização de quaisquer outras diligências de prova), ordenando-se a notificação das partes para, querendo, face ao teor do mencionado relatório pericial complementar de fls. 731, apresentarem as provas tidas por pertinentes e necessárias à descoberta da verdade e, de seguida, ser designada uma data para a realização de nova audiência de julgamento, na qual – se outras provas não forem requeridas – deverá ser inquirida, oficiosamente, a médica que elaborou os dois mencionados relatórios periciais (quer o de fls. 335/336, quer o de fls. 731) – Dra. (…) – a fim de esclarecer todo o circunstancialismo fáctico a que se alude a fls. 28 de tal aresto e, no final, ser dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para produzirem as respectivas alegações orais (de acordo, aliás, com o disposto no artigo 604.º, n.º 5, do C.P.C.).
Baixando os autos à 1ª instância foi então cumprido o que havia sido determinado no aresto supra referido (datado de 31/1/2019) realizando-se novo julgamento em conformidade, findo o qual veio a ser proferida uma nova sentença pela M.ma Juiz “a quo”, onde a presente acção foi julgada parcialmente procedente, por provada e, em consequência:
1. Absolveu a R. Sociedade Agrícola dos pedidos contra si deduzidos pelos AA.;
2. Condenou solidariamente a R. seguradora e os intervenientes (…) e (…) a pagar aos AA. as seguintes quantias, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento:
a) € 45.000,00 pelos danos não patrimoniais causados a … (€ 5.000,00 + € 40.000,00);
b) € 9.000,00 a cada um dos AA., pelos danos não patrimoniais por cada um sofridos (€ 9.000,00 x 2 = € 18.000,00).
Mais uma vez inconformados com tal decisão dela apelaram os AA., a R. seguradora e os intervenientes (…) e (…).

Quanto aos AA. apresentaram oportunamente as suas alegações de recurso, terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. A Douta Sentença não podia ter excluído a responsabilidade da Ré Sociedade Agrícola pelo sinistro ocorrido, considerando sujeitos passivos diretos da previsão legal contida no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil os chamados (…) e (…).
2. Nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro – Lei de Bases Gerais da Caça – “A gestão dos recursos cinegéticos compete ao Estado, podendo ser transferida ou concessionada nos termos da presente lei”.
3. Ficou provado (factos provados n.ºs 1 e 2): “1. Através da Portaria n.º 100/2004, de 23 de janeiro, publicada em DR, I Série B, foi concessionada, pelo período de 12 anos, à Sociedade Agrícola (…), SA, a zona de caça turística da … (processo n.º …), englobando o prédio rústico denominado “(…)”, sito na freguesia de Santa Maria, município de Alcácer do Sal, com a área de 661 ha.”.
4. Sendo a Ré Sociedade Agrícola concessionária da zona de caça em apreço, não poderia legalmente proceder à sua sub-concessão, a qual não se encontra prevista na lei.
5. A transmissão da posição de concessionária do referido direito depende do cumprimento de formalidades muito estritas, que, no caso, não se revelam cumpridas pois nos termos do n.º 1 do artigo 42.º do Decreto-lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, na redação dada pelo Decreto-lei n.º 338/2001, de 26 de Dezembro, que regulamentou a Lei de Bases Gerais da Caça, a autorização para a mudança de concessionário – e é disto que se trata e não foi feito – teria de ser requerida junto da Direção Regional de Agricultura respetiva pela Ré Sociedade Agrícola.
6. A mudança de concessionário teria, igualmente, de ser aprovada por Portaria Conjunta dos Ministros da Economia e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas” (n.º 6, do mesmo artigo, do DL citado), mas ficou igualmente provado que “A Ré Sociedade Agrícola do (…) não comunicou, na época venatória de 2005/2006, à então Direcção-Geral das Florestas (DGF) qualquer alteração de concessão relativa à ZCT n.º (…);” (facto provado n.º 3).
7. O não cumprimento dos procedimentos e formalidades previstos no DL 338/2001, que dá nova redação ao DL 27-B/2000, sobre a transmissão da posição ou mudança de concessionário de uma zona de caça turística, torna o referido negócio jurídico inválido e inteiramente ineficaz perante terceiros, designadamente perante os Autores para quem os meios e modelos de organização internos que a Ré Sociedade Agrícola do (…) adoptou para prosseguir essa actividade concessionada são indiferentes.
8. A Ré Sociedade Agrícola do (…) sempre esteve ciente das suas responsabilidades, tanto que foi sempre tal sociedade que se manteve legalmente como concessionária (Cfr. factos provados n.ºs 1 e 3) e celebrou um seguro de responsabilidade civil com a também Ré (…) Seguros (Cfr. facto provado n.º 9).
9. Da qualidade de concessionária da exploração da referida zona de caça, enquanto não validamente transmitida, derivam para a Ré Sociedade Agrícola do (…) incontornáveis deveres de direção e de supervisão da atividade desenvolvida no quadro da concessão, aliás alguns dos quais expressamente previstos no contrato de compra e venda de fls. 77 a 82 que celebrou com os chamados.
10. Não foram só os chamados, mas também a Ré Sociedade Agrícola quem, em relação à exploração da atividade da caça na Herdade em apreço retirou “os benefícios que da mesma resultassem e assumindo os riscos que lhe fossem inerentes”. Pois o contrato de compra e venda de fls. 77 a 82 gerava rendimento para a ré sociedade, pago pelos chamados, e a mesma ré sociedade também assumia os riscos da exploração, quer mantendo legalmente a concessão, quer celebrando o seguro de responsabilidade civil obrigatório em seu nome, aliás previsto no referido contrato.
11. As consequências dos actos e omissões praticados no âmbito da gestão da concessão, por quem a Ré Sociedade Agrícola do (…) tenha incumbido de agir, como seu comissário ou auxiliar, não podem deixar de se projetar na esfera jurídica daquela pois é quem corresponde ao conceito legal referido de “aqueles que organizam as caçadas”.
12. A quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) atribuída pela Douta Sentença pelas dores e sofrimento de que padeceu o infortunado (…), na sequência do acidente e das lesões dele decorrentes afigura-se manifestamente insuficiente (Cfr. Acórdão do STJ de 29-10-2013).
13. No caso em apreço, “A gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido e pelos AA. afigura-se muito elevada, face aos comportamentos ilícitos protagonizados pelos seus responsáveis, às circunstâncias em que ocorreram as lesões, à sua gravidade e ao desfecho fatal que veio a verificar-se, com a supressão do bem máximo (a vida) da vítima”.
14. Entre o acidente dos autos em 16.09.2005 e a morte em 03.10.2005, a vítima foi operada e o seu estado de saúde agravou-se significativamente (Cfr. factos provados n.ºs 4, 11 e 21).
15. Os ora alegantes consideram que os sofrimentos causados à própria vítima devem dar lugar a reparação, que se estima em montante não inferior a € 10.000,00 (dez mil euros).
16. Os ora apelantes discordam, ainda, da atribuição do valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros) pela violação/supressão do direito à vida de (…).
17. É vasta a jurisprudência recente do STJ em que constatamos que os valores atribuídos em circunstâncias similares são consideravelmente superiores.
18. A Douta Sentença reconhece que “Neste ponto, há que atentar no facto de (…) ter, à data da morte, 47 anos de idade, e de não ter resultado apurado qualquer contributo seu para a queda que o vitimou. Por outro lado, há que ter em conta que, atenta a esperança média de vida conhecida do senso comum, restar-lhe-iam ainda muitos anos até que, por causas naturais, viesse a falecer”.
19. O quantum indemnizatório relativo ao dano morte atribuído judicialmente vai no sentido de uma progressiva actualização gradual, na medida em que os bens da personalidade “valem” hoje mais do que ontem (Acórdãos STJ de 05/07/2007 e TRP de 22/05/2012), considerando as decisões anteriores de casos semelhantes.
20. A evolução no sentido ascendente dos montantes indemnizatórios pela perda do direito à vida justifica-se não por a inflação ser “agora notoriamente relevante, mas porque se vai evoluindo no sentido da proteção da vítima e da tutela cada vez mais intensa dos direitos de personalidade e, ainda, porque a filosofia da vida, aceitando o sofrimento cada vez menos, cada vez reserva maior espaço para a monotorização, incluindo dos sentimentos” (Cfr. Acórdão STJ de 09/09/2010).
21. A título de exemplo, recente, da evolução no sentido ascendente dos montantes indemnizatórios pela perda do direito à vida, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (processo n.º 65/17.6GTALQ-5), proferido por unanimidade em 06/30/2020, que fixou a indemnização pela perda do direito à vida em € 150.000,00 (disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8a6e9da27b1987898025859e003af66c?OpenDocument).
22. Após a tragédia das mortes das vítimas dos incêndios florestais ocorridos em Portugal nos dias 17 a 24 de junho e 15 a 16 de outubro de 2017, o Conselho de Ministros resolveu, a 21 de Outubro de 2017 (Resolução n.º 157-C/2017, Diário da República, 1ª Série, n.º 208, de 27 de Outubro de 2017), assumir em nome do Estado a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações decorrentes das mortes das vítimas dos referidos incêndios florestais.
23. E no âmbito dos mecanismos extrajudiciais, de adesão voluntária, nessa Resolução prevista, atribuiu-se a um Conselho composto por três juristas de reconhecido mérito e experiência a competência para fixar, de acordo com o princípio da equidade, os critérios a utilizar no cálculo das indemnizações a pagar pelo Estado aos titulares do direito à indemnização por morte das vítimas, que fixou o seguinte:
(i) quanto ao dano-morte, a pagar em conjunto aos titulares do direito à indemnização, o montante de oitenta mil euros (€ 80.000,00);
(ii) quanto ao sofrimento ante-mortem, a pagar em conjunto a titulares do direito à indemnização, o montante de setenta mil euros (€ 70.000,00), acrescido de eventuais majorações;
(iii) Quanto aos danos próprios dos requerentes, de natureza não patrimonial, a pagar individualmente a cada um deles, o montante de quarenta mil euros (€ 40.000,00) devido a pais, cônjuges [ou unidos de facto] e filhos ou netos, com eventuais majorações.
24. Também após a derrocada da Estrada Municipal 255 (EM 255), no concelho de Borba, em 19 de novembro de 2018, na qual cinco pessoas perderam tragicamente a vida, resolveu o Conselho de Ministros, ao abrigo do disposto na alínea g) do artigo 199.º da Constituição, assumir, em nome do Estado, a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações decorrentes das mortes (Resolução do Conselho de Ministros n.º 4/2019, de 9 de janeiro, n.º 1), em termos, critérios e valores semelhantes.
25. Pelo que a fixação do quantum relativo ao dano morte em valor inferior a € 50.000,00 constitui uma indemnização manifestamente insuficiente face aos valores praticados designadamente pelo STJ e nos referidos critérios de indemnização.
26. Os ora apelantes também não se conformam com os valores atribuídos pelos danos não patrimoniais por cada um sofridos (€ 9.000,00 x 2 = € 18.000,00) uma vez que “A gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido e pelos AA. afigura-se muito elevada, face aos comportamentos ilícitos protagonizados pelos seus responsáveis, às circunstâncias em que ocorreram as lesões, à sua gravidade e ao desfecho fatal que veio a verificar-se, com a supressão do bem máximo (a vida) da vítima.”, os valores da indemnização afastam-se consideravelmente daquilo que seria razoável para um caso com este desfecho, pois foi, e ainda é, como também facilmente se intui, enorme o desgosto, choque e sofrimento dos autores por perderem o pai e marido em tão trágicas circunstâncias e por terem ficado, assim, viúva e órfão numa idade tão precoce (Cfr. Acórdão do STJ de 07.10.2010).
27. Nesta conformidade, a “(…) a concessão de adequada indemnização pecuniária pelos danos verificados.” A título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos próprios autores seriam os valores peticionados: € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) para a autora e cônjuge, ora apelante, e € 16.000,00 (dezasseis mil euros) para o autor e filho, ora apelante.
28. O Acórdão para fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002, só tem campo de aplicação quando resulte que o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais já faça referência concreta ou da decisão resulte insofismavelmente que o valor atribuído é atualizado.
29. Os próprios supra referidos critérios de atribuição de indemnização pelos fogos florestais e pelo acidente da Pedreira de Borba, justificam o aumento de valores atribuídos em 2001 pela tragédia de Entre-os-Rios pela necessária atualização dos valores em causa.
30. Pelo que todos os montantes fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais deverão ser objeto de atualização, desde a data da propositura da ação até à data da fixação da indemnização que vier a ser arbitrada, em função da evolução do índice de preços, de modo a corrigir a perda do valor aquisitivo dos valores pedidos em que os réus venham a ser condenados (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.05.2010).
31. Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, e sem prescindir do Douto Suprimento de V. Exas., deverão os Venerandos Desembargadores conceder provimento ao presente recurso apresentado e, em consequência, o recurso ser julgado procedente e a Douta Sentença parcialmente revogada, sendo a Ré Sociedade Agrícola (…), S.A. condenada solidariamente com a Ré (…) Seguros, S.A. e os intervenientes (…) e (…) a pagar aos autores, ora apelantes, as seguintes quantias: € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, a que acresce o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização por morte e, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos próprios autores, o valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) para a autora e € 16.000,00 (dezasseis mil euros) para o autor, aplicando a todos os montantes fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais a respetiva atualização em função da evolução do índice de preços, desde a data da propositura da ação até à data da fixação da indemnização. Vossas Excelências, porém, melhor decidirão e farão, como sempre, a habitual Justiça.

Quanto à R. seguradora apresentou também, oportunamente, as suas alegações de recurso, tendo terminado as mesmas com as seguintes conclusões:
1. Importa ter presente, por um lado, que o ónus processual, a cargo do autor, de indicar, com clareza, a causa de pedir prende-se com a necessidade de assegurar o exercício do contraditório pelo réu e, por outro, que, ao conhecer da pretensão do autor, o juiz apenas pode atender aos factos essenciais que compõem a causa de pedir (sem prejuízo da consideração dos factos instrumentais, dos factos complementares ou concretizadores, dos factos notórios e dos factos de que o tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções, desde que reunidas as necessárias condições legais).
2. Quanto à R. ora apelante, a causa de pedir surge concentrada no artigo 34º da p.i., onde os AA. alegaram que ambas as RR. celebraram entre si um contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…), pela qual a R. Sociedade Agrícola (…) “transferiu” para a R. (…) a responsabilidade civil decorrente da exploração cinegética da “Herdade (…)”.
3. Na réplica, os AA. reiteraram que a responsabilidade da R. (…) pela regularização do sinistro resultava daquela apólice de seguro (pedindo a sua junção aos autos) e requereram a intervenção principal provocada de (…) e (…), invocando, para o efeito, dúvidas sobre os sujeitos da relação controvertida, motivadas pelas contestações de ambas as RR.
4. O interveniente (…), no seu articulado, alegou que também a sua responsabilidade civil (bem como a do outro interveniente …), decorrente da exploração cinegética da Herdade “(…)”, se encontrava, à data do sinistro, “transferida” para a R. (…), por meio da apólice n.º (…), pelo que esta não poderia deixar de responder pelos danos por via da apólice n.º (…) ou da apólice n.º (…), conforme a responsabilidade fosse da R. Sociedade Agrícola (…) ou dos intervenientes, respectivamente.
5. Em momento algum os AA. alteraram ou ampliaram a causa de pedir, nos termos do artigo 273.º/1, do CPC então vigente.
6. A R. (…), a R. Sociedade Agrícola (…) e os intervenientes assumem a posição processual de co-réus, pelo que a primeira não dispunha de meio processual para se pronunciar sobre as posições assumidas pelos intervenientes nos respectivos articulados, nomeadamente sobre a celebração do contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…) e a sua (da R. …) responsabilidade pela regularização do sinistro ao abrigo desse contrato, alegada pelo interveniente … (o que se compreende, pois o litígio opõe as contrapartes, isto é, autor e réu, e não as compartes).
7. A R. (…) só poderia fazer uso dos meios de defesa baseados na relação contratual estabelecida com os intervenientes, titulada pela apólice n.º (…), numa de duas situações:
a) Se, nos termos do artigo 329.º/2, do anterior CPC, os intervenientes, nos respectivos articulados, tivessem requerido o chamamento da R. (…), com o fim de obter a sua condenação na satisfação do direito de regresso que, hipoteticamente, lhes poderia assistir, por via daquela apólice, em caso de improcedência do pedido principal (formulado contra a Sociedade Agrícola …) e procedência do pedido subsidiário, formulado contra os referidos intervenientes;
b) Se os AA., nos termos do artigo 273.º/1, do mesmo Código, tivessem deduzido réplica aos articulados dos intervenientes e aí ampliado a causa de pedir, relativamente à R. (…), alegando que, no caso de proceder o pedido subsidiário formulado contra os (ou um dos) intervenientes, a R. (…) deveria, também, ser condenada, por via da apólice nº (…), que cobria a responsabilidade civil daqueles pela exploração cinegética da Herdade “(…)”.
8. Numa ou noutra hipótese a R. (…) teria a oportunidade de se pronunciar sobre a responsabilidade dos intervenientes pelo sinistro e a sua própria responsabilidade, à luz da relação contratual que estabelecera com eles, titulada pela apólice n.º (…), em sede, respectivamente, de contestação ao articulado dos intervenientes ou, nos termos do artigo 503.º/1, do anterior CPC, de tréplica, à matéria da ampliação.
9. Ao condenar a R. (…) com base na apólice n.º … (invocada pelo interveniente …), e não na que serviu de fundamento ao pedido dos AA., a 1ª instância proferiu uma verdadeira decisão-surpresa! Dizendo de outro modo, a 1ª instância condenou a R. (…) com base numa relação contratual sobre a qual esta não se pudera pronunciar na fase dos articulados, porque distinta daquela que fora invocada pelos AA. na petição inicial!
10. Desse modo, a R. (…) foi condenada ao abrigo do contrato de seguro celebrado com os intervenientes (…) e (…), titulado pela apólice n.º (…), sem que tivesse tido a possibilidade de invocar a prescrição do direito de indemnização dos AA. sobre os intervenientes (não invocada por estes) e o incumprimento doloso da obrigação de declaração do risco antes da reposição dessa apólice (o qual se traduziu na subscrição pelos intervenientes de uma declaração de ausência de sinistralidade entre 18.7.2005 – data da anulação – e 2.11.2005 – data da referida declaração –, quando ambos sabiam que o sinistro ocorrera em 16.9.2005 e que a vítima falecera em 3.10.2005), sendo certo que ambas as excepções peremptórias, a serem suscitadas e julgadas procedentes, eram susceptíveis de determinar um desfecho da acção favorável a R. (…), extinguindo a responsabilidade dos intervenientes (a prescrição) ou constituindo causa de anulação da apólice e consequente afastamento da responsabilidade da R. (…) pela regularização do sinistro, nos termos dos artigos 24.º/1 e 25.º/1 e 3, da LCS (o incumprimento do dever de declaração do risco).
11. Do que resulta que, por ter sido condenada com base numa apólice distinta da que integrava a causa de pedir, a R. (…) não exerceu, na fase dos articulados, o contraditório relativamente aos factos que determinaram a sua condenação.
12. O pedido formulado contra a R (…) não poderá deixar de ser apreciado e julgado à luz da causa de pedir configurada pelos AA. na petição inicial. Considerando que essa causa de pedir assenta na apólice de responsabilidade civil da R. Sociedade Agrícola (…), e que está provado que esta transmitiu aos intervenientes a exploração cinegética da Herdade “(…)” e que foram estes quem organizaram a caçada no âmbito da qual ocorreu a queda do falecido, impõe-se a absolvição da R. (…) do pedido.
13. A sentença condenatória recorrida viola ou desconsidera os artigos 467.º/1, d), 264.º e 273.º/1, do anterior CPC (sendo que às duas primeiras disposições correspondem, respectivamente, os artigos 552.º/1, d) e 5.º do NCPC), bem como o princípio do contraditório, acolhido no artigo 3.º, em particular nos seus n.ºs 1 e 3, de ambos os Códigos.
14. Termos em que devem V. Exas. conceder provimento ao recurso de apelação e, consequentemente, revogar a sentença condenatória recorrida, absolvendo a R. (…) da totalidade do pedido, com o que fareis a costumada Justiça.

Por sua vez, o interveniente (…) apresentou também as suas alegações de recurso, terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
a) A Douta Sentença recorrenda errou, quando nela se decidiu condenar «(…) solidariamente a Ré (…) Seguros, S. A., e os intervenientes (…) e (…) a pagar aos Autores, (…) e (…), as seguintes quantias, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento (…)»;
b) Porquanto, e no caso sub judice, a responsabilidade que ficou provada nos autos, e a correspondente obrigação de indemnizar os AA., não é solidária – quanto muito, verificar-se-á, neste caso, uma situação que a Doutrina e a Jurisprudência chamam de solidariedade imprópria e/ou imperfeita.
c) E porque assim é, somente a Ré (…) Seguros, S.A. é que deveria ter sido condenada a pagar a indemnização fixada na Sentença recorrenda, porquanto o respectivo quantum (de 63 mil euros) cabe claramente no capital máximo coberto pelo seguro de responsabilidade civil obrigatório (no valor de 100 mil euros) que vigorava, à data, entre essa Seguradora e os dois Intervenientes Principais, um dos quais é o ora recorrente.
d) Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deverão Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, conceder provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, alterar a Douta Sentença recorrenda, no sentido de absolver o ora recorrente e Interveniente Principal do pagamento da indemnização que foi fixada nessa Sentença, mantendo-se a condenação, tão só e apenas, da Ré (…) Seguros, S.A. E, assim procedendo, Vossas Excelências farão Justiça.

Finalmente, o interveniente (…) apresentou também as suas alegações de recurso, terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I. Vem a presente alegação do recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo a fls., na qual se decidiu absolver a Ré Sociedade Agrícola (…), S.A., dos pedidos deduzidos pelos Autores e condenar solidariamente, por efeito da responsabilidade civil extracontratual, a Ré (…) Seguros, S.A., e os intervenientes (…) e (…) a pagar aos Autores, (…) e (…), nas seguintes quantias, de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais causados a … (€ 5.000,00 + € 40.000,00) e de € 9.000,00 (nove mil euros) a cada um dos Autores, pelos danos não patrimoniais por cada um deles sofridos (€ 9.000,00 x 2 = € 18.000,00).
II. O tema decidendi em apreciação no presente recurso consiste na apreciação da prescrição e de nulidades da sentença, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
III. O prazo de prescrição do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual inicia-se com o conhecimento pelo lesado do direito que lhe pertence;
IV. Significa isto que, tendo o ora recorrente sido citado na presente acção aos 04 de Março de 2009, e tendo o acidente ocorrido aos 16 de Setembro de 2005, o direito encontra-se prescrito.
V. Mais, o Tribunal a quo configurou como factos instrumentais, factos constitutivos do direito, ou seja, que são essenciais e que constituem a própria causa de pedir;
VI. O Tribunal a quo, ao considerar como provados aqueles factos – que não se encontram alegados, criou os pressupostos necessários para qualificar aquela conduta como ilícita, preenchendo – sem qualquer alegação factual das partes, um dos elementos da responsabilidade extracontratual;
VII. Veja-se que os autores não alegaram qualquer facto relativo à ilicitude, nem tão pouco identificaram o recorrente como responsável pelo dano.
VIII. O Tribunal a quo não pode qualificar estas questões como instrumentais, quando as mesmas constituem a própria causa de pedir;
IX. É uma verdadeira decisão surpresa, proibida pelo nosso sistema judicial, por violadora dos princípios constitucionais da igualdade, da transparência, do contraditório, todos ínsitos no processo cível, que se supõe ser um processo de partes e onde o Tribunal terá, porque em causa não está o interesse público, um papel imparcial.
X. Mais, existe uma contradição insanável em relação aos factos provados e meios de prova que serviram para fundamentar a decisão.
XI. Com efeito, no âmbito da prova pericial é referido que “o facto de a vítima apresentar fratura de dois arcos costais condicionou a sua imobilização”, que deu lugar à pneumonia – causa da morte, mas no âmbito da prova testemunhal é mencionado que “não é possível afirmar que tenha sido a fractura das costelas a provocar o aparecimento da pneumonia”.
XII. Nos termos do n.º 1, alínea c), do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando, “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
XIII. Caberia ao Tribunal a quo esclarecer se a fratura de dois arcos costais foi resultado da queda ou de outro qualquer facto, bem como, qual a razão da imobilização da vítima.
XIV. O qual se mostraria essencial para a decisão, atendendo desde logo quer ao episódio psiquiátrico, quer ao referido no relatório clínico constante de fls. 251 vº e 259 artrite reumatoide e limitação articular das ancas, conjugado com a prova testemunhal.
XV. Significa isto que, sem estes esclarecimentos fica a dúvida quanto ao momento em que ocorreram as referidas fraturas e qual a razão efetiva da imobilização da vítima – factos essenciais.
XVI. E este Venerando Tribunal havia considerado que “apenas é feita referência a estas fracturas dos arcos costais da vítima na referida perícia complementar (e já não na perícia primitiva – cfr. fls. 335/336) pelo que seria importante vir a apurar e a esclarecer se tais fracturas resultaram da queda da vítima do palanque onde se encontrava, ou, eventualmente, resultaram de um qualquer outro facto, tendo em conta o histórico clínico da vítima (...). Daí que tal factualidade sempre poderá ser devidamente apurada e esclarecida em sede de uma nova audiência (...)”
XVII. Ora, nenhum destes factos se mostram provados.
XVIII. Nos termos do número 1 da alínea d) do artigo 615.º do Código de Processo de Civil, a sentença é nula o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
XIX. Por outro lado, no âmbito da produção de prova, não existiu nenhuma testemunha que tenha presenciado a queda nem sequer a subida ao palanque.
XX. Na realidade, o próprio Tribunal a quo motivou sua decisão em relação à matéria de facto, tendo por base depoimentos de testemunhas que não presenciaram os factos;
XXI. Nos termos do n.º 1, alínea c), do artigo 615.º do Código de Processo Civil a sentença é nula quando, “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
XXII. Em sede de responsabilidade civil extracontratual, no que se refere às omissivas, se é certo inexistir um dever genérico de evitar a ocorrência de danos, é indiscutível que o dever de agir para prevenir o perigo de dano de outrem impõe-se quando esse dever resulte da lei ou de um contrato de assistência ou de vigilância, ou quando o perigo de dano resulte de um facto praticado ou de uma situação mantida.
XXIII. A ilicitude tanto pode consistir na violação de um direito (absoluto) de outrem, como na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, ou ainda no incumprimento dos chamados deveres de segurança no tráfego que, porém, hão-de corresponder a uma norma de conduta cujo desrespeito seja havido como ilícito.
XXIV. A actividade de caça pode efectivamente ser considerada perigosa.
XXV. No entanto, o Tribunal a quo partiu de uma premissa errada, na realidade o dano não resultou do exercício da actividade de caça e sim da preparação para o exercício dessa actividade.
XXVI. Na verdade, os danos resultantes da preparação para o exercício de uma actividade perigosa não podem ser enquadrados da mesma forma que os danos resultantes dessa mesma actividade, porquanto o fundamento que levou o legislador a presumir a culpa neste âmbito é específico e não pode ser alargado a todas as situações conexas.
XXVII. Veja-se que se a morte tivesse resultado de uma queda ocorrida fora daquele espaço ou noutras circunstâncias, quer por via de uma subida a uma árvore ou outro local, no momento imediatamente anterior à caçada, não teria o Tribunal a quo base para alicerçar o seu raciocínio, que se mostra bastante forçado.
XXVIII. Significa isto, que não existe presunção de culpa, ou seja, a alegação e prova da culpa estão a cargo do lesado.
XXIX. Pelo que, também aqui o Tribunal a quo ultrapassou os seus poderes de cognição.
XXX. Mais, considera provado que foi concessionada à Sociedade Agrícola (…), SA, a zona de caça turística da (…), concluindo de seguida que, para efeitos de responsabilidade civil delitual, os hipotéticos vícios daí decorrentes não podem obliterar a responsabilidade dos efectivos detentores da disponibilidade do espaço, no entanto, exclui a responsabilidade da Sociedade Agrícola (…), SA, sem fundamento, o que constitui contradição insanável e, consequentemente, gera a nulidade da sentença, nos termos do já mencionado artigo 615.º do CPC.
XXXI. A causalidade que funciona como pressuposto de responsabilidade civil e como molde para a fixação da indemnização, comporta as duas formulações da teoria da causalidade adequada – a positiva e a negativa, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, não tendo o Tribunal a quo, logrado apurar quais as causas adequadas subsequentes e quais os seus autores.
XXXII. Pelo que, também aqui o Tribunal a quo andou mal.
XXXIII. Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar a sentença condenatória recorrida, absolvendo o recorrente da totalidade do pedido, fazendo a já costumada Justiça.
Pelos AA. e pela R. seguradora foram apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais sustentam, respectivamente, que o recurso da R. seguradora e que o recurso dos AA. não merecem provimento.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço – e no que respeita ao recurso interposto pelos AA. – emerge das respectivas conclusões que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se a R. Sociedade Agrícola não devia ter sido absolvida do pedido, mas sim condenada a pagar as indemnizações arbitradas aos AA. (sem prejuízo de eventual direito de regresso que pudesse ter sobre os intervenientes).
2º) Saber se a atribuição dos valores de indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima devem ser fixados, quanto às dores e sofrimentos, em € 10.000,00 e, pela supressão do direito à vida, em € 50.000,00.
3º) Saber se a atribuição dos valores de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios AA. devem ser fixados, pela dor e desgosto pela perda do marido e pai, respectivamente, em € 25.000,00 e € 16.000,00.
4º) Saber se os montantes fixados a título de indemnização aos AA. devem ser actualizados, desde a data da propositura da acção até à data da fixação da indemnização, tendo por base a evolução do índice de preços (INE).
Por sua vez, no que tange ao recurso interposto pela R. seguradora, resulta das respectivas conclusões que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o pedido contra si formulado tinha de ser apreciado e julgado à luz da causa de pedir configurada pelos AA. na petição inicial e, assentando essa causa de pedir na apólice (n.º …) de responsabilidade civil da R. Sociedade Agrícola, mas estando provado que esta transmitiu aos intervenientes a exploração cinegética da Herdade “(…)” e que foram estes quem organizaram a caçada no âmbito da qual ocorreu a queda do falecido, impunha-se a sua absolvição do pedido, sendo certo que, por outro lado, ao ter sido condenada com base numa apólice distinta daquela que integrava a causa de pedir (n.º …), não pode esta R. exercer, na fase dos articulados, o contraditório relativamente aos factos que determinaram a sua condenação.
Já no que respeita ao recurso interposto pelo interveniente / chamado (…), emerge das respectivas conclusões que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a responsabilidade que ficou provada nos autos, e a correspondente obrigação de indemnizar os AA., não é solidária, uma vez que na actividade cinegética (caça) o seguro é obrigatório, sendo que os intervenientes, através do respectivo contrato de seguro, transferiram para a R. seguradora a obrigação de indemnizar o terceiro lesado (“in casu”, os AA.) até ao montante de € 100.000,00, pelo que só esta R. devia ter sido condenada a pagar a indemnização fixada na sentença recorrida (€ 63.000,00).
Finalmente, no que tange ao recurso interposto pelo interveniente / chamado (…), resulta das respectivas conclusões que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se, nos termos do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, está prescrito o direito à indemnização que os AA. peticionam contra si, uma vez que o recorrente foi citado para a presente acção quando já tinha decorrido o prazo de 3 anos sobre a data do acidente que ocasionou a morte de … (marido e pai dos AA.).
2º) Se assim não se entender, saber se foi violado o princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C.), uma vez que o Julgador “a quo” não admitiu e recusou meios de prova adicionais que permitissem infirmar a prova de perícia complementar entretanto realizada, o que acarreta a nulidade da sentença proferida, sendo que esta é também nula, dado que os fundamentos estão em oposição com a decisão e, além disso, o Julgador “a quo” conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do C.P.C.).

Antes de apreciar as questões recursivas supra referidas importa ter presente qual a factualidade que veio a ser apurada na 1.ª instância, que, de imediato, passamos a transcrever:
1. Através da Portaria n.º 100/2004, de 23 de Janeiro, publicada em DR, I Série B, foi concessionada, pelo período de 12 anos, à Sociedade Agrícola (…), SA, a zona de caça turística da … (processo n.º …), englobando o prédio rústico denominado "(…)", sito na freguesia de Santa Maria, município de Alcácer do Sal, com a área de 661 ha.;
2. O objecto social da Ré Sociedade Agrícola é o exercício das actividades agrícola, pecuária e florestal, bem como o comércio, a indústria e os serviços relacionados com aquelas actividades, indústria de turismo rural e cinegética;
3. A Ré Sociedade Agrícola do (…) não comunicou, na época venatória de 2005/2006, à então Direcção-Geral das Florestas (DGF) qualquer alteração de concessão relativa à ZCT n.º (…);
4. (…), marido da primeira A. e pai do segundo A., faleceu no dia 3 de Outubro de 2005, aos 47 anos de idade;
5. (…) era titular de carta de caçador n.º (…), emitida em 11.03.1999 e válida até 31.01.2010;
6. Na época venatória de 2005/2006, (…) era portador de Licença de Caça geral válida para caça maior e de aves aquáticas;
7. (…) era titular de seguro de caça para aquela época venatória, bem como titular de licença de uso e porte de arma de caça, válida até 06.12.2005, e de autorização para uso e porte de arma de caça grossa, válida até 29.11.2005;
8. À data da sua morte, (…) era advogado estagiário;
9. Em 16 de Setembro de 2005 vigorava entre a Ré Sociedade Agrícola e a Ré (…), S.A. um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º (…), através do qual a segunda assumiu, nos termos e limites convencionados, a responsabilidade civil imputável à primeira pelos danos materiais e/ou corporais causados exclusivamente a todos e qualquer indivíduo que na altura constitua o grupo de caça e/ou pesca, assim como aos seus convidados e/ou auxiliares;
10. Também em 16 de Setembro de 2005 vigorava entre os chamados (…) e (…) e a Ré (…). S.A. um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º (…), através do qual a segunda assumiu, nos termos e limites convencionados, a responsabilidade civil imputável aos primeiros ou a algum dos caçadores ou pescadores que na altura constituam o grupo, por danos causados a terceiros durante as actividades cinegéticas levadas a cabo na Herdade do (…), considerando-se terceiros entre si os caçadores e/ ou os seus ajudantes;
11. Em 16 de Setembro de 2005, (…) participou numa caçada ao javali na zona de caça da (…);
12. Quando lá chegou, cerca das 19:00 horas, (…) dirigiu-se para uma das "portas", constituída por uma estrutura tipo andaime, sob a forma de torre, com cerca de três metros de altura;
13. Já no cimo da referida estrutura, ao arrumar o material de caça, (…) caiu desamparado no chão em virtude de as tábuas que pisava se terem levantado;
14. A referida estrutura não tinha protecção lateral, sendo apenas dotada de tubos de andaime ligados a tubos verticais com braçadeiras vulgarmente chamadas de "nozes" colocados na horizontal;
15. (…) caiu de costas, ficando imóvel e com intensas dores e dificuldade em respirar e falar;
16. Pelas 20:00 horas, conseguiu telefonar para o filho, o segundo A., a pedir ajuda;
17. (…) foi assistido no local pelo INEM e depois transportado para o Centro de Saúde de Alcácer do Sal;
18. (…) esteve sempre consciente;
19. Cerca de uma hora e meia depois de ter chegado ao Centro de Saúde de Alcácer do Sal, (…) foi transferido para o Hospital de Setúbal e daí transferido para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, acabando depois por dar entrada no Hospital de São José por volta das 04:00 horas;
20. Aí foram-lhe realizados exames complementares de diagnóstico, tendo sido diagnosticada uma fractura na L1, causada pela queda sofrida;
21. Veio a ser operado no dia 20.09.2005, tendo sido efectuada fixação D12-L1-L2;
22. Por doença bipolar descompensada, teve que ser transferido para o Hospital de Santa Maria em 26.09.2005;
23. Após a operação, que foi devida à lesão sofrida, (…) apresentou dificuldade respiratória com agitação psicomotora;
24. O que, apesar dos tratamentos que lhe foram sendo prescritos, se foi agravando com o passar do tempo;
25. Após a queda e no pós-operatório, (…) permaneceu imobilizado, o que favoreceu a retenção de secreções a nível pulmonar;
26. Criando, assim, um meio favorável ao aparecimento de pneumonia nosocomial, o que foi causa da sua morte;
27. A pneumonia nosocomial que (…) contraiu foi consequência das lesões sofridas na queda supra referida;
28. (…) e mulher viviam em harmonia, formando com o filho uma família muito unida e feliz;
29. A morte de (…) causou aos AA. enorme desgosto, choque e sofrimento;
30. Entre a Ré Sociedade Agrícola e os chamados (…) e (…) foi celebrado, em 01.03.2005, o acordo escrito junto a fls. 77 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
31. Foram os chamados quem organizou a caçada de 16 de Setembro de 2005;
32. A estrutura supra referida em foi construída pelo chamado (…), após o acordo supra referido em 30.;
33. Tal estrutura era constituída por tubos de andaime, com uma plataforma a cerca de 3 metros do solo, com tábuas em madeira, tipo "solipas" dos caminhos de ferro;
34. A Ré (…) Seguros, SA, assumiu, por conta das apólices de seguro supra mencionadas em 9. e 10., o pagamento da responsabilidade decorrente de cada uma até ao valor máximo de € 100.000,00 (cem mil euros);
Da discussão da causa resultaram ainda provados, como factos instrumentais (artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPC), os seguintes:
35. O acesso dos caçadores aos locais de espera ao javali, denominados "portas", era feito por sorteio antes de a caçada se iniciar;
36. A estrutura de onde caiu (…) constituía uma dessas "portas", que lhe foi atribuída no sorteio realizado imediatamente antes do início da caçada;
37. As "portas" encontravam-se definidas por decisão dos chamados (…) e (…), na qualidade de responsáveis pelo espaço e organizadores das caçadas;
38. Os chamados (…) e (…) cobravam, de cada caçador participante nas caçadas que organizavam, o respectivo preço, cujo concreto montante não foi possível apurar;
39. (…) pagou aos chamados (…) e (…), pela sua participação na caçada do dia 16.09.2005, o preço por estes estipulado.

Apreciando, de imediato, o recurso interposto pelos AA. e a primeira questão por eles suscitada – saber se a R. Sociedade Agrícola não devia ter sido absolvida do pedido, mas sim condenada a pagar as indemnizações arbitradas aos AA. (sem prejuízo de eventual direito de regresso que pudesse ter sobre os intervenientes) – importa dizer a tal respeito que, da análise da petição inicial apresentada, resulta claro que vieram aqueles responsabilizar a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. por, alegadamente, ter organizado uma caçada ao javali, realizada em 16/9/2005, e ter construído, sem a necessária segurança, a estrutura da qual o falecido (…) veio a cair, desamparado, no solo (cfr. artigos 2º, 5º, 29º e 30º de tal peça processual).
Assim, os AA. propuseram esta acção com base no regime da responsabilidade civil por factos ilícitos, sendo que, da factualidade que veio a ser apurada nos autos, constata-se que não conseguiram demonstrar, de todo, a prática pela R. Sociedade Agrícola (…), S.A. do ilícito que lhe imputaram, nomeadamente o enquadramento da conduta da dita R. no âmbito da previsão do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, já que é comummente aceite que o exercício da caça, aqui traduzido na organização de caçadas, é uma actividade perigosa.
Na verdade, face ao teor dos pontos 30 a 32 e 37 a 39 dos factos provados (acima transcritos neste aresto), forçoso é concluir que foram os chamados (…) e (…) quem – enquanto efectivos e reais detentores da exploração cinegética da Herdade (…) – organizou a caçada ao javali no referido dia 16/9/2005, proporcionando ao falecido (…), mediante o pagamento de um preço por este efectuado, a participação nessa caçada, construindo aquela “porta” e destinando-a (por sorteio) à referida vítima.
E, não obstante os AA. sustentarem que o acordo de transmissão do direito de exploração cinegética da referida herdade – celebrado entre a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. e os chamados (a que se alude no ponto 30 dos factos provados) – é inválido e ineficaz em relação a eles (AA.), a verdade é que entre as respectivas partes (a R. Sociedade Agrícola e os chamados), o referido contrato permanece válido, enquanto a sua alegada nulidade não for declarada judicialmente. Além disso, sempre se dirá que os AA., nas réplicas apresentadas, também não requereram a ampliação do pedido primitivo, no sentido de obterem a declaração da alegada nulidade daquele contrato, o que, manifestamente, podiam ter feito, por força do disposto no n.º 2 do artigo 273.º do anterior C.P.C. (vigente à data de entrada da acção).
Com efeito, aquilo que resultou evidente e cristalino da matéria de facto apurada nos autos é que a exploração cinegética da herdade em causa era exercida, de facto, pelos chamados, os quais organizaram a caçada realizada em 16/9/2005, aceitaram que o falecido nela participasse mediante o pagamento de um preço e construíram e lhe destinaram, por sorteio, a “porta” para a qual subiu e donde veio depois a cair no solo.
Além disso, apesar dos AA. sustentarem que a R. Sociedade Agrícola (…), S.A., enquanto concessionária da exploração da zona de caça, encontrava-se adstrita ao cumprimento dos seus deveres de direcção e supervisão, a verdade é que, a eventual violação desses deveres não integra, de todo, a causa de pedir, pois os AA. não alegaram, nem provaram, quaisquer factos reveladores da dita violação tal como já acima, expressamente, havíamos referido. É que, não será demais aqui repetir que, para responsabilizar aquela R., os AA. apenas vieram alegar que fora ela quem, no âmbito da exploração da Herdade (…), tinha organizado a caçada no dia 16/9/2005, facultado à vítima o acesso à zona de caça e construído a estrutura donde se deu a queda dele ao solo, sendo certo que esta factualidade não resultou provada nos autos, pelo que a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. não teve qualquer comportamento violador dos direitos do falecido, susceptível de ser enquadrado na previsão do citado artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil.
Finalmente, sustentam ainda os AA. que a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. sempre responderá pelos actos praticados pelos seus comissários ou auxiliares (os aqui chamados), remetendo-nos, assim, para o disposto nos artigos 500.º e 800.º do Código Civil, respectivamente.
Todavia, mais uma vez, a factualidade apurada nestes autos não permite, nem consente, a aplicação do regime da responsabilidade do comitente, nem do da responsabilidade pelos actos dos auxiliares, uma vez que a relação jurídica estabelecida entre a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. e os chamados caracteriza-se pela venda daquela a estes do seu direito de exploração cinegética da zona de caça turística denominada “(…)” – cfr. ponto 30 dos factos provados.
Ora, a decisão de facto – constante do referido ponto 30 – não deixa margem para dúvidas, ou seja, a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. e os chamados outorgaram aquele contrato nas qualidades de “vendedor” (transmitente) e “comprador” (transmissário), respectivamente, pelo que se torna por demais evidente que tal relação estabelecida entre as partes contratantes não é, pois, de comitente e comissários ou de devedor da prestação e auxiliares no cumprimento da obrigação.
Assim sendo, os chamados – quando organizaram a caçada no dia 16/9/2005, facultando ao falecido o acesso à zona de caça, mediante o pagamento de um preço que receberam e tendo construído a estrutura donde se deu a queda dele ao solo – não agiram, de todo, enquanto comissários ou auxiliares da R. Sociedade Agrícola (…), S.A., o que, só por si, obsta à responsabilização desta pelos actos por aqueles praticados.
Por isso, sufragamos, por inteiro – nesta parte – aquilo que foi afirmado pela Julgadora “a quo” na sentença recorrida e que, desde já, passamos a transcrever:
- (…) Para a análise da responsabilidade civil em presença, antes de mais, cumpre analisar o concreto modo de produção do acidente.
Para tal, necessário se torna recordar que, tal como resultou provado, no dia 16.09.2005 (…) participou numa caçada ao javali na zona de caça da (…). Tal prédio rústico integra-se na zona de caça turística que, através do competente processo administrativo, foi concessionada à Ré Sociedade Agrícola (…), SA.
Sucede que, à data do evento em apreciação nos autos, encontrava-se transferido para os chamados, por acordo celebrado entre estes e aquela Ré, o direito de exercer, no mesmo local, a exploração da zona de caça turística.
Também resultou provado que foram os chamados (…) e (…) quem organizou a caçada de 16 de Setembro de 2005 e que, no âmbito da mesma, (…) caiu de uma estrutura tipo andaime, que lhe havia sido destinada, por sorteio, como local de espera da caça ao javali organizada para essa data.
A estrutura supra referida foi construída pelos chamados (…) e (…) na sequência da aquisição, à Ré Sociedade Agrícola, do direito de exploração da zona de caça turística.
Na verdade, em face do acordo havido entre os chamados e a dita Ré, os primeiros passaram a exercer, no local, a organização de caçadas, inclusivamente cobrando dos participantes o preço inerente a esses eventos e tendo chegado a contratar, com a Ré Seguradora, acordo de seguro através do qual esta assumiu a responsabilidade civil que lhes fosse imputável por danos causados a terceiros, aí se considerando também os caçadores, durante as actividades cinegéticas levadas a cabo no mesmo local.
Perante tal acervo factual, dúvidas não há de que, na verdade, eram os chamados quem detinha, à data do acidente sofrido por (…), a disponibilidade da exploração cinegética em causa, retirando os benefícios que da mesma resultassem e assumindo os riscos que lhe fossem inerentes.
Para, mais adiante, acrescentar:
- A fonte geradora da responsabilidade civil por facto ilícito pode resultar, também, do que comummente tem sido designado por deveres de prevenção do perigo, constituindo o artigo 493.º do Código Civil uma norma concretizadora de alguns desses deveres, pois que no seu n.º 2 vem estabelecer que “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
A actividade cinegética como actividade perigosa tem fundamento quer na evidente natureza da mesma, quer na opção do legislador ao prescrever, no artigo 37.º da Lei da Caça (Lei n.º 193/99, de 21 de Setembro), sob a epígrafe, “responsabilidade civil”, que “É aplicável aos danos causados no exercício da caça o disposto no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil”.
De tal opção legislativa resulta evidente, conforme considerou o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido a 27.05.2015, no processo 186/10.6TBIDN-C1 (disponível em www.dgsi.pt), e que se vem seguindo de perto dada a propriedade do que aí se analisa, que «a remissão para o disposto no n.º 2 do artigo 493.º do CC, se aplica a todos os danos causados “no exercício da caça”, abrangendo não só os danos que possam ser imputados ao caçador e causados directamente por este, mas igualmente a todos aqueles que participam de algum modo nessa actividade, como os auxiliares de que o caçador se serve no exercício de tal actividade, bem como àqueles que organizam tal actividade.»
Ora, quer pela natureza dos meios empregues, quer pelo modo como a actividade é desenvolvida, é de considerar assente que a prática da caça é uma actividade perigosa, cujo risco se apresenta acrescido quando envolve vários caçadores, como ocorreu no caso em apreço.
Surgem, por isso, na esfera dos organizadores de caçadas em grupo, deveres especiais de protecção e precaução não só de terceiros alheios à actividade, como dos seus próprios intervenientes, justificando-se a adopção de medidas de segurança tendentes a evitar não só lesões decorrentes do uso das armas de fogo como dos dispositivos existentes no local e aptos a serem utilizados no seu âmbito.
Cai, assim, no âmbito legal previsto no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, a organização da caçada na qual interveio o falecido (…), não havendo também dúvidas de que tal organização pertencia aos chamados (…) e (…).
Com efeito, a questão da hipotética invalidade da relação contratual estabelecida entre a Ré Sociedade Agrícola e os indicados chamados é lateral à matéria de fundo que importa solucionar, na medida em que o que cumpre apurar é a responsabilidade pela produção do acidente que vitimou o familiar dos AA., sendo estes alheios às vicissitudes contratuais existentes entre aqueles sujeitos.
De facto, eventuais vícios que tal contrato sofra poderão, pelos seus intervenientes, ser discutidos noutra sede, dado que em causa não está qualquer discussão em torno de uma invalidade contratual geradora de responsabilidade e dever de indemnizar nesse domínio.
Na verdade, não tendo resultado provado que a Ré Sociedade Agrícola tenha protagonizado a organização da caçada em que ocorreu o sinistro discutido nestes autos, e independentemente da validade ou eficácia que possua, em termos contratuais ou administrativos, o acto de cedência aos chamados do direito de exploração cinegética, nesse mesmo local, a verdade é que, para efeitos de responsabilidade civil delitual, os hipotéticos vícios daí decorrentes não podem obliterar a responsabilidade dos efectivos detentores da disponibilidade do espaço e da organização dos eventos cinegéticos, sob pena de, assim não sendo, se tutelar uma posição manifestamente contrária aos fins de protecção do próprio instituto da responsabilidade civil.
Servem tais considerações, por um lado, para, desde já, se excluir a responsabilidade da Ré Sociedade Agrícola pelo sinistro ocorrido, e, por outro, para se considerarem sujeitos passivos directos da previsão legal contida no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil os chamados (…) e (…).
Deste modo, pelas razões e fundamentos supra elencados, entendemos que é de manter a sentença recorrida, mas apenas na parte em absolveu do pedido a R. Sociedade Agrícola (…), S.A.

Analisando agora a segunda questão recursiva levantada pelos AA., ora apelantes – saber se a atribuição dos valores de indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima devem ser fixados, quanto às dores e sofrimentos, em € 10.000,00 e, pela supressão do direito à vida, em € 50.000,00 – haverá que referir a tal propósito que em causa está o dano não patrimonial próprio sofrido pela vítima entre o facto danoso e a morte, antes de falecer, com a percepção da iminência da morte, com a perturbação, susto, medo, sofrimento, de deparar com os últimos momentos de vida.
Assim, os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte.
Na verdade, o sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte é uma evidência e é, por si só, um facto notório, dispensado de alegação e prova, e que não pode deixar de ser valorizado em sede de indemnização por danos não patrimoniais.
Porém, no caso dos autos, para além desse facto notório, o certo é que a vítima permaneceu viva durante 17 dias evidenciando grande sofrimento próprio das lesões que haviam de lhe causar a morte.
Com efeito, após a queda e no pós-operatório (…) permaneceu imobilizado o que favoreceu a retenção de secreções a nível pulmonar, criando assim um meio favorável ao aparecimento de pneumonia nosocomial, o que foi causa da sua morte, sendo que a pneumonia nosocomial que a vítima contraiu foi consequência das lesões sofridas na queda supra referida – cfr. pontos 25 a 27 dos factos provados.
A decisão sob censura, ao computar a indemnização equivalente àquele dano em € 5.000,00, não teve em atenção tal sofrimento intenso que, necessariamente, tem inscrito a antevisão do fim que se aproximava e do desespero inaudito inerente a uma tal situação, pelo que entendemos como justo e equitativo aumentar o valor acima referido e fixar tal indemnização no montante de € 10.000,00, nesta parte se revogando a sentença ora em análise.
Por outro lado – no que tange aos critérios indemnizatórios relativamente à compensação do dano de morte e correspondente lesão do direito à vida – importa ter presente a breve enunciação consignada no Ac. do STJ de 3/11/2016, reproduzido, por sua vez, no Ac. do STJ de 16/3/2017, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, foi afirmado o seguinte:
- A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em www.dgsi.pt, onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre € 40.000,00/8.000.000$00 e € 50.000,00/10.000.000$00. Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00 (cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.0TBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).
Assim sendo, na determinação da obrigação de indemnização uma das questões que se suscita consubstancia-se na determinação do valor do direito à vida. Em abstracto todos somos iguais perante o direito, mas este princípio terá de ser equacionado em concreto com outros factores como a idade; a saúde e a função social.
No plano individual compreende-se perfeitamente que o bem da vida possa ser valorado em abstracto, através de uma compensação uniforme. Mas, do ponto de vista social, as coisas já não serão assim. A vida tem, sobretudo, um valor social e terá de ser atendendo a este valor, em temos relativos e numa perspectiva essencialmente de qualidade humana, em que o poder monetário não terá qualquer peso, que os tribunais têm de apreciar, em concreto, o montante da indemnização pela lesão do direito à vida.
Por isso, não sendo passível duma definição matemática o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade, de acordo, aliás, com o preceituado no n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, fazendo apelo a “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (cfr. A. Varela, Código Civil Anotado, 4.ª edição, vol. I, pág. 501) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (cfr. artigos 496.º, n.º 3, 1ª parte e 494.º do Código Civil).
A jurisprudência, sem nunca ter caído na arbitrariedade, tem feito um apelo á regra da equidade acentuando-se hoje em dia uma tendência para acentuar o valor absoluto de um direito fundamental, e que é a génese de todos os outros direitos, perante objectos referenciados como parâmetros da sociedade de consumo em que vivemos.
Na verdade, e fazendo apelo aos critérios fixados jurisprudencialmente, importa salientar que o dano pela perda do direito à vida, direito que se encontra no cerne da existência e da personalidade jurídica, tem oscilado entre os € 50.000,00 e € 80.000,00 (por todos, o já supra citado Ac. do STJ de 31/1/2012).
No caso em apreço, estamos em presença duma vítima com um futuro ainda auspicioso pela frente em termos de realização profissional e com uma vida familiar estabilizada e gratificante, pelo que, nestas circunstâncias, a sua esperança no futuro tinha necessariamente de ser grande e repleta de projectos e de gosto pela vida.
Por isso, em jeito de conclusão, dizemos que nada poderá pagar o terminus duma vida mas, havendo necessidade de quantificar o dano inerente, consideramos como inteiramente justa e equitativa a compensação de € 50.000,00, valor este que é peticionado pelos AA. e que se nos afigura perfeitamente razoável e equilibrado, nesta parte se revogando também a sentença recorrida.

Analisando agora a terceira questão recursiva levantada pelos AA., ora apelantes – saber se a atribuição dos valores de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios AA. devem ser fixados, pela dor e desgosto pela perda do marido e pai, respectivamente, em € 25.000,00 e € 16.000,00 – importa salientar, desde já, que é um dado adquirido em termos dogmáticos o de que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica.
Com efeito, a sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso.
Tal segmento indemnizatório deve, assim, ser fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios da equidade a que se alude no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil.
In casu”, a morte da vítima não foi um acontecimento anódino e sem significado para o seu filho e para a sua esposa, quer no presente, quer no futuro.
Por um lado, a ausência da figura paternal durante todo o resto da vida do filho, aqui A. (com 24 anos na altura da morte do pai), que para sempre lamentará tal falta vendo-se extorquido da afeição e carinho do seu progenitor e, por outro, as sequelas provocadas na esposa, aqui A., pela morte do marido, que ficou privada do seu companheiro de vida, sendo certo que a vítima e mulher viviam em harmonia, formando com o filho uma família muito unida e feliz, e a sua morte causou aos AA. enorme desgosto, choque e sofrimento – cfr. pontos 28 e 29 dos factos provados.
Deste modo, a não ser por mera insensibilidade a valores fundamentais da natureza humana, não podemos olvidar, de todo, as profundas consequências que a morte da vítima produziu e produzirá na vivência afectiva e emocional dos AA.
Por isso, entendemos que, também aqui, devem ser aumentados os montantes indemnizatórios relativos aos danos não patrimoniais sofridos, quer pela A., quer pelo A., os quais se fixam, respectivamente, nos valores de € 20.000,00 (para a actual viúva) e de € 12.500,00 (para o filho), nesta parte se revogando também a decisão recorrida.

Por último, apreciando a quarta questão recursiva suscitada pelos AA., ora apelantes – saber se os montantes fixados a título de indemnização aos AA. devem ser actualizados, desde a data da propositura da acção até à data da fixação da indemnização, tendo por base a evolução do índice de preços (INE) – haverá que referir a tal propósito que, ao contrário daquilo que os recorrentes defendem, resulta claro que a Julgadora “a quo”, na prolação da sentença recorrida, actualizou os montantes indemnizatórios arbitrados, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil.
Na verdade, para fundamentar a condenação no pagamento de juros de mora desde a data em que foi proferida a decisão sob censura, a Julgadora “a quo” invocou, de forma expressa, o AUJ n.º 4/2002, de 9/5, tendo afirmado o seguinte:
- Sobre as quantias fixadas são devidos juros moratórios, à taxa legal, desde a data da prolação da presente sentença, e até integral pagamento, conforme dispõem os artigos 805.º, n.º 3 e 806.º, n.º 1, do Código Civil (Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09.05.2002).
Ora, por via desse acórdão uniformizador, o STJ acordou na seguinte norma interpretativa:
- Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
Assim, a referida interpretação, acolhida no dito acórdão uniformizador, pressupõe a actualização da indemnização nos termos do citado artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que a invocação expressa desse acórdão pela Julgadora “a quo” para, dessa forma, justificar o cálculo de juros a partir da sentença recorrida, é sinal claro e indubitável de que os valores indemnizatórios por si arbitrados foram objecto de actualização nos termos acima referidos.
Nestes termos, os montantes indemnizatórios fixados na 1ª instância – e que, agora, foram alterados nesta Relação – têm de se considerar já actualizados, pelo que a pretensão dos AA., aqui apelantes, no sentido dos valores arbitrados serem objecto de actualização em função da evolução do índice de preços (INE), tem, forçosamente, de naufragar, o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos.

Analisando, de seguida, o recurso da R. seguradora e a questão recursiva por ela suscitada – saber se o pedido contra si formulado tinha de ser apreciado e julgado à luz da causa de pedir, tal como ela foi configurada pelos AA. na petição inicial e, assentando essa causa de pedir na apólice (n.º …) de responsabilidade civil da R. Sociedade Agrícola, mas estando provado que esta transmitiu aos intervenientes a exploração cinegética da Herdade “(…)” e que foram estes quem organizaram a caçada no âmbito da qual ocorreu a queda do falecido, impunha-se a sua absolvição do pedido, sendo certo que, por outro lado, ao ter sido condenada com base numa apólice distinta daquela que integrava a causa de pedir (n.º …), não pôde esta R. exercer, na fase dos articulados, o contraditório relativamente aos factos que determinaram a sua condenação – importa salientar, desde já, que a intervenção principal provocada dos intervenientes (…) e (…), oportunamente requerida pelos AA., se destinou, nos termos do artigo 325.º, n.º 2, do C.P.C. e, por remissão deste, do artigo 31.º-B do C.P.C. então vigente, a deduzir, subsidiariamente, contra ambos, o mesmo pedido já formulado na petição inicial contra as RR., face às dúvidas que as contestações destas RR. tinham causado no espírito dos AA. sobre qual a verdadeira identidade do titular do direito de exploração cinegética da Herdade (…).
Por outro lado, o requerido incidente de intervenção de terceiros não foi motivado pela constatação da existência da apólice n.º (…), sendo esta totalmente alheia à pretensão dos AA. de chamar ao processo o (…) e o (…).
Com efeito, quem pela primeira vez fez alusão a essa apólice foi o chamado (…), no seu articulado (apresentado na sequência da admissão do incidente e da citação da sua pessoa e do …), pelo que a tentativa – efectuada na sentença recorrida – de estabelecer uma relação entre o referido incidente de intervenção e o contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…) não encontra qualquer respaldo ou suporte no requerimento dos AA. relativo ao incidente em causa.
Acresce que, os AA., na réplica apresentada – na qual vieram requerer o incidente de intervenção principal contra o (…) e o (…) – também não vieram alterar, nem ampliar, a causa de pedir relativamente à R. … (com base na dita apólice n.º …) – o que, indubitavelmente, podiam ter feito – tendo por base a faculdade que a lei lhe conferia e que se encontrava então expressamente prevista no artigo 273.º, n.º 1, do C.P.C. anterior.
E, como sabemos, por causa de pedir entende-se o acto ou facto jurídico no qual o autor se baseia para formular o seu pedido ou, noutras palavras, o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar – cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código do Processo Civil, Vol. 2.º, págs. 369 a 375.
Na verdade, a causa de pedir é entendida como o “facto jurídico de que procede a pretensão deduzida”, cumprindo ao autor que invoca a titularidade alegar os factos cuja prova permita concluir pela existência desse direito – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, C.P.C. Anotado, Vol. I, pág. 26.
Assim, nos termos do disposto no artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., a “narração” constitui a parte nuclear da petição inicial, na qual o autor deve “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, previsão que tem conexão directa com o artigo 5.º. A petição inicial deve dar cumprimento ao ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, isto é, de todos os factos de cuja verificação dependa a procedência da pretensão deduzida em conformidade com a previsão normativa aplicável – cfr. obra cit., pág. 629.
Por isso – voltando agora ao caso em análise – aquilo que obsta à apreciação da responsabilidade da R. Seguradora, à luz da referida apólice n.º (…), é a causa de pedir tal como ela foi configurada na petição inicial pelos AA., a qual – relativamente à R. Seguradora – consiste, tão só, no contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. (apólice n.º …), e já não no contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com os chamados (…) e (…).
Isto porque, obviamente, o pedido que foi deduzido subsidiariamente contra estes, por parte dos AA., no âmbito do incidente de intervenção principal provocada, não é extensível, de todo, à R. Seguradora.
Como já acima foi referido, apenas o chamado (…) invocou, no seu articulado, a dita apólice n.º (…), sendo que o chamado (…) não veio a fazê-lo.
Além disso, a R. Seguradora não deduziu nenhuma oposição ou resposta ao articulado do chamado (…) pela simples razão de que lhe estava vedada pela lei processual a dedução de qualquer oposição ou resposta.
Na verdade, no caso em apreço, a R. Seguradora, a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. e ambos os chamados (a intervir como RR., nos termos do artigo 325.º, n.º 2, do C.P.C.) assumem a posição processual de co-RR., o que significa que a primeira não tinha meio processual para se poder pronunciar sobre as posições assumidas pelos intervenientes nos seus articulados.
Com efeito, o C.P.C. não prevê tal hipótese, o que bem se aceita e compreende, pois o litígio opõe as contrapartes, isto é, A. e R., e já não as compartes.
E, se porventura a R. Seguradora, em manifesta violação da lei processual, tivesse apresentado resposta aos articulados apresentados pelos chamados, tal não poderia deixar de ser considerado como um incidente anómalo e, por via disso, sujeito ao respectivo indeferimento e desentranhamento dos autos, com a consequente tributação em custas!
Situação bem diversa, eventualmente – mas que, de todo, não ocorreu, “in casu” – seria aquela de os chamados/intervenientes (…) e (…) terem requerido, nos respectivos articulados o chamamento da R. Seguradora, com o fim de obter a condenação desta na satisfação do direito de regresso que, alegadamente, lhes poderia vir a assistir em caso de improcedência do pedido principal (formulado contra a Sociedade Agrícola …, S.A.) e de procedência do pedido subsidiário (formulado contra os referidos chamados). Isto porque, a possibilidade de intervenção passiva suscitada pelo chamado/co-R., com aquela finalidade, encontrava-se prevista no artigo 329.º, n.º 2, do CPC anterior (então vigente), a que corresponde, agora, o artigo 317.º, n.º 1, do (actual) CPC.
Com efeito, nesta última hipótese, haveria, em relação à R. Seguradora, duas causas de pedir, a saber:
- No que tange ao pedido formulado pelos AA., o contrato de seguro de responsabilidade civil (da R. Sociedade Agrícola …, S.A.) titulado pela apólice n.º (…) e, relativamente à pretensão dos chamados/intervenientes … e … (relacionada com a satisfação de um hipotético direito de regresso), o contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice n.º (…).
Ora, em tal hipótese, a R. Seguradora seria notificada para contestar a pretensão formulada pelos chamados/intervenientes, podendo, então, vir a opor-lhes os meios de defesa baseados na relação contratual que com eles havia estabelecido, titulada pela dita apólice n.º (…).
Todavia, no caso dos autos, não foi isso que sucedeu, pois os chamados/intervenientes não vieram requerer o chamamento da R. Seguradora para efeitos de satisfação de um eventual direito de regresso, ao abrigo do artigo 329.º do C.P.C. anterior, pelo que a Julgadora “a quo” apenas podia apreciar, na sentença recorrida, a responsabilidade da R. Seguradora, pelo sinistro, à luz da apólice de responsabilidade civil n.º (…), única causa de pedir configurada pelos AA. quanto à dita R.
Deste modo, a absolvição do pedido da R. Sociedade Agrícola (…), S.A. por parte da Julgadora “a quo”, sempre devia ter determinado, a nosso ver, uma decisão de igual sentido no que tange à R. Seguradora, sendo que os chamados/intervenientes, não obstante a decisão condenatória constante da sentença recorrida, sempre poderiam, se assim entendessem, propor uma nova acção contra a R., ora apelante, com o intuito de efectivar a responsabilidade que, no seu entendimento, lhe advém do contrato de seguro de responsabilidade civil que com eles havia celebrado, titulado pela apólice n.º (…).
Além disso, a R. Seguradora podia ter assumido uma posição sobre a sua responsabilidade, à luz da referida apólice, numa outra situação, ou seja, se eventualmente os AA., nos termos do disposto no artigo 273.º, n.º 1, do C.P.C. anterior, tivessem deduzido réplica aos articulados dos chamados / intervenientes e aí ampliado a causa de pedir, relativamente à R. Seguradora, alegando nomeadamente que, caso improcedesse o pedido principal formulado contra a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. e procedesse o pedido subsidiário formulado contra ambos os chamados/intervenientes, sempre a R. Seguradora devia, também, ser condenada, por via da apólice n.º (…), pela qual os ditos chamados/intervenientes transferiram a responsabilidade civil decorrente da exploração cinegética da Herdade (…).
Com efeito, uma hipotética ampliação da causa de pedir formulada pelos AA., nos termos supra referidos, faria com que houvesse, quanto à R. Seguradora, uma dupla causa de pedir, ou seja, uma causa de pedir principal, assente na apólice n.º (…) – sendo segurada a R., Sociedade Agrícola (…), S.A. – e uma causa de pedir subsidiária, assente na apólice n.º (…) – sendo segurados os chamados (…) e (…) – o que já iria possibilitar à R. Seguradora responder, por meio de tréplica, à matéria da ampliação, face ao disposto no artigo 503.º, n.º 1, do C.P.C. anterior e, por outro lado, permitir que a Julgadora “a quo”, na sentença recorrida, processe nos termos em que o veio a fazer, isto é, apreciar e julgar o direito de indemnização que os AA. alegam possuir sobre a R. Seguradora no âmbito das duas apólices acima identificadas.
Todavia, uma vez que, no caso em apreço, inexistiu tal ampliação da causa de pedir, não podia a Julgadora “a quo” ter considerado tal omissão, como o fez em termos práticos, colmatada pela invocação da apólice n.º (…) no articulado do chamado (…), como se este pudesse ampliar – em vez de serem os AA. a fazê-lo – os fundamentos em que estes suportaram, na petição inicial, a pretensão formulada contra a R. Seguradora.
Por isso, resulta claro que a Julgadora “a quo”, ao condenar a R. Seguradora com base naquela apólice n.º (…), e não na que serviu de fundamento ao pedido dos AA. – apólice n.º (…) – proferiu uma autêntica decisão-surpresa que, obviamente, lhe estava, de todo, vedada por lei.
Ou seja, e dito por outras palavras, podemos afirmar que a Julgadora “a quo” condenou a R. Seguradora com base numa relação contratual sobre a qual esta não tinha tido a possibilidade de se pronunciar na fase dos articulados, porque diversa daquela que fora invocada pelos AA. na petição inicial, ou seja, a R. Seguradora veio a defender-se de uma determinada relação contratual, mas foi condenada por uma outra bem distinta (o que podia até configurar a nulidade de sentença prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.).
Assim sendo, a R., ora apelante, foi impedida processualmente de poder invocar, nestes autos, os meios de defesa aptos a afastar a responsabilidade que lhe poderia advir da apólice n.º … (na qual são segurados os chamados … e …).
Por isso, forçoso é concluir que, não tendo sido invocada, em momento algum, a referida apólice de responsabilidade civil dos chamados, como causa do pedido formulado contra a R. Seguradora, não pôde esta, na fase dos articulados, exercer o respectivo contraditório, no que respeita, quer à responsabilidade dos chamados/intervenientes, quer à sua própria responsabilidade, nos termos daquela apólice (n.º …).
Com efeito, resulta claro que, em matéria de responsabilidade, aquilo que estava em causa na presente acção era saber, tão só, se o responsável pelo acidente era a R. Sociedade Agrícola (…), S.A. e, em caso afirmativo, a R. Seguradora, nos termos da apólice n.º … (de responsabilidade civil da dita Sociedade Agrícola), ou se os responsáveis pelo dito acidente eram os chamados (…) e (…).
Ora, tendo a Julgadora “a quo” concluído na sentença recorrida pela responsabilidade destes últimos, ambas as RR. deveriam ter sido absolvidas do pedido, já que, como vimos, a hipotética responsabilidade da R. Seguradora à luz da apólice n.º … (de responsabilidade civil dos chamados) não integrava, de todo, o objecto do processo.
Nestes termos, atentas as razões e fundamentos supra elencados, e considerando que a causa do pedido formulado pelos AA. contra a R. Seguradora assenta na apólice n.º … (de responsabilidade civil da R. Sociedade Agrícola …, S.A.) e que se encontra provado nos autos que esta transmitiu aos chamados/intervenientes a exploração cinegética da Herdade “(…)”, tendo sido estes quem organizou a caçada no âmbito da qual ocorreu a queda do falecido, forçoso é concluir que a sentença recorrida não se poderá manter, nesta parte, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, a R. Seguradora, aqui recorrente, é absolvida da totalidade do pedido.

Apreciando, agora, o recurso do chamado (…), ora apelante – saber se a responsabilidade que ficou provada nos autos, e a correspondente obrigação de indemnizar os AA., não é solidária, uma vez que na actividade cinegética (caça) o seguro é obrigatório, sendo que os intervenientes, através do respectivo contrato de seguro, transferiram para a R. seguradora a obrigação de indemnizar o terceiro lesado (“in casu”, os AA.) até ao montante de € 100.000,00, pelo que só esta R. devia ter sido condenada a pagar a indemnização fixada na sentença recorrida (€ 63.000,00) – apenas se dirá que, como vimos supra, a R. seguradora foi absolvida neste aresto do pedido contra si formulado pelos AA.
Assim sendo, é nosso entendimento que, atenta a referida absolvição da R. seguradora, estará prejudicado, necessariamente, o conhecimento deste recurso interposto pelo chamado (…).
Não obstante – caso a R. Seguradora não tivesse sido absolvida do pedido – importa apenas salientar que, relativamente aos contratos de seguro em causa nos presentes autos não existe norma, similar ou idêntica à que existe no seguro automóvel obrigatório, que exclua a legitimidade do tomador do seguro nesta acção.
Por isso, se for apurada a existência de contrato de seguro, a seguradora e os chamados deverão ser identificados para poderem vir a responder na acção instaurada, do seu lado passivo e de forma solidária, pelo eventual pagamento da indemnização que seja peticionada.
Na verdade, pelo contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento, sendo que, perante o lesado, o segurado e a seguradora são solidariamente responsáveis, nos termos do artigo 497.º do Código Civil, pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro-lesado por virtude da existência de um contrato de seguro – cfr. Ac. STA de 1/2/2000, Acórdãos Doutrinais, 466.º-1231.
Em abono do acima referido veja-se ainda o Ac. do STJ de 30/3/1989, in BMJ 385, página 563, no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- O contrato de seguro de responsabilidade civil é um contrato a favor de terceiro e assim o segurador, ao celebrar esse acto jurídico, obriga-se também para com o lesado a satisfazer a indemnização devida pelo segurado, ficando deste modo o lesado com o direito de demandar directamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário.
Além disso, mesmo a existência de seguro válido nunca afasta a responsabilidade dos chamados, nomeadamente, até, pela necessidade de prevenir uma eventual invocação de insuficiência do capital disponível.
Deste modo, forçoso é concluir que, caso a R. seguradora tivesse sido condenada a pagar uma indemnização aos AA. neste aresto (o que, repete-se, não ocorreu) sempre tal condenação seria solidária com a dos chamados e, por isso, este recurso interposto pelo (…) sempre estaria votado ao insucesso.

Finalmente, analisando o recurso do chamado (…) e a primeira questão recursiva por ele suscitada – saber se, nos termos do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, está prescrito o direito à indemnização que os AA. peticionam contra si, uma vez que o recorrente foi citado para a presente acção quando já tinha decorrido o prazo de 3 anos sobre a data do acidente que ocasionou a morte de … (marido e pai dos AA.) – haverá que referir a tal propósito que, como resulta do artigo 303.º do Código Civil, a prescrição não é de conhecimento oficioso pelo que, para ser eficaz, necessita de ser invocada por aquele a quem aproveita ou que dela beneficia.
Importa ter presente que o instituto da prescrição justifica-se, numa primeira linha, em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reação à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça.
Ora, sendo indiscutível que o direito indemnizatório que os AA. vêm exercer nos autos, atento o pedido e a causa de pedir que estruturam na petição inicial, radica na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (cfr. artigos 483.º e seguintes do Código Civil), é pacífico que em sede de prescrição, se impõe chamar à colação o regime enunciado no artigo 498.º do Código Civil.
Assim, de acordo com o n.º 1 do citado artigo 498.º o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (…), sendo que o seu n.º 3 acrescenta que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
No entanto, como é afirmado no Ac. do STJ de 14/12/2006, disponível in www.dgsi.pt, quando o artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil prevê que o facto ilícito constituía crime, para efeitos dum prazo prescricional mais longo, não se reporta à efectiva responsabilidade criminal do agente, mas, objectivamente, à qualificação jurídico-criminal dos factos.
O artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, ao referir que "Se o facto ilícito constituir crime..." não está a apontar para a responsabilidade criminal, mas sim, de forma objectiva, para a qualificação criminal que deriva directamente do facto ilícito. Portanto, o facto articulado pelo demandante na petição inicial, demandante este a quem compete definir a relação jurídica controvertida. É face aos factos articulados, tal como o autor os desenha, que se poderá apreciar a excepção em causa.
Em sentido mais preciso – e bem similar ao caso que aqui estamos a analisar – veja-se o Ac. do STJ de 2/12/2004, também disponível in www.dgsi.pt, no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) A sujeição do prazo de prescrição do direito a indemnização fundado em responsabilidade delitual (extracontratual ou aquiliana) ao prazo de prescrição da lei penal só se verifica, de harmonia com o n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, "se o facto ilícito", "primeiro dos pressupostos de toda e qualquer forma ou espécie de responsabilidade" "constituir crime".
Sendo certo não exigir-se prévio procedimento criminal contra o lesante, não basta, no entanto, para que haja efectivamente lugar ao alargamento, nos termos do n.º 3, do prazo de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 498.º Código Civil, que se esteja perante facto abstracta ou eventualmente susceptível de constituir crime: é, isso sim, preciso que, concretamente, concorram, no caso, todos os elementos essenciais dum tipo legal de crime.
Assim, e como anotando aquele artigo 498.º, elucidam Pires de Lima e Antunes Varela, que o lesado que pretender prevalecer-se do prazo mais longo terá que provar que o facto ilícito em questão constitui, efectivamente, crime, isto é, que na realidade se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência.
A invocação e consideração neste âmbito da presunção de culpa – óbvia e necessariamente estabelecida para efeitos civis, apenas – constante do n.º 3 do artigo 503.º Código Civil assenta, parece, na tese, já arredada por estes mesmos juízes na Rev. nº 1193/04 desta Secção, de que o que importa para o alargamento do prazo pretendido é que tão só nos seus elementos objectivos exista um facto susceptível de integrar um ilícito penal. É, no entanto, incontornável que, para tanto sendo irrelevante qualquer presunção de culpa estabelecida na lei civil para efeitos de responsabilidade civil, para poder-se considerar que determinado evento constitui um crime, é sempre indispensável que seja imputável ao agente a título de culpa efectiva. Na verdade:
É insofismavelmente para a noção de crime definida pelo direito penal que o n.º 3 do artigo 498.º Código Civil remete. Ora, e precisamente, seja qual for o tipo legal de crime a ter em consideração, subsiste, de elementar, mas fundamental modo, que, sem culpa, não há crime (nullum crimen sine culpa).
Do princípio da culpa estabelecido no artigo 13.º do Código Penal resulta que no direito criminal, a culpa não se presume: para se poder afirmar que o evento constitui crime é indispensável que possa ser imputado ao agente a título de culpa efectiva, isto é, que se apure conduta do mesmo efectivamente susceptível de censura no âmbito do direito criminal (mesmo se não averiguada em processo-crime).
Desta sorte, como se tem, mesmo, por evidente, a presunção do artigo 503.º, n.º 3, Código Civil não pode ser invocada para qualificar uma conduta como criminosa, isto é, como integrando determinado tipo legal de crime.
De todo em todo irrelevante para este efeito a presunção de culpa estabelecida para efeito de responsabilidade civil no artigo 503.º, n.º 3, Código Civil, só se por inteiro preenchida a previsão do (então) artigo 136.º (depois 137.º) CP "incluindo, pois, o elemento subjectivo (de imputação do facto ao agente) desse crime, isto é, se efectivamente provada negligência, é que o prazo prescricional a ter em conta seria, consoante os artigos 118.º, n.º 1, alínea c), Código Penal e 498.º, n.º 3, Código Civil, de 5 anos.
Como assim, procede a excepção de prescrição do direito de indemnização que a 1ª A. e a A. B se arrogam. Na realidade:
Ocorrido o acidente em 16/6/95, a prescrição – de 3 anos, como vem de ver-se – ocorreu, quanto à primeira, em 16/6/98.
Voltando ao caso em apreço, constata-se que a sentença recorrida, face à queda fatal que vitimou o marido e pai dos AA., condenou, solidariamente a R. seguradora e os chamados (onde se inclui o aqui recorrente) a pagar uma indemnização aos AA. tendo por base a presunção legal de culpa estabelecida no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil.
Todavia, como vimos supra, por força do disposto no artigo 13.º do Código Penal, para se poder afirmar que o infeliz evento (que resultou na morte de …) constituiu crime tornava-se fundamental que o mesmo pudesse ser imputado aos chamados a título de culpa efectiva, isto é, que se tivesse apurado que a conduta daqueles era, efectivamente, susceptível de censura no âmbito do direito criminal.
Por isso, resulta claro e evidente que a presunção legal contida no n.º 2 do citado artigo 493.º – que serviu de base à condenação “civil” da R. seguradora e dos chamados – não pode ser invocada, de todo, para qualificar uma conduta como criminosa, isto é, como integrando determinado tipo legal de crime (v.g. homicídio por negligência).
Assim sendo, é indubitável quanto a nós que, “in casu”, é aplicável o prazo de prescrição de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.
Ora, tendo-se verificado o acidente em 16/9/2005, os AA. só manifestaram a intenção de exercer o seu direito, relativamente aos segurados (…) e (…), em 23/10/2008 (data em que foi apresentada a réplica e onde foi requerida a sua intervenção principal provocada), sendo que o chamado …, aqui recorrente, foi citado para a acção em 4/3/2009, pelo que, nestas datas, já a prescrição se tinha por verificada quanto a ele, a qual ocorreu, inexoravelmente, em 16/9/2008.
Por último apenas se dirá que a invocação da prescrição por parte do chamado (…) não aproveita ao chamado (…), por força do estipulado no artigo 303.º do Código Civil, o qual dispõe que o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.
Isto porque, a prescrição constitui um meio de defesa pessoal, que terá de ser invocada por cada um dos devedores e, por isso, não aproveita, de todo, ao devedor que não o fez expressamente, tal como sucedeu, “in casu”, com o chamado (…).
Nestes termos, pelas razões e fundamentos supra elencados, a sentença recorrida não se poderá manter, na parte em que condenou, solidariamente, o chamado (…) a pagar uma indemnização aos AA. e, por via disso, revoga-se a mesma em conformidade, sendo aquele absolvido do pedido.
Em consequência, e face a tal absolvição, mostra-se prejudicado o conhecimento da segunda questão recursiva suscitada pelo chamado (…).
Pelo exposto, e em jeito de conclusão – após a apreciação e análise de todos os (quatro) recursos interpostos para esta Relação – resulta claro que a sentença recorrida não se poderá manter, “in totum”, revogando-se a mesma em conformidade e, por via disso, decide-se:
1 - Condenar o interveniente/chamado, (…), a pagar aos AA., (…) e (…), as seguintes quantias, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento:
a) € 60.000,00 pelos danos não patrimoniais causados a … (€ 10.000,00 + € 50.000,00);
b) € 20.000,00 à A. e € 12.500,00 ao A., pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um deles (€ 20.000,00 + € 12.500,00 = € 32.500,00).
2 - Absolver a R. Sociedade Agrícola (…), S.A., a R. (…) Seguros, S.A. e o interveniente/chamado (…) dos pedidos contra si deduzidos pelos AA., (…) e (…).

***

Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos AA. (…) e (…), procedente o recurso de apelação interposto pela R. (…), improcedente o recurso de apelação interposto pelo chamado (…) e procedente o recurso de apelação interposto pelo chamado (…) e, em consequência, revoga-se a sentença proferida pela Julgadora “a quo” nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas em partes iguais pelos AA. e pela R. seguradora, face às posições sustentadas e que não obtiveram vencimento (sufragadas pelos AA. nas alegações e contra-alegações de recurso e pela R. seguradora nas contra alegações de recurso), e ainda pelo chamado (…), atenta a improcedência do seu recurso (sem prejuízo do apoio judiciário de que este último é beneficiário).


***

Évora, 17 de Junho de 2021
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, pp. 286 e 299).