Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2267/15.0T8ENT-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: CONSUMIDOR
INTERESSE PROTEGIDO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Cabe às instituições de crédito promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2267/15.0T8ENT-A.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo de Execução do Entroncamento - J1), no âmbito da execução para pagamento de quantia certa, que Union de Créditos (…), S.A., Establecimiento (…) de Crédito (Sociedad Unipersonal) Sucursal em Portugal move a (…) veio esta, deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, pugnando pela extinção da execução.
Como sustentação da pretensão, invoca, em síntese:
- A exequente/embargada não tem legitimidade para o exercício da sua atividade em Portugal;
- A executada/embargante apenas deixou de pagar as prestações não em 2 de Março de 2012 mas sim a partir de Junho de 2014 por força da penhora do seu vencimento no processo n.º 1617/12.6TBSTR;
- A exequente não encetou os procedimentos legais a si impostos pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e pelo Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro, o que fere o processo de execução de nulidade insanável por falta de existência de pressupostos processuais para a execução;
- A exequente/embargada não prova a liquidação da obrigação exequenda no que respeita a comissões e despesas pelo que são inexequíveis tais quantias.
A exequente veio contestar articulando factos tendentes a concluir pela improcedência da oposição, mediante embargos.

Tramitado o processo e realizada audiência prévia vindo de seguida a ser proferido saneador/sentença em cujo dispositivo se fez constar:
Face ao exposto, decide-se julgar totalmente procedente, por provada, a oposição à execução mediante embargos de executado, e, em consequência, determinar a extinção da execução quanto à executada/embargante (…), absolvendo-a da instância, com o consequente levantamento de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução sobre bens da propriedade daquela executada/embargante (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Custas da oposição à execução mediante embargos de executado a cargo da exequente/embargada (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Após trânsito, comunique a presente sentença ao Banco de Portugal, para instauração do competente procedimento contra-ordenacional contra a exequente/embargada, nos artigos 36.º, n.º 1 e 37.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, por inobservância da omissão de integração obrigatória da executada/embargante no PERSI, o que constitui conduta violadora dos normativos legais previstos nos artigos 14.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 18.º, n.º 1, alínea b), e 39.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 227/2012, 25 de Outubro.
Registe e notifique, incluindo o Agente de Execução (artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
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Não se conformando com esta decisão veio a exequente interpor recurso de apelação e apresentar alegações, terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
I. Vem o presente recurso interposto da Sentença que decidiu do mérito em fase de despacho saneador, após a audiência prévia, sem mais produção de provas e que julgou procedente a Oposição Mediante Embargos de Executada, na parte em que decidiu pela procedência da Oposição pela não integração prévia da Recorrida/Embargante no PERSI, extinguindo a ação quanto à Recorrida/Embargante, absolvendo-a da instância e ordenando o cancelamento do registo da penhora sobre imóvel (“levantamento de quaisquer penhoras”).
II. Entende a Recorrente/Embargada que as normas que constituíram fundamento jurídico da Douta decisão não foram interpretadas e aplicadas da forma mais adequada, o mesmo se aplicando à jurisprudência invocada pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, porquanto, não pode a Recorrente deixar de discordar da mesma. O presente recurso versa, portanto, sobre matéria de direito.
III. A Recorrente/Embargada tentou chegar a acordo por diversas vezes com a Recorrida/Embargante, contudo, nunca houve colaboração desta para que se efetivasse tal solução, nomeadamente, não fornecendo os elementos necessários, situação que perdurou desde que os atrasos se iniciaram (por volta de Novembro de 2011) até a entrada da presente ação executiva.
IV. Com esta atitude a Recorrida/Embargante não permitiu à Recorrente/Embargada que encontrasse uma forma de adequar o mútuo contratado às condições financeiras daquela.
V. O Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro entrou em vigor em 01/01/2013, sendo que, nesta data, a Recorrente/Embargada já havia feito várias tentativas no sentido de apurar a capacidade de pagamento da Recorrida/Embargante para apresentar-lhe uma proposta de acordo. O que só não foi possível porque a Recorrida/Embargada nunca aceitou e, portanto, nunca forneceu os elementos necessários tornando impossível para a Recorrente/Embargada propor uma alternativa.
VI. Ainda assim, a Recorrente/Embargada manteve o contrato em incumprimento por pelo menos 3 anos, de Março de 2012 a Abril de 2015 (e mais períodos de atrasos desde Novembro de 2011), na tentativa de conseguir chegar a acordo com a Recorrida/Embargante.
VII. Ou seja, ainda muito antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 Outubro a Recorrente/Embargada estava a tentar acordo, tendo facultado o seu IBAN à Recorrida/Embargada, por forma a garantir que conseguia pagar algum montante, se não a prestação integral, evitando que eventuais depósitos feitos na conta bancária da Recorrida/Embargada servissem para pagamento de comissões, seguros e outras dívidas, por forma a que os montantes em mora não aumentassem de forma considerável e que fosse possível chegar a um acordo.
VIII. Entretanto, a própria Recorrida/Embargante refere em 26 da Oposição, que não poderia ter cumprido com qualquer acordo/PERSI, face à sua incapacidade financeira por estar a decorrer penhora sobre o seu ordenado no âmbito de outro processo anterior, assumindo que não tem capacidade financeira para o efeito.
IX. Aliás, ainda sobre a sua Oposição, a Recorrida/Embargante não refere, em momento algum, ter proposto acordo ou ter solicitado a sua integração no PERSI, porque, claramente, nunca o pretendeu ou aceitou.
X. Entende a Recorrente/Embargada, acompanhando o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 que se a não conclusão de um acordo for imputável aos devedores, a posterior aplicação do PERSI, pela sua entrada em vigor, deixa de ser obrigatória.
XI. Acompanha, ainda, o entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães de que não tendo sido possível chegar a acordo por factos imputáveis à Recorrida/Embargante, não pode esta Vir agora invocar este diploma para concluir que o Banco estava impedido de intentar ação judicial para satisfação do seu crédito no período compreendido entre a integração no PERSI e a extinção deste, configura um claro abuso de direito”.
XII. Por isso, entende a Recorrente/Embargada, que as normas que constituíram fundamento jurídico da Douta decisão de que se recorre não foram interpretadas e aplicadas da forma mais adequada, o mesmo se aplicando à jurisprudência invocada naquela.
XIII. Porquanto, o artigo 14.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei reza que o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º e 60º dia e não obstante o artigo 39.º estabelecer que nas situações que perdurem à data da entrada em vigor do referido diploma, a integração será automática, a verdade é que este artigo não pode ser considerado de forma isolada, sob pena de ocorrer uma incorreta interpretação e aplicação das normas estabelecidas no Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro.
XIV. Se o artigo 4.º refere que os clientes bancários devem colaborar com as instituições bancárias na busca de soluções extrajudiciais; no artigo 5.º, n.º 2 consta que deve-se promover, sempre que possível, a regularização das situações de incumprimento em sede extrajudicial e o artigo 10.º, n.º 2 estabelece que a instituição bancária deve analisar a capacidade financeira do cliente bancário, não havendo colaboração dos devedores/clientes bancários nesse sentido, como foi o caso da Recorrida/Embargante, torna-se impossível para a instituição bancária/financeira propor qualquer solução.
XV. O artigo 17.º, n.º 2, alínea c) vem dar ainda mais razão à Recorrente/Embargada, pois estabelece que o procedimento é extinto quando o cliente não colabore com a instituição de crédito, ora, foi exatamente esta a postura que sempre foi a adotada pela Recorrida/Embargante, de não colaboração, ainda muito antes da entrada em vigor do Decreto-Lei em causa.
XVI. Assim, da interpretação das disposições legais e jurisprudência acima conjugadas, conclui-se que a não conclusão de um acordo, ainda antes da entrada em vigor do referido Decreto-Lei e mesmo a posteriori, por factos imputáveis aos devedores não retira à entidade bancária o direito de intentar a ação executiva, por ser esta a única forma disponível para reaver os seus créditos.
XVII. Portanto, conclui-se que, no presente caso, a prévia integração da Recorrida/Embargada no PERSI não poderia ter sido considerada como pré-requisito para a instauração da ação executiva. Sendo que, deveria ter sido esta a interpretação e aplicação das normas e jurisprudência feitas pelo Tribunal a quo.
XVIII. Pelo que, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que não considere a aplicação do PERSI, no caso em concreto, como pressuposto prévio da instauração da ação executiva ou, em alternativa, relegue a decisão para a fase posterior à produção de prova em sede de julgamento, caso o entendimento dos Venerandos Juízes Desembargadores seja no sentido de que ainda é necessária a produção de mais provas da falta de colaboração da Recorrida/Embargante e, em consequência de ambas as hipóteses, não se proceda à comunicação ao Banco de Portugal para a instauração de procedimento contra-ordenacional, nem se cancele a penhora existente, nem se extinga a execução quanto à Recorrida/Embargante, nem se absolva-a da instância.
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Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão primordial a apreciar consiste em saber se ao caso em apreço se aplicam as normas previstas no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10.
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 8 de Maio de 2008, no âmbito da sua atividade, a exequente/embargada firmou com os executados um acordo, ao qual foi atribuído o n.º (…), através do qual concedeu um empréstimo no valor de € 99.000,00 à executada/embargante (…), e do qual o Executado (…) se constituiu fiador e principal pagador, renunciando ao benefício de excussão prévia, destinando-se à aquisição do imóvel para habitação própria e permanente da executada/embargante, o prédio urbano, composto de casa de Rés-do-chão para habitação e logradouro, sito em Tremês, no Bairro D. (…), freguesia de Tremês e Concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o número (…), da dita freguesia.
2. A executada/embargante obrigou-se a restituir o montante mutuado em quatrocentas e trinta e duas prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
3. Para garantia do pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e despesas, foi constituída a favor da exequente/embargada a hipoteca sobre imóvel mencionado em 1., pela apresentação (…) de 12 de Dezembro de 2008.
4. Os executados não cumpriram com as obrigações que assumiram no aludido contrato, nomeadamente, não pagaram – na data dos respetivos vencimentos, nem posteriormente lograram repor em dia e não obstante as diligências efetuadas nesse sentido pela Exequente – as prestações a que se tinham obrigado para reembolso do capital e juros, incorrendo, assim, em mora a partir de 02 de Março de 2012 e nunca mais tendo liquidado as amortizações do capital mutuado e respetivos juros nos termos fixados contratualmente, facto que foi determinante para a exequente/embargada ter determinado o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas, resolvendo o contrato em 22 de Abril de 2015, convertendo-se a mora em incumprimento definitivo.
5. A partir de 2 de Novembro de 2011, a executada/embargante pagou à exequente/embargada as quantias de € 0,03, € 4,30, € 4,31, € 4,31, € 1,97, € 104,98, € 226,37, as quais foram imputados às dívidas mais antigas, ou seja, para liquidar amortizações de capital e juros que já se tinham vencido mas que não se encontravam total ou parcialmente pagas e respetivos juros de mora.
6. A exequente/embargada não encetou o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento previsto no Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
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Conhecendo da questão
Argumenta a recorrente, que a embargante nunca colaborou para que se viesse a concretizar um acordo, antes ainda da entrada em vigor do PERSI. Que tentou chegar a acordo por diversas vezes com a embargante, contudo, nunca houve colaboração desta para que se efectivasse tal solução, não fornecendo os elementos necessários.
Está em causa o invocado PERSI e sua disciplina legal, fixada pelo mencionado Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25-10, em cujo preâmbulo pode ler-se que visa «promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a actuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários», sendo que no âmbito do PERSI «as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor»
Quer dizer, pressupondo reais “assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito”, que importa compensar/superar, de molde a recuperar o equilíbrio de posições entre as partes, tutelando o interesse da parte considerada frágil na relação creditícia (os devedores/consumidores em dificuldades financeiras), o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada.
Um dos princípios consagrados apresenta a seguinte formulação (art.º 4.º, n.º 1):
«No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adoptando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa».
Bem se compreende, pois, nesta perspectiva, que a tais instituições de crédito caibam deveres de avaliação e apresentação de propostas (art.º 10.º), tendentes a, nas situações legalmente previstas (quando ocorram indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário ou este mostre risco de incumprimento), desenvolver “as diligências necessárias para avaliar esses indícios, tendo em vista aferir da existência de risco efetivo de incumprimento e da respetiva extensão”.
Assim, quando verifique, em resultado da avaliação referida, “que o cliente bancário dispõe de capacidade financeira para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito, nomeadamente através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, a instituição de crédito apresenta-lhe uma ou mais propostas que se revelem adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades” (n.º 4 do art.º 10.º), o que deve fazer (n.º 5) “ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro” e com observância dos “deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.
Cabe, então, às instituições de crédito promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, como impõe o art.º 12.º, começando – preliminarmente –, verificada a mora, por informar, em prazo, o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento (art.º 13.º).
Se o “incumprimento” persistir, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cfr. art.º 14.º).
Segue-se a importante “Fase de avaliação e proposta”, a que se reporta o art.º 15.º:
«1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento (…) se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflecte a incapacidade do cliente bancário para cumprir (…).
2 - (…) a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário
(…)
4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, (…) sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objectivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.
5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.
Passa-se depois para a “Fase de negociação” (art.º 16.º), podendo o cliente bancário recusar as propostas apresentadas ou propor alterações, cabendo à instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas, apresentar nova proposta ou aceitar ou recusar as alterações, sendo-lhe lícito apresentar nova proposta, tudo em prazos legalmente estabelecidos.
São causas de extinção do PERSI (art.º 17.º, n.º 1): o pagamento integral, o acordo entre as partes para regularização da situação de incumprimento, o decurso do prazo de noventa dias subsequentes à data de integração do cliente bancário neste procedimento (salvo acordo escrito no sentido da sua prorrogação) e a declaração de insolvência do cliente bancário.
Acresce que a entidade de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI se: a) for realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor; b) for proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório; c) concluir, em resultado da avaliação desenvolvida, que o cliente não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento; d) este não colaborar, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados, ou na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas; e) praticar actos susceptíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito; f) recusar a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; g) o credor recusar as alterações à sua proposta sugeridas pelo cliente (n.º 2).
Acresce ainda que a “instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento” (n.º 3,), extinção que (cfr. n.º 4) “só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior” (excepto se o fundamento de extinção for o previsto na al.ª b) do n.º 1).
Por fim, o art.º 18.º (“Garantias do cliente bancário”) deixa claro que, no “período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
(…)” (n.º 1).
E o art.º 19.º (quanto a “Deveres procedimentais”) obriga o credor a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adoptados no âmbito da implementação do PERSI, especificando, designadamente: a) os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) as soluções susceptíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento.
Sem esquecer que as “instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos”, conservando “os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI” (cfr. art.º 20.º).
No caso dos presentes autos, contrariamente ao alegado pela recorrente, resultou provado que a exequente/embargada não encetou o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento previsto no Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.
Muito embora a recorrente venha a afirmar que tentou chegar a acordo por diversas vezes com a recorrida e que não houve colaboração desta, isso não era impeditivo de a recorrente intentar o procedimento a que estava legalmente obrigada e a comunicar ao cliente.
Conforme se pode ler no respectivo sumário do Ac. do TRE de 27/04/2017, no proc. 37/15.5T8ODM-A.E1, disponível in www.dgsi.pt. “No artº 14º, nº 4, do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II- O significado de tal expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”. III- Por conseguinte, e exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro” ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) – cfr. artº 364º, nº 2, do Cód. Civil. IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artº 224º, nº 1 -1ª parte, do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar (artº 342º, nº 1, do mesmo Código)”.
Do exposto resulta que cabia à recorrente o ónus da alegação e prova de ter procedido às legais comunicações à contraparte devedora, em observância dos seus deveres de informação e até protecção do devedor/cliente/consumidor, o que sempre teria de passar, para além do mais, pela demonstração da notificação da embargante quanto às invocadas abertura e encerramento do PERSI.
Sobre esta matéria também já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 09/02/2017, Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 disponível in www.dgsi.pt.), no sentido de: “O procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal).
Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art. 18.º, n.º 1, al. b)”.
Com efeito, como consta da fundamentação do mesmo Ac. do STJ, o legislador quis, quanto às instituições de crédito, «introduzir na nossa ordem jurídica princípios e regras a observar por aquelas instituições na prevenção e na regularização das situações de falta de cumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários que se integrem no referido conceito de consumidor e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações».
Por isso, as “instituições de crédito passaram a ter de promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado” PERSI, em cuja “fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa».
Assim, podemos concluir que a instituição de crédito, aqui recorrente não podia intentar ação judicial com vista à satisfação do seu crédito, nomeadamente ação executiva, sem antes integrar o cliente bancário no PERSI.
E, o que se verificou no caso em apreço, foi que a recorrente instaurou ação executiva, sem antes lançar mão do estabelecido no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10, ao qual estava obrigada.
Conforme se refere na decisão proferida pela Mª juiz do tribunal “a quo”, “A propositura de acção judicial sem a integração prévia do devedor no PERSI, configura uma excepção dilatória atípica ou inominada, insuprível, por falta de pressuposto prévio e antecedente da instauração da acção executiva”.
Este é também o entendimento perfilhado no Ac. desta Relação, de 06/10/2016 (proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1, disponível em www.dgsi.pt), o qual subscrevemos, onde se fez consignar: “Da interligação entre as diversas normas contidas no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) ressalta claramente que, relativamente ao cliente bancário, a instituição de crédito está impedida de «intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito» (artigo 18º, nº 1, al. b), do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro).
O conjunto dos elementos hermenêuticos – histórico, sistemático, teleológico e literal – aponta claramente que a integração do cliente bancário [e, bem assim, do fiador] no PERSI é obrigatória, quando verificados os respetivos pressupostos, posto que, consequentemente, a ação executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento. E isto porque existe igualmente um feixe de direito concedidos aos clientes bancários e a concretização dessas garantias não é compatibilizável com a existência de um processo em curso.
Desta sorte, através do recurso ao método integrativo da inferência lógica de regras imanentes, se existe um quadro de proibição de accionamento de «acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito», é manifestamente inviável, na pendência da lide, suprir a irregularidade verificada.
É o regime excepcional previsto no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, que afasta liminarmente a possibilidade de ser intentada a acção e, por maioria de razão, existe uma circunstância impeditiva que obsta a que, no decurso de uma acção executiva (que não poderia ser proposta), se desenvolva um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento. Aliás, a própria designação (Procedimento Extrajudicial) é absolutamente esclarecedora da intenção do legislador e o intérprete deve presumir que este consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como proclama o artigo 9º, nº 3, do Código Civil.
Está retratado no artigo 4º do Decreto-Lei nº 227/2012, que surge como uma densificação dos princípios da boa-fé e da lealdade contratuais, que «no cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa».
Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de ação executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.
Em suma, no presente caso, existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objetiva de procedibilidade. Por analogia, na busca do lugar paralelo, este vício encaixa no regime jurídico das exceções dilatórias, embora in casu seja de natureza atípica, sendo que, apelando à filosofia, intenção e objetivos legais, o mesmo não admite o respetivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina diretiva e de carácter excecional. Porém, tal não obsta a que a entidade bancária venha a interpor nova ação executiva tendente à satisfação do seu crédito, uma vez cumpridas as exigências específicas contidas no diploma sub judice”.
Face ao que ficou dito, concluímos que a sentença que se encontra devidamente fundamentada, não merece qualquer censura, devendo manter-se na íntegra.
Irrelevam, assim as conclusões da recorrente, impondo-se a improcedência da apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 08 de Março de 2018
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes