Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
73/11.0JAPTM.E2
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
DEPOIMENTO INDIRECTO
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A prova, no tipo legal de crime de violência doméstica, não é catalogada, nem os factos, traduzidos em injúrias, ameaças verbais, empurrões e bofetadas, necessitam de qualquer outra prova que os sustente, para além das declarações, consistentes e convincentes, da própria vítima.

II - Não configuram “depoimentos indiretos” os relatos de testemunhas que, muito embora não tendo presenciado os factos, apenas esclareceram que o arguido esteve no local dos mesmos, e que, perante elas, posteriormente, “justificou” os ferimentos sofridos, na altura e no local, pela vítima.

III - O julgador pode (e deve) recorrer à prova por presunção judicial (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigo 349.º do Código Civil -).

IV - Perante um elevado grau de ilicitude, face à existência de dolo direto, intenso e persistente, e não se vislumbrando a ocorrência de qualquer motivo (humanamente compreensível) para as atitudes do arguido, mostra-se corretamente fixada a pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelas alíneas a) do nº 1 e do nº 3 do artigo 152.º do Código Penal.[1]
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, com o nº 73/11.0JAPTM, da Comarca de Faro (Portimão - Instância Central - 2ª Secção Criminal - Juiz 1), em que é arguido A., e por acórdão datado de 09 de novembro de 2015, foi decidido nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgamos a acusação procedente, por provada e, em consequência:

a) Condenamos A., pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelas alíneas a) do nº 1 e nº 3 do art.º 152º do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;

b) Mantemos a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido, nos termos do disposto nos artigos 213º e 215º, do Código de Processo Penal;

c) Mais condenamos o arguido na taxa de justiça de 3 (três) U.C. e nas demais custas criminais do processo;

d) Condenamos A. no pedido pelo Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE;

e) Condenam A. a pagar a B. a quantia de 31.600 euros, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação e da quantia que se vier a liquidar pela incapacidade permanente da assistente até ao máximo de 60.000 euros;

f) Custas cíveis pelo arguido, na proporção dos decaimentos, sendo a parte ilíquida a fixar no correspondente processado”.
*
Inconformado com o acórdão condenatório, dele interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“A - O recorrente vinha acusado da prática de um crime de violência domestica agravado p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a e nº 3 com o nº 1 al. a) por referencia ao art.º 144º al. a), b), c) e d) todos do Código Penal, mas os factos que supostamente sustentavam a acusação, nomeadamente a agravação do crime, não foram presenciados por nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento. Por outro lado, o arguido, não prestou declarações e a ofendida, por seu lado, disse não ter memória dos factos ocorridos no dia 27/05/2011.

B - Pelo que, face à ausência de prova produzida ou examinada em audiência de julgamento que permita ao tribunal recorrido formar validamente a sua convicção, o recorrente nunca poderia ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica na forma agravada p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) e nº 3 com o nº 1 al. a) por referência ao art.º 144º al. a), b), c) e d) do Código Penal.

C - O tribunal “a quo” ao dar como provada a prática pelo recorrente do crime de violência doméstica na forma agravada p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) e nº 3 com o nº 1 al. a) por referência ao art.º 144º al. a), b), c) e d) do Código Penal, ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, violando o art.º 127º, assim como violou o artigo 129º sobre os limites do depoimento indireto, ambos do Código de Processo Penal e ainda o art.º 152º do Código Penal, decidindo sem factos bastantes e em erro sobre a prova – art.º 410º nº 1 e 2 al. a) e c) e 426º todos do CPP, o que poderá determinar o reenvio do processo para o tribunal “a quo”.

D - As declarações da assistente são contraditórias em relação às demais testemunhas, pois refere que “no Inverno vivíamos mais em Odiáxere” (voltas 5.20 a 6.10) e que era nessa altura, segundo ela, que o arguido a maltratava, pois estavam numa propriedade longe de outras casas e sem vizinhos por perto. Referiu também que ultimamente as coisas estavam melhores e que o arguido, nas agressões que supostamente lhe infligiu, nunca lhe deixou marcas e que ela nunca fez queixa na polícia ou foi ao hospital receber tratamento. Quanto aos factos ocorridos no dia 27/05/2011, a assistente disse (não me lembro de nada (…..) não me lembro do que aconteceu nesse dia - (voltas 15.50 a 17.30) e (18.50 e 19.30).

E - A testemunha SF, por seu lado, disse estar zangada com o arguido e ser muito amiga da assistente, o que não impediu o tribunal “a quo” de valorar o seu depoimento, referiu que era no local de trabalho que o arguido batia na assistente e que esta ficava com marcas na cara e no corpo, contrariando desse modo a própria assistente que disse que o local onde era maltratada era em casa, no inverno, longe de pessoas e sem deixar marcas. Sobre os factos ocorridos no dia 27/05/2011, esta testemunha, S, disse nada saber.

F - Quanto à testemunha IG, prima do arguido e da assistente, esta referiu que era presença habitual na casa do arguido e da assistente aos fins de semana e que “nunca assisti a nenhuma situação de agressões nem verbal nem física” (voltas 05.50 a 7.10), acrescentando que aquilo que chegou a ouvir foi o arguido chamar á assistente fingida. No tocante aos factos ocorridos no dia 27/05/2011, a testemunha referiu que não sabe o que se passou, pois não presenciou os factos, mas que aquilo que o primo (arguido) lhe referiu foi que “ele diz que ela caiu” (voltas 10.20 a 11.50) e acrescentou depois que o primo lhe contou que depois de ela cair ele tentou pedir ajuda através do telemóvel, mas como naquele local não existe cobertura de rede telefónica, acabou por optar por traze-la e que no caminho a deixou cair “várias vezes” (voltas 09.30 a 09.55).

G - Já a testemunha FG, filho do arguido e da assistente, referiu estar zangado com o pai e no seu depoimento por videoconferência foi acompanhado pela avó materna, pelo que o seu depoimento não foi valorado pelo tribunal recorrido, e bem. Apesar disso tudo, referiu que vinha normalmente passar o mês de Agosto ao Algarve com os pais, mas “nunca vi a mãe ser agredida pelo pai” (voltas 09.00 a 09.40).

H - Outra das testemunhas inquiridas neste julgamento foi JF, tio e sogro do arguido, que referiu que não se dá bem com o arguido. Apesar dessa informação, o tribunal recorrido valorou o seu depoimento normalmente. Esta testemunha, com exceção do que disse sobre as vezes que vinha ao Algarve passar férias na casa da filha e genro, tudo o resto que referiu foi depoimento indireto.

I - Ora, em face do que se acaba de referir, muito resumidamente, o recorrente entende que o tribunal recorrido não esteve bem quando, no ponto nº 1 dos factos provados, deu como assente ou provado, por exemplo, que o arguido pretendia matar a assistente, pois nunca nenhuma das testemunhas inquiridas ou tampouco a assistente referiu semelhante coisa.

J - O tribunal recorrido não andou bem nessa parte (pretender matar a assistente), pois nenhuma testemunha referiu sequer esse aspeto e também nenhuma foi questionada sobre isso, pelo que o tribunal “a quo”, ao dar esse facto como provado, violou o disposto no art.º 355º do CPP, pois essa prova não foi produzida nem examinada em julgamento.

K - Da mesma forma, no ponto dois dos factos provados, o tribunal recorrido deu como provado que o arguido empurrou a assistente e a fez cair. Ora, uma vez que ninguém presenciou estes factos, que o arguido não prestou declarações e que a assistente disse não se recordar de nada, o tribunal “a quo” ao dar como provados esses factos fê-lo com base em depoimentos indiretos e em supostas afirmações que o recorrente não fez e que o tribunal recorrido não podia dar como provadas sob pena de violar o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º doo CPP), valorizar o depoimento indireto previsto no art.º 129 do CPP e ainda o disposto no art.º 355º do CPP, pois formou a sua convicção em provas não produzidas em audiência de julgamento e com base em métodos proibidos de obtenção de prova.

L - Ora esses dois factos (nº 1 e 2), considerados como provados pelo tribunal “a quo”, nunca o poderiam ser, atenta a falta de prova produzida em audiência de discussão e julgamento, uma vez que as provas produzidas em audiência de julgamento não permitem dar como provado que o arguido pretendia matar a assistente, o que ninguém referiu sequer e, por outro lado, com as provas existentes, também o tribunal recorrido não poderia dar como provado que o arguido empurrou a arguida e que ela caiu ao chão e embateu com a cabeça numa pedra.

M - Aliás, a esse propósito o tribunal recorrido valorou provas que não podia sequer valorar, em nítido desrespeito pelos limites impostos pela lei penal. Veja-se, a título de exemplo, a página 11, no primeiro parágrafo, do acórdão proferido. O tribunal recorrido cita uma suposta conversa que diz ter existido entre o arguido e a médica assistente do INEM que assistiu a assistente, dizendo que “a própria conversa tida entre o arguido e a médica assistente e referida a fls. 6 (dos autos) refere igualmente que o marido lhe disse que saíram de casa e se deslocaram para local ermo, onde mantiveram uma discussão e que a esposa caiu”.

N - Ora, esta citação, feita pelo tribunal recorrido, para motivar a sua decisão, baseada numa declaração obtida na fase de inquérito e uma vez que a médica assistente não foi inquirida como testemunha e que essa conversa não foi citada por ninguém (e também não o podia ser) e essa questão não foi examinada sequer em julgamento, é a mais clara e flagrante violação e comprova a utilização pelo tribunal recorrido de prova proibida, não produzida ou examinada em julgamento e valorada e utilizada para motivar a decisão de facto do tribunal recorrido, violando dessa forma o disposto no art.º 355º do CPP, devendo nessa parte ser objeto de reapreciação o acórdão recorrido.

O - De realçar ainda que, em julgamento, não se logrou apurar quais foram efetivamente as sequelas que resultaram da queda da assistente e as que resultaram do facto de o arguido, ao transportá-la para que lhe fosse prestado auxílio, a ter deixado cair algumas vezes, o que não permite estabelecer uma relação causa e efeito entre as duas situações e, como tal, o PIC deverá improceder nessa parte.

P - Portanto, o recorrente vinha acusado da prática de um crime de violência domestica agravado p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) e nº 3 com o nº 1 al. a) por referência ao art.º 144º al. a), b), c) e d) todos do Código Penal, mas os factos que supostamente sustentavam a acusação e agravavam o referido crime, não foram presenciados por nenhuma das testemunhas presentes na audiência de julgamento. O arguido não prestou declarações e a ofendida, por seu lado, disse não ter memória dos factos ocorridos no dia 27/05/2011.

Q - Pelo que, face à prova reunida em audiência de julgamento, o arguido nunca podia ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica na forma agravada p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) e nº 3 com o nº 1 al. a) por referencia ao art.º 144º al. a), b), c) e d) do Código Penal, mas, quando muito, pelo de um crime de violência doméstica simples, p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a), cuja moldura penal não vai além de 5 anos de prisão, no seu limite máximo.

R - O tribunal “a quo” deveria ter procedido a uma alteração substancial e a uma nova qualificação jurídica dos factos, nos termos do art.º 359º do CPP, o que não aconteceu, tendo o tribunal dado como provados factos que não podia considerar como provados, valorando provas que não podia valorar e decidindo em nítida violação da prova produzida e examinada em audiência de julgamento.

S - O tribunal “a quo” ao dar como provada a prática pelo recorrente do crime de violência doméstica na forma agravada p. e p. pelo art.º 152º nº 1 al. a) e nº 3 com o nº 1 al. a) por referência ao art.º 144º al. a), b), c) e d) do Código Penal, ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, violando os art.º 127º e 129º do Código de Processo Penal e ainda o art.º 152º do Código Penal e 355º do CPP, decidindo sem factos bastantes para dar como provado que o recorrente pretendia matar a assistente e que a empurrou e a fez bater com a cabeça numa pedra, conforme consta dos pontos 1 e 2 dos factos considerados como provados, pois as provas produzidas ou examinadas em audiência de julgamento não permitem uma tal conclusão e, portanto, decidiu em erro sobre a prova - art.º 410º nº 1 e 2 al. a) e c) e 426º todos do CPP - o que deverá determinar o reenvio do processo para o tribunal “a quo”.

T - Face a tudo quanto supra se deixa exposto, ao condenar o arguido pela prática de um crime violência doméstica agravado, atenta a falta de provas nessa parte, a pena de seis anos que foi aplicada ao recorrente, pelo tribunal recorrido, é exagerada e excede a moldura penal do art.º 152º nº 1 do C.P., na sua forma simples, pelo que deve a mesma ser alterada.

U - Caso V. Ex.ª assim não o entendam e decidam manter a condenação nos termos proferidos pelo tribunal recorrido, nesse caso pugna-se para que a pena aplicada seja consideravelmente reduzida, devendo aproxima-se dos 4 anos de prisão, devendo ainda ser suspensa na sua execução, pois a aplicação de penas visa essencialmente a recuperação do autor dos factos e o recorrente já cumpriu aproximadamente 14 meses de prisão preventiva.

V - Com a devida vénia, entende o recorrente que são merecidos reparos ao douto Acórdão ora em recurso, o qual deve merecer integral provimento, com as legais consequências. Pelo que deve ser determinado o reenvio do processo para repetição do julgamento, por via da verificação dos pressupostos dos art.º 410º e 426º do Código do Processo Penal, de conhecimento oficioso.

X - Deverá ainda o douto acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que altere a qualificação jurídica dos factos e a respetiva moldura penal e a consequente pena ou, caso assim se não entenda, deverá ser substituída a pena aplicada e aplicar uma pena única não superior a 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução, assim se dando integral provimento ao presente recurso.

Nestes termos e nos demais que V. Exªs doutamente suprirão, a não se determinar o reenvio do Processo para repetição do julgamento, por via da verificação dos pressupostos dos art.º 410º e 426º do Código do Processo Penal, de conhecimento oficioso, deverá o douto acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que altere a qualificação jurídica dos factos e a respetiva moldura penal e consequente pena (crime de violência doméstica simples), ou, caso assim se não entendendo, haverá que substituir a pena aplicada e aplicar uma pena única não superior a 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução, assim se dando integral provimento ao presente recurso”.

O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo do seguinte modo (em transcrição):

“1- O âmbito do recurso retira-se das respetivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S.

2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso.

3- São assim, as conclusões quem fixam o objeto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.

4- Não contém a douta decisão impugnada qualquer erro de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que a inquine.

5- A matéria constante na fundamentação do Douto Acórdão recorrido, provou-se de modo inequívoco, não se justificando qualquer alteração.

6- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais.

7- O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado por diversas vezes, como consta do CRC e do Douto Acórdão.
8- A qualificação jurídica que o Tribunal deu aos factos que foram praticados pelo arguido e dados como provados no Douto Acórdão, mostra-se pertinente, legal e adequada.

9- Não existem nos autos ou nos textos legais, razões para ser alterar a qualificação jurídica, não procedendo a argumentação do recorrente ao afirmar que o arguido cometeu um crime de violência doméstica na sua forma simples.

10- No que concerne ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sabe-se que este “se refere à insuficiência da matéria de facto provada para fundamentar a solução de direito e não à insuficiência da prova produzida e examinada em audiência para alicerçar a decisão sobre a matéria de facto proferida, tendo de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”.

11- Não vislumbram nos autos quaisquer elementos que tivessem de ser indagados e não foram, necessários para se formular um juízo de condenação ou absolvição do arguido, e não se vislumbra no Douto Acórdão o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sendo perfeitamente legal, sensato, adequado e comum, atribuir-se mais credibilidade a uns depoimentos que a outros, tudo dependendo das circunstâncias em que eles são prestados, como são prestados e como são avaliados, embora se compreenda que o recorrente possa ter opinião diferente.

12-Veja-se a título exemplificativo o que se diz em nota de rodapé no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto: “Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, proc. nº 05A2007, “a convicção do tribunal é construída dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos”. Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe” - in www.dgsi.pt, Acórdão do TRP, de 26-3-2014, proc. 201/08.3TASJM.P1.

13- Lido e relido o Douto Acórdão recorrido de um modo lógico-sistemático, retira-se que não contém qualquer contradição entre os factos provados, não é insuficiente, nem deveria ter uma decisão distinta.

14- Relativamente ao erro notório na apreciação da prova a que alude o recorrente, vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que ele apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova. E, não se confunda este alegado vício com a discordância acerca da forma como o tribunal fixou a matéria de facto pois, no campo da apreciação das provas, é livre a forma como o Tribunal forma a sua convicção.

15- Trata-se de emanação do princípio que vigora no nosso sistema processual penal, o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, consagrado no artigo 127º, do C.P.P., de acordo com o qual e, ressalvados os casos em que a lei dispuser diferentemente, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

16- É também óbvio, que o recorrente não desconhecerá que o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” (Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1.º vol., fls. 211).

17- Não se desconhece que “ao contrário do que se passa no processo civil, em que basta a existência de uma «probabilidade prevalecente», em processo penal deve adotar-se um padrão mais exigente, nomeadamente o de origem anglo-saxónica, da «prova para além de qualquer dúvida razoável».

18- Não fez o Tribunal “a quo” nenhuma interpretação incorreta de provas periciais, de documentos ou de depoimentos prestados em audiência de julgamento, devendo o Douto Acórdão manter-se na sua totalidade.

19- É legal, sensato, adequado e comum, atribuir-se mais credibilidade a uns depoimentos que a outros, tudo dependendo das circunstâncias em que eles são prestados, como são prestados e como são avaliados, embora se compreenda que o recorrente possa ter uma opinião distinta.

20- O Tribunal “a quo” fez um exame crítico da prova, explicando de modo detalhado as provas que considerou, como e porquê as valorou, não procedendo os argumentos do recorrente.

21- Não foi violado pelo Douto Acórdão que o arguido impugna o disposto no art.º 32º, ou outro preceito da Constituição da República Portuguesa, tendo o arguido sido condenado com base em provas legalmente produzidas, bastantes e adequadas, embora o Douto Acórdão ainda não tenha transitado em julgado e esteja a ser impugnado, tudo em conformidade com as normas legais em vigor.

22- É evidente que o Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida da pena aplicada ao arguido todos os critérios referidos nos artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena adequada às circunstâncias que abonam a favor e contra o arguido e em sintonia com a respetiva culpa, devendo manter-se a douta decisão”.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concordando com o entendimento do Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância (entendimento expresso na resposta ao recurso acabada de referenciar).

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, o arguido apresentou resposta, reafirmando o já alegado na motivação do recurso.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo recorrente da motivação do recurso, e em breve resumo, são cinco as questões a conhecer:

1ª - Existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, als. a) e c), do C. P. Penal, o que implica o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426º do mesmo C. P. Penal).

2ª - Impugnação alargada da matéria de facto (ausência de prova quanto aos factos provados nºs 1 e 2 do acórdão revidendo), tendo havido violação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C. P. Penal), tendo sido valorizados depoimentos indiretos (artigo 129º do C. P. Penal), e tendo sido ponderadas provas não produzidas em audiência (artigo 355º do C. P. Penal).

3ª - Qualificação jurídica dos factos (o crime cometido foi o de violência doméstica na sua forma simples, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, do Código Penal, e não o crime de violência doméstica agravada).

4ª - Determinação da medida concreta da pena, entendendo o recorrente que a pena aplicada (6 anos de prisão) deve ser consideravelmente reduzida, devendo aproximar-se dos 4 anos de prisão.

5ª - Suspensão da execução da pena (o recorrente entende que a pena de prisão a aplicar deve ser suspensa na sua execução).

2 - A decisão revidenda.
O acórdão proferido nos autos é do seguinte teor (quanto aos factos e à motivação da decisão fáctica):

“1. FACTOS PROVADOS
A - Discutida a causa, provaram-se os seguintes factos:

1. O arguido e B. casaram em 4.10.1989 e viveram juntos até Janeiro de 2011, mas desde o ano de 1991 era frequente o arguido dirigir-se àquela e chamar-lhe "puta" e "cabra", anunciando que a mataria, tendo-lhe várias vezes desferido empurrões e bofetadas na face;

2. No dia 27 de Maio de 2011, cerca das 20.30 horas, o arguido transportou B. para o campo, no Cotifo, Odiáxere, onde a empurrou, tendo aquela caído e embatido com a cabeça numa pedra;

3. Em consequência do embate, B. sofreu, além de fratura da pirâmide nasal, traumatismo crâneo-encefálico, causador de hematoma subdural agudo que provocou estado de coma profundo, com idoneidade para poder produzir a sua morte, o que não sobreveio pela atempada assistência médica, tendo o arguido transportado B. do local onde a fez cair para onde lhe foi solicitada e iniciada assistência;

4. Ficou aquela com extensa cicatriz de ferida operatória arciforme de convexidade superior, medindo 30 cm de comprimento depois de corrigida, abrangendo o couro cabeludo das regiões fronto-parieto-occipital direitas. Ficou sem calote craniana na região frontoparietotemporal direita, situação que confere uma assimetria entre o hemicrâneo direito e o esquerdo, apesar de ter sido recoberto o couro cabeludo das regiões lesadas. Tem ainda cicatriz de ferida operatória obliqua para trás e para cima, desde o lobo superior da orelha direita até à parte média da região occipital, medindo 18 cm de comprimento. Passou a sofrer de ligeira diminuição da força muscular do membro superior e do membro inferior, com claudicação à direita, para além de lentificação do ponto de vista cognitivo da memória, da atenção e da concentração, com perda de iniciativa e/ou da autocrítica e incapacidade de gestão de situações complexas, a que se associa deficit sensitivo-motor evidente e sintomatologia ango-depressiva residual, compatível com as atividades da vida diária. As sequelas do ponto de vista cognitivo afetam, de maneira grave, a capacidade de trabalho e as capacidades intelectuais. As sequelas permanentes configuram uma desfiguração grave e permanente, existindo no entanto possibilidade de correção cirúrgica, da assimetria entre o hernicrânio direito e esquerdo, se a situação clínica o permitir. Sofreu doença por 243 dias, com igual incapacidade para o trabalho, a acrescer caso seja realizada a correção neuro cirúrgica;

5. Em consequência da sua vivência com o arguido, B. apresenta tensão, padrão de desconfiança e suspeição, ansiedade e falta de energia, consistente com as dificuldades de adaptação e colorido emocional depressivo. Ostenta uma organização de personalidade defensiva, que reflete uma maior vulnerabilidade perante determinadas dificuldades. Revela fraca capacidade de estar ciente de si própria, implicando pensar sobre as consequências das suas decisões e baixa apreciação de si. Experimenta dificuldades emocionais, sobretudo decorrentes das limitações físicas (ausência parcial da calote craniana no hemisfério direito, em resultado das intervenções cirúrgicas a que foi sujeita, em consequência do embate) que interferem com o funcionamento e desempenho social. Sente desânimo e abatimento, tristeza, incapacidade sentir prazer e pessimismo. Apresenta igualmente alterações de memória e apatia, causando dificuldades ao nível da adaptação das atividades da vida diária;

6. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de menorizar e abalar física e psicologicamente B. e de a maltratar, mostrando indiferença pelos seus sentimentos e querendo atingir a sua liberdade, honra, dignidade e integridade física de forma a deixá-la abalada, o que alcançou, com o fim de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física e psíquica, não obstante saber a sua conduta proibida e que tinha um especial dever de a respeitar.

Mais se apurou que:

7. O arguido foi condenado em 14.2.1989, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na execução, pela prática de crime de ofensa corporal, cometido em 8.11.1986.

8. Em 11.7.1989 foi condenado em pena de multa, pela prática de crime de furto.

9. Em 301.1992 foi condenado na pena de 18 meses de presídio militar, pela prática de crime de ofensas corporais.

10. Em 5.7.1995 foi condenado na pena de 4 anos de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, cometido em 26.7.1994.

11. Em 23.11.2000 foi condenado em pena de multa, pela prática de crime de recetação, cometido em 22.12.1998.

12. Em 6.11.2003 foi condenado na pena de 20 meses de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, cometido em 3.2.2002.

13. Em 31.3.2009 foi condenado em pena de multa, pela prática de crime de ofensa corporal, cometido em 18.11.2007.

14. Em 25.2.2010 foi condenado na pena de 5 meses de prisão, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometido em 7.2.2010.

15. Em 2.11.2010 foi condenado em pena de multa, pela prática de crime de desobediência, cometido em 11.12.2009.

16. Em 20.1.2012 foi condenado na pena única de 3 anos e 11 meses de prisão, pela prática de crimes de sequestro, ameaça, coação agravada, ofensa à integridade física qualificada e detenção de arma proibida, cometidos entre 10.9.2007 e 1.3.2008;

17. Em 10.07.2013 foi condenado na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, pela prática de crime de injúria agravada, ofensa à integridade física qualificada e ameaça agravada, cometidos a 9.03.2010.

18. As ocorrências que estiveram na base deste processo enquadram-se num contexto de grande desorganização pessoal, laboral e instabilidade emocional do sujeito e que se vinham a prolongar.

Os acontecimentos que se seguiram afetaram física e psicologicamente com grande gravidade B., marcaram a vida deste par e do filho comum, JP.

O menor ficou a viver com o arguido, enquanto a mãe estava em recuperação, no entanto A. encontrava-se em rutura com a segunda companheira: entregou o filho aos cuidados de uma pessoa amiga em Lagos e deslocou-se para a Holanda com o intuito de não perder a filha mais nova. Sem conseguir reverter a situação, deixou de saber do paradeiro daquela descendente e manteve-se naquele país em condições muito precárias. Terá trabalhado numa fábrica de produção alimentar onde conheceu a atual namorada, AM, 43 anos, de nacionalidade polaca.

O arguido foi detido naquele país em outubro/2014, encontrando-se preso no EP de Silves à ordem dos presentes autos. Mantém contactos telefónicos regulares com a namorada, que o visitou em Fevereiro e entre Junho/Julho do corrente ano no EP de Silves. A médio prazo pretende consolidar este relacionamento, não excluindo a possibilidade de retomar o processo emigratório.

Para a família de base, em particular a mãe, se por um lado a atual situação jurídico-penal do arguido não constituiu surpresa, por outro lado é expresso um protecionismo acrítico e de fraca vinculação afetivo-relacional.

Proveniente do Barreiro, A. atualmente com 47 anos, foi criado num grupo familiar numeroso e multiproblemático, debilitando o seu processo de socialização, nomeadamente devido a problemas de alcoolismo do padrasto, a quem são atribuídos maus tratos generalizados.

Constituindo transtornos para uma efetiva interiorização normativa: as disfunções nas práticas educativas familiares motivaram o distanciamento/ rutura precoce do arguido com o anterior sistema grupal. Deslocou-se para o Algarve onde residia uma tia, vendedora ambulante.

Dispondo de limitados recursos pessoais ao nível da escolaridade ou formação profissional, as suas experiências laborais foram breves e pouco diferenciadas. Veio a constituir agregado familiar com uma prima, B., ofendida identificada nos autos. A. beneficiou de maior estabilidade no quotidiano do casal destacando-se o cônjuge na capacidade de organização, nomeadamente no trabalho venda ambulante de artigos de bijutaria e artesanato numa banca.

Fixaram residência em Lagos, localidade onde eram conhecidos pelos serviços de apoio social, nomeadamente para atribuição de habitação com renda apoiada. Tiveram dois filhos em comum, tendo o primogénito sido criado pelos avós maternos no concelho do Barreiro de forma a aceder a melhores cuidados médicos devido a doença congénita limitadora da sua mobilidade, situação que se mantém. A vinculação afetiva do casal com este descendente foi constrangida pela distância geográfica e irregularidades nos contactos.

Embora várias informações apontem um assinalável distanciamento, despreocupação e falta de colaboração para com o cônjuge no trabalho de vendas e gestão dos recursos familiares, A. atribui à ex-mulher a responsabilidade pela atual situação de perda de habitação e de património do casal.

Pouco rigoroso no cumprimento de obrigações laborais, o arguido convivia com conhecidos residentes no concelho de Lagos, referenciados por consumo de substâncias estupefacientes em contexto recreativos, externos ao núcleo familiar. A intensificação deste hábito e a adoção de condutas delituosas junto de pares com atitudes idênticas, motivaram as diversas intervenções do sistema penal. Entre o cumprimento de penas de prisão, medidas probatórias em meio livre e trabalho comunitário A, viria a condicionar a vida conjugal, revelando dificuldades em interiorizar o sentido punitivo das sanções e a responsabilidade pelos seus atos.

Pressionada pela necessidade de manter os compromissos financeiros assumidos e orientar a subsistência familiar B. foi conservando o relacionamento com o marido.

Os últimos anos de vivência conjugal foram marcados por situações de conflito e violência, agravadas pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas do arguido, com acusações recíprocas de comportamentos de infidelidade. Sem que reconheça o seu próprio contributo para o insucesso desta relação, o arguido, à época, mantinha um relacionamento extraconjugal com Catherine, cidadã de nacionalidade holandesa, com quem teve uma filha em circunstâncias não previstas. A menor atualmente com 4 anos de idade estará com a mãe na Holanda.

Em meio prisional o arguido tem sido acompanhado ao nível da saúde, visando manter estabilizados os seus níveis de ansiedade, efetua medicação adequada para o efeito.

Nos últimos contactos do arguido com este serviço, mostrou-se contrariado em falar sobre as circunstanciais do seu envolvimento no atual processo, rejeitando na totalidade as queixas que recaem sobre si.

Posicionou-se com reduzido sentido de autocrítica, tendendo a enviesar a análise de eventuais ocorrências anómalas na globalidade dos seus relacionamentos afetivos e em particular na relação matrimonial, assumindo uma postura de vitimação no caso em apreço. Quando confrontado com a instabilidade assinalada no percurso pessoal e afetivo, A. evidenciou grandes discrepâncias e mesmo negação entre os seus atos e as informações recolhidas junto de outras fontes.

19. O Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE, prestou tratamento hospitalar a B., em consequência do embate, entre 28.5.2011 e 11.8.2011, com assistência que custou o total de 2.335,45 euros.

20. B. foi de novo internada em 16.8.2012, tendo realizado cranioplastia, com aplicação de placa. Teve alta em 24.8.2012, mas teve de ser de novo operada, para remoção e aplicação de placa em 28.1.2013, tendo alta em 7.2.2013;

21. Antes do sucedido gozava de boa saúde. Tem 43 anos de idade;

22. Era vendedora ambulante, auferia em média 500 euros mensais, não tendo voltado a trabalhar;

Ainda se prova que:

23. O arguido era ciumento;

24. B. vivia em sobressalto com medo do arguido.

2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa, nomeadamente que:

Que o arguido fosse controlador, que acreditasse que B. fosse infiel, que ficasse mais calmo quando se alcoolizava, ou que as agressões tivessem ocorrido antes de 1991;

Que B. tenha pretendido suicidar-se;

Outros pormenores do sucedido em Abril e 27 de Maio de 2011 entre o arguido e B..

3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
No que respeita ao fulcro dos factos, a vivência e o ocorrido entre a assistente e o arguido, formou o tribunal a sua convicção com base nas declarações daquela, prestadas em audiência. Deu conta de forma sincera e autêntica, da sua vida conjugal e depois da sua separação.

Relativamente ao sucedido em 27.5.2011, já a assistente de nada se recordou, tendo o tribunal recorrido às perícias e exames médicos juntas aos autos para reconstituir as consequências, sendo que as testemunhas IG e JF relataram o que o arguido lhes confidenciou logo de seguida ao sucedido, tendo afirmado à primeira que, a tinha apanhado a falar ao telefone e lhe tinha dado uns safanões. O arguido confidenciou a JF que a tinha levado para o campo para conversar, disse igualmente que a tinha abanado, tendo a mesma caído e batido com a cabeça numa pedra. Também a testemunha Flávio, filho de ambos, referiu que o pai lhe telefonou naquela noite a dizer-lhe que não queria fazer aquilo e que só queria saber quem era. Igualmente a testemunha SG, para além de referir ter visto o arguido a bater com murros na cabeça da ofendida e empurra-la contra os expositores da banca enquanto esta trabalhava e a chamá-la de “puta” que “não vales o que comes” e “não prestas para nada” (por inúmeras vezes ainda o filho mais velho era pequenino), também referiu que o arguido lhe telefonou através do telefone da ofendida e esta, ao perguntar pela ofendida, o arguido disse-lhe que lhe tinha batido “porque ela não lhe dizia as verdades”. A própria conversa tida entre o arguido e a médica assistente e referida a fls. 6, refere igualmente que o marido lhe disse que saíram de casa e que se deslocaram para local ermo, onde mantiveram uma discussão e que a esposa caiu.

Tais confidências são harmónicas com o relatório do Gabinete de Perícia Criminalística, efetuado com a colaboração do arguido (fls. 136 e seguintes) e com as lesões causadas, apenas compatíveis com mais um espancamento, pois a vítima apresentava, além da ferida na cabeça, fratura do nariz.

À luz de regras de experiência comum, juntam-se os vários indícios, todos concordantes no sentido do apurado: historial de violência, designadamente com empurrões, transporte da vítima para local isolado e lesões apenas compatíveis com mais do que uma simples queda acidental.

Aquele relatório foi ainda determinante para fixar o sucedido após a queda, nomeadamente, ter sido o arguido quem transportou a vítima para ser socorrida, segundo os relatórios que constam dos autos (o que é perfeitamente consentâneo com o historial de maus-tratos, que visam o controlo da vítima, não o seu decesso, ainda que possa ocorrer pela violência extrema por vezes usada).

O apurado quanto ao passado criminal do arguido e suas condições sociais, resulta do seu CRC e do relatório social.

No que respeita às condições da assistente foram determinantes os depoimentos prestados em audiência por SG, pelo filho e pelo pai da ofendida que bem a conhece.

Quanto aos factos não provados.

Os restantes factos não resultaram provados por, quanto a eles, não se ter produzido qualquer prova ou a prova foi insuficiente, sendo que um dos factos que constam da acusação é manifestamente conclusivo”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.

Invoca o recorrente a existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, als. a) e c), do C. P. Penal), o que implica o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426º do mesmo diploma legal).

Cumpre apreciar e decidir.

Lidas (e relidas) quer a motivação do recurso quer as conclusões dela extraídas, constata-se, neste ponto, que o recorrente confunde a impugnação da matéria de facto, tal como previsto no artigo 412º, nºs 1 e 3, do C. P. Penal, com a invocação dos vícios da sentença elencados no artigo 410º, nº 2, do mesmo C. P. Penal - esquecendo que, em sede de apreciação destes vícios, a matéria de facto só é sindicável quando o vício de que a mesma possa enfermar “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (corpo do nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal).

Ou seja, e como resulta expressamente da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente às declarações ou aos depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo durante o julgamento.

No fundo (em substância), aquilo que o recorrente pretende não é invocar os vícios do nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal, mas antes que o tribunal de recurso sindique a forma como o tribunal de primeira instância apreciou e valorou a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal: “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova”.

A insuficiência a que se reporta a citada al. a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Tal vício consiste na formulação incorreta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.

Por sua vez, o erro notório na apreciação da prova é prefigurável quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.

Percorrendo a motivação do presente recurso, facilmente se constata que o recorrente questiona, não o próprio texto da decisão recorrida, mas, isso sim, o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento.

Isto é, as alegações do recorrente apenas traduzem uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal a quo e aquela que no caso teria sido a do próprio recorrente.

Por outro lado, os raciocínios expostos pelo tribunal recorrido, ao fundamentar a decisão de facto, são lineares, claros e totalmente apreensíveis.

Assim, as alegações do recorrente, a propósito da fundamentação da matéria de facto, não permitem concluir pela existência de qualquer erro ou vício de raciocínio na apreciação da prova. Não traduzem, de forma patente ou ostensiva, como é exigível, qualquer erro na apreciação do conjunto das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, erro esse que salte aos olhos de qualquer pessoa de média formação, e erro decorrente da simples leitura do acórdão revidendo.

Na sucinta (mas claríssima) exposição de Simas Santos e Leal Henrique (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77), existe erro notório na apreciação da prova quando ocorre “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis”.

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que ele apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias.

Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta, face à prova produzida; ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida.

Nestes termos, a discordância do recorrente perante a matéria de facto é inócua para os fins agora em análise, uma vez que, objetivamente, nada resulta do teor da decisão que constitua erro notório na apreciação da prova.

Do mesmo modo, não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Alega o recorrente, nesta sede, que o tribunal a quo não poderia ter dado como provado ter aquele cometido o crime em causa, nos termos que foram dados como assentes, uma vez que tal conclusão não se baseou em prova bastante.

Em grande confusão, salvo o devido respeito, incorre o recorrente nesta sua alegação.

Com efeito, nada disso tem a ver com insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

É que o recorrente não invoca a falta de factos necessários para a decisão, que o tribunal devesse averiguar, desta forma confundindo (estranhamente, diga-se) uma situação de apreciação da prova com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Tal como o recorrente põe a questão, o que o mesmo diz é que há insuficiência de prova para a matéria de facto dada como provada. Ora, essa invocação, manifestamente, não consubstancia o vício agora em apreciação.

Como bem esclarecem Simas Santos e Leal Henriques (ob. citada, págs. 72 e 73), ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando existe uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.

Verifica-se tal vício quando, no dizer dos mesmos autores (ob. e local citados), “a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.

Nada disto se verifica na situação exposta pelo recorrente, pelo que não ocorre também o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Face ao exposto, e em toda esta primeira vertente, o recurso interposto pelo arguido é, manifestamente, de improceder.

b) Da impugnação alargada da matéria de facto.

Alega o recorrente que não foi produzida qualquer prova relativamente aos factos provados sob os nºs 1 e 2 do acórdão revidendo, que houve violação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C. P. Penal), que foram valorizados depoimentos indiretos (artigo 129º do C. P. Penal), e que foram ponderadas provas não produzidas em audiência (artigo 355º do C. P. Penal).

Cabe decidir.
Este tribunal de recurso, privado embora da oralidade e da imediação, mas após ponderação das declarações da assistente (e demandante civil) B., em conjugação com os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de discussão e julgamento, em conjugação com o teor do relatório de fls. 136 e segs. (efetuado com a colaboração do arguido), e em conjugação ainda com o teor dos exames médicos feitos à assistente e juntos aos autos, subscreve, inteiramente, os raciocínios formulados pelo tribunal recorrido e a conclusão a que o mesmo chegou para fixar a matéria de facto.

Também nós, que estamos privados da imediação (importante para captar pormenores de expressão, de olhar, de maneira de estar, e outros, que ajudam a credibilizar ou não determinadas declarações ou certos depoimentos), procedendo a avaliação autónoma da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, ficamos seguros dos factos dados por provados no acórdão revidendo.

Senão vejamos.
Desde logo, a assistente, de modo pormenorizado, verosímil, coerente e totalmente credível, narrou toda a vivência que teve com o arguido, descrevendo, com inteiro rigor, os factos dados como provados sob o nº 1 da factualidade tida como assente no acórdão sub judice.

Tanto basta para considerar como provada essa factualidade.
É que, ao contrário do que parece entender-se na motivação do recurso, nada obsta, por princípio, a que a convicção do tribunal se forme exclusivamente com base no depoimento de uma única testemunha ou nas declarações de um único assistente (ou de um único demandante) ou de um único arguido. Esse depoimento e estas declarações, como qualquer meio de prova oral, estão sujeitos ao princípio da livre convicção, consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Ou seja, e no caso destes autos: acreditar o tribunal (quer este tribunal ad quem, quer o tribunal a quo) na versão, naquilo que é essencial, da assistente B., é uma questão de convicção e entronca no princípio da livre apreciação da prova.

A prova, no tipo legal de crime de violência doméstica, não é catalogada, nem os factos agora em análise (que se resumem a injúrias, ameaças verbais, empurrões e bofetadas) necessitam de qualquer outra prova que os sustente, para além das declarações, consistentes e convincentes, da própria vítima.

Nesta ordem de ideias, o juízo probatório emitido pelo tribunal a quo sobre os factos descritos no ponto 1 da matéria de facto provada mostra-se devidamente fundado na prova sujeita à sua apreciação e merece a nossa inteira concordância.

Neste ponto, alega ainda o recorrente (cfr. conclusões D a G extraídas da motivação do recurso) que as declarações da assistente são contraditórias com os depoimentos de diversas testemunhas, nomeadamente da testemunha SF, IG e FG.

Porém, tal alegação, com o devido respeito, é totalmente inócua, já que, por um lado, as declarações da assistente foram totalmente convincentes (conforme deixámos assinalado), e, por outro lado, a existência de contradições entre as versões dadas por diferentes pessoas acerca de uma mesma factualidade não é, necessariamente, sintoma do carácter inverídico de qualquer das versões, sendo muitas vezes, bem pelo contrário, sinal da sua espontaneidade, da sua verosimilhança e da sua credibilidade.

Em segundo lugar, também se fez prova (muito embora de diferente natureza da acabada de enunciar) sobre os factos descritos no ponto nº 2 da matéria de facto dada como provada em primeira instância.

É certo que a assistente B., atendendo à natureza da agressão sofrida (agressão repentinamente efetuada pelo arguido), e olhando às consequências da mesma sobre a sua pessoa, não recorda os factos concretos (empurrão, queda, e embate com a cabeça numa pedra) levados a cabo pelo arguido no dia 27 de maio de 2011.

Só que, tal ausência de memória por parte da assistente B. é totalmente compreensível, já que o arguido a empurrou, tendo a mesma caído e tendo embatido com a cabeça numa pedra, do que resultou, além de graves lesões, uma situação de “coma profundo”.

Isto é, se nos cingirmos às declarações da assistente B. (que não recorda a agressão em causa), o episódio do empurrão desferido pelo arguido em 27-05-2011 fica totalmente inconclusivo (nem fica provado, nem fica por provar) - a não ser quanto às graves lesões sofridas pela assistente -.

Porém, muita outra prova foi produzida a propósito desse episódio (de 27-05-2011, e dado como assente sob o nº 2 do acórdão revidendo):

- Em audiência de discussão e julgamento, o arguido, ao abrigo de um direito processual que lhe assiste, não prestou declarações sobre os factos (cfr. fls. 1694 dos autos).

- Mas, voluntariamente, em momento processual anterior, o arguido colaborou com o Gabinete de Perícia Criminalística, tendo daí resultado a elaboração de um relatório onde, circunstanciadamente, o arguido foi colocado no local dos factos, foi descrita a sua atuação e foi fornecida uma explicitação do modo como tudo terá ocorrido (cfr. fls. 136 e segs. dos autos).

- Em momento algum foi, então, aventada a hipótese de a vítima ter caído por si mesma (sem empurrão ou “safanão” do arguido).

- A testemunha IG (prima do arguido) relatou, em audiência de discussão e julgamento, que, perante as graves e objetivas lesões apresentadas pela assistente, o arguido, questionado sobre a causa das mesmas, lhe disse claramente, pouco tempo decorrido sobre os factos, que, descontrolado, em discussão com a assistente, tinha dado a esta uns “safanões” que a fizeram cair ao chão, e que a assistente, ato contínuo, tinha “desmaiado”.

- Também à testemunha JF (sogro do arguido e pai da assistente), como esta narrou em audiência de discussão e julgamento, o arguido disse, pouco tempo depois dos factos, que tinha levado a assistente para o campo, para conversar, tendo a mesma caído e batido com a cabeça numa pedra.

- Do mesmo modo, a testemunha FF (de 26 anos de idade, e filho do arguido e da assistente), relatou que, logo na noite em que os factos ocorreram (a 27-05-2011) o arguido (o seu pai) lhe telefonou, explicando-lhe o sucedido com a assistente (a sua mãe) e afirmando que não “queria” fazer aquilo.

- As lesões causadas à assistente (e examinadas medicamente nestes autos), na sequência do episódio de 27-05-2011, não são compatíveis com uma simples queda, acidental, da assistente (além do mais, a assistente ficou com uma fratura do nariz, com um traumatismo crâneo-encefálico, com hematoma subdural agudo, e em estado de coma profundo).

- O arguido, perante o estado em que a assistente ficou, retirou-a do local e transportou-a, a fim de ser socorrida.

- Ponderando todos os elencados elementos de prova, na sua globalidade complexiva, e apreciando-os à luz das regras da experiência comum, concluímos, sem dúvidas ou hesitações, que o arguido praticou os factos nos precisos termos dados como provados no acórdão revidendo (o arguido esteve no local, empurrou a assistente, tendo ela caído e embatido com a cabeça numa pedra).

Por último, e perante o que vem de dizer-se, carecem de sentido (com o devido respeito) as seguintes alegações constantes da motivação do recurso:

1ª - Que foram valorizados depoimentos indiretos (artigo 129º do C. P. Penal).

Na verdade, os depoimentos das testemunhas IG, JF e FF, no essencial dos seus relatos (naquilo que os mesmos comprovam - nada mais podendo assegurar -), não configuram a existência de um qualquer “depoimento indireto”.

De igual modo, além de ser um elemento totalmente acessório da prova (nem sequer, neste tribunal ad quem, o enunciámos ou analisámos), não configura um “depoimento indireto” a conversa tida entre o arguido e uma médica, conversa esta na qual o arguido lhe disse que saíram de casa (o arguido e a assistente), que se deslocaram para um local ermo, que, nesse local, mantiveram uma discussão, e que a assistente caiu.

Assim, e com o devido respeito, carece de pertinência o alegado na conclusão N extraída da motivação do recurso, uma vez que o tribunal a quo, para motivar a decisão fáctica, não necessitou de basear-se numa qualquer declaração obtida na fase de inquérito (declaração de uma médica que não foi inquirida como testemunha, declaração que não foi citada por ninguém, que não foi examina em julgamento, etc.), devendo considerar-se a referência efetuada no acórdão revidendo a tal declaração como um elemento puramente acessório (nenhum relevo tendo para a convicção).

Ou seja: uma tal referência não constitui, a nosso ver, a utilização, pelo tribunal recorrido, de prova proibida, pois essa referência é puramente incidental e não foi com base nela que se deu por assente qualquer factualidade (note-se que este tribunal ad quem, para decidir sobre a impugnação da decisão fáctica, nem sequer analisou um tal “meio de prova”, atenta a sua clara irrelevância).

No tocante aos invocados (pelo recorrente) “depoimentos indiretos”, estabelece o artigo 129º do Código de Processo Penal:

1 - Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.

3 - Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos”.

As testemunhas, cujos depoimentos estamos a apreciar neste ponto, apenas afirmaram que o arguido esteve no local dos factos na estrita medida em que aquele lhes disse (na tentativa de explicar as lesões sofridas pela assistente).

Enfim, estas testemunhas, não tendo presenciado os factos (não os viram, como é óbvio), demonstraram um conhecimento da sua ocorrência, na versão do arguido (que lhos contou, como quis, quando quis e por razão perfeitamente entendível - explicar, perante familiares e/ou parentes próximos, a origem das graves lesões sofridas pela assistente -), tendo confirmado duas circunstâncias:

- O arguido estava, com a assistente, no local dos factos;

- A assistente caiu ao chão, tendo-se ferido com gravidade.

Ora, um “depoimento indireto” consiste na comunicação de um facto de que o depoente teve conhecimento por uma terceira pessoa, sendo o critério operativo da distinção entre depoimento direto e indireto o da vivência da realidade que se relata:

se o depoente viveu e assistiu a essa realidade o seu depoimento é direto, se não, é indireto.

Partindo desta nossa última premissa é possível, fazendo um desmembramento, chegar à seguinte conclusão.

- O depoimento das referidas testemunhas será indireto relativamente ao seguinte facto: o arguido empurrou a assistente.

- O depoimento das testemunhas já não é indireto no que toca aos seguintes factos: o arguido esteve no local com a assistente; o arguido disse, posteriormente, que, na altura, deu uns “safanões” à assistente, que a assistente caiu ao chão, e que a assistente, com a queda, “desmaiou”.

Afigura-se-nos, pois, que os relatos das testemunhas em análise não constituem depoimentos indiretos, não sendo, portanto, enquadráveis no disposto no artigo 129º do C. P. Penal, e, assim sendo, não constituindo prova proibida - na parte, obviamente, em que tais depoimentos relatam o que ouviram o arguido dizer para justificar os ferimentos sofridos pela assistente - (e isto mesmo quando é certo que o arguido não prestou declarações na audiência de discussão e julgamento, no exercício do seu direito ao silêncio).

Ainda neste segmento, alega o recorrente (cfr. conclusão O extraída da motivação do recurso) que, em julgamento, não se logrou apurar quais foram efetivamente as sequelas que resultaram da queda da assistente e quais as que “resultaram do facto de o arguido, ao transportá-la para que lhe fosse prestado auxílio, a ter deixado cair algumas vezes, o que não permite estabelecer uma relação causa e efeito entre as duas situações”.

Sempre com o devido respeito, uma tal alegação carece totalmente de sentido, contrariando as mais elementares regras da experiência comum.

Independentemente de o arguido ter (ou não) dado tal justificação a terceiras pessoas (nomeadamente a alguma testemunha ouvida na audiência de discussão e julgamento), nenhuma verosimilhança se pode atribuir a uma tal versão do arguido.

Na verdade, só com a abrupta queda da assistente ao chão se justificam (se podem justificar) as graves lesões sofridas pela mesma, não residindo tal justificação, ainda que minimamente (ou parcialmente), como se nos afigura evidente, em absurdas, inconsistentes e absolutamente inverosímeis quedas da assistente, subsequentes à agressão, quando o arguido lhe prestou socorro.

2ª - Que houve ponderação de provas não produzidas em audiência de discussão e julgamento (em violação do disposto no artigo 355º do C. P. Penal).

Ao contrário do que entende o recorrente, o tribunal a quo não usou, indevida e relevantemente, qualquer prova não produzida ou examinada na audiência (o que já acima deixámos assinalado, a propósito da apreciação do alegado na conclusão N extraída da motivação do recurso).

O tribunal de primeira instância socorreu-se, isso sim, como devia, das regras da experiência, das presunções judiciais.

Em grande parte, e bem vistas as coisas, a decisão do tribunal a quo baseou-se, e muito bem, no manuseio das elementares regras da experiência, no uso, devido e permitido, de presunções judiciais (manuseio e uso esses que o recorrente, na motivação do recurso, manifestamente não entende nem considera).

É que, o julgador pode (e deve) recorrer à prova por presunção judicial (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigo 349º do Código Civil -).

Como bem escreve o Prof. Cavaleiro Ferreira (in “Curso de Processo Penal”, 1986, Vol. II, págs. 289 e 290), “(...) a verdade final, a convicção, terá que se obter (neste caso) através de conclusões baseadas em raciocínios, e não diretamente verificadas; a conclusão funda-se no juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando (…). Por outro lado, um indício revela com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes”.

O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis: num primeiro aspeto, trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova. Tal depende substancialmente da imediação e aqui intervêm até elementos não absolutamente explicáveis (por exemplo, a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. Agora, as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”.

Neste segundo nível, é legítimo o recurso às referidas presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125º do C. P. Penal), e o artigo 349º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º deste mesmo diploma legal).

Aliás, e bem vistas as coisas, as presunções simples ou naturais são meros meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indireta se faz valer através desta espécie de presunções.

As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção.

As presunções naturais são, afinal, o produto das regras da experiência. O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.

Ora, e olhando o caso destes autos, não vislumbramos, minimamente, e visto o concreto conteúdo das provas produzidas em audiência e analisadas no acórdão revidendo, onde (e como) o tribunal a quo se tenha socorrido de prova proibida, ou de prova não produzida em audiência de discussão e julgamento (em violação do disposto no artigo 355º do C. P. Penal).

O tribunal recorrido, como devia, a partir das concretas provas (diretas) produzidas, usou de presunções (judiciais), fez raciocínios sobre as provas, utilizou as regras da experiência na apreciação das provas, em resumo, cumpriu o disposto no artigo 127º do C. P. Penal (a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente).

Este tribunal de recurso, como, aliás, qualquer cidadão de média formação e de são entendimento, subscreve, com total segurança, as ilações, retiradas na decisão revidenda, quer quanto à presença do arguido no local dos factos ocorridos em 27-05-2011 (ou seja, relativamente à autoria dos factos em questão), quer quanto à natureza desses mesmos factos (empurrão por parte do arguido à assistente, na sequência do qual a assistente caiu e embateu com a cabeça numa pedra).

Em suma, não ocorre, na sentença recorrida, qualquer violação do preceituado no artigo 355º do C. P. Penal.

3ª - Que houve violação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C. P. Penal).

Dispõe o artigo 127º do C. P. Penal que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

A propósito desse princípio da livre apreciação da prova, escreve, e bem, o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1981, Vol. I, pág. 202), que “o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida”.

E acrescenta o mesmo autor (ob. citada, págs. 202 e 203) que a liberdade de apreciação da prova tem limites inultrapassáveis: “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» - , de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo”.

A convição do juiz tem, pois, de seguir critérios transparentes e racionalmente explanáveis, capazes de convencer os sujeitos processuais e o público em geral.

Ora, no caso destes autos, o tribunal a quo, para decidir da matéria de facto, ponderou todas as provas de que dispunha, e avaliou-as à luz das regras da experiência comum, de acordo com juízos de normalidade, com a lógica das coisas e com a experiência da vida.

Como bem se salienta no Ac. do S.T.J. de 08-11-1995 (in BMJ, nº 451, pág. 86), “um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes”. E acrescenta o mesmo acórdão que “as regras da experiência a que alude o artigo 127º têm um importante papel na convicção do tribunal”.

O recorrente considera ter existido errada apreciação da prova, uma vez que o tribunal recorrido não valorou certos aspetos nos termos em que o devia ter feito.

Simplesmente, com tal alegação o recorrente limita-se a trazer aos autos a perceção que ele próprio teve (ou melhor: diz ter tido) da prova.

Da leitura do acórdão recorrido verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.

Por conseguinte, não foi violado o princípio da livre apreciação da prova, nem, à luz deste princípio, os factos apurados no acórdão sub judice nos merecem qualquer reparo ou censura.

Face ao predito, é de improceder toda esta segunda vertente do recurso (impugnação alargada da matéria de facto), considerando-se, em consequência, definitivamente fixada a factualidade dada como provada em primeira instância.

c) Da qualificação jurídica dos factos.
Entende o recorrente que o crime cometido foi o de violência doméstica na sua forma simples, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, do Código Penal, e não o crime de violência doméstica agravada.

Há que decidir.

Nos termos do disposto no artigo 152º, nº 1, al a), e nº 3, al. a), do Código Penal, incorre na prática do crime de violência doméstica, na forma agravada, “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (…) ao cônjuge (…), se resultar (...) ofensa à integridade física grave (...)”.

Conforme preceituado no artigo 144º do mesmo diploma legal, deve entender-se por ofensa à integridade física grave, além de outras situações aí previstas, toda aquela que provoque perigo para a vida.

Ora, com base na factualidade dada como provada no acórdão sub judice, e sem quaisquer dúvidas, verifica-se que se encontram preenchidos todos os elementos (objetivos e subjetivos) deste tipo legal de crime (violência doméstica, na forma agravada), assentando a alegação do recorrente agora em apreciação na pretendida (e acima denegada) alteração da factualidade em questão.

Dito de outro modo: a alteração da qualificação jurídica dos factos, pela qual se pugna na motivação do recurso, tem como pressuposto “a falta de provas nessa parte” (cfr. conclusão T extraída da motivação do recurso) - empurrão do arguido, em consequência do qual a assistente caiu e embateu com a cabeça numa pedra, do que resultaram lesões graves e perigo para a vida da assistente -, pelo que, tendo sido denegada a impugnação da decisão fáctica em toda essa vertente, logo se conclui que tem também de ser denegada a pretendida alteração do enquadramento jurídico-penal dos factos (pois que, como é evidente, e decorre da motivação do recurso, a alteração fáctica era pressuposto necessário da diferente qualificação jurídica invocada pelo recorrente).

Assim sendo, e em conclusão, o arguido não praticou um crime de violência doméstica na sua forma simples, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, do Código Penal, mas sim um crime de violência doméstica agravada (artigo 152º, nº 1, al a), e nº 3, al. a), do Código Penal), porquanto infligiu mau trato físico à assistente, do qual resultou ofensa à integridade física grave (entendendo-se como ofensa à integridade física grave a que provoque perigo para a vida) - como resulta, linearmente, da factualidade dada como provada nos pontos 2 a 4 da matéria de facto tida como assente no acórdão revidendo -.

Em consequência, e em todo este segmento (enquadramento jurídico-penal dos factos), o recurso do arguido não merece provimento.

d) Da medida concreta da pena.
Discorda o recorrente da determinação da medida concreta da pena, entendendo que a pena aplicada em primeira instância (6 anos de prisão) deve ser consideravelmente reduzida, sendo de a fixar próximo dos 4 anos de prisão.

Há que apreciar e decidir.
Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - artigo 71º, nº 1, do Código Penal -, pena que visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º, nº 1, do mesmo diploma legal.

A este propósito, e como bem escreve o Prof. Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.

A medida da pena há de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do S.T.J. de 10-04-1996 (in C.J. Acs. STJ, Ano IV, Tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

No dizer da Prof.ª Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25), “a proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção gera positiva). A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.

Em jeito de síntese, e como bem refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, § 280, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.

A questão a decidir consiste, pois, em saber se a medida da pena aplicada ao ora recorrente no acórdão sub judice (6 anos de prisão) está ou não em desacordo com a medida da culpa, e se teve ou não em conta as necessidades de prevenção geral e especial.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravada, crime que é punível, em abstrato, com pena de prisão de 2 a 8 anos.

No caso dos autos, a prevenção geral, no sentido de prevenção positiva (ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, o “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida” – ob. citada, § 55, págs. 72 e 73), faz-se sentir de forma premente e clara. Com efeito, este tipo de criminalidade (violência doméstica, e sobretudo quando o agressor coloca em perigo a vida da vítima) deve merecer dos tribunais um combate firme, rigoroso e sem benevolência, atendendo à sua reiteração na nossa sociedade, olhando à particular fragilidade das vítimas, e ponderando a grande gravidade das suas consequências.

São, assim, muito relevantes as necessidades de prevenção geral que aqui importa acautelar.

Também ao nível da prevenção especial, entendida como dissuasão do próprio delinquente, as necessidades aqui reveladas são muito elevadas.

Na verdade, como consta do acórdão recorrido (factos provados nºs 7 a 17), o arguido já foi condenado criminalmente, por diversas vezes, por variados tipos legais de crime (alguns deles protegendo bens eminentemente pessoais).

Vejamos, em resumo, as anteriores condenações criminais do arguido:

- Em 1989, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de crime de ofensas corporais.

- Ainda em 1989, em pena de multa, pela prática de crime de furto.

- Em 1992, na pena de 18 meses de presídio militar, pela prática de crime de ofensas corporais.

- Em 1995, na pena de 4 anos de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.

-Em 2000, em pena de multa, pela prática de crime de recetação.

- Em 2003, na pena de 20 meses de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.

- Em 2009, em pena de multa, pela prática de crime de ofensas corporais.

- Em 2010, na pena de 5 meses de prisão, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

- Também em 2010, em pena de multa, pela prática de crime de desobediência.

- Em 2012, na pena de 3 anos e 11 meses de prisão, pela prática de crimes de sequestro, ameaça, coação agravada, ofensa à integridade física qualificada e detenção de arma proibida.

- Em 2013, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, pela prática de crimes de injúria agravada, ofensa à integridade física qualificada e ameaça agravada.

Perante esta factualidade, são grandes as necessidades de prevenção especial relativamente ao recorrente, já que o mesmo, ao longo do tempo, foi condenado pela prática de diversos crimes, sendo algumas dessas condenações em penas de prisão efetiva.

Além disso, verifica-se ainda, no caso em apreço:

- O grau de ilicitude é muito elevado, ponderando, designadamente, o tempo durante o qual durou a atuação do arguido (cfr. facto provado nº 1 do acórdão revidendo).

- O dolo do arguido é muito intenso e persistente no tempo.

- As consequências da atuação do arguido são muito graves, olhando às lesões (físicas e psíquicas) causadas à assistente (cfr. factos provados no acórdão sub judice sob os nºs 3 a 5).

- A favor do arguido, existe apenas o socorro prestado à vítima, na sequência da agressão perpetrada em 27-05-2011 (apesar de considerarmos que, muitas vezes, os maus tratos sobre cônjuge visam sobretudo o controlo e a humilhação da vítima, e não, propriamente, a sua morte).

Ora, ponderando todos os elencados elementos, e atendendo à medida abstrata da pena aplicável (pena de prisão de 2 a 8 anos), afigura-se-nos que a pena aplicada em primeira instância (6 anos de prisão) o foi em medida justa e correta: um pouco acima do meio da moldura penal abstratamente aplicável.

Subscreve-se, pois, o que, nesta matéria, se deixou escrito no acórdão revidendo: “a ilicitude do crime de violência doméstica é elevadíssima, atendendo ao tempo durante o qual durou e tendo também em atenção que o crescendo de violência intuído pelos factos apurados só não culminou na morte da vítima por mero acaso. O dolo é direto e sobretudo muito intenso e persistente. Não se vislumbra qualquer motivo para a sua atitude que não a sujeição da vítima ao total alvedrio do arguido. O passado do arguido e a sua personalidade têm a mesma tendência agravante, revelando personalidade criminógena. Como atenuante contará o ter proporcionado o socorro à vítima, ainda que tal seja perfeitamente consentâneo com o historial de maus-tratos, que visam o controlo da vítima e não o seu decesso”.

Em suma: a medida concreta da pena de prisão aplicada ao recorrente (6 anos) mostra-se determinada de modo adequado, justo e equilibrado.

Por conseguinte, é de improceder toda esta vertente do recurso interposto pelo arguido (relativa à determinação da medida concreta da pena).


e) Da suspensão da execução da pena.

Alega o recorrente que a pena de prisão a aplicar deve ser suspensa na sua execução.

Cabe decidir.
Nos termos do disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Assim, no caso dos autos, a pena aplicada ao recorrente não admite a ponderação da sua suspensão.

Com efeito, o recorrente fica condenado na pena de 6 anos de prisão, excedendo, por isso, o limite máximo de 5 anos imposto pelo transcrito artigo 50º, nº 1, do Código Penal.

Por outras palavras: a pena de prisão aplicada ao recorrente tem de ser de execução efetiva.

Face ao que vem de dizer-se, esta parte do recurso, relativa à suspensão da execução da pena de prisão, é também de improceder.

Posto tudo o que precede, é de improceder, na sua totalidade, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se em toda a sua plenitude o acórdão que dele é objeto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 10 de maio de 2016

João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares

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[1] - Sumariado pelo relator.