Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
321/14.5T8ENT.E1
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A norma do art. 703º do Código de Processo Civil, articulada com o art. 6º, nº 3, da Lei 41/2013, de 26-6, na parte que elimina os documentos particulares, não é de aplicar aos documentos constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor antes de 31-8-2013, e que à data da sua elaboração dispunham de exequibilidade.
2 - Tal norma, aplicada a tais títulos, integra uma inconstitucionalidade, por restringir uma garantia com aplicação retroativa (art. 20º, nº 2, da CRP); e por violar a segurança jurídica, a garantia de efetivação dos direitos e confiança, integradores do princípio do Estado de Direito Democrático – art. 2º da CRP.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 321/14.5T8ENT.E1

ACÓRDÃO

Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Entroncamento - Inst. Central - Sec. Execução - J2, o Banco (…), S.A., veio instaurar a presente ação executiva contra (…) e (…), oferecendo como título executivo, um contrato de mútuo com hipoteca.
Conclusos os autos ao Exmº Juiz, foi proferido o seguinte despacho:
“O título oferecido configura, assim, documento particular.
Autuado o requerimento executivo, o processo é concluso ao Juiz para despacho liminar para deferimento ou indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. art." 726.°, n." 1 do Código Civil, na redação dada pela Lei n." 41/2013, de 26-06).
O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo, quando, para além do mais, seja manifesta a falta ou insuficiência do título (cfr. n." 2 da referida disposição legal).
Antes de 1 de Setembro de 2013, dispunha o art." 46.°, n." 1 do Código de Processo
Civil, na redação anterior à dada pela Lei n." 4112013, de 26-06, então em vigor:
"1 - A execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo titulo executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante. "
Com o novo Código de Processo Civil, as espécies de título executivo passaram a estar previstas no art." 703.°, que dispõe o seguinte: " - A execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo titulo executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.".
Do confronto das duas normas acabadas de enunciar resulta que as execuções instauradas a partir de 1 de Setembro de 2013, como é a do caso em apreço, só podem ter, como título executivo, os documentos referidos no art." 703.°, não podendo servir para tanto os documentos particulares que, nos termos acima referidos, perderam a sua força executiva (cfr. neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in "Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil", VoI. II, Ed. A1medina, 2014, págs.190-191).
Pese embora, tenha sido produzida jurisprudência, a defender que "A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703 do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6 nº3 da Lei nº 44/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do artigo 460 do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do principio da segurança e proteção da confiança integrador do principio do Estado de Direito Democrático" (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-02¬2014, Processo n.º 374/13.3TUEVR.E1, e, em igual sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-03-2014, Processo n." 766/13.8TTALM.Ll-4, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). salvo o devido respeito, não aderimos aos fundamentos aí explanados.
Com efeito em ehttp://blogippc.blogspot.pt/20l4/03/aplicacao-no-tempo-do-ncpc-titulos.html), o Prof. Miguel Teixeira de Sousa em análise ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora acima citado, cujo entendimento seguimos bem de perto, refere discordar da conclusão de inconstitucionalidade aí referida, rejeitando qualquer violação do princípio da proteção da confiança, frisando que "Parece ser algo exagerado o entendimento de que os titulares de documentos que eram qualificados como títulos executivos pelo art. 46. Do anterior CPC possuíam "uma legítima expectativa de manutenção da anterior tutela conferida pelo direito ", ou seja, tinham uma legítima expectativa ao uso da ação executiva com base no título extrajudicial. A CRP garante, no seu art. 20 nº 1, o direito de acesso aos tribunais, mas não garante o direito de acesso a um tipo de processo. Em particular, é muito duvidoso que a atribuição de carácter executivo a um documento particular por uma lei revogada tenha de ser respeitada até se extinguir a última execução instaurada com fundamento no último desses titulas ainda por executar."
Também nós, entendemos inexistir qualquer violação do princípio da proteção da confiança inerente ao Estado de Direito, desde logo, porque a nova lei não afetou a existência do direito litigado nem importou uma diferente valoração jurídica dos factos que lhe deram origem (cfr., neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luisa Loureiro, id.ib.).
Assim, atentos os fundamentos acima explanados, entendemos que o documento particular oferecido com o requerimento executivo, não fazendo parte do elenco de títulos executivos previstos no art." 703.°, n." 1 do nCPC, não assume a virtualidade de título executivo.
Termos em que, por falta de título executivo, impõe-se o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. art. 726.°, n. 2 do NCPC).
Face ao exposto, este Tribunal decide indeferir liminarmente o requerimento executivo por ser manifesta a falta de título executivo.”

O exequente, inconformado, recorreu do despacho transcrito e concluiu da seguinte forma:
(i) O Banco Exequente e os Executados celebraram, aos 04 de Maio de 1995, um Contrato de Mútuo com Hipoteca;
(ii) Pelo referido contrato foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de (…), sob o nº (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…);
(iii) O imóvel hipotecado ao Banco Exequente foi penhorado no âmbito do Processo de Execução Fiscal nº (…) e apensos, que correu termos no Serviço de Finanças de Santarém;
(iv) O Banco Exequente reclamou os seus créditos hipotecários no referido Processo de Execução Fiscal;
(v) O imóvel foi adjudicado a um terceiro por € 32.500,00;
(vi) O Banco Exequente recebeu, por via da verificação e graduação de créditos do processo de execução fiscal, a quantia de € 18.851,00, tendo ficado credor da remanescente quantia;
(vii) No dia 9 de Outubro de 2014, o Apelante intentou contra os Executados uma ação executiva;
(viii) À data de instauração da ação executiva, o montante em dívida ascendia a € 18.851;
(ix) O requerimento executivo foi indeferido liminarmente por despacho datado de 20 de Outubro de 2014;
(x) O Tribunal a guo considerou ser manifesta a falta de título executivo;
(xi) Seguindo a posição ínsita no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 27 de Fevereiro de 2014, o Apelante entende que "a norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703.° do novo Código de Processo Civil), guando conjugada com o artigo 6°, nº3 da Lei nº 41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46° do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático";
(xii) O título dado à execução data de 4 de Maio de 1995, sendo anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil;
(xiii) Aquando da celebração do mútuo em análise, o Apelante criou a legítima expectativa de que teria os seus direitos salvaguardados no caso de incumprimento de contraparte, não esperando ver essa expectativa frustrada por uma mutação na ordem jurídica com a qual não podia contar, mutação essa que gorou os interesses constitucionalmente protegidos do Apelante;
(xiv) O Apelante subscreve as posições dos Acórdãos dos Tribunais da Relação de Évora e Lisboa, de 27/02/2014 e 26/03/2014, respectivamente, quando defendem que " ... não temos dúvidas de que a interpretação das normas conjugadas do artigo 703.°, do novo Código de Processo Civil e do artigo 6.°, nº3 do diploma preambular, no sentido de o primeiro se aplicar a documentos particulares, exequíveis por força do disposto no artigo 46.°, nº1 c) do Código de Processo Civil de 1961, é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da segurança e da proteção da confiança ... " porquanto " ... os credores que viram reconhecidos o seu crédito mediante documentos particulares, constituídos em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, e que eram então dotados de exequibilidade, ganharam a legítima expectativa da tutela desses créditos";
(xv) O Exequente, ora Apelante, discorda por completo da corrente doutrinal e jurisprudencial que considera não existir uma desproteção dos credores titulares de documentos particulares, porquanto os mesmos têm a faculdade de recorrer ao procedimento de injunção ou à ação declarativa para obter o ressarcimento dos seus créditos;
(xvi) Tal como Maria João Gaivão Teles, entendemos que é um processo excessivamente moroso e oneroso "obrigar um credor que já tinha um título executivo a recorrer à propositura de um requerimento de injunção ou de uma ação declarativa para que volte a ficar munido de um título executivo (que já detinha)";
(xvii) A retirada dos documentos particulares do rol dos títulos executivos não vai de encontro aos objetivos da reforma encetada pelo legislador, pelo que consideramos, salvo melhor opinião, que por não estar em causa a proteção de qualquer interesse ou direito constitucionalmente protegido, a interpretação do artigo 703.° do Código de Processo Civil conjugada com o artigo 6.°, n.º 3 do diploma preambular do novo Código de Processo Civil, não pode deixar de ser encarada como uma desproteção desproporcional e desnecessária dos interesses dos credores, configurando, como tal, uma violação do princípio do Estado de Direito Democrático, nas vertentes da proteção da segurança e do princípio da proteção da confiança;
(xviii) Destarte, resulta que o douto despacho recorrido, ao não aceitar o documento dado à execução como título executivo, violou os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, não podendo por isso ser mantido.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao Recurso apresentado pelo Recorrente, revogando-se o douto despacho do Tribunal a quo, devendo o título dado à execução ser admitido como título executivo, prosseguindo a execução os seus termos.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657 nº 4 do Código de Processo Civil.
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava dos arts. 684 nº 3 e 685-A nº 1 do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635 nº 4, 637 nº 2 e 639 do N. Cód. Proc. Civil.
Nesta conformidade, o recorrente coloca à apreciação deste tribunal a apreciação da exequibilidade do título dado à execução.

Vejamos:
A exequente instaurou no dia 9 de Outubro de 2014 uma execução ordinária, trazendo como título executivo um contrato de Mútuo com Hipoteca, celebrado em 4 de Maio de 1995 - cfr. contrato junto sob Doc. 1 -.
Como garantia do cumprimento das obrigações que emergiram do Mútuo com Hipoteca, constituíram os Executados, a favor do Exequente, uma hipoteca voluntária em primeiro grau, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (…), freguesia de (…), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo (…).
O novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, e que entrou em vigor no dia 1-9-2013, no seu art. 703 aponta-nos, de forma taxativa, como títulos executivos:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

A referida norma, com alterações, corresponde ao anterior art. 46 do Código de Processo Civil, com a alteração do DL. 226/2008, de 20-11, segundo a qual, apenas podiam ser títulos executivos
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

A desqualificação dos documentos particulares como títulos executivos, operada pela reforma de 2013, visou, por um lado por termo à insegurança que rodeava a sua utilização para o mencionado fim, e, por outro, evitar a multiplicação de oposições à execução que simultaneamente geravam – cfr. Anotação ao art. 703, Código de Processo Civil, Abílio Neto, pág. 850.
Mas, mesmo assim, o art. 6 nº 3 da Lei 41/2013, que implementou a reforma do atual Código de Processo Civil, salvaguardou a manutenção das execuções que até à entrada em vigor da nova lei processual civil tivessem como título executivo documentos particulares que encerrassem em si uma declaração de dívida: “3 - O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.”
Quid júris relativamente aos documentos particulares, assinados antes da entrada em vigor da nova lei, que encerrando em si uma confissão de dívida, tinham à data da sua constituição força executiva (?)
Será a situação em apreço.
O contrato mútuo celebrado entre a exequente e os executados em Maio de 1995, encerra em si uma confissão de dívida que, se tivesse sido apresentado à execução antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, gozaria de exequibilidade bastante de acordo com o então disposto no art. 46 nº 1 al. c) do Código de Processo Civil, na redação do DL. 226/2008, de 20-11.
O Acórdão de 27-2-2014, proferido neste Tribunal da Relação de Évora no Proc. nº 374/13.3TUEVR.E1, em www.dgsi.pt, concluiu, numa situação idêntica, o seguinte: “… III- A eliminação dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelos devedores do elenco dos títulos executivos, constitui uma alteração no ordenamento jurídico que não era previsível. Se, à data em que tais documentos foram constituídos os mesmos eram dotados de exequibilidade, é de esperar alguma constância no ordenamento no âmbito da segurança jurídica constitucionalmente consagrada. Assim, a alteração da ordem jurídica não era de todo algo com que se pudesse contar. Daí que os titulares de documentos particulares constituídos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que tinham a característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do velho código, tivessem uma legítima expectativa da manutenção da anterior tutela conferida pelo direito. IV- Por conseguinte, a aplicação retroativa do artigo 703º do novo Código de Processo Civil, a títulos anteriormente tutelados com a característica da exequibilidade, constitui uma consequência jurídica demasiado violenta e inadmissível no Estado de Direito Democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expectativas legítimas e juridicamente criadas.”
Temos a mesma convicção.
Se efetivamente a lei manteve a exequibilidade dos documentos particulares em execuções já intentadas à data da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil – art. 6 nº 3 da Lei 41/2013 de 26-6 – foi porque não quis frustrar as expectativas jurídicas que tais ações possuíam, porque instruídas com um título executivo válido, não só à data em que tiveram início essas execuções, mas porque os mesmos haviam sido constituídos de acordo com o ordenamento jurídico em vigor e encerravam em si a força executiva querida pelos seus subscritores.
Ora uma alteração da ordem jurídica que sacrifique as legítimas expectativas, juridicamente criadas, dos particulares, só faz sentido e só pode ser admitida quando valores mais elevados se impõem (!) e se analisarmos a Exposição de Motivos apresentada na Proposta de Lei nº 113/XII que levou à consagração da Lei 41/2013, verificamos que a retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos teve como objetivos (a) diminuir o número de ações executivas; (b) criar medidas para agilizar o processo executivo, libertando o mesmo de identificadas causas de protelamento e complexidade.
São motivos que não têm a força suficiente para se sobrepor às expectativas e segurança jurídicas que a elaboração dos documentos em apreço representavam para os seus subscritores.
Como ainda refere o acórdão citado, “…Uma alteração da ordem jurídica que sacrifique legítimas expectativas de particulares juridicamente criadas só faz sentido e só pode ser admitida quando valores mais elevados se impõem, ou seja, o sacrifício imposto apenas tem razão de ser perante a inevitabilidade de razões da maior importância para a sociedade, justificando-se, então, o sacrifício de alguns em prol do coletivo.”
Entendemos, pois, que a norma do art. 703 do Código de Processo Civil, articulada, com o art. 6 nº 3 da Lei 41/2013 de 26-6, a), na parte que elimina os documentos particulares, não é de aplicar aos documentos constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor antes de 31-8-2013, e que à data da sua elaboração dispunham de exequibilidade. Tal norma, aplicada a tais títulos, integra uma inconstitucionalidade i) por restringir uma garantia com aplicação retroativa (art. 20 nº2 da CRP); e ii) por violar a segurança jurídica, a garantia de efetivação dos direitos e confiança, integradores do princípio do Estado de Direito Democrático – art. 2 da CRP.

Decisão:
Nos termos expostos, decide-se dar provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordene o normal prosseguimento da ação executiva.
Sem custas.
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)

Évora, 12-03-2015
Assunção Raimundo
Sérgio Abrantes Mendes
Luís Mata Ribeiro