Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
24/18.1GBNIS.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME
SUSPENSÃO DA PENA
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
Data do Acordão: 06/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) os crimes de violência doméstica, atenta a sua frequência e gravidade das suas consequências, constituem um flagelo na nossa sociedade, pelo que são muito elevadas as exigências de prevenção geral, segundo os crescentes índices de crimes de violência doméstica e, como tal, a constante necessidade de se reafirmar, de forma eficaz, a validade das normais incriminadoras.
ii) a desculpabilização por ciúmes, imputando à ofendida culpas de uma alegada infidelidade, não é nem nunca será fundamento ou justificação para os atos de violência cometidos pelo arguido e mostra as exigências de prevenção geral e as prementes exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir.
iii) o já referido, o longo tempo durante o qual o arguido infligiu maus-tratos à sua mulher e a demonstração de indiferença pelo arguido em relação ao sofrimento a que a sujeitou, não permitem a suspensão da execução da pena de prisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Ia Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório

1.1 - No âmbito do Proc. Comum com intervenção do Tribunal Singular N.° 24/18.1 GBNIS, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre - Juízo de Competência Genérica de Nisa, foi julgado, o arguido:
V... , actualmente em prisão preventiva no E. P. de Castelo Branco, tendo sido proferida sentença, com o teor seguinte:

"III. 1 Da parte criminal:

Em face do exposto, julgo a acusação parcialmente procedente, por parcialmente Provada e, em consequência decido:
a) Absolver o arguido V..., como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p, pelo art.° 152.°, n.° 1, al, a) e n.° 2 do CP que lhe vinha imputado;
b) Condenar o arguido V..., como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art° 152°, n.° 1, al. a) do Código Penal, na pena de três anos e nove meses de prisão;
c) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos, nos termos do disposto no art.° 109.°, n° 1 do Código Penal;
d) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4UC;
III.2 Da parte cível:
Decide-se:
a) Arbitrar a título de indemnização à assistente T..., a suportar pelo arguido V..., a quantia de € 5 000,00 (cinco mil euros), nos termos do disposto no art. 21° da Lei n.° 112/2009, de 1619;
b) Julgar o pedido cível deduzido pela ULSNA, procedente por provado e, em consequência, condenar o arguido V... no pagamento da quantia de € 85,91, acrescida de juros legais, contados desde a notificação do pedido cível, até integral pagamento.
c) Sem custas cíveis, nos termos do disposto no art.° 4.°, al. n) do RCP, (...)"
1.1.1 - O arguido, inconformado, interpôs recurso.
Nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
"1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que decidiu condenar o Arguido pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152,°, n.°s. 1, al. a), e 2 CP, na pena de prisão de três anos e nove meses, bem como, na pena acessória de perda dos objectos apreendidos a favor do Estado, nos termos do artigo 109,°, n.° 1 CP.
2. Aquando da fixação da medida da pena, entendeu a douta Sentença condenai' o Arguido a três anos e nove meses de prisão efectiva. O crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.°, n.° 1, al. b) CP prevê a aplicação de uma pena de prisão abstracta de um a cinco anos a quem pratica aquele crime.
3. Quanto aos factos que consubstanciam e justificam a condenação na prática do crime de violência doméstica, resultou apenas provado que o Arguido e a Assistente mantiveram uma relação conjugal de vários anos, durante a qual o Arguido dirigiu palavras e expressões ofensivas à Assistente e que, ocasionalmente, ocorreram situações em que o Arguido se descontrolou e agrediu a Assistente, provocando-lhe danos físicos que, apesar da gravidade da situação, não lhe trouxeram problemas de saúde graves, nem permanentes.
4. Isto é, apesar das situações descritas e dadas como provadas serem graves e indesculpáveis, a verdade é que foram pontuais e que não são o espelho de uma relação diária de abusos e maus tratos físicos.


5. O facto de a Assistente ter conseguido descrever as situações em que o Arguido a agrediu fisicamente de forma tão precisa e detalhada, revela exactamente que estas situações foram isoladas.
6. A Assistente referiu na audiência que não tinha medo do Arguido e que mesmo quando existiam situações de maior agressividade não temia pela sua vida, saúde ou segurança.
7. Ora, assim sendo, se as situações de agressão estão perfeitamente identificadas e circunscritas no tempo, ter-se-á que concluir que os episódios de violência eram esporádicos e que a Assistente não vivia ininterruptamente sob a ameaça de agressões físicas.
8. Por outro lado, também não pode o Arguido aceitar que se conclua, como faz a Sentença Recorrida, que as agressões perpetradas revelem elevadíssima censurabilidade, traduzida na gravidade dos danos físicos sofridos pela Assistente.
9. Não quer o Arguido com isto diminuir o sofrimento da Assistente ou menorizar a gravidade do seu comportamento, apenas entende que, face ao tipo de crime em causa, as agressões perpetradas e o tipo de relação que existia entre o casal não pode ser visto como uma situação limite.
10. O que o Arguido quer dizer com tudo isto é que, apesar da censurabilidade dos factos provados, o crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.° CP implica a prova de elementos gravíssimos, traduzidos na prática de factos criminosos que afectam a pessoa na sua saúde física, mental e emocional e na sua liberdade, pelo que não pode aceitar-se que os factos dados como provados nos autos sustentem a aplicação de uma pena de prisão efectiva próxima do limite máximo previsto.
11. Note-se que neste caso a Assistente não se mostrou afectada na sua saúde mental e psíquica, tendo afirmado que o Arguido não a limitava na sua liberdade e autonomia, que não agredia a filha e que não tinha medo dele.
12. A Sentença Recorrida considerou ainda que as necessidades de prevenção geral eram elevadíssimas neste caso (agravas pelo facto do Arguido viver numa comunidade pequena) e que o Arguido "demonstrou indiferença pelo sofrimento a que sujeitou a mulher".
13. Quanto à exigência de prevenção geral da pena, faz sentido recordar que as Testemunhas M... e J... afirmaram nas suas declarações que o Arguido era um trabalhador exemplar e que estava totalmente integrado no local de trabalho.
14. Estas Testemunhas, bem como a Testemunha M..., deixaram claro que o Arguido é uma pessoa integrada na pequena localidade onde reside e que, apesar de não ter trabalho fixo, trabalha sempre que consegue, naquilo que arranja e nunca traz problemas nem com os seus superiores, nem com colegas, nem com clientes.
15. De acordo com as Testemunhas arroladas, ficou ainda provado que o Arguido já não consome estupefacientes e que se recuperou totalmente daquele vício.
16. Por outro lado, o Arguido referiu que estava arrependido da forma como tinha agido. Disse ainda que estava arrependido de ter levado a Assistente para um local ermo para falarem, tendo dito claramente que gostaria de voltar atrás e de mudar a sua atitude, conforme ficheiro 20181130101918J035073_3447675, minutos 18:30 a 20:18.
17. É ainda importante recordar, como faz a Sentença Recorrida, que a culpa do agente é sempre o limite da pena e que o seu fim último é o de alcançar a ressocialização do arguido, nos termos dos artigos 40° CP.
18. Entende então o Arguido que no caso concreto a pena deve ser fixada em não mais de dois anos e seis meses, visto que não tem antecedentes da prática de crimes da mesma natureza, está socialmente integrado e recuperado da dependência de estupefacientes e que se encontra divorciado da Assistente.
19. E portanto falso que as necessidades de prevenção especial sejam elevadas, visto que i) o Arguido e a Assistente estão separados e divorciados ii) a Assistente está a viver noutra localidade, iii) o Arguido está recuperado do consumo de estupefacientes e iv) o Arguido está arrependido da prática dos factos.
20. Face a estes factos, salvo melhor entendimento, é por demais evidente que tudo indica que o Arguido não voltará a cometer o crime pelo qual foi acusado, sendo quase nulas as exigências de prevenção especial que se verificam no caso.
21. Crê então o Arguido que, apesar das exigências de prevenção geral que se verificam hoje em dia na nossa sociedade, face às fracas exigências de prevenção especial e face ao seu grau de culpa, a pena de prisão aplicada é manifestamente excessiva, ofensiva dos princípios elementares dos fins da pena e, sobretudo, totalmente incompatível com a sua possível ressocialização.
22. Neste sentido, entende o Arguido que nunca lhe poderia ser aplicada uma pena concreta superior a metade da medida abstracta da pena, defendendo que a pena concreta seja fixada em não mais do que dois anos e seis meses de prisão.
23. Fixada a pena do Arguido em dois anos e seis meses de prisão, cumpre apreciar a possibilidade de suspensão da pena de prisão aplicada, nos termos do artigo 50.° do CP.
24. In casu, nada leva a crer que o Arguido venha a reincidir na prática do crime de violência doméstica, quer seja contra a Assistente, quer contra qualquer outro cidadão. Mais, o Arguido encontrava-se a reiniciar um processo de socialização, finalmente livre dos problemas de droga e de álcool, merecedor da confiança dos amigos e conhecidos da pequena comunidade onde sempre viveu, digno até da confiança dos governantes locais, como a Testemunha M....
25. Por fim, o Arguido apresentou-se em juízo com um discurso calmo e cooperante, embora simples, manifestando que a sua única intenção é continuar a sua vida junto da família e amigos e afastado da Assistente da qual está já divorciado.
26. Tudo leva portanto a crer que o Arguido tudo fará para se manter afastado da delinquência e se integrar definitivamente na comunidade onde reside.
27. Em conclusão, defende então o Arguido que lhe seja aplicada uma pena de prisão de dois anos e seis meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do artigo 50.° CP.
Termos em que se requer a V, Exa. seja o presente Recurso julgado procedente, revogando-se a Decisão Proferida na parte em que fixa a medida da pena e, consequentemente, seja nessa parte substituída por outra que fixe a pena concreta do Arguido em dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50° CP; Com todas as consequências legais.".

1.2-0 Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta ao recurso concluindo:
"A, A factualidade dada como provada na sentença recorrida é demonstrativa de uma violência crescente por parte do arguido contra a ofendida, violência esta que já se arrastava desde o início da relação de ambos, como a própria ofendida afirmou em julgamento (cf. ficheiro 20181207101226_1035073_344767, 52:20 - 57:20);
B. Por outro lado, não corresponde à verdade que a ofendida não tinha receio do arguido, porquanto, ainda que a mesma tenha, de alguma forma, minimizado as situações em que o arguido a agrediu com chapadas e verbalmente, já não o fez relativamente às situações ocorridas em Março e Abril de 2018.
C. Na verdade, a gravidade dos factos ocorridos naqueles meses, dada a violência descritas e as consequências para a saúde física ou psíquica da ofendida, levaram a ofendida a afirmar em julgamento que "nestas alturas sim, nestas alturas já estava com medo dele" (cf. ficheiro 20181207101226_1035073_3447675: 01:17:10 - 01 :17:30).
D. Ainda, as exigências de prevenção geral são elevadas, atento os crescentes índices de crimes de violência doméstica, sendo como tal, necessário reafirmar, de forma eficaz, a validade das normas incriminadoras, cuja violação vem, cada vez com maior frequência, conduzindo a resultados de gravidade extrema, e não raras vezes definitivos (com a morte da vitima), evitado, no caso, pela actuação da própria ofendida.
E. De resto, num país com a dimensão do nosso, o claro crescimento destes ilícitos que colocam em causa a protecção dos bens jurídicos protegidos pela incriminação e causam, em especial, nas vítimas (ainda silenciosas) um sentimento de insegurança quanto ao funcionamento da justiça e a protecção que lhes é conferida, e a frequência com que têm ocorrido, mostra ser necessária uma consciencialização da comunidade quanto à importância e ao respeito que é devido às ordens emanadas por autoridade com competência para tal.
F. Por outro lado, são também elevadas as exigências de prevenção especial já que o arguido revelou não ter interiorizado a reprovabilidade da sua conduta, negando a prática de alguns dos factos constantes da acusação pública, e aqueles que admite, desculpabiliza com uma eventual infidelidade da ofendida, o qual não é, nem nunca será fundamento ou justificação para tamanhos actos de violência.
G. Razão pela qual, atenta a gravidade da factual idade dada como provada na sentença recorrida, não se descortina qualquer razão válida para concluir que a pena aplicada ao arguido é excessiva,
H. Na verdade, a pena aplicada apresenta-se justa e equilibrada e responde às elevadas exigências de prevenção geral e as prementes exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, mostrando-se a sentença recorrida devidamente fundamentada, em especial, na parte atinente à determinação da medida concreta da pena aplicada.
I. Face ao exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, não padece de qualquer vício e acha-se em absoluta conformidade com a Lei, devendo, como tal, ser mantida.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, ser confirmada a sentença recorrida, nos precisos e exactos termos em que foi proferida, Porém, Vossas Excelências melhor decidirão, fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA!"

1.3 - Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, rgumentando:

"O Ministério Público (MP) nesta Relação, seja pelos fundamentos que invoca, seja pela posição que assume, subscreve a Resposta do MP na1.ª Instância,

A pretensão do Arguido parece ser a de impugnar a matéria de facto.
Dizemos "parece", posto que, não obstante transcreva 20' do depoimento da Assistente e aluda, ainda que, neste caso, sem o transcrever, a 1' e 48" do seu próprio depoimento (num caso e outro identificando os ficheiros relativos às respectivas gravações), todas as restantes referências aos depoimentos invocados são assinaladas de modo indirecto.
C) Prova do que vem de dizer-se resulta clara das seguintes passagens:
(...)
D) Como está bem de ver, estas referências, posto que não possam ser reconduzidas a uma impugnação da matéria de facto dado não cumprirem os respectivos requisitos, não poderão ser tidas em conta por se reportarem, tão só, a meras alusões indirectas ao que terão sido excertos de alguns depoimentos.
E) Daí que, o Recorrente não coloque verdadeiramente em crise a matéria de facto, a não ser no que aos excertos assinalados do depoimento da Assistente e do próprio Arguido, ainda que, mesmo quanto a estes, se logre alcançar de que modo pretende o Recorrente que as referidas passagens possam alterar a matéria de facto dada como assente (sejam os factos provados, sejam os não provados),
F) Justamente porque assim seja, mais não restará do que avaliar se a medida da pena em que o Arguido foi condenado foi, ou não, uma medida justa e, por outro lado, se, como igualmente defende o Recorrente, se imporia a suspensão da sua execução. Para tanto haverá que atender, tão só, à factualidade provada bem como à correspondente fundamentação.
G) Atendo-nos às Conclusões do Recurso, começa o Recorrente por alegar que "apesar das situações descritas e dadas como provadas serem graves e indesculpáveis, a verdade é que foram pontuais e que não são o espelho de uma relação diária de abusos e maus tratos físicos.", facto que, ainda segundo o Recorrente, fica demonstrado atento "O facto de a Assistente ter conseguido descrever as situações em que o Arguido a agrediu fisicamente de forma tão precisa e detalhada, revela exactamente que estas situações foram isoladas." (!!!!!!!!).
H) A matéria de facto dada como provada desmente, em toda a linha, esta conclusão.
Ao contrário do que alega o Recorrente, o Tribunal deu como assente que, ainda na
fase de namoro e após, desde 02.7.1994, data em que o Arguido e a Assistente contraíram matrimónio, o relacionamento conjugal "foi sempre pautado por conflitos, que se intensificaram no início de 2018, devido a discussões que o arguido provocava constantemente;" - cfr. factos provados "8)n e "3)".
I) Mais foi dado como assente que o Arguido insultava e ameaçava a Assistente, "O que ocorria com frequência, uma vez que o arguido é ciumento, e acontecia geralmente quando o arguido se encontra sob a influência do álcool ou de substâncias estupefacientes;" - cfr. facto provado "7)".
J) Acresce que o ano de 1997, Março de 2018, nomeadamente, 23.3.2018, e 03.4.2018, são datas específicas que se reportam a tantas outras agressões e ameaças perpetradas pelo Arguido na pessoa da Assistente - cfr. factos provados "9)" a "34".
k) O Arguido não desconhecerá que o crime de violência doméstica se trata de um crime que, podendo embora bastar-se com a prática de um único acto (lide modo reiterado ou não", reza o art.° 152°, n.° 1, do Código Penal), na maior parte dos casos se traduz em comportamentos reiterados ao longo de mais ou menos tempo, tal como patentemente ilustra o caso em apreço.
Daí que a culpa do Arguido haja de ser aferida por reporte ao conjunto de factos que o Tribunal deu como assente, que não, como pretende, a cada um dos actos que integram a factualidade globalmente considerada.
L) Por outro lado, ao contrário do que refere o Recorrente, o Tribunal não considerou que as exigências de prevenção especial eram "elevadíssimas".
O Tribunal reputou-as, sim, de "expressivas", sendo certo que importará menos a adjectivação do que o conteúdo a que a mesma se reporta. Quanto a este, o Tribunal não podia ser mais claro, ao consignar que assim considerou tendo em conta que "O arguido, apesar de registar antecedentes criminais apenas por crimes de diferente natureza, revelou não ter interiorizado a reprovabilidade da sua conduta, desculpabilizando-se com a alegada infidelidade da assistente, mas também o facto do estado de toxicodependência/alcoolismo do arguido, enquanto não debelado, fazer elevar essas necessidades, já que o mesmo age da forma descrita nos factos provados, especialmente quando está sob o efeito do álcool ou substâncias estupefacientes.".
M) Quanto à medida da pena, a fundamentação do Tribunal é absolutamente assertiva e exaustiva, fazendo justa aplicação dos critérios emergentes do arte.0 71°, do Código Penal.
N) A Sentença, para além dos factos que considerou a favor do Arguido ("não ter antecedentes criminais registados pela prática de crime de idêntica natureza; já não viver na mesma casa que a vitima, estando já decretado o divórcio; ser aparentemente" (Este facto, militando a favor do Arguido, suscita-nos as maiores reservas, posto que ao Tribunal não compete ter em conta "aparências" mas, tão só, factos. O Tribunal deveria ter em conta se o Arguido colaborou, ou não, com a DGRSP, que não, como teve, que o Arguido "aparentemente" terá colaborado) "colaborante com as instituições como a DGRSP."), atendeu, em seu desfavor, o seguinte:

"a intensidade da culpa, atenta a modalidade do dolo (directo); a elevadíssima censurabilidade da sua conduta, traduzida na gravidade das ofensas corporais que infligiu à vítima; o longo período de tempo em que sujeitou a vítima aos maus-tratos; a falta de reconhecimento do desvalor da sua acção, imputando culpas à alegada infidelidade da vítima; a toxicodependência/alcoolismo que potencia a reiteração deste tipo de condutas; não ter ocupação profissional com carácter de estabilidade, nem de tempos livres.".
O) Desde logo, um reparo.
O Tribunal, ao valorar os antecedentes criminais, levou-os em conta tão só na medida em que inexistiam condenações anteriores "pela prática de crime de idêntica natureza".
A verdade, porém, é que o Arguido fora condenado por 11 (onze) vezes, pela prática de crimes de furto qualificado (duas condenações), condução de veículo em estado de embriaguez (cinco condenações), roubo, condução perigosa de veículo rodoviário, violação de imposições, desobediência, resistência e coacção sobre funcionário e falsidade de depoimento ou declaração, a tanto acrescendo o facto de "Nas declarações que prestou em audiência, arguido não demonstrou arrependimento, nem juízo crítico para a reprovabilidade da sua conduta.", num total de 13 (treze) crimes - cfr. factos provados '(44)" a "55)".
P) Ora, não sendo embora crimes da mesma natureza, nem por isso podem ser desconsiderados, como parece decorrer da Sentença terem-no sido, posto que, nesta, apenas se faz referência, na escolha e medida da pena, ao facto de os antecedentes criminais do Arguido não conterem nenhum crime da mesma natureza. A verdade, porém, é que os antecedentes criminais deveriam ter sido considerados e valorados em desfavor do Arguido, posto revelarem, à saciedade, um percurso de vida desconforme com o Direito.
Q) Não o tendo sido, nem por isso está esta Relação impedida de os valorar em conformidade, uma vez que, não obstante apenas o Arguido ter inteiposto Recurso da Sentença, a proibição da reformatio in pejus, ínsita no arte.0 409° do CPP, apenas obsta à modificação "na sua espécie ou medida", das "sanções constantes da decisão recorrida".
R) Por outras palavras, a Relação não pode agravar a pena aplicada, mas pode fundamentar a sua medida atendendo a factos a que a Sentença recorrida não atendeu.
E, nessa medida, um factor acrescido se impõe de legitimação do quantum da pena


aplicada, o qual, atente-se, eleva em tão só 9 meses o termo médio da respectiva moldura penal abstracta.
S) No que à pretendida suspensão da execução da pena diz respeito, Senhora Desembargadora Relatora e Senhor Desembargador Adjunto, o que vem de dizer-se, só por si, já seria bastante para desvanecer tal pretensão.
O Tribunal fundamentou, e fundamentou bem, as razões pelas quais decidiu não suspender a execução da pena.
É certo que valorizou particularmente as exigências de prevenção geral, em detrimento da prevenção especial. Tal facto, porém, não obsta a que também por estas a suspensão fosse liminarmente de arredar. Prova-o o facto de o Arguido, no que aos antecedentes criminais diz respeito, ter revelado que as suspensões da execução da pena, nos casos em que foi decretada (e foi-o por cinco vezes), de modo algum o dissuadiram de voltar a delinquir.
Os factos provados, todos os factos provados, são absolutamente impeditivos de ter por configurado aquele "risco prudente" que uma suspensão da execução de uma pena de prisão sempre comporta, posto não ser possível atribuir ao previsível comportamento futuro do Arguido a prognose favorável que a suspensão sempre pressupõe.
Em conformidade, somos de parecer que o Recurso interposto pelo Arguido deverá ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a pena em que foi condenado bem como a não suspensão da sua execução, sem prejuízo do consignado em "Q)M e (R)".
1.4 - Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º do C.P.P.
1.5 - Foram colhidos os vistos legais.
1.6 - Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação.

2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que importa, é a seguinte:
A) Factos Provados
Discutida a causa provaram-se os seguintes factos:
1)0 arguido V... e a ofendida T... são casados entre si, desde 02-07-1994;
2) Têm uma filha em comum, N..., já maior de idade;
3) O arguido e a ofendida, desde que casaram, residiam juntos na residência comum do casal, sita no ...;
4) O relacionamento conjugal entre o arguido e a ofendida foi sempre pautado por conflitos, que se intensificaram no início de 2018, devido a discussões que o arguido provocava constantemente;
5) Na sequência de tais discussões, o arguido insultava muitas vezes a ofendida, dirigindo-se à mesma, apelidando-a de "puta", "vaca" e "cabra", mesmo na presença de familiares;
6) Ameaçava-a de morte também muitas vezes, dizendo para a mesma "Eu mato-te! Se não és minha, se não ficas comigo, não és de mais ninguém!";
7) O que ocorria com frequência, uma vez que o arguido é ciumento, e acontecia geralmente quando o arguido se encontra sob a influência do álcool ou de substâncias estupefacientes;
8) Assim, em data não concretamente apurada, situada antes do casamento entre ambos, ainda quando o arguido e ofendida tinham apenas uma relação de namoro, o mesmo desferiu-lhe duas bofetadas;
9) Já depois de casados, em data não concretamente apurada, ocorrida em 1997 o arguido desferiu um número não concretamente apurado de pancadas no corpo da ofendida e depois, empunhando um machado, perseguiu-a, ameaçando-a de morte, o que a obrigou a refugiar-se durante cerca de dois meses em casa dos seus pais, noutra região do pais, com receio pela sua vida e integridade física;
10) Em data não concretamente apurada, situada entre no mês de Março de 2018, durante uma viagem de automóvel de Nisa para Salavessa, em que se deslocavam juntos, o arguido dirigiu-se para uma região erma, de mato, ali situada, onde imobilizou a viatura;
11) Ali chegados, o arguido confrontou a ofendida com uma suposta troca de mensagens através da rede social "Facebook", entre esta e outro indivíduo, por suspeitar de traição;
12) Após, puxou-a pelos cabelos e arrastou-a para o exterior do veículo, fazendo-a cair sobre o solo;
13) E desferiu vários pontapés na região lombar e membros inferiores da ofendida;
14) De seguida, retirou uma mala de ferramentas com a qual desferiu um golpe na cabeça da ofendida;
15) E retirou do seu interior um serrote, encostando-o ao pescoço da ofendida, enquanto exercia força física sobre a mesma e a ameaçava de morte se esta não lhe dissesse a verdade;
16) A ofendida, devido à força física exercida pelo arguido, acabou por se desequilibrar e cair, ficando ferida nos membros inferiores com um corte causado pelo serrote empunhado pelo arguido;
17) No dia 23-03-2018, durante outra deslocação de ambos, de automóvel, o arguido voltou a confrontar a ofendida com as suas suspeitas de traição;
18) A dada altura, desviou-se do trajecto previsto e dirigiu o veículo para junto de um lago, vulgarmente designado por "charca" e exaltado, ameaçou a ofendida de que iria atirar o veículo, com a ofendida lá dentro, para dentro do mesmo, para que morresse;
19) Nessa ocasião, o arguido só acalmou os seus ânimos porque entretanto surgiram ali dois transeuntes naquele local;
20) No dia 03-04-2018, cerca das 12h40m, o arguido disse à ofendida para ir de automóvel com o mesmo recolher alguns móveis a outra habitação;
21) Contudo, acabou por conduzir a ofendida para um local ermo, situado no Pontão do Monte Rolo, em Montalvão, Nisa, onde imobilizou a sua viatura;
22) Após, saiu do veículo e retirou uma estaca de madeira, que ali se encontrava, com uma placa metálica de delimitação de reserva de caça, e que tinha pregos espetados na superfície e com a mesma desferiu vários golpes na cabeça da ofendida, até a projectar no solo, onde ficou prostrada;
23) De seguida, retirou uma navalha do bolso e desferiu vários golpes sobre os pulsos, mãos e pernas da ofendida;
24) Então, a ofendida, temendo pela sua vida, resistiu e conseguiu retirar a navalha da posse do arguido, arremessando-a para fora do seu alcance;
25) Depois, o arguido retirou um martelo do porta-bagagens da viatura automóvel e empunhando-o contra a ofendida, ameaçou-a de que a iria agredir na cabeça com o mesmo, conforme já anteriormente havia feito com outra pessoa, o que era do conhecimento da ofendida ser verdade e lhe causou muito receio;
26) Após, como a ofendida estava prostrada, ferida e com hemorragias e já não oferecia qualquer resistência, o arguido decidiu conduziu-a a casa de novo;
27) Devido aos ferimentos causados pelo arguido, a ofendida teve de ser conduzida de ambulância pelos bombeiros, para receber assistência no Hospital de Portalegre, onde deu entrada cerca das 15h31m, do dia 03-04-2018;
28) A ofendida, apresentava então ferimento grave na região do terço médio da perna direita, ferimento na região do pulso esquerdo, hematomas na região parietal direita e na região occipital esquerda e escoriações na região deltodiana direita e no corpo, causadas por objecto de natureza contundente;
29) As lesões causadas pelo arguido à ofendida, determinaram cinco dias de cura, com afectação da capacidade de trabalho profissional;
30) Das lesões causadas, resultaram ainda, como consequências permanentes para a ofendida, cicatrizes no pulso esquerdo e no membro inferior direito;
31) O arguido, com a sua conduta, quis molestar a ofendida, infligindo-lhe maus tratos psíquicos, insultando-a e ameaçando-a por forma a ofendê-la na sua honra e consideração pessoal, causar-lhe medo e inquietação, para a perturbar e condicionar a sua liberdade pessoal;
32) E quis ainda molestar a mesma, infligindo-lhe também maus tratos físicos, provocando-lhe dores e lesões físicas, através de agressões e do uso de objectos de natureza contundente e cortante, que sabia serem especialmente perigosos e aptos a causar graves lesões na sua integridade física e até a provocai' a morte;
33) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;
34) No dia 3 de Abril de 2018, T... foi assistida na consulta de urgência da ULSNA, EPE;
35) Na realização da assistência supra referida, foram prestados cuidados de saúde cujas despesas, por liquidar, importam o montante de € 85,91;
36) O arguido é filho único e descende de uma família de modesta condição sacio- económica, sendo que o pai exercia funções na Câmara Municipal de Nisa e a mãe era doméstica;
37) Frequentou o Sistema de Ensino na idade normal, inicialmente em Montalvão - Nisa e depois em Nisa, tendo abandonado os estudos quando frequentava o 8.° ano, após ter registado duas retenções;
38) Posteriormente, frequentou e concluiu um Curso de Formação Profissional em Lisboa que lhe conferiu a equivalência ao 9.° ano de escolaridade;
39) Regista um percurso laboral irregular, condicionado pelo comportamento aditivo, tendo exercido diversas actividades, nomeadamente como mecânico de automóveis, na agricultura, na construção civil e como cortador de carnes;
40) Aos 21 anos de idade contraiu matrimónio com T..., tendo o casal fixado residência em Salavessa - Montalvão - Nisa, sendo que desta relação nasceu uma filha, estando o casal, actualmente divorciado;
41) Iniciou o consumo de substâncias estu pefacientes (haxixe) cerca dos 17 anos de idade, sendo que mais tarde passou a consumir heroína, tendo desenvolvido problemática aditiva;
42) Entretanto, passou também a registar consumos excessivos de bebidas alcoólicas;
43) Em termos de rotinas e ocupação de tempos livres, não lhe são conhecidas tarefas estruturadas ou de lazer que executasse com regularidade;
44) O arguido foi condenado, em 04-03-2005, pela prática, em 13-01-2004, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.° 204.°, n.° 2, ai. e) do CP, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 2 anos, no âmbito do Processo n." 7/04.9TANIS;
45) O arguido foi condenado, em 12-02-2007, pela prática, em 27-01-2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p, pelo art.° 292.°, n.° 1 do CP, na pena de 65 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses, no âmbito do Processo n.° 24/07.7GTPTG;
46) O arguido foi condenado, em 14-01-2008, pela prática, em 13-01-200S, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p, pelo art° 292.°, n.° 1 do CP, na pena de 90 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses e 15 dias, no âmbito do Processo n.° 13/0SAGTCTB;
47) O arguido foi condenado, em 18-05-2012, pela prática, em 23-02-2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.° 210.°, n.° 1 do CP, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa por idêntico período, no âmbito do Processo n.° 76/11.5GBABT;
48) O arguido foi condenado, em 29-06-2012, pela prática, em 21-04-2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292.°, n.° 1 do CP, na pena de 120 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 meses, no âmbito do Processo n.° 40/12.7GBNIS;
49) O arguido foi condenado, em 12-03-2013, pela prática, em 02-08-2010, de um crime de condução de veículo perigosa de veículo rodoviário, p. e p, pelo art.° 291.°, n.° 1, al. a) e n,° 3 do CP, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 meses, no âmbito do Processo n." 3/11.0GBNIS;
50) O arguido foi condenado, em 14-06-2012, pela prática, em 09-09-2010, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.0 204.°, n." 2, al. e) do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por idêntico período, no âmbito do Processo n.° 25/10.8GBNIS;
51) O arguido foi condenado, em 05-07-2012, pela prática, em 15-02-2012, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.0 348.°, n.° 1, al. b) do CP e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.0 347.°, n.° 1 do CP na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa por idêntico período sujeita a condições, no âmbito do Processo n.° 18/12.0GBNIS;
52) O arguido foi condenado, em 14-01-2014, pela prática, em 07-12-2012, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art.0 359.° do CP, na pena de 250 dias de multa, no âmbito do Processo n.° 921/12.8TAABT;
53) O arguido foi condenado, em 13-02-2014, pela prática, em 25-01-2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292.°, n.° 1 do CP e um crime de violação de imposições, p. e p. pelo art.° 353.° do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa por idêntico período e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 2 anos, no âmbito do Processo n,° 7/14.0GBNIS;
54) O arguido foi condenado, em 24-04-2014, pela prática, em 15-05-2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.° 292.°, n.º 1 do CP, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 14 meses, no âmbito do Processo n.? 52/12.0GTPTG; 55) Nas declarações que prestou em audiência, arguido não demonstrou arrependimento, nem juízo crítico para a reprovabilidade da sua conduta.

Factos não provados;
Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que:
a) Nas circunstâncias descritas em 9 dos factos provados, o arguido tivesse desferido várias bofetadas, murros e empurrões;
b) O descrito em 10 dos factos provados tivesse ocorrido entre 7 e 22 de Março de
2018;
c) Nas circunstâncias descritas em 26 dos factos provados, chegados a casa o arguido, visivelmente perturbado, se tivesse dirigiu à ofendida dizendo "Acabou, não acabou?! Tu és minha! Não és minha, não vais ser de mais ninguém!'1;
d) E se tivesse munido de uma faca, procurando novamente o confronto com a ofendida, o que só foi impedido com a intervenção de familiares que se encontravam no local e pediram assistência médica e chamaram as autoridades policiais;

B) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base na conjugação da prova produzida em audiência, analisada à luz das regras da experiência comum.


O arguido prestou declarações admitindo parte da factualidade e negou outra.
As testemunhas ouvidas - as quais revelaram possuir conhecimento directo dos factos - prestaram um depoimento que nos pareceu, no essencial, sincero e verosímil, com excepção do prestado pelo pai do arguido (tendo sido ordenada a extracção de certidão por suspeita de falsas declarações) e das testemunhas P... e C..., familiares do arguido que deixaram bem patente a sua falta de objectividade em relação aos factos que relataram, demonstrando desprezo e inimizade pela aqui assistente.
Vejamos.
Quanto à factual idade descrita em 1 a mesma resulta do teor de fls. 87 e 88.
O descrito em 2 e 3 foi admitido pelo arguido, resultando ainda das declarações da assistente e da filha de ambos, N....
O mencionado em 4 a 10, 12 a 16, 18 e 19 resultou das declarações da assistente, T..., a qual prestou declarações de forma emocionada, mas sincera, revelando estar a relatar factos vivenciados e não fantasiados, tendo inclusive a preocupação de relativizar certos comportamentos do arguido, atribuindo-lhes pouca importância, como se, de certa forma, pretendesse justificar aqueles actos. Não vimos no seu depoimento raiva, revolta ou rancor contra o arguido, bem pelo contrário. Acresce que os factos relatados estão em consonância com os que já havia relatado em fase de inquérito, o que denota coerência. Pese embora o arguido não tenha reconhecido essa factualidade, não teve o Tribunal quaisquer dúvidas de que a mesma aconteceu e que o relato que assistente fez da sua vivência em comum com o arguido corresponde à realidade,
O mencionado em 11 e 17,20 e 21 foi admitido pelo arguido.
Já quanto ao descrito em 22 a 27, o arguido admitiu parte dessa factualidade, sendo que a restante resultou das declarações da assistente, conjugadas com as declarações da filha do casal, N..., e da testemunha G..., bem como do teor de fls. 27-38,148-151 e 160-170,
O descrito em 28 a 30 e 34 e 35 resultam do teor de fls. 21, 22, 183 a 191, bem como do testemunho de J..., T... e L..., militares da GNR que viram a assistente com ferimentos.
O descrito em 31 a33 e55 resulta da restante factual idade conjugada com as regras da experiência comum. O arguido, apesar de ter sido toxicodependente/alcoólico, ou estar em recuperação de tais patologias, não perdeu a noção do bem e do mal (como resultou das suas declarações), nem dos deveres de um marido ou até de como um qualquer ser humano deve ser tratado, especialmente tratando-se da sua esposa. O arguido nas declarações que prestou reconheceu que agiu mal, mas atribui as razões do seu comportamento à alegada infidelidade da assistente, tentando, através da testemunhas de defesa, provar esse facto, como se isso o desculpasse. Ora, a infidelidade de um membro do casal não pode justificar o desferimento de facadas, murros, bofetadas ou pontapés. Compreenderíamos alguma exaltação na linguagem, mas não as agressões perpetradas pelo arguido, as quais resultam apenas da sua frustração e ressentimento face ao fim da relação e com a necessidade de punir a assistente por tal facto, como se fosse esta a única culpada pelo fim do matrimónio que os uniu por mais de 20 anos. Na verdade, o arguido não demonstrou qualquer juízo crítico em face do seu comportamento, nem dos problemas que causou à assistente, nomeadamente com os seus vícios e actos delituosos. Apresentou-se como o marido exemplar que foi traído e que ainda assim tentou "resolver as coisas a bem", Contudo, não é isso que resulta da prova, bem pelo contrário: as suturas que agora são cicatrizes provam que assim não foi.
Quanto às condições de vida do arguido (pontos 36 a 43), o Tribunal baseou-se nas declarações daquele conjugadas com o teor do relatório social junto aos autos, e bem assim no depoimento das testemunhas de defesa J..., M... e M....
No que respeita aos antecedentes criminais, o Tribunal valorou o teor o certificado junto aos autos.
No que concerne aos factos dados como não provados, tal resultou de em audiência de julgamento não ter sido produzida prova cabal da ocorrência dos mesmos, já que não resultaram de qualquer outro meio de prova.
O mencionado em a) a c) não foi relatado pela assistente, nem por qualquer uma das testemunhas ouvidas, sendo que o arguido também não admitiu esses factos.
Já no referente à alínea d), o arguido negou essa factualidade e a assistente referiu que tais factos não ocorreram dessa forma, sendo que também nenhuma das testemunhas a declarou."

2.2 - O registo magnetofónico da prova, permite, ao tribunal de recurso, sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente dê cumprimento ao disposto no art. 412° ns. 3 e 4, do C.P.P., o que não ocorre, no caso "sub judice), apreciar as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428°, do mencionado compêndio adjectivo) e fazer a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.° 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas.

Portanto, dentro dos parâmetros retro aludido, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.° 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionai' as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.
2.3 - Analisadas as conclusões de recurso, dir-se-á que, no caso dos autos, as questões que o recorrente coloca são:
- Pretensa pretensão de impugnar parte da matéria de facto;
- A pena concreta deve ser fixada, no máximo em dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.
2.4 - Análise das questões do recurso
2.4.1 - Primeira questão
Nos termos do disposto no artigo 428°, do C.P.P., o Tribunal da Relação, em fase de recurso, pode apreciar da matéria de facto e de direito, nos termos retro apontados.
No que respeita ao objecto de recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de Ia instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
O recorrente parece pretender ensaiar uma impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.0 412° n.°s. 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP) - sendo certo que, ainda assim, de forma deficiente, posto não cumprir os respectivos requisitos legais - fá-lo, tão só, na perspectiva de uma redução da pena em que foi condenado e da suspensão da sua execução, pelas quais pugna, a final (tanto assim é que, para além das Conclusões, da Motivação constam apenas dois capítulos, o primeiro sob a epígrafe "Da Sentença e do Âmbito do Recurso" e o segundo "Da Medida da Pena"
Desde logo, é necessário verificar o cumprimento do disposto no art. 412° ns. 3 e 4, do
C.P.P.
O n.° 3, deste preceito legal - 412°, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto - no caso em análise não o fez - deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas.
O n.° 4, refere que "Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas ais, b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.° 2, do art.0 364°, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.".
A lei é exigente relativamente a essa impugnação.
O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1.ª instância.
Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430°, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410° n.° 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, v.g., insuficiência, contradição ou erro.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
E tal exigência é dada, como é referido nos Acs. desta Relação Ns. 2542/01 e 2870/02, pelas seguintes imposições:
Especificação, e não mera referência, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, sendo necessário precisar com clareza o ponto que se tem por erroneamente apurado;
especificação das provas, não sendo suficiente a menção genérica de toda a prova e dos depoimentos das testemunhas, etc,;
indicação concreta das provas que impõem decisão diversa;
especificação dos suportes técnicos, da prova documentada, com vista a facilitar a sua localização.
O recorrente/arguido limita-se a transcrever fragmentos do conteúdo das suas declarações e das da assistente, mas não a totalidade das concretas passagens em que funda a sua impugnação, não dando, assim, cumprimento, cabal, ao estatuído no preceito legal supra citado. No que respeita aos depoimentos de testemunhas que indica, nomeadamente, M..., J... e Ma..., limita-se, através de discurso indirecto, a afirmar que as mesmas disseram que o arguido era um trabalhador exemplar e que estava totalmente integrado no local de residência e que, apesar de não ter trabalho fixo, trabalha sempre que consegue, naquilo que arranja e nunca traz problemas nem com os seus superiores, nem com colegas, nem com clientes. Mais afirma que a mesmas acrescentaram que o Arguido já não consome estupefacientes e que se recuperou totalmente daquele vício.
O mesmo pretende contestar a apreciação e valoração que o Tribunal a quo fez da
prova.
Acresce que, tece críticas e discorda da matéria de facto apontada, não a impugnando, como já referido, verdadeiramente, no âmbito da pretensa impugnação da matéria de facto, transcreve o seu conteúdo, ou a parte que lhe interessa, desses depoimentos e declarações, e procede à indicação de factos que consideram, na sua óptica, incorrectamente julgados, mas, não alude, todavia, às provas concretas que impõem decisão diversa, tecendo, apenas, comentários sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando com considerações todas elas, apenas e exclusivamente, relativas a uma apreensão diversa da prova, valorando-a, de modo diverso, colocando dúvidas e interrogações, sem contudo, conseguir fundamentar e concretizar as provas que impõem decisão diversa. Como já referido, o que a lei pretende ao vincular o recorrente á indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida.
Tal poderia ser suficiente para se considerar, manifestamente, improcedente o recurso, no que concerne à impugnação da matéria de facto provada, designadamente, a constante dos pontos supra aludidos n.°s 4 a 33.
Todavia, dir-se-á que a apreciação da prova constante do acórdão ou sentença, por imposição do art. 374° n.° 2, do C.P.P., não basta ser dúbia ou duvidosa, é necessário que seja, de modo óbvio, errónea impondo-se a qualquer homem ou cidadão mediano e fundamenta a existência do vícios a que alude o art. 410° n.° 2, ai. c), do aludido compêndio adjectivo, ou não. Neste caso, deve cumprir-se as regras de impugnação supra mencionadas.
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in "Direito Processual Penal", v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: "Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..,"
E adianta, Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, " Meios de Prova", Livraria Almedina, pág. 227/228:" Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efectivo da sua motivação".
Acresce que o recorrente, como já referido, não impugnou, na verdadeira asserção da palavra a matéria de facto, limitando-se a criticar a forma como foi valorada a prova e a percepcioná-la de forma diversa, nos pontos que discrimina.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
Sobre esta questão, o Prof. Marques da Silva, In " Curso de Direito Processual Penal, vol. II, pág. 126 e 127 refere:" O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente de imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente aplicáveis (v.g. a credibilidade eu se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.".
Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal, anotado", 9.a ed., pág.322, refere "... livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e de lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica...
Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", II, pág. 126 e segs... a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração "racional e critica, de acordo com as regras, comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão...; com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim.
Como já referido, a convicção do julgado há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros".
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes planos.
Em primeiro lugar trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova).
Seguidamente, na valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Ora, reafirmamos que aos julgadores, no tribunal de recurso, está vedada a imediação e a oralidade em toda a sua extensão, contrariamente ao que ocorre no tribunal da Ia instância que contacta com uma multiplicidade de factores, relativos a percepção da espontaneidade dos depoimentos da verosimilhança, da seriedade, das hesitações, da linguagem, do tom de voz, do comportamento, das reacções, dos trejeitos, das expressões e, até, dos olhares.
Assim, condicionados pela impossibilidade da captação desses elementos directos, resultantes da imediação da prova, perante duas ou mais versões dos factos, só podem afastar- se do juízo feito pelo julgador da primeira instância, naquilo que não tiver origem nestes dois
princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art,0 374° n.° 2, do aludido compêndio adjectivo.
Acresce que, só a especificação de todos os elementos probatórios, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.
E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.
O problema posto pelo recorrente reconduz-se ao da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.0 127°, do CPP.
Mas revertendo para o caso concreto, dir-se-á que a questão básica da crítica à matéria facto provada, resulta, na óptica do recorrente, que não deveriam ter ficado, os pontos questionados, consignada nos factos provados, mas sim, não provados.
Não nos podemos esquecer, todavia, que, em termos globais, o Tribunal "a quo" formou a sua convicção sobre o objecto dos presentes autos com base, nomeadamente, nas declarações do arguido e da assistente, e nos depoimentos das testemunhas, N..., filha de ambos, G..., J..., T... e L..., militares da GNR bem como, do teor de fls. 21, 22,27-38, 148-151, 160-170, e 183 a 191.
Vejamos, mais concretamente!
Auscultadas as declarações do arguido e as da assistente e a prova testemunhal - os depoimentos das aludidas testemunhas - gravados produzidos no decurso da audiência - e analisadas as aludidas provas documentais, faz todo o sentido afirmar, tal como consta da sentença, que, a convicção do tribunal, relativamente aos diversos factos dados por provados, questionados, resultou:
" ... da conjugação da prova produzida em audiência, analisada à luz das regras da experiência comum.
(...) Quanto à factualidade descrita em 1 a mesma resulta do teor de fls. 87 e 88. O descrito em 2 e 3 foi admitido pelo arguido, resultando ainda das declarações da assistente e da filha de ambos, N.... O mencionado em 4 a 10, 12 a 16, 18 e 19 resultou das declarações da assistente, T..., a qual prestou declarações de forma emocionada, mas sincera, revelando estar a relatar factos vivenciados e não fantasiados, tendo inclusive a preocupação de relativizar certos comportamentos do arguido, atribuindo-lhes pouca importância, como se, de certa forma, pretendesse justificar aqueles actos. Não vimos no seu depoimento raiva, revolta ou rancor contra o arguido, bem pelo contrário. Acresce que os factos relatados estão em consonância com os que já havia relatado em fase de inquérito, o que denota coerência. Pese embora o arguido não tenha reconhecido essa factualidade, não teve o Tribunal quaisquer dúvidas de que a mesma aconteceu e que o relato que assistente fez da sua vivência em comum com o arguido corresponde à realidade. O mencionado em 11 e 17, 20 e 21 foi admitido pelo arguido. Já quanto ao descrito em 22 a 27, o arguido admitiu parte dessa factualidade, sendo que a restante resultou das declarações da assistente, conjugadas com as declarações da filha do casal, N... e da testemunha G..., bem como do teor de fls. 27-38,148-151 e 160-170. O descrito em 28 a 30 e 34 e 35 resultam do teor de fls. 21, 22, 183 a 191, bem como do testemunho de J..., T... e L..., militares da GNR que viram a assistente com ferimentos. O descrito em 31 a 33 e 55 resulta da restante factual idade conjugada com as regras da experiência comum. O arguido, apesar de ter sido toxicodependente/alcoólico, ou estar em recuperação de tais patologias, não perdeu a noção do bem e do mal (como resultou das suas declarações), nem dos deveres de um marido ou até de como um qualquer ser humano deve ser tratado, especialmente tratando-se da sua esposa. O arguido nas declarações que prestou reconheceu que agiu mal, mas atribui as razões do seu comportamento à alegada infidelidade da assistente, tentando, através da testemunhas de defesa, provar esse facto, como se isso o desculpasse. Ora, a infidelidade de um membro do casal não pode justificar o desferimento de facadas, murros, bofetadas ou pontapés. Compreenderíamos alguma exaltação na linguagem, mas não as agressões perpetradas pelo arguido, as quais resultam apenas da sua frustração e ressentimento face ao fim da relação e com a necessidade de punir a assistente por tal facto, como se fosse esta a única culpada pelo fim do matrimónio que os uniu por mais de 20 anos.
Na verdade, o arguido não demonstrou qualquer juízo crítico em face do seu comportamento, nem dos problemas que causou à assistente, nomeadamente com os seus vícios e actos delituosos. Apresentou~se como o marido exemplar que foi traído e que ainda assim tentou "resolver as coisas a bem".
Contudo, não é isso que resulta da prova, bem pelo contrário: as suturas que agora são cicatrizes provam que assim não foi. Quanto às condições de vida do arguido (pontos 36 a 43), o Tribunal baseou-se nas declarações daquele conjugadas com o teor do relatório social junto aos autos, e bem assim no depoimento das testemunhas de defesa J..., M... e Ma.... No que respeita aos antecedentes criminais, o Tribunal valorou o teor o certificado junto aos autos."
Acresce que, o arguido contesta:
A gravidade e reiteração das agressões sobre a assistente. Porém, a análise da prova demonstra, tal como, bem, consta da sentença recorrida "que os factos praticados (pelo arguido) são gravíssimos e atentatórios da dignidade da pessoa humana. É sabido que a maior parte das mulheres vítimas de violência doméstica, ao longo de vários anos, tornam-se especialmente vulneráveis, já que não denunciam maus-tratos a que estão sujeitos, por meio de represálias, por vergonha, ou por não quererem que os maridos/companheiros sejam sujeitos a sanções, mormente penais. Acresce que tempo bastante longo durante o qual o arguido infligiu maus-tratos à sua mulher só por milagre não teve um desfecho mais trágico. "Na verdade, a factualidade supra transcrita, ainda que, descreva em concreto as situações ocorridas em Março e Abril de 2018 são, em nosso entender, demonstrativas de uma violência crescente por parte do arguido contra a ofendida, que já se arrastava desde o início da relação de ambos, conforme a mesma confirmou em julgamento (cf. ficheiro 20181207101226_1035073_344767, 52:20- 57:20). Acresce que, tais factos são, gravíssimos, atento o modo como o arguido agiu, conduzindo a ofendida para locais ermos, onde a agredia de forma violenta, longe dos olhares de terceiros, o que demonstra que o mesmo tinha consciência dos seus actos e, dada a sua repetição, a inexistência de arrependimento dos mesmos (a qual, de resto, apenas surgiu em audiência de discussão e julgamento)";
As repercussões e os medos gerados na assistente com as atitudes do arguido, afirmando que aquela referiu que não receava o arguido.
Porém, tal resulta da audição do registo magnetofónico da prova e é, bem, mencionado na resposta do M.º P.º "... não corresponde à verdade que a ofendida não tinha receio do arguido, porquanto, ainda que a mesma em julgamento tenha minimizado as situações em que o arguido a agredia verbalmente ou "apenas" com umas chapadas, já não o faz relativamente às situações ocorridas em Março e Abril de 2018. Na verdade, na mesma passagem referida pelo recorrente, a ofendida diz: "É assim, eu sou sincera, eu até ... esses episódios eu nunca tive medo dele. Independentemente de ele me dar umas bolachadas, uns murros, nunca tive medo dele, mas nestas alturas sim, nestas alturas estava com medo dele (cf ficheiro 20181207101226J035073_3447675: 01:17:10 - 01:17:30). Assim, é para nós claro, que a ofendida se refere aqui em momentos diferentes. Por um lado, aqueles em que o arguido "apenas" a agredia com chapadas ou murros, os quais, talvez pela sua habitualidade, não causavam receio à ofendida, sendo que, a mesma nem consegue concretizar, especificamente, os espaços temporais em que tais agressões ocorreram.
Contudo, assim já não é relativamente às agressões ocorridas em Março e Abril de 2018, as quais, dada a sua violência e as consequências para a sua saúde física e psíquica da ofendida, esta é clara ao afirmar que "nestas alturas sim, nestas alturas estava com medo dele", e tinha-o, porque a gravidade dos actos praticados pelo arguido era tal que levou a ofendida a temer pela sua vida.1
Por outro lado, o dolo (vide pontos n°s 31 a 33, da matéria de facto, não especificamente impugnados) dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência.
Isto, por recurso às regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada.
Da análise probatória global, efectuada igualmente pelo tribunal ad quo não pode de todo concluir-se por uma errada apreciação da prova em termos de julgamento pelo tribunal. Pelo contrário, os factos provados consignados e questionados, são totalmente pertinentes, por resultarem da conjugação de toda a prova, resultando a sua verificação de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência.
Assim, o Recorrente pretende é substituir a sua convicção à convicção do Tribunal e o que o Recorrente impugna não é a matéria de facto dada como provada mas sim a convicção do Tribunal,
O Recorrente quer impor ao Tribunal a sua própria convicção, a ideia com que o mesmo ficou da prova, aquilo de que o próprio quis convencer o Tribunal.
Pois que, no caso "sub judice", tal como se mostra mencionado, resulta da fundamentação da matéria de facto que, o tribunal "a quo" na análise e fixação da matéria de facto, baseou-se na observação de conjunto de provas legalmente válidas e interpretou-as, de forma livre, mas não arbitrária.
Resta apenas referir que de todo se constata qualquer evidência que permita concluir a violação do princípio da livre apreciação da prova.
O princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão.
Trata-se de uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação. Ou seja, «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento científico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, n° 52, Marzo, 2005, p. 67.
Ora conforme foi referido o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas utilizando exactamente as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência. Daí que não se vislumbra qualquer vício no seu modo de decidir e valorar essas provas que ponha em causa o principio da livre apreciação da prova." (vide, Ac. R C, de 25/11/2009, proferido no Proc. N.° 219/05.8GBPCV.C1).
O tribunal recorrido apreciando criticamente todas as provas produzidas, conjugando- as e confrontando-as, como se fez constar, de forma detalhada, da respectiva fundamentação. É indiscutível que na sentença é mencionada, portanto, a razão da valoração de todos os elementos probatórios e credibilidade dos depoimentos das referidas testemunhas.
A conjugação desses elementos probatórios serviu para a convicção do tribunal "a quo" na forma vertida no acórdão recorrido.
Todos estes elementos de prova infirmam as afirmações do recorrente vertidas em alguns dos diversos pontos da sua conclusão da motivação de recurso e confirmam a matéria apurada e não provada consignadas.
Portanto, atentas as considerações supra tecidas, e ao contrário do recorrente, o Tribunal a quo valorou validamente a prova produzida, valorando ao abrigo do Principio da livre apreciação da prova, do Principio da imediação, e considerando as regras da experiência comum e da lógica, os diversos elementos probatórios carreados e produzidos nos autos, apreciando de modo imparcial e coerente.
Face a essa fundamentação da convicção feita pelo tribunal, colocar em causa a valoração da prova feita, sem concretizar devida e especificadamente matéria relevante para esse fim, e menciona determinados depoimentos que, ou não serviram de base á fundamentação da convicção do tribunal, ou não concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, provada o não provada, não pode ser considerado como impugnação da matéria de facto.
Da análise de toda a prova supra referida, junta aos autos, emerge a convicção de que toda a prova produzida foi, em termos genéricos, correctamente valorada pelo Tribunal "a quo" não merecendo, reparo a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
Assim, não se modifica tal matéria de facto, nos termos preceituados no art. 431° n.° 1 al. b), do C.P.P.
A matéria fáctica apurada é a que se mostra descrita, na sentença recorrida.

2.4.2 - Graduação da medida concreta da pena

Na graduação da pena deve olhar-se para a culpa do agente, mas não se pode perder de vista as funções de prevenção geral e especial das penas.
Sobre esta matéria, o Prof. Figueiredo Dias (Liberdade, Culpa, Direito Penal) refere que, "antes de tudo, compete ao direito penal uma função de protecção de bens e valores fundamentais da comunidade social, a fim de proporcionar as condições indispensáveis ao livre desenvolvimento e realização da personalidade ética do homem... o direito penal arranca sempre da protecção de bens jurídicos e, portanto, de interesses socialmente relevantes. Esta função de exterioridade, porém, tem sempre de ser limitada pela ideia e princípio da culpa, ponto óptimo de confluência das necessidades irrenunciáveis de defesa da liberdade da pessoa com a defesa dos interesses eticamente relevantes da sociedade.
O Código Penal espelhou estas preocupações nos artigos 70° e 71°.
Dá-se prevalência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70°).
E «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção. Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele ... » (art. 71°).
E com base nestes critérios, norteados ainda pelo princípio de que «o Código traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador» (preâmbulo do Código Penal em 1995) que se avaliará se as diversas circunstâncias que se provaram no julgamento, atenuam ou agravam a culpa deste arguido.
Efectivamente, a aplicação de uma pena tem como finalidade a tutela dos bens jurídicos violados e na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade - art. 40°, n.° 1, do Código Penal - sendo que esta terá sempre que começar no julgamento pela criteriosa apreciação da conduta, subsunção legal adequada e, quando for caso disso, com aplicação de uma pena proporcional à medida da culpa, pois, só a conjugação destes parâmetros contribuirá para uma assunção e interiorização da culpa por parte do arguido e, aceite esta, a sua recuperação e integração social será com certeza melhor conseguida.
A sua medida é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes - art. 71°, n.° 1, do Código Penal: à culpa comete a função de determinar o limite máximo da pena; à prevenção geral de integração a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo se encontra nas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial, cabe a função de encontrar o "quantum " exacto da pena, dentro da moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Os factores a ter em conta para a determinação da pena, conforme se indica no artigo 71°, n° 2 do Código Penal, são os elementos não constitutivos do tipo legal de crime, mas que intervêm por via da culpa ou da prevenção especial (ver Anabela Miranda Rodrigues, in RPCC, ano 2, 1991, pág. 253).
Segundo o mesmo preceito, o Tribunal deverá atender, concretamente, a todas as circunstâncias que, sendo exteriores ao tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, em "Consequências Jurídicas do Crime", a culpa define o limite máximo da pena, para além do qual não é possível passar, sob pena de violação do princípio de que não pode aplicar-se uma pena sem culpa.
Por outro lado, abaixo do limite máximo dado pela culpa, serão as razões de prevenção geral que vão delinear os limites máximo e mínimo, até ao limite da culpa.
Seguidamente, há que atentar na prevenção especial de socialização que, tendo como base abrangente a prevenção geral, vai determinar a medida exacta da pena concreta.
Assim, a quantificação dos limites da culpa e dos limites da prevenção, quer geral, quer especial, far-se-á através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto que deponham, quer a favor, quer contra o agente (n.° 2 do art. 71 ° do Código Penal), mas que não podem ter sido levadas em conta na determinação da medida abstracta da pena.
Enfím, o mínimo corresponde à defesa do ordenamento jurídico ou ponto criminalmente suportável.
O máximo, por seu turno, é a medida da culpa.
Por apelo a estes ensinamentos, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que, quando o legislador dispõe de uma moldura penal para um certo tipo de crime, tem de prever as mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os de menor até aos de maior gravidade - em função daqueles fixará o limite mínimo; em função destes o limite máximo da moldura penal respectiva - de modo a que, em todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder ao limite da culpa e às exigências de prevenção.
«A medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.
«Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial.
«É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário.
«Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade.» Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-95, no Proco. 48 318.
«Uma pena superior à culpa é injusta e ilegal
«Uma pena que não satisfaça minimamente as exigências de prevenção, é um desperdício. «Uma pena em medida que exceda aquelas exigências é desnecessária.
«Na determinação da medida concreta da pena, o que está em questão é a determinação pelo juiz da pena necessária para o caso concreto.» Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11- 12-96, no Proco 900/96, no BMJ 462°,220.
«A culpa e a prevenção são os dois termos do binómio com que importa contar para o delineamento da medida da pena,
«A culpa jurídico-penal traduz-se num juízo sintético de censura e funciona a um tempo, como fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena, o que normativamente se projecta no n.° 2 do art. 40° do Código Penal.
«Por seu turno, com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo-se em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela de bens e valores jurídicos.
«Com apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências de socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem à sua integração digna no meio social.» Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 26-10-2000, no Proc. 2528/2000.
Da conjugação dos artigos 71° e 40° do Código Penal «infere-se que a culpa e as exigências de prevenção geral e especial, que visam, respectivamente, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade são os princípios fundamentais para se determinar a pena.» Ac. da Relação de Évora de 15-07-03, no Rec. Penal n° 89/03.
O processo para alcançai' a medida concreta da pena tem diversos momentos:
1. - Averiguação da pena abstractamente cominada ao ilícito no preceito incriminador;
2. - Escolha da pena a aplicar, devendo dar-se prevalência à pena não privativa de liberdade, se estivermos perante penas alternativas e se a mesma realizar adequada e suficientemente as finalidades da punição;
3. - Escolha da pena concreta que, efectivamente, deve ser cumprida. - Prof.a Anabela Miranda Rodrigues, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Abril/Junho de 1991, pág. 249.
Nos termos do art. 40° n.° 1 do Código Penal a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez o n.° 2 da disposição legal referida estatui que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Como refere Germano Marques da Silva (DPP, V 01. 111/130) a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena.
"Nesta operação, deverá atender-se, em primeira linha, à culpa do agente, que constitui, em atenção à dignidade do ser humano, o fundamento e limite máximo da pena. O limite mínimo será determinado em função da prevenção geral, pois a pena visa a protecção de bens jurídicos, com o significado prospectivo traduzido na tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da norma infringida. Finalmente, dentro destes parâmetros, o tribunal fixará a pena, em última instância, de acordo com as exigências da prevenção especial de


socialização" - cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in "As consequências Jurídicas do Crime", págs. 227 e seguintes.
O referido art. 71° n.° 2, indica as circunstâncias comuns que determinam a agravação ou atenuação da pena concreta dentro dos limites da penalidade. Esta indicação é feita a título exemplificativo sem indicar quais as circunstâncias agravantes e quais as atenuantes.
O valor de cada circunstância só pode determinar-se perante cada facto concreto.
A circunstância indicada na al. a) do n,° 2, do art. 71° (O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente) engloba todas as circunstâncias relativas ao facto ilícito.
Importa atender, também, ao grau de ilicitude do facto, à maior ou menor gravidade do ilícito considerando-se o modo de execução (quando não constitui elemento essencial do crime), a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
Acresce que, no caso concreto, atendendo ao tipo legal de crime e ao flagelo, na nossa sociedade da sua prática, com consequências fatais para as vítimas, concordamos, em absoluto, com o M°P°, quando na sua resposta afirma: .são muito elevadas as exigências de prevenção geral, segundo os crescentes índices de crimes de violência doméstica e, como tal, a constante necessidade de se reafirmar, de forma eficaz, a validade das normais incriminadoras, cuja violação vem, cada vez com maior frequência, conduzindo a resultados de uma gravidade extrema, e não raras vezes definitivos (com a morte da vítima), apenas evitando no caso em apreço, pela intervenção da própria ofendida que, mais urna vez, suplicou e se humilhou perante o arguido.
Na verdade, conforme se refere na decisão recorrida, segundo um estudo realizado pela A.P.A.V., no ano de 2017 foram mortas 27 mulheres num contexto de violência doméstica (cf. https:/lapav.pt/apav v3/images/pdf/Estatisticas APAV Relatorio Anual 2017.pdf), ao que acresce a estatística do Observatório das Mulheres Assassinadas, entre 1 de Janeiro de 2018 a 31 de Dezembro de 2018, vinte e oito mulheres foram assassinadas em Portugal "em contexto de intimidade ou relações familiares próximas". Sendo certo, que já em 2019, só em Janeiro, foram mortas 9 (nove) mulheres em contexto de violência doméstica, o que, significa, que as necessidades de reafirmação dos bens jurídicos pela incriminação são cada vez mais evidentes.
Acresce que, num país com a dimensão do nosso, o claro crescimento destes ilícitos que colocam em causa a protecção dos bens jurídicos protegidos pela incriminação e causam, em especial, nas vítimas (ainda silenciosas) um sentido de insegurança quanto ao funcionamento da justiça e a protecção que lhes é conferida, e a frequência com que têm ocorrido, mostra ser necessária urna consciencialização da comunidade quanto à importância e ao respeito que é devido às ordens emanadas por autoridade com competência para tal.
Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes por aquele (prevenção especial negativa). Quanto a este, dispõe a sentença recorrida que "as necessidades são expressivas, já que o arguido, apesar de registar antecedentes criminais apenas por crimes de diferente natureza, não interiorizou a reprovabilidade da sua conduta, desculpabilizando-se com a alegada infidelidade da assistente, mas também o facto do estado de toxicodependência/alcoolismo do arguido, enquanto não debelado, já que o mesmo haja da forma descrita nos factos provados, especialmente quando está sob o efeito de álcool ou substâncias estupefacientes.
"E tanto assim é, que durante a audiência de discussão e julgamento, o arguido negou a prática de alguns dos factos constantes da acusação pública, e aqueles que admitiu, procurou desculpabilizar por ciúmes, imputando à ofendida culpas de uma alegada infidelidade, a qual não é, nem nunca será fundamento ou justificação para tamanhos actos de violência. Esta constante desculpabilização é, para nós, explicita da pouca convicção crítica do arguido e do desconhecimento do desvalor da sua acção, razão pela qual, considerando a gravidade dos factos praticados pelo arguido que supra transcrevemos, não se descortina qualquer razão válida para concluir a que a pena aplicada ao arguido é excessiva.
Em nosso entendimento, a pena aplicada é justa e equilibrada e responde às elevadas exigências de prevenção geral e as prementes exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, mostrando-se a sentença recorrida devidamente sustentada, na parte atinente à determinação da medida concreta dessa pena."
Traçado o quadro em que deve mover-se o Tribunal para proceder à escolha da natureza e determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, importa agora proceder a observação dessa operação.
Iniciaremos por averiguar se o tribunal "a quo" procedeu de acordo com os critérios legais, fixando, em concreto, a pena, de modo justo e equilibrado, não ultrapassando a medida da culpa.
Revertendo ao caso concreto, deve considerar-se, desde logo, a moldura abstracta da pena é de um a cinco anos de prisão.
O tribunal "a quo" considerou, para a fixação concreta da pena, em concreto, o seguinte:
"Assim, a favor do arguido pesam as seguintes circunstâncias: - não ter antecedentes criminais registados pela prática de crime de idêntica natureza; - já não viver na mesma casa que a vitima, estando já decretado o divórcio; (,,.)
Pesa contra o arguido: a intensidade da culpa, atenta a modalidade do dolo (directo); a elevadíssima censurabilidade da sua conduta, traduzida na gravidade das ofensas corporais que infligiu à vítima; o longo período de tempo em que sujeitou a vítima aos maus-tratos; a falta de reconhecimento do desvalor da sua acção, imputando culpas à alegada infidelidade da vítima; a toxicodependência/alcoolismo que potencia a reiteração deste tipo de condutas; não ter ocupação profissional com carácter de estabilidade, nem de tempos livres.
Tudo visto e ponderado, considera-se adequado à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial a aplicação da pena de três anos e nove meses anos de prisão. *."
Todavia, não esquecer que, militam contra o arguido o seguinte:
O Arguido foi condenado 11 (onze) vezes, pela prática de crimes de furto qualificado (duas condenações), condução de veículo em estado de embriaguez (cinco condenações), roubo, condução perigosa de veículo rodoviário, violação de imposições, desobediência, resistência e coacção sobre funcionário e falsidade de depoimento ou declaração;
As declarações que prestou em audiência, arguido não demonstram arrependimento, nem juízo crítico para a reprovabilidade da sua conduta.
Esta valoração é permitida, no âmbito do presente recurso, não obstante o funcionamento da proibição da reforma tio in pejus, prevista no art.° 409°, do CPP.
Sem esquecer que o Código traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador» (preâmbulo do Código Penal em 1995) que se avaliará se as diversas circunstâncias que se provaram no julgamento, atenuam ou agravam a culpa deste arguido.
Acresce que, a violência no seio familiar é um flagelo da nossa sociedade, combatido, contudo, actualmente, com veemência e repúdio social.
Por tudo o exposto a pena concreta fixada e justa e adequada, sendo de manter.
Neste segmento do recurso, falece razão ao recorrente.
2.4.3 - O arguido/recorrente questiona, apenas a circunstância da pena não ter sido suspensa na sua execução.
Na sentença recorrida, após análise dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão aplicada/ concluiu-se, fundamentadamente, que não se verificam os seus pressupostos, desde logo, porque não é passível de fazer um juízo de prognose favorável ao arguido.
Vejamos!
O artigo 50°, n° 1, do Código Penal, na redacção da Lei n° 59/2007, de 04.09, preceitua: "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Os restantes números deste preceito estabelecem:
"2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova, podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas
condições.
5- O período de suspensão tem a duração iguai à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contai' do trânsito em julgado da decisão".
No caso "sub judice" questiona-se esse juízo de prognose social favorável ao arguido, pois que, não existe fundada expectativa de que ele seja considerado merecedor de confiança, dado que não se concede que a condenação funciona como uma advertência e não voltará a delinquir, através da vida futura ordenada e conforme à lei, ainda que se impusesse um regime de prova, de deveres, de regras de conduta e de um plano individual de readaptação social, impostos - Cfr. arts. 51.°, 52°, n.° 1, alínea b), 53.°, n.° 2, e 54.°, n.° 3, do Código Penal
Porquanto, por parte do arguido existe uma falta de reconhecimento do desvalor da sua acção, imputando culpas à alegada infidelidade da vítima. Não esquecendo que o problema toxicodependência/alcoolismo e a falta de ocupação profissional com carácter de estabilidade, nem de tempos livres, potenciam a reiteração deste tipo de condutas.
Nos termos do artigo 50° n,° 1, do Código Penal, o Tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção.
Essa prognose social favorável, é de modo óbvio, afastada, "pese embora o arguido não tenha antecedentes criminais registados pela prática de factos de idêntica natureza, os factos praticados são gravíssimos e atentatórios da dignidade da pessoa humana. É sabido que a maior parte das mulheres vítimas de violência doméstica, ao longo de vários anos, tornam- se especialmente vulneráveis, já que não denunciam os maus-tratos a que estão sujeitos, por medo de represálias, por vergonha, ou por não quererem que os maridos/companheiros sejam sujeitos a sanções, mormente penas.
Acresce que o tempo bastante longo durante o qual o arguido infligiu maus-tratos à sua mulher só por milagre não teve um desfecho mais trágico. Não fora o facto da vítima ter sabido acalmar o arguido, no dia 3 de Abril, fazendo com que o mesmo cessasse as agressões e voltasse a casa, poderíamos estar perante um resultado bem mais gravoso. Acresce que o arguido demonstrou indiferença pelo sofrimento a que sujeitou a mulher, com o simples intuito de "tirar satisfações" sobre uma alegada infidelidade. Não se ignora que a toxicodependência/alcoolismo é uma patologia grave e leva as pessoas a praticar actos que, sem ela, não o fariam, mas ainda assim, não podemos desculpabilizar o arguido, quando, na realidade, se também é uma vítima, é-o de si próprio porque não procura tratamento e persistiu ao longo dos anos em infligir maus-tratos à pessoa que devia proteger."
Por último sempre se dirá que a infidelidade da mulher nunca poderá ser aceite, numa comunidade ocidental, civilizada e do século XXI, como justificação/atenuante para comportamentos como os adoptados pelo arguido.
Acresce que, a comunidade onde o crime foi cometido é de pequena dimensão. Ora se o arguido pudesse cumprir a pena em liberdade seria passada a essa comunidade uma mensagem deveras perigosa e até alarmante. Este tipo de condutas não se compadece com penas de prisão suspensas na sua execução. Não se ignora que o arguido não tem antecedentes criminais registados por crime de idêntica natureza" (mas tem, acrescentamos nós, como já mencionamos, averbadas 11 (onze) condenações, pela prática de crimes de furto qualificado (duas condenações), condução de veículo em estado de embriaguez (cinco condenações), roubo, condução perigosa de veículo rodoviário, violação de imposições, desobediência, resistência e coacção sobre funcionário e falsidade de depoimento ou declaração, num total de 13 (treze) crimes, com cinco suspensões de execução da pena, as quais demonstraram não terem tido qualquer efeito na ressocialização do arguido que continuou o seu percurso criminoso), o que não pode ser, impeditivo, da aplicação de uma pena de prisão efectiva quando estamos perante comportamentos de gravidade bastante elevada, como é o caso dos autos.
Por tudo o que fica dito a simples censura do facto e a ameaça de prisão não acautelam devidamente as finalidades da punição."
É, pois justificada a não suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, tanto mais que, o arguido minimiza o desvalor da sua acção, imputando culpas à alegada infidelidade da vítima.
Posto isto, não se compreende como pode o recorrente quer fazer crer que a mera suspensão da execução da pena de prisão, pela terceira vez, iria acautelar de forma suficiente e eficaz as necessidades de prevenção especial que o caso reclama.
Concordamos com as considerações expostas na douta decisão recorrido relativamente ao afastamento da suspensão da execução da pena, pelo que, salvo o devido respeito, ao contrário do defendido pelo Recorrente, mostrando-se devidamente observadas as normas dos artigos 40.°, 50.°, 70.° e 71.°, todos do C. Penal. Concluindo, o recorrente carece, de razão.

III - Decisão
Em face do exposto, acordam em declarar improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente fíxando-se, em cinco unidades de conta, a taxa de justiça, e acréscimos legais.
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas - art, 94 n.° 2 do CPP).
Évora,18/06/2019

Maria Isabel Duarte

José Maria Simão