Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2322/17.2T8SLV-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
DIREITO DE REGRESSO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - De acordo com a expressa e taxativa previsão do artigo 729.º do CPC, a oposição à execução de sentença só pode ter por base algum dos fundamentos elencados nas diversas alíneas deste preceito, não podendo ser por esta via invocados quaisquer outros fundamentos, mormente aqueles que pudessem ter sido deduzidos como defesa no processo de declaração, porquanto a tal obstam os princípios da preclusão - plasmado no artigo 573.º, n.º 1, que rege sobre a oportunidade de dedução da defesa -, e da segurança jurídica decorrente da intangibilidade do caso julgado, a que alude genericamente o artigo 619.º, ressalvada a possibilidade de existência de recurso de revisão, nos apertados limites previstos nos artigos 696.º e ss. da mesma codificação.
II - De facto, há que distinguir os fundamentos da oposição à execução baseada em sentença, daqueloutros fundamentos de oposição à execução baseada noutro título executivo, previstos no artigo 731.º do mesmo diploma legal, porquanto apenas quanto a estes podem ser alegados quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, sendo que relativamente àqueles, de harmonia com a previsão do n.º 2 do artigo 573.º, preceitua a alínea g) do artigo 729.º, que na oposição à execução apenas podem ser invocados quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se comprovem por documento; salvo quanto à prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada por qualquer meio.
III - Sendo a condenação solidária, o ora embargante (como qualquer outro dos co-réus) responde pela prestação integral e esta a todos libera, conforme expressamente decorre do n.º 1 do artigo 512.º do Código Civil. Assim, em decorrência, de harmonia com o preceituado no artigo 518.º da mesma codificação, não lhe é lícito opor às exequentes o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda (e neste caso todos estiveram na demanda declarativa), nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro.
IV - Por isso, em conformidade com a possibilidade processual prevista no n.º 1, do artigo 53.º do CPC, tendo a execução sido promovida pelas pessoas que no título executivo figuram como credoras e sido instaurada contra a pessoa que no título tem a posição de devedor solidário, dúvidas não existem de que não ocorre qualquer questão de ilegitimidade que possa constituir fundamento de oposição.
V - Não sendo pacífica sequer a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiros na acção executiva, é certo que a mesma só será possível «desde que seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução».
VI - Sendo o direito de regresso «um direito novo, essencialmente dependente de um acto de pagamento», e estando definida por sentença transitada em julgado a solidariedade da obrigação entre os condevedores, o mesmo só nascerá na esfera do executado se, na medida, e quando, existir cumprimento da obrigação exequenda.
VII - Portanto, o eventual direito de regresso que venha a existir a favor do ora embargante, não tem qualquer eficácia na oposição à execução e, por isso, não deve ser sequer liminarmente admitido o deduzido incidente de intervenção principal.
VIII - Tendo o embargante alegado simultaneamente que a sua dívida foi assumida por terceiro, mas que as embargadas não receberam a notificação, em face do preceituado no artigo 595.º, n.º 2, do CC, não tendo havido declaração expressa das exequentes no sentido de aceitarem tal assunção de dívida, a mesma não desonera o ora embargante que sempre responderia solidariamente com o novo obrigado.
IX - Assim, nada há a censurar igualmente ao segmento da decisão recorrida que julgou manifestamente improcedente a pretensão deduzida, indeferindo liminarmente o deduzido incidente de intervenção da identificada sociedade comercial.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 2322/17.2T8SLV-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – Relatório
1. BB veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa, baseada em sentença, que lhe foi movida por CC, DD e EE, alegando, em suma, que discorda com o facto da totalidade da quantia exequenda lhe estar a ser exigida apenas a ele, num contexto em que apesar de a dívida ser solidária, existem outros obrigados, que são FF e GG, cuja intervenção provocada requer.
Mais afirma que a dívida não é exigível na medida em que a mesma foi assumida pela sociedade HH, Ld.ª., tendo o Oponente tentado notificar judicialmente as exequentes da outorga da escritura, mas as exequentes decidiram não abrir a porta à Sra. Agente de Execução.

2. Por despacho proferido em 19.06.2018 os presentes embargos de executado foram liminarmente indeferidos, com fundamento na sua inadmissibilidade legal e também na manifesta improcedência.

3. Inconformado com esta decisão, o Embargante apelou, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões[3]:
«XI - O direito de intervenção (principal) está relacionado ou tem a ver com a chamada legitimidade das partes, devendo estar em juízo, como partes, os titulares do interesse relevante em discussão na relação controvertida, in casu, BB, FF e mulher, e HH, Lda..
XII - Nos presentes embargos de executado, dada a sua natureza e finalidade, deve ser pedida a intervenção principal de terceiros, considerando-se indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução, neste sentido (Ac. STJ de 1.3.2001);
XIII - O requerido incidente do chamamento a demanda justifica-se no presente caso.
XIV - Permitindo a vantagem de uma defesa conjunta e de fazer condenar, caso a acção proceda, os outros devedores solidários, ficando o que pagou a prestação integral, com um título executivo contra os outros, podendo exigir-lhes, sem necessidade do recurso a nova acção declarativa de regresso, a responsabilidade que lhes caiba, quer esta responsabilidade respeite a toda a divida quer sobre parte dela. Em ambos os casos funciona o princípio da economia processual.
XVI.º - Efectivamente, considera o ora Oponente /Recorrente, in casu, que estamos perante uma situação em que a intervenção de um terceiro no processo executivo (especificamente no âmbito da oposição a esta) se justifica, porquanto esta se apresenta como “indispensável e necessária à defesa do executado” (Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 28.04.2008, disponível em www.dgsi.pt. Não nos podemos esquecer, que estamos a falar de valores avultados, superiores a 300.000,00 €
XVIII- Assim ponderando, pode sustentar-se, mas neste específico campo, que, nos termos do disposto no art. 311° e 326º — «estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal, aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos arts. 32º,33.° e 34.º, daquele Código e também «qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária».
XIX - Por outro lado, relativamente a toda a matéria alegada nos artigos 11 a 13 do requerimento executivo, impõe-se a conclusão de que a execução traduz-se numa incerteza e inexigível, e a falta de exigibilidade e certeza é exactamente um dos fundamentos de oposição à execução quando o título executivo seja uma sentença, nos termos da al. e) do art. 729 do CPC».

4. Os exequentes apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

5. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as únicas questões colocadas no presente recurso são as de saber se os embargos e o incidente de intervenção deduzidos pelo executado deviam ou não ter sido liminarmente indeferidos.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto:
Conforme se encontra evidenciado na decisão recorrida, e o executado invoca no requerimento de embargos:
1. No âmbito do processo n.º 1323/13.4TBLGS, que correu termos na Instância Central, 2.ª Secção Cível – J1 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Portimão, o oponente foi solidariamente condenado com FF e mulher, no pagamento, às exequentes, do montante de €240 000,00, sendo €140 000,00 devido a título de prestações já vencidas e €100 000,00 a título de prestações vincendas, acrescido de juros vencidos, que em 09.11.2013, ascendiam a 13 409,32, e vincendos a taxa de 13 409,32, e vincendos a taxa convencionada de 7%, desde 10.11.2013».
2. Por escritura lavrada no dia 27 de Maio de 2015 desde folha 143 a folhas 144 V do Livro de Notas para Escritura Diversas do Cartório Notarial da Amadora número 147, sendo primeiro declarante BB, e segundo outorgante a sociedade comercial denominada “HH, Lda”, esta declarou, para além do mais, que «Assume a obrigação do primeiro outorgante no montante de duzentos e quarenta mil euros Encontrando-se a exigibilidade dessa obrigação a ser discutida actualmente no Processo Judicial n.º 1323/13.4 TBLGS a correr os seus termos pela Comarca de Faro – Portimão – Instância Central – 2.ª Secção Cível – J1.».
3. O Oponente alegou que «tentou notificar judicialmente as exequentes da outorga da referida escritura, proc. n.º 578/17.0T8LAG, Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Lagos – Juízo Competência Genérica – Juiz 2, conforme doc.2, sendo que, a Agente de Execução contactou com as exequentes por duas vezes (a 20/10/2017 e 25/10/2017), explicou o conteúdo na notificação judicial avulsa, mas as exequentes decidiram não abrir a porta à Sra. Agente de Execução», juntando a respectiva certidão negativa.
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III.2. – O mérito do recurso
Pretende o Recorrente que os embargos de executado apresentados e os incidentes de intervenção por si deduzidos não deviam ter sido liminarmente indeferidos, defendendo que «tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, deve-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão de indeferimento liminar da oposição à execução e incidente de intervenção provocada».
Porém, não lhe assiste qualquer razão.
De facto, importa lembrar que a petição de embargos corre por apenso à acção executiva através da qual as exequentes vieram requerer «as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida», já que a execução «tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva», de harmonia com o preceituado no artigo 10.º, n.ºs 4 e 5, do CPC.
Na verdade, e conforme é consabido, a acção executiva tem na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos, não podendo as partes constituir títulos executivos para além dos legalmente previstos. O título executivo é, portanto, “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla executio sine titulo[5]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo[6], enfatizando-se a sua suficiência, precisamente porque “a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da ação executiva”[7].
Ora, o Apelante - pese embora desde logo o assuma -, parece no decurso da fundamentação da sua pretensão, acabar por olvidar que não está já em sede declarativa, antes em fase executiva, a qual na espécie não se encontra sequer baseada em qualquer título executivo extrajudicial mas antes numa sentença transitada em julgado, proferida no processo acima identificado, na qual o ali Réu, ora executado e Recorrente, foi solidariamente condenado com os demais Réus ali identificados, a pagar(em) às ali Autoras, ora Exequentes e Recorridas, o montante de €240 000,00, sendo €140 000,00 devido a título de prestações já vencidas e €100 000,00 a título de prestações vincendas, acrescido de juros vencidos, que em 09.11.2013, ascendiam a 13 409,32, e vincendos à taxa convencionada de 7%, desde 10.11.2013.
Estamos, portanto, no domínio do título executivo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, com a verificação do requisito de exequibilidade decorrente do trânsito em julgado da decisão condenatória, previsto no artigo 704.º, n.º 1, a executar nos termos especialmente previstos no artigo 626.º. Destarte, de acordo com a expressa e taxativa previsão do artigo 729.º, a oposição à execução só pode ter por base algum dos fundamentos elencados nas diversas alíneas deste preceito, não podendo ser por esta via invocados quaisquer outros fundamentos, mormente aqueles que pudessem ter sido deduzidos como defesa no processo de declaração, porquanto a tal obstam os princípios da preclusão - plasmado no artigo 573.º, n.º 1, que rege sobre a oportunidade de dedução da defesa -, e da segurança jurídica decorrente da intangibilidade do caso julgado, a que alude genericamente o artigo 619.º, ressalvada a possibilidade de existência de recurso de revisão, nos apertados limites previstos nos artigos 696.º e ss. da mesma codificação.
De facto, há que distinguir os fundamentos da oposição à execução baseada em sentença, daqueloutros fundamentos de oposição à execução baseada noutro título executivo, previstos no artigo 731.º do mesmo diploma legal, porquanto apenas quanto a estes podem ser alegados quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, sendo que relativamente àqueles, de harmonia com a previsão do n.º 2 do artigo 573.º, preceitua a alínea g) do artigo 729.º, que na oposição à execução apenas podem ser invocados quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se comprovem por documento; salvo quanto à prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada por qualquer meio.
Como é bom de ver, tendo presente a necessária harmonia e unidade do sistema jurídico para que nos remete o artigo 9.º do Código Civil a respeito da interpretação da lei, o que vimos de afirmar compreende-se facilmente se tivermos em vista o paralelismo com os requisitos de admissibilidade do recurso de revisão
Deste modo, percorrendo os fundamentos descritos nas diversas alíneas do artigo 729.º, e cotejando-os com o requerimento inicial de embargos, para além da referida alínea g), sobre a qual mais adiante nos referiremos, o embargante refere-se, à alínea e) que se reporta à incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução. Porém, é evidente que, no caso, decorrendo a obrigação exequenda de sentença condenatória, em quantia líquida, acrescida de juros à indicada taxa de 7%, a sua liquidação efectua-se por simples cálculo aritmético. Portanto, ao contrário do invocado, a obrigação é certa, líquida e exequível.
De facto, se bem compreendemos a sua interpretação da indicada alínea, o que o embargante entende é que a mesma não lhe pode ser exigida, em primeiro lugar, porque existem os demais condevedores e, em segundo, por ter celebrado com terceiro um contrato de assunção de dívida, como veremos mais adiante.
Antes, porém, e ainda que sem daí retirar qualquer verdadeira consequência, aduz o Apelante que este «direito de intervenção (principal) está relacionado ou tem a ver com a chamada legitimidade das partes, devendo estar em juízo, como partes, os titulares do interesse relevante em discussão na relação controvertida, in casu, BB, FF e mulher, e HH, Lda», e aduzindo ainda que «o incidente do chamamento à demanda justifica-se no presente caso, permitindo em ambos a vantagem de uma defesa conjunta e de fazer condenar, caso a acção proceda, os outros devedores solidários, ficando o que pagou a prestação integral, com um titulo executivo contra os outros, podendo exigir-lhes, sem necessidade do recurso a nova acção declarativa de regresso, a responsabilidade que lhes caiba, quer esta responsabilidade respeite a toda a divida quer só a parte dela».
Que dizer?
Bem, repisar que estamos já em fase de execução precisamente de uma sentença em que o ora embargante, ali Réu, foi condenado solidariamente com os co-réus FF e mulher. Portanto, quanto a todos estes réus, as ali autoras e ora embargadas têm título executivo. Assim, como bem sublinhou o Senhor Juiz, a discordância do Apelante quanto ao facto de a execução ter sido instaurada apenas contra si e não contra os demais condevedores, não é fundamento de oposição à execução.
Efectivamente, sendo a condenação solidária, o ora embargante (como qualquer outro dos co-réus) responde pela prestação integral e esta a todos libera, conforme expressamente decorre do n.º 1 do artigo 512.º do Código Civil, preceito que, aliás, o Apelante refere. Assim, em decorrência, de harmonia com o preceituado no artigo 518.º da mesma codificação, não lhe é lícito opor às exequentes o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda (e neste caso todos estiveram na demanda declarativa), nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro.
Por isso, em conformidade com a possibilidade processual prevista no n.º 1, do artigo 53.º do CPC, tendo a execução sido promovida pelas pessoas que no título executivo figuram como credoras e sido instaurada contra a pessoa que no título tem a posição de devedor solidário, dúvidas não existem de que não ocorre qualquer questão de ilegitimidade que possa constituir fundamento de oposição.
Acresce que, sendo certo que, por força do disposto no artigo 524.º do Código Civil, o devedor que satisfizer o direito ao credor além da parte que lhe competir, tem direito de regresso quanto aos condevedores, na parte que a estes compete, também a invocação da decisão proferida no Ac. do TRP de 28.04.2008[8], para fundamentar a possibilidade da intervenção de terceiros em processo executivo, não pode colher no caso em apreço. E, sem necessidade de outras considerações, precisamente pelas razões anunciadas no indicado aresto.
Efectivamente, logo no sumário do acórdão convocado pelo Apelante consta que, «em processo executivo só excepcionalmente se pode autorizar a intervenção de terceiros, quando indispensável e necessária à defesa do executado». Porém, «não será o caso de invocação do exercício do direito de regresso contra o chamado».
De facto, não é pacífica a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiros na acção executiva, conforme desde logo se dá conta na fundamentação do referido aresto, indicando outros no sentido da respectiva inadmissibilidade e convocando Salvador da Costa[9], que considera «Este incidente (de intervenção acessória provocado) incompatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, mesmo na fase de embargos de executado, porque os fins de uma e de outra são incompatíveis, além do mais porque a acção executiva não comporta decisão condenatória, pressuposto essencial do incidente em análise».
Porém, mesmo para aqueles que entendem, ser possível a dedução de tal incidente, consideram que o mesmo apenas deve ser possível, em casos excepcionais, quando seja indispensável e necessário à defesa do executado.
Prossegue o citado aresto, referindo-se a que parece ir nesse «sentido o Acórdão da Relação do Porto de 29.11.2004, Relator Desembargador Fonseca Ramos, no qual podemos ler “Nos embargos, porque ligados funcionalmente à execução [e, como ensina Lopes Cardoso, in “Manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 275,] uma vez que “…apresentam a figura quase perfeita duma acção dirigida contra o exequente, em que este toma a posição de réu passando a denominar-se “embargado” e em que o executado é autor com o nome de “embargante” […]”, não se pode afirmar, em termos absolutos, a inadmissibilidade de intervenção de terceiros. É que as normas do processo de declaração não são incompatíveis com a finalidade visada pelos embargos na espécie em apreço”.[1]
Porém, no caso presente, como claramente resulta da defesa do executado, a intervenção dos chamados mostra-se completamente desnecessária (o embargado apenas pretende fazer intervir os chamados porque, afirma, tem direito de regresso contra eles, estando esta situação abrangida pelo disposto no artigo 330.º do CPC). Ou seja, a intervenção dos chamados não é essencial nem fundamental para a defesa do embargante, pelo que não deve ser admissível o incidente de intervenção acessória provocada nos presentes embargos de executado» - fim de citação.
Na verdade, já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2001, igualmente citado pelo Apelante, considerava não ser «de rejeitar in limine a possibilidade de, nos embargos de executado, dada a sua natureza e finalidade, ser pedida a intervenção principal de terceiros». Porém, tal admissibilidade só seria possível «desde que seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução».
Assim, sendo uma evidência que o direito de regresso «é um direito novo, essencialmente dependente de um acto de pagamento»[10], e estando definida por sentença transitada em julgado a solidariedade da obrigação entre os condevedores, o mesmo só nascerá na esfera do ora executado se, na medida e quando, existir cumprimento da obrigação exequenda. Portanto, o eventual direito de regresso que venha a existir a favor do ora embargante, não tem qualquer eficácia na oposição à execução, até porque, conforme se sublinhou na decisão recorrida «é às exequentes, e não ao executado, a quem o legislador confere a prerrogativa de conformar, em termos subjectivos, a própria estrutura da acção executiva que instaura com vista à cobrança de dívida exequenda, sendo irrelevante a discordância do executado- cfr. o artº 53º, nº1 do Cod. de Proc. Civ».
Pelo exposto, não poderia deixar de ser, como foi, liminarmente indeferida a requerida intervenção principal dos condevedores Jaime Serrão e mulher, nada havendo a censurar à decisão recorrida nesta parte.
Prosseguindo.
No caso, a oposição apresentada pelo embargante assentou também na alegação, de factos que, em seu entender, seriam extintivos da sua obrigação por haver sido, por si, contratualmente transmitida a terceiro, que a assumiu. Acontece, porém, que logo em seguida é o próprio embargante quem alega que as embargadas recusaram receber a notificação, o que significa inelutavelmente que não aceitaram a assunção da dívida pela sociedade comercial que outorgou naquele contrato juntamente com o ora embargante, com a consequente e manifesta improcedência da sua pretensão.
A este respeito afirmou-se igualmente certeiramente na decisão recorrida que a «alegada assunção de dívida por parte da HH, Limitada, também não libera o executado da obrigação a que foi condenado.
Sendo a assunção da dívida a operação pela qual um terceiro (no caso a sociedade HH, Limitada,) se obriga perante o credor (posição assumida pelas exequentes), a efectuar a prestação devida por outrem – art. 595.º do C.C, sucede que tal operação, apenas é liberatória do antigo devedor, caso exista declaração expressa do credor nesse sentido, o que in casu, não foi sequer alegado (pois que as exequentes nem sequer terão colaborado a notificação de tal acto) – cfr. art. 595.º, n.º2 do C.C.
Na medida em que se afigura totalmente irrelevante do ponto de vista jurídico, a totalidade da factualidade e argumentos invocados pelo embargado para fundar o presente incidente de embargos de executado, a verdade é que, perante tal circunstancialismo, também não se afigura admissível o incidente de intervenção provocada que, igualmente, deduziu».
De facto, a manifesta improcedência da pretensão do Apelante decorre do próprio teor do artigo 595.º do CC que, sob a epígrafe “Assunção de dívida” estabelece que:
«1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado».
Assim, não tendo havido declaração expressa das ora exequentes no sentido de aceitarem tal assunção de dívida, a mesma não desonera o ora embargante que sempre responderia solidariamente com o novo obrigado. Ou seja, tudo ficava como está, e daí nada haver a censurar igualmente ao segmento da decisão recorrida que julgou manifestamente improcedente a pretensão deduzida, indeferindo liminarmente o deduzido incidente de intervenção da identificada sociedade comercial.
Efectivamente, a manifesta improcedência do pedido a que alude actualmente o artigo 590.º, n.º 1, do CPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, reconduz-se, no fundo, às situações anteriormente tipificadas no artigo 234.º-A do CPC, na redacção do DL n.º 180/96, que por seu turno se inspirara nas previamente previstas na al. c) do artigo 474.º do CPC[11], a saber, quando seja evidente que a pretensão do autor não pode proceder por ser manifestamente inviável ou inconcludente[12].
Trata-se dum indeferimento fundado em razões de fundo, que se reportam à apreciação liminar do mérito da acção, a usar apenas quando esta esteja irremediavelmente condenada ao insucesso.
Assim, «se o magistrado entende que a pretensão se encontra em condições tais, que o seu malogro é fatal e inevitável, a fórmula que exprime com todo o rigor este juízo é a seguinte: a pretensão é manifestamente inviável», o mesmo é dizer «pretensão a que falta, manifestamente, alguma das condições indispensáveis para que o tribunal, ao julgar do mérito, possa acolhê-la»[13], ou por outras palavras, a petição que estaria irremediavelmente condenada ao insucesso caso existisse instrução e discussão da causa.
No caso presente, pelas sobreditas razões, não podemos deixar de concordar com a conclusão extraída pela primeira instância, de que estamos perante petição de embargos manifestamente improcedente, e de requerimento para intervenção de terceiros que não cumprem os pressupostos da respectiva admissibilidade, tudo a justificar o respectivo indeferimento liminar.
Em conformidade, e sem necessidade de ulteriores considerações, a apelação deve improceder, suportando o embargante, atento o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, as respectivas custas.
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III.3. Síntese conclusiva:
I - De acordo com a expressa e taxativa previsão do artigo 729.º do CPC, a oposição à execução de sentença só pode ter por base algum dos fundamentos elencados nas diversas alíneas deste preceito, não podendo ser por esta via invocados quaisquer outros fundamentos, mormente aqueles que pudessem ter sido deduzidos como defesa no processo de declaração, porquanto a tal obstam os princípios da preclusão - plasmado no artigo 573.º, n.º 1, que rege sobre a oportunidade de dedução da defesa -, e da segurança jurídica decorrente da intangibilidade do caso julgado, a que alude genericamente o artigo 619.º, ressalvada a possibilidade de existência de recurso de revisão, nos apertados limites previstos nos artigos 696.º e ss. da mesma codificação.
II - De facto, há que distinguir os fundamentos da oposição à execução baseada em sentença, daqueloutros fundamentos de oposição à execução baseada noutro título executivo, previstos no artigo 731.º do mesmo diploma legal, porquanto apenas quanto a estes podem ser alegados quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, sendo que relativamente àqueles, de harmonia com a previsão do n.º 2 do artigo 573.º, preceitua a alínea g) do artigo 729.º, que na oposição à execução apenas podem ser invocados quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se comprovem por documento; salvo quanto à prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada por qualquer meio.
III - Sendo a condenação solidária, o ora embargante (como qualquer outro dos co-réus) responde pela prestação integral e esta a todos libera, conforme expressamente decorre do n.º 1 do artigo 512.º do Código Civil. Assim, em decorrência, de harmonia com o preceituado no artigo 518.º da mesma codificação, não lhe é lícito opor às exequentes o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda (e neste caso todos estiveram na demanda declarativa), nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro.
IV - Por isso, em conformidade com a possibilidade processual prevista no n.º 1, do artigo 53.º do CPC, tendo a execução sido promovida pelas pessoas que no título executivo figuram como credoras e sido instaurada contra a pessoa que no título tem a posição de devedor solidário, dúvidas não existem de que não ocorre qualquer questão de ilegitimidade que possa constituir fundamento de oposição.
V - Não sendo pacífica sequer a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiros na acção executiva, é certo que a mesma só será possível «desde que seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução».
VI - Sendo o direito de regresso «um direito novo, essencialmente dependente de um acto de pagamento», e estando definida por sentença transitada em julgado a solidariedade da obrigação entre os condevedores, o mesmo só nascerá na esfera do executado se, na medida, e quando, existir cumprimento da obrigação exequenda.
VII - Portanto, o eventual direito de regresso que venha a existir a favor do ora embargante, não tem qualquer eficácia na oposição à execução e, por isso, não deve ser sequer liminarmente admitido o deduzido incidente de intervenção principal.
VIII - Tendo o embargante alegado simultaneamente que a sua dívida foi assumida por terceiro, mas que as embargadas não receberam a notificação, em face do preceituado no artigo 595.º, n.º 2, do CC, não tendo havido declaração expressa das exequentes no sentido de aceitarem tal assunção de dívida, a mesma não desonera o ora embargante que sempre responderia solidariamente com o novo obrigado.
IX - Assim, nada há a censurar igualmente ao segmento da decisão recorrida que julgou manifestamente improcedente a pretensão deduzida, indeferindo liminarmente o deduzido incidente de intervenção da identificada sociedade comercial.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
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Évora, 20 de Dezembro de 2018
Albertina Pedroso [14]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo de Execução de Silves.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Que pela sua extensão e repetição se restringem às necessárias à compreensão da sua pretensão.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC.
[5] Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando CHIOVENDA.
[6] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58.
[7] Cfr. a título exemplificativo, Ac. TRL de 27.06.2007, processo n.º 5194/2007-7, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Proferido no processo n.º 0852357, disponível em www.dgsi.pt.
[9] In Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 124 vº
[10] Cfr. SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da Instância, 8.ª edição, Almedina 2016, pág. 95.
[11] Cfr., neste sentido, LOPES DO REGO, in Comentário ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina 2004, pág. 218.
[12] Cfr. ANTUNES VARELA, J.MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 259.
[13] Cfr ALBERTO DOS REIS, ob. cit., págs. 378 e 379.
[14] Texto elaborado e revisto pela Relatora.