Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
306/16.7GBTNV.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – O crime de violência doméstica pode realizar-se através de uma pluralidade de atos, ou através de um único ato, que atinja a saúde física, psíquica ou moral do cônjuge e afete a sua dignidade pessoal. Porém, é exigível, sempre, que os atos praticados (plúrimos ou isolados, reiterados ou não), apreciados à luz da vida em comum, possam, de modo relevante, colocar em risco a saúde do cônjuge, tornando-o vítima de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 306/16.7GBTNV, do Juízo Local Criminal de Torres Novas, e mediante pertinente sentença, foi decidido:

“1. Condenar o arguido HH pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (dois) meses de prisão;

2. Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido HH, por igual período, mediante acompanhamento de regime de prova, ficando ainda o arguido obrigado a cumprir um programa específico de prevenção da violência doméstica - Programa para Agressores de Violência Doméstica, sob a orientação e a fiscalização da DGRSP;

3. Condenar o arguido HH na pena acessória de proibição de contacto presencial com a ofendida CC, prevista no artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal, com exceção dos contactos estritamente necessários ao cumprimento do regime de visitas no âmbito da regulação das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, pelo período de dois anos e seis meses, incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho daquela;

4. Arbitrar uma compensação a pagar pelo arguido HH à ofendida CC no valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), nos termos dos artigos 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e 82.º-A do Código de Processo Penal.

5. Condenar o arguido nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (duas unidades de conta)”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

“1) Vem o recurso interposto “de facto e de direito”, tendo em vista obter a declaração da nulidade da sentença recorrida, por erro na apreciação de todos os pontos da matéria de facto, tal como se demonstra com as motivações que antecedem, o que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos.

2) Sendo certo que a fundamentação jurídica se mostra igualmente desajustada da lei e da Jurisprudência em vigor.

3) O recurso funda-se assim no disposto no art. 430º, com referência ao art. 410º, nº 2, als. a) e c), do C.P.P.

4) Quando assim se não entenda e porque a prova se encontra toda impugnada, nos termos do art. 412º, nº 3, a) e b), ao ser reapreciada, conclui-se que pelo menos há lugar à modificabilidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no art. 431º, ambos do C.P.P.

5) A fundamentação jurídica apresenta também erros, insuperáveis, que acarretam a declaração necessária da nulidade da sentença, por inadequação jurídica dos factos perante a lei e a Jurisprudência que lhes diz respeito, tal como atrás se demonstrou, o que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos.

6) Aliás, toda a fundamentação da sentença ora objeto de recurso, na realidade e rigor acaba por ser uma consequência de uma construção lógica-dedutiva.

7) Assim, salvo douta e melhor opinião, entende o recorrente que o Tribunal a quo decidiu tendo por base factos, que não foram SUFICIENTEMENTE provados testemunhalmente, prejudicando o silogismo judiciário.

8) É evidente a insuficiência da prova realizada para aquela que foi a decisão da matéria provada, motivo pela qual estamos, sem dúvida, perante a violação do princípio do "in dubio pro reo".

9) É, ainda, de destacar que a condenação em apreço parte, erroneamente, do pressuposto de que o Arguido terá sido o autor material das injúrias e agressões supostamente sofridas pela Assistente, dadas como provadas, que, por manifesta inexatidão, não se logrou fazer prova suficientemente esclarecedora.

10) Diremos que o facto da companheira do Arguido ter logrado convencer o tribunal, se comoveu foi suficiente para o Tribunal a quo, perante tal facto dado como provado nos autos, enredar o Arguido numa condenação titulada por juízos meramente hipotéticos e probabilísticos.

11) Não se pode de forma alguma aceitar tal condenação, pois que esta apenas se baseou em presunções judiciais.

12) Tal como está consagrado no artigo 349º do C.C., "presunções são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido." Como tal, não são verdadeiros meios de prova, mas sim meras operações mentais ou lógicas firmadas pelo julgador com base nas regras da experiência.

13) In casu, o Tribunal simplesmente fundamentou a condenação em juízos de mera probabilidade, sem proceder a qualquer espécie de análise crítica detalhada da prova produzida, limitando-se a procurar justificação numa “convicção” pessoal, própria e totalmente subjetiva.

14) Acontece que, no momento da decisão, o juiz, sem partis pris ou prejuízo, deve basear-se apenas em provas para estabelecer a culpabilidade, não devendo partir da convicção ou da suposição de que o Arguido é culpado, logo desde o início do julgamento, sendo certo que o recurso à presunção ou à convicção subjetiva não pode ser a via aberta para suprir a falta de SEGURANÇA JURÍDICA da prova que retrata os factos, tão perto da verdade material quanto for possível.

Pelo exposto, o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

Em suma: não foram praticados os factos alegados e atentos os circunstancialismos da Acusação, pois o Arguido:

a) Não injuriou a Ofendida
b) O arguido não apertou e cravou as unhas no braço da ofendida, arranhando-a.
c) Nem desferiu um murro no olho direito da ofendida, tendo a ofendida caído para dentro da banheira.
d) Não desferiu uma chapada na boca da ofendida.
e) Não desferiu pontapés nas nádegas e pernas, tendo a ofendida de agarrar a sua filha menor com força para que ela não caísse.
f) Não disse, consubstanciando qualquer tipo de ameaça, que se “Tu pensas que as coisas são como queres, estás muito enganada”; ou que,
g) Tenha travado muito próximo da Ofendida o carro e dirigiu-lhe um gesto com a mão de “cortar o pescoço”.
h) Não atuou o arguido livre e conscientemente, no propósito de provocar na ofendida, a sua companheira, as dores e lesões físicas que efetivamente lhe provocou, e maltratá-la psiquicamente, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e diminuindo-a, bem sabendo que provocava tanto sofrimento físico, como perturbações psicológicas;
i) Nem tão pouco o fez, e pelo menos uma vez, perante a filha menor.

15. A prova produzida não poderia - salvo melhor opinião - ter formado a convicção do Tribunal nos termos expostos.

16. As testemunhas da Acusação, pelas suas relações familiares e pessoais, não prestaram depoimentos claros, isentos, objetivos e merecedores de credibilidade.

17. Não há, na motivação do Tribunal, um raciocínio analítico do qual se conclua por que razão foi dada credibilidade àquelas testemunhas, se nada viram.

18. Nem tão pouco a Ofendida, que tem claro interesse - dado o processo de responsabilidades parentais da filha de ambos, estando pendente ainda autorização de saída para viver no Luxemburgo - na condenação do Arguido;

19. A relação do casal era conflituosa.

Pelo exposto, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à sua culpa, pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado.

Nestes termos e nos demais de Direito, que Vs. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, como necessária consequência, deve ser revogada a sentença recorrida, DECRETANDO-SE A ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO, tudo com as legais consequências, assim se fazendo Justiça”.

O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo do seguinte modo (em transcrição):

“1. O arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo disposto no artigo 152.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, mediante acompanhamento de regime de prova;

2. Não conformado com a condenação, recorreu o arguido, pugnado pela sua absolvição, invocando erro na apreciação da prova;

3. Nos termos do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o erro notório na apreciação da prova;

4. Para que haja erro notório na apreciação da prova é necessário que a decisão do julgador, que foi fundamentada na sua livre convicção, seja uma decisão, de entre as possíveis, aquela que é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum;

5. Para que existisse erro notório na apreciação da prova necessário era que fossem dado como provados factos incompatíveis entre si, ou que fossem dados como provados factos contrários à prova produzida;

6. Nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador;

7. Assim, na valoração da prova, o julgador é livre de formar a sua convicção desde que, para tanto, a mesma não seja contra as regras da experiência, da lógica e da razão;

8. Da leitura da sentença, não resulta nenhum erro notório na apreciação da prova;

9. Sendo que, face à fundamentação da douta sentença recorrida, assente na prova produzida e nas regras da experiência comum e da lógica, é evidente que a decisão do Tribunal a quo era a única que podia ser tomada, sendo inatacável, precisamente porque foi proferida em obediência à lei;

10. O que o Recorrente pretende é substituir a sua convicção à convicção do Tribunal;

11. O princípio do in dubio pro reo não deve ser interpretado como um princípio de apreciação e valoração de prova, mas somente como um critério de resolução de dúvida insanável, ou seja, nos casos em que a prova não ultrapassa a dúvida razoável;

12. Pela leitura da sentença não temos dúvidas que o Tribunal a quo não teve dúvidas, incertezas e hesitações sobre a culpabilidade do Recorrente, bem antes pelo contrário, demonstrando e justificando cabalmente o porquê de terem ficado provados os factos imputados ao arguido.

Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida nos seus precisos termos. Vªs Exªs, porém, melhor decidirão e farão, como sempre, a costumada Justiça”.

A assistente CC apresentou também resposta ao recurso, concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“1. Todos os factos apresentados, confirmados nos vários depoimentos das testemunhas apresentadas e dados como provados pelo Tribunal a quo, são relativos à relação de coabitação entre o Arguido e a Ofendida/Assistente e não relacionados com as Responsabilidades Parentais daquele.

2. As transcrições, que o Arguido faz, dos depoimentos das testemunhas de acusação, são vagas, totalmente descontextualizadas, abstratas e incompreensíveis, feitas sem qualquer tipo de rigor, de modo a atribuir, a estas testemunhas, falta de credibilidade.

3. Nem sequer cumprem, a maior parte, com o disposto no nº 4 do artigo 412º do Código Processo Penal, tornando difícil assim, ou impossível, a identificação das passagens referidas e transcritas para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

4. Entende o Arguido que o Tribunal a quo não deveria ter dado os factos como provados, e as justificações que alega são confusas, carecendo de rigor e objetividade. Aliás, no relatório social junto aos Autos, o Arguido admitiu que se o Tribunal o condenasse pretendia recorrer, antecipando, o resultado da sentença.

5. Sendo que, somos a concluir que a Douta Sentença recorrida fez apreciação correta e, segundo aquela que foi a sua convicção da prova, suficiente para a matéria de facto dada como provada, que, aliás, muito bem fundamentou.

6. Dessa prova produzida não resulta qualquer dúvida séria e razoável que devesse ser apreciada a favor do Arguido/Recorrente, passível de aplicação do Princípio In Dubio Pro Reo.

7. Face aos factos dados como provados e de acordo com a Motivação que levou à condenação do Arguido/Recorrente, não poderia ter outro desfecho este Processo que não resultasse na condenação deste nos termos exatos em que o foi.

Termos em que deve, pois, ser negado provimento a recurso apresentado pelo Arguido/Recorrente, mantendo-se a Douta Sentença recorrida nos seus precisos termos e preceitos, como é da mais elementar Justiça”.
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a audiência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.
Atendendo às conclusões apresentadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem (nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal), são duas, em breve síntese, as questões suscitadas no presente recurso:

1ª - Impugnação alargada da matéria de facto (nomeadamente com invocação da violação do princípio da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo).

2ª - Qualificação jurídica dos factos (ausência de preenchimento, in casu, dos elementos do tipo legal de crime de violência doméstica).

2 - A decisão recorrida.
A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados - e no tocante à motivação da decisão fáctica):

“A – MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

Da Acusação Pública
1. O arguido e a ofendida CC mantiveram durante seis anos uma relação análoga à dos cônjuges, tendo estabelecido a sua residência comum entre 2010 e 2012 na Rua…, em Penha de França, e entre 2012 e 2016 na Rua…, em São João da Talha.

2. Dessa relação amorosa nasceu, em 21-09-2015, uma filha, EE.

3. Durante a relação amorosa o arguido dizia à ofendida pelo menos uma vez por mês que esta era “filha da puta”, “vaca” e que não valia nada.

4. No dia 02-11-2014, no interior da residência comum, na cozinha, à hora do almoço, no decurso de uma discussão, o arguido apertou e cravou as unhas no braço da ofendida, arranhando-o.

5. No dia 24-10-2015, no interior da casa de banho daquela residência, à noite, no decurso de uma discussão, o arguido desferiu um murro no olho direito da ofendida, tendo a ofendida caído para dentro da banheira.

6. No dia 13-08-2016, no interior daquela residência, de manhã, na sequência de uma discussão por causa de um pacote de bolachas, o arguido desferiu uma chapada na boca da ofendida.

7. No dia 24-09-2016, no interior daquela residência, quando a ofendida estava a dar banho à sua filha menor, o arguido desferiu-lhe pontapés nas nádegas e pernas, tendo a ofendida de agarrar a sua filha menor com força para que ela não caísse.

8. No dia 28-09-2016, a ofendida abandonou aquela residência juntamente com a sua filha menor e mudou-se para a Rua …, Torres Novas.

9. Desde essa data e durante algumas semanas o arguido telefonava habitualmente para a ofendida tentando reatar a relação amorosa.

10. No dia 11-02-2017, o arguido dirigiu-se até junto da morada onde reside a ofendida e disse-lhe “Tu pensas que as coisas são como queres, estás muito enganada”.

11. Após, acelerou o carro na direção da ofendida, travou muito próximo dela e dirigiu-lhe um gesto com a mão de “cortar o pescoço”.

12. Ao atuar do modo acima descrito, o arguido agiu, em todas as condutas e situações, livre e conscientemente, no propósito de provocar na ofendida, a sua companheira, as dores e lesões físicas que efetivamente lhe provocou, e maltratá-la psiquicamente, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e diminuindo-a, bem sabendo que provocava tanto sofrimento físico, como perturbações psicológicas.

13. Atuou livre, voluntária e conscientemente, dentro da residência comum e pelo menos uma vez perante a filha menor.

14. O arguido sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.

Mais se provou que:

15. O arguido é o mais novo de uma fratria de dois e foi criado num ambiente familiar sem conflitos assinaláveis na dinâmica conjugal e parental.

16. Interrompeu o seu percurso escolar no décimo primeiro ano, mas já em adulto frequentou um curso técnico de comercial que lhe conferiu o décimo segundo ano de escolaridade.

17. Trabalhou em diferentes áreas de atividade, tendo formalizado contrato de trabalho como caixeiro/empregado de armazém numa empresa distribuidora de componentes automóveis.

18. Em junho de 2016 cessou por acordo o contrato de trabalho com a referida empresa, beneficiando de subsídio de desemprego e, posteriormente, de um subsídio social subsequente.

19. Em 30-10-2018 o arguido concluiu uma certificação profissional de técnico auxiliar de saúde.

20. O arguido reside com os seus pais.

21. O arguido exerce a atividade profissional de técnico auxiliar de saúde num Centro de Atividades Ocupacionais, no que aufere o salário mínimo nacional.

22. O arguido convive com a sua filha, atualmente com 3 anos de idade, quinzenalmente, vindo buscá-la à sexta-feira a Torres Novas, e vindo trazê-la ao mesmo local, ao domingo.

23. O arguido paga pensão de alimentos à sua filha menor, no valor de €75,00 por mês, a que acresce a comparticipação em metade das despesas de saúde da menor.

24. O arguido encontra-se a pagar uma prestação mensal de €70,00 para amortização de um crédito pessoal.

25. O arguido utiliza o veículo automóvel do seu pai.

26. O arguido não tem antecedentes criminais.

B – MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Não resultaram provados os seguintes factos:

a) Na situação descrita em 7 dos Factos Provados a ofendida teve de agarrar-se à sua filha menor para não cair.

b) O arguido telefona habitualmente para a ofendida tentando reatar a relação amorosa.

c) Na situação descrita em 10 dos Factos Provados o arguido disse à ofendida “Tu vais ver”.

Consigna-se que não se integrou no elenco dos Factos Provados nem no elenco dos Factos Não Provados a matéria de facto descrita nos 4º e 5º parágrafo da Acusação Pública por se tratar da imputação de factos genéricos, os quais, pela sua indefinição temporal e circunstancial, não permitem o contraditório, impossibilitando a defesa do arguido.

C – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O tribunal formou a sua convicção com base no conjunto das declarações do arguido HH, das declarações da assistente CC, da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento e na análise da prova documental junta aos autos, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e normalidade e com base na livre convicção do julgador (cfr. artigo 127.º do Código de Processo Penal).

No que diz respeito aos pontos 1 e 2 dos Factos Provados, o tribunal teve em consideração as declarações do arguido e da assistente, os quais declararam que iniciaram uma relação de namoro em 2007, tendo ido viver juntos uns anos depois. A assistente esclareceu que residiram juntos na casa da sua madrinha, entre 2010 e 2012, na Rua…, em Penha de França, e depois, durante o ano de 2012, mudaram a residência comum para a Rua…, em São João da Talha, morada dos pais do arguido.

Mais referiram o arguido e a ofendida que residiam no primeiro andar da casa e os pais do arguido residiam no rés-do-chão da mesma casa, estando as duas habitações separadas por uma porta. No entanto, para se aceder à habitação do arguido e da assistente era necessário passar-se pela habitação dos pais do arguido.

O arguido e a assistente declararam também que tiveram uma filha comum, nascida em 21-09-2015, altura em que residiam em condições análogas às dos cônjuges no primeiro andar da casa que partilhavam com os pais do arguido.

Relativamente à demais factualidade dada como provada (cfr. pontos 3 a 14 dos Factos Provados), desde logo foi valorado o depoimento da assistente CC que, depondo de forma sincera, coerente e espontânea, descreveu de forma pormenorizada e até, por vezes, emocionada, algumas situações ocorridas durante o período em que viveu com o arguido como se de marido e mulher se tratassem, na residência comum, em que o arguido a insultou e agrediu fisicamente.

O depoimento da assistente mostra-se corroborado pelos depoimentos de algumas das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, tendo-se atendido também ao auto de denúncia junto a fls. 22 a 24, ao aditamento junto a fls. 49 a 51, às fotografias juntas a fls. 122 a 126 e à informação prestada pela APAV - Gabinete de Apoio à Vítima de Lisboa (cfr. fls. 185 a 186).

Assim, concretizando, no que concerne à matéria de facto descrita no ponto 3 dos Factos Provados, o tribunal atendeu ao depoimento da assistente CC, que declarou ter sido várias vezes insultada pelo arguido, que a apelidava de “puta” e “vaca” e lhe dizia que não valia nada, no decurso de discussões que o arguido iniciava pelos mais variados motivos, desde não gostar da comida que a assistente tinha feito para o jantar, a assistente não ter a roupa do arguido lavada e passada quando o mesmo queria, ou não haver dinheiro para custear os consumos habituais de haxixe do arguido.

Por sua vez, a testemunha GC, primo direito da arguida, depondo de forma espontânea, relatou duas situações ocorridas na residência comum do casal, antes de a filha EE ter nascido, em que ouviu o arguido a chamar a assistente de “puta”, dizendo-lhe ainda que não sabia fazer nada.

Também as testemunhas JM e BB, pais da assistente, descreveram com espontaneidade os comportamentos desrespeitadores do arguido para com a assistente, quando estes se encontravam na casa das referidas testemunhas nalguns fins de semana. As referidas testemunhas aludiram a duas situações em que o arguido se exaltou, culpando a assistente pela fuga de um cão e pela perda do telemóvel do arguido, apelidando-a de “vaca” e “puta”.

Por outro lado, o próprio arguido admitiu ter chamado à assistente os mencionados nomes, alegando que a assistente também o chamava de “cabrão” e “filho da puta”.

Sucede que a assistente negou que respondesse ao arguido com insultos, o que foi confirmado pelas testemunhas que ouviram o arguido a insultar a assistente. Acresce que apenas a testemunha AA, mãe do arguido, que residia no andar de baixo da casa onde residiam o arguido e a assistente, referiu que ouviu a assistente a chamar o arguido de “estúpido”, não podendo considerar-se de modo algum, face à prova produzida, que houvesse entre o arguido e a assistente uma troca de insultos mútuos.

Relativamente à factualidade vertida no ponto 4 dos Factos Provados, pese embora a assistente tenha tido inicialmente alguma dificuldade em localizar no tempo tais factos, o certo é que descreveu a situação com clareza, recordando-se que se encontrava na cozinha a fazer o almoço, altura em que se iniciou uma discussão com o arguido, tendo o mesmo lhe apertado o braço com força, cravando-lhe as unhas e deixando-lhe marcas, que na altura a assistente fotografou, mostrando-se tais fotografias juntas a fls. 125 e 126.

Acabou a ofendida por verificar, através do registo digital e informático das fotografias, que a referida agressão foi perpetrada pelo arguido no dia 02-11-2014.

Quanto à matéria de facto descrita no ponto 5 dos Factos Provados, o tribunal atendeu essencialmente às declarações da assistente CC, conjugadas com os depoimentos das testemunhas IV, prima da assistente, e MS tia da assistente, e ainda com as fotografias juntas a fls. 122 e 123.

Esclareceu a assistente que cerca de um mês depois de a sua filha nascer (mais concretamente no dia 24-10-2015), enquanto o arguido reclamava por a assistente não ter as tarefas domésticas feitas, estando a assistente na casa de banho, o arguido desferiu-lhe um murro no olho direito, fazendo com que a assistente caísse na banheira.

Mais referiu a assistente que num dos dias seguintes a esse episódio, a sua tia MS foi visitar a EE à casa do arguido e da assistente, tendo a assistente utilizado bastante maquilhagem para disfarçar o hematoma no olho.

Por sua vez, as testemunhas IV e MS afirmaram que estranharam muito terem visto a assistente bastante maquilhada, em casa, de pijama, com uma bebé recém-nascida, assim como estranharam o facto de a assistente ter demorado a abrir a porta de casa para que as testemunhas entrassem, pelo que, apesar de não terem visto o hematoma no olho da assistente, corroboraram o seu depoimento.

No que se refere à situação descrita no ponto 6 dos Factos Provados, a assistente descreveu-a de forma coerente e pormenorizada, explicando que o arguido lhe deu uma chapada na boca logo de manhã porque percebeu que a assistente tinha aberto um pacote de bolachas pertencente ao arguido.

Explicou a assistente que ficou com um hematoma visível no lábio superior, tendo tirado as fotografias juntas a fls. 124, mais referindo que nesse mesmo dia a prima IV viu esse hematoma – quando a assistente foi deixar a sua filha com a referida prima antes de ir para o trabalho – assim como a sua colega de trabalho MF viu a referida lesão e confrontou a assistente.

Efetivamente, a testemunha IV declarou que cerca de um mês antes de a assistente sair definitivamente da casa comum do casal viu-a, um dia de manhã, com um hematoma no lábio, tendo a assistente referido que tinha sido a sua filha menor.

Também a testemunha MF, à data colega de trabalho da assistente, viu de manhã um hematoma grande no lábio da assistente, tendo esta acabado por admitir, à hora do almoço, que o arguido a tinha agredido por causa de umas bolachas. Mais declarou a referida testemunha que ficou bastante preocupada com a situação e incentivou a assistente a dirigir-se à APAV em Lisboa.

Também a situação descrita no ponto 7 dos Factos Provados foi relatada pela assistente de forma coerente, clara e espontânea, tendo a assistente concretizado que a agressão com pontapés nas nádegas e nas pernas tinha sido perpetrada pelo arguido no dia da festa do primeiro aniversário da Ema enquanto a assistente dava banho à sua filha, sendo que a agressão foi motivada pelo facto de o arguido ter acordado e ter visto que a assistente não tinha limpo o sítio onde os cães do casal dormiam nem lhes tinha dado comida.

Foi na sequência dessa agressão - confidenciada pela assistente às testemunhas MS e MF nos dias seguintes à sua ocorrência, segundo as mesmas afirmaram na audiência de julgamento - que a assistente saiu de casa, levando consigo a sua filha menor (cfr. ponto 8 dos Factos Provados), tendo declarado na audiência de julgamento que já não aguentava mais ser maltratada e agredida pelo arguido e que não podia deixar mais a sua filha a viver naquele ambiente hostil e a presenciar as agressões do arguido contra a assistente.

Relativamente à factualidade vertida sob o ponto 9 dos Factos Provados, o tribunal atendeu às declarações da assistente CC, que referiu ter recebido insistentes telefonemas do arguido, após ter saído de casa, para que reatassem a relação de coabitação conjugal.

No que concerne à matéria de facto descrita sob o ponto 10 e 11 dos Factos Provados, o tribunal tomou em consideração as declarações da assistente CC e o depoimento da testemunha JM, seu pai, o qual presenciou os factos, tendo-os relatado na audiência de julgamento de forma coerente e espontânea e também de forma coincidente com as declarações da assistente.

Acresce que no próprio dia em que esta última situação ocorreu, a assistente reportou-a à GNR de Torres Novas, conforme resulta do aditamento junto a fls. 49 a 51.

O arguido, por sua vez, quanto a esta situação ocorrida no dia 11-02-2017, prestou declarações no início da audiência de julgamento, tendo admitido que quando foi buscar a sua filha à casa dos pais da assistente ocorreu uma discussão em que intervieram não só o arguido e a assistente, mas também o pai desta. Mais admitiu o arguido que arrancou com o carro com velocidade, mas não fez nenhum gesto dirigido à assistente de colocar o dedo na horizontal à frente do pescoço como se quisesse anunciar que lhe “cortava o pescoço”.

Sucede que quer a assistente quer o seu pai viram o arguido a fazer o mencionado gesto, tendo a assistente sentido necessidade de relatar a situação à GNR, uma vez que não se sentiu segura, pelo que inexistem dúvidas também quanto a esta concreta atuação do arguido.

De resto, quanto às situações ocorridas durante a vivência comum, o arguido prestou declarações apenas no final da audiência de julgamento, tendo declarado que viu o olho da assistente magoado, mas essa lesão ficou a dever-se à abertura de um móvel. Por outro lado, afirmou que viu também a ferida no lábio, mas esta ferida foi motivada por um pontapé da EE, segundo a própria assistente referiu ao arguido.

Ora, atentas as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas supra mencionadas, inexistem dúvidas de que tais lesões (que o arguido admite ter visto no olho e no lábio da assistente durante o período em que viveram juntos) foram produzidas pelas condutas do arguido, só assim se explicando, aliás, que a assistente tivesse sentido necessidade de fotografar as mesmas. Caso se tratassem de lesões provocadas por ato involuntário da própria assistente ou da sua filha ou de alguma criança do jardim-de-infância onde a assistente trabalhava, não se vislumbra por que razão a assistente tiraria fotografias das lesões. Acresce que a testemunha MF, educadora de infância, foi perentória ao afirmar que a lesão que a assistente tinha no lábio era demasiado grande para ter sido provocada por um ato inadvertido de uma criança pequena (e o mesmo se diga quanto ao hematoma no olho).

Declarou ainda o arguido que a assistente apenas apresentou queixa na GNR mais de dois meses depois de ter saído de casa e precisamente três dias depois de terem sido reguladas as responsabilidades parentais da filha menor EE no Juízo de Família e Menores de Tomar. Alegou o arguido que a assistente inventou tudo o que declarou na audiência de julgamento com o intuito de ganhar vantagem nos processos que tem vindo a intentar no Juízo de Família e Menores a propósito de questões relativas às responsabilidades parentais da filha EE.

Efetivamente, constata-se, através da certidão junta a fls. 281 verso a 284 verso, que no dia 06-12-2016 foi realizada conferência de pais no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais relativas à menor EE, a correr termos no Juízo Central de Família e Menores de Tomar, a que foi atribuído o nº ----/16.1T8TMR.

Por outro lado, a queixa que deu origem aos presentes autos foi apresentada pela assistente no dia 09-12-2016 no Posto da GNR de Torres Novas (cfr. fls. 2 a 6).

Sucede que já no dia 25-12-2012 a assistente tinha solicitado a intervenção da PSP - Esquadra de São João da Talha, por sentir receio das atitudes do arguido, tendo sido elaborado o auto de notícia junto a fls. 85 a 90 (o qual deu origem a processo crime por violência doméstica, que foi arquivado por falta de prova) – cfr. certidão junta a fls. 31 a 34.

Por outro lado, no período em que ainda vivia com o arguido, antes de sair da residência comum e mudar-se com a sua filha para a casa dos seus pais, a assistente pediu apoio à APAV - Gabinete de Apoio à Vítima em Lisboa (cfr. fls. 185 e 186), conforme a própria declarou, assim como a testemunha MF.

Assim, o facto de a assistente ter apresentado denúncia contra o arguido três dias depois da regulação das responsabilidades parentais não abala minimamente a credibilidade das suas declarações, resultando da prova produzida que já antes a assistente havia procurado ajuda junto das autoridades policiais e da APAV.

Também o facto de a assistente ter escrito a carta junta a fls. 285, no dia 19-03-2016, conforme a mesma confirmou, não nos leva a concluir que o arguido não praticou as condutas agressivas e ofensivas contra a assistente, porquanto, como resulta das regras da experiência comum, as vítimas, muitas vezes, mantêm esperança até ao final da relação que o seu companheiro altere os comportamentos agressivos. Aliás, a própria assistente esclareceu que escreveu a referida carta numa tentativa de sensibilizar o arguido para que mudasse as suas atitudes ofensivas.

Também não será de estranhar que a assistente apenas tenha tido acompanhamento psicológico da APAV entre novembro de 2017 e março de 2018, conforme referiu a testemunha DM, psicóloga no Gabinete de Apoio à Vítima de Santarém, porquanto, como esta testemunha referiu, por vezes as vítimas só necessitam de apoio psicológico algum tempo depois de vivenciarem os maus-tratos, pela dificuldade que sentem em lidar com as situações que passaram e com as consequências da vitimização.

É ainda de realçar que a referida testemunha DM referiu que, à data do acompanhamento psicológico, a assistente evidenciava sintomatologia depressiva e ansiosa, medo e ansiedade quando abordava os episódios que tinham ocorrido.

Por outro lado, as testemunhas que conviviam de forma frequente com a assistente, nomeadamente os seus pais, a tia MS, o primo GC, descreveram na audiência de julgamento as alterações que foram notando na assistente ao longo do período em que a mesma residiu com o arguido, tendo referido que a mesma passou a ser mais reservada, menos comunicativa, mais triste e que, quando regressou à casa dos seus pais, vinha muito angustiada.

Ora, atenta a prova produzida, inexistem dúvidas de que a alteração e a deterioração do estado de espírito da assistente se deveram às condutas agressivas e ofensivas adotadas pelo arguido contra a assistente ao longo do período de tempo em que viveram juntos, as quais motivaram a saída de casa da assistente, levando a sua filha menor e deixando o emprego de educadora de infância, que tinha em Lisboa na sua área de formação.

A intenção do arguido decorre das condutas objetivas perpetradas pelo mesmo, sendo certo que, tendo em conta os comportamentos física e psicologicamente violentos do arguido contra a sua companheira, não poderemos deixar de concluir que o arguido quis menosprezar, diminuir, intimidar e maltratar a ofendida, demonstrando profundo desrespeito pela sua dignidade pessoal.

Foram também inquiridas na audiência de julgamento as testemunhas AA, mãe do arguido (que residia no andar de baixo da casa onde o arguido e a assistente viviam), e SM, irmã do arguido (que convivia com o arguido e a assistente na casa dos pais do arguido aos fins-de-semana).

As referidas testemunhas descreveram a relação do arguido e da assistente como uma relação normal, não tendo assistido a quaisquer agressões físicas, embora a testemunha AA tenha admitido que depois de a EE nascer passou a ouvir mais frequentemente discussões entre o casal, não conseguindo perceber o que diziam.

Mais descreveram a assistente como uma pessoa instável, nervosa, irritada, e até deprimida depois de a filha nascer, tendo a testemunha AA declarado que a assistente batia com as portas e gritava, desrespeitando o ambiente familiar dos próprios sogros, que residiam no andar de baixo.

Revelaram-se os depoimentos das referidas testemunhas parciais e comprometidos, procurando fazer recair sobre a assistente a responsabilidade por todos os problemas que existiam entre o casal. Os seus depoimentos padeceram de falta de objetividade e isenção, chegando a antecipar respostas antes de serem feitas as perguntas concretas, numa tentativa de protegerem o arguido, dada a relação de parentesco muito próxima existente.

A testemunha AA chegou a mencionar que sabia que tinha havido muita gente a dizer mentiras na audiência de julgamento, parecendo querer contrapor tudo o que tinha sido declarado pelas testemunhas anteriormente inquiridas.

Assim, os depoimentos destas testemunhas não abalam a demais prova produzida a que supra se aludiu e que serviu para formar a convicção segura do tribunal de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.

Quanto às demais testemunhas indicadas pelo arguido – IS, seu amigo de infância, CH, também amigo de infância do arguido, e MF, esposa da testemunha CH – pouco acrescentaram à prova produzida, porquanto, tendo convivido ocasionalmente com o arguido e a assistente, natural se mostra que não tenham assistido a quaisquer discussões e, muito menos, a agressões, porquanto estas ocorreram dentro da casa do arguido e da assistente, fora do olhar de qualquer terceiro.

No que concerne à situação pessoal e económica do arguido, bem como à sua personalidade, o tribunal teve em consideração as suas declarações, o relatório social datado de 05-12-2018 e os depoimentos das testemunhas AA, SM e IS.

Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, atendeu-se ao teor do CRC emitido em 01-03-2019.

No que concerne à matéria de facto não provada, entendemos não ter sido produzida prova quanto à mesma”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da impugnação da decisão fáctica.
Alega o recorrente que não deveriam ter sido considerados como provados os factos dados como assentes na sentença revidenda e que consubstanciam o crime pelo qual vem condenado (todos esses factos), porquanto, e em resumo, as declarações da assistente não são credíveis nem são suficientes para a prova desses factos, nem nenhuma das testemunhas os presenciou, pelo que essa factualidade não pode ser considerada como assente, pelo menos em obediência ao princípio da presunção de inocência e ao princípio in dubio pro reo (essa factualidade não é isenta de dúvida razoável), impondo-se decisão diversa da que foi proferida, ou seja, decisão absolutória.

Cumpre decidir.
Uma nota prévia se impõe: na motivação do recurso, sem o mínimo rigor técnico-jurídico e sem a mínima preocupação com o teor dos preceitos legais invocados (com o devido respeito), o recorrente, impugnando a decisão fáctica proferida em primeira instância (e no estrito âmbito da impugnação alargada da matéria de facto) diz que pretende “obter a declaração da nulidade da sentença recorrida, por erro na apreciação de todos os pontos da matéria de facto”, e, além disso, faz expressa referência ao disposto no “art. 410º, nº 2, als. a) e c), do C.P.P.” (onde estão prevenidos os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova).

Ora, lendo toda a motivação do recurso, nem, por um lado, o recorrente enuncia e fundamenta a existência de qualquer motivo, previsto na lei, para a declaração da pretendida nulidade da sentença, nem, por outro lado, o recorrente invoca, em substância, e especifica a existência dos apontados vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.

Aquilo a que o recorrente procede é, pura e simplesmente, à impugnação alargada da matéria de facto (artigo 412º, nºs 3 e 4, do C. P. Penal), e, por isso, nada nos cumpre apreciar ou decidir sobre pretensas nulidades da sentença ou sobre os vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal.

Cingimos, pois, a nossa apreciação ao estrito âmbito da impugnação alargada da matéria de facto, por ser a única questão que, em substância, vem alegada em toda esta primeira vertente recursiva.

Em primeiro lugar, e em breve síntese, começa o recorrente por invocar que as declarações da assistente não servem (não são suficientes) para se considerarem como provados os factos delitivos em apreço nestes autos (todos eles).

Com o devido respeito, tal invocação carece de fundamento válido.

É que, nada obsta, por princípio, a que a convicção do tribunal se forme exclusivamente com base no depoimento de uma única testemunha ou nas declarações de um único assistente (ou de um único demandante) ou de um único arguido. Esse depoimento e estas declarações, como qualquer meio de prova oral, estão sujeitos ao princípio da livre convicção, consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Ou seja, e no caso destes autos: acreditar o tribunal (quer este tribunal ad quem, quer o tribunal a quo) na versão, naquilo que é essencial, da assistente, é uma questão de convicção e entronca no princípio da livre apreciação da prova.

Em segundo lugar, entende o recorrente que as testemunhas, ouvidas na audiência de discussão e julgamento, não presenciaram determinados factos (tidos como provados), sendo certo que o arguido os negou e só a assistente os confirmou, o que, necessariamente, implica a consideração de tais factos como não provados.

Ora, e no essencial, o relato feito por tais testemunhas baseou-se ou em observação de lesões apresentadas pela assistente (decorrentes das agressões perpetradas pelo arguido), ou em conversas (várias) tidas com a assistente na sequência da observação das referidas lesões - conversas nas quais a assistente descrevia, de um modo ou de outro, a origem das lesões que apresentava -, ou na observação do comportamento da assistente, indicativo de ter sido agredida fisicamente pelo arguido, ou ainda nas “queixas” e “desabafos” que a assistente apresentava, contemporaneamente aos factos delitivos em apreço, e foi isso que relataram na audiência de discussão e julgamento, e foi por isso que esses relatos mereceram (e bem) inteiro crédito, corroborando as declarações (já de si suficientes) da própria assistente.

Não se trata, por conseguinte, de depoimentos inócuos, inconsequentes e irrelevantes, ou de testemunhos de “ouvir dizer”, mas, isso sim, de prova válida, atendível e inteiramente credível.

Em terceiro lugar, além das declarações da assistente e dos depoimentos das diversas testemunhas de acusação, estão juntos aos autos diversos documentos - nomeadamente uma grande panóplia de fotografias -, os quais, inelutavelmente, confirmam as agressões físicas perpetradas pelo arguido sobre a pessoa da assistente (como bem se assinala na sentença revidenda).

Em quarto lugar, a decisão recorrida, ao nível da fundamentação da decisão fáctica, deixa transparecer, por forma clara e suficiente, os motivos da decisão que tomou, designadamente indicando as razões pelas quais não deu credibilidade alguma às declarações do arguido (e às testemunhas, supostamente conhecedoras da vivência do casal, indicadas pelo arguido e que são seus familiares próximos).

Em quinto lugar, este tribunal de recurso, privado embora da oralidade e da imediação, após ponderação dos argumentos invocados na motivação do recurso, após leitura e consideração de toda a prova pessoal transcrita na motivação do recurso e na resposta ao recurso apresentada pela assistente, e após análise detalhada da justificação constante da sentença sub judice (no tocante à decisão fáctica), subscreve inteiramente (sem quaisquer reservas ou dúvidas) os raciocínios formulados pelo tribunal recorrido e a conclusão a que o mesmo chegou para fixar a matéria de facto.

Nomeadamente, também a nosso ver as declarações do arguido não nos fornecem uma versão verosímil e coerente dos factos, alternativa à defendida nas declarações da assistente e nos depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas na audiência de discussão e julgamento, as quais, de um modo ou de outro, corroboraram as declarações da assistente.

Em sexto lugar, e ao contrário do que muitas vezes se pretende fazer crer (e do que parece entender-se também na motivação do recurso), não é a mera existência de declarações ou de depoimentos contraditórios entre si sobre determinado facto, desfavorável ao arguido, que impõe ao julgador o dever de julgar tal facto como não provado, designadamente por respeito ao princípio da presunção de inocência e ao princípio in dubio pro reo. O que tribunal tem que fazer, nessas circunstâncias, é proceder ao exame crítico da prova, separando os elementos que lhe merecem credibilidade daqueles que não são, em seu juízo, dignos dela, formando a sua convicção probatória em função do resultado desse exame. Com efeito, o julgador só deve fazer apelo ao princípio in dubio pro reo quando, após o exame crítico da prova, prevaleça uma dúvida razoável e insanável sobre se o facto probando ocorreu ou não, devendo entender-se que tal dúvida se justifica sempre que permaneça em aberto uma hipótese factual alternativa à probanda, que não seja repelida pelos critérios gerais de apreciação do material probatório, nomeadamente pelos dados da experiência comum e pelas regras da lógica geralmente aceite. A esta luz, e no caso em apreço, a versão dos factos decorrente das declarações do arguido afigura-se-nos dever ser rejeitada, além do mais, pela análise e pela ponderação, conjugada e complexiva, de todos os restantes relatos trazidos à audiência de discussão e julgamento.

Em sétimo lugar, carece totalmente de sentido a alegação, constante da motivação do recurso, segundo a qual a condenação do arguido está “titulada por juízos meramente hipotéticos e probabilísticos” e que tal condenação é baseada em simples “presunções judiciais” (que, na opinião do recorrente, “não são verdadeiros meios de prova, mas sim meras operações mentais ou lógicas firmadas pelo julgador com base nas regras da experiência”).

É que, aquilo que o tribunal recorrido fez, como lhe competia, foi proceder à análise crítica, pormenorizada e consistente da prova produzida, fundamentando devidamente a sua opção decisória, não tendo tal tribunal, nessa sua tarefa, utilizado quaisquer “juízos meramente hipotéticos e probabilísticos” ou quaisquer “presunções judiciais” (muito menos tendo o tribunal recorrido, ao contrário do alegado na motivação do recurso, partido de um qualquer “partis pris ou prejuízo” contra o arguido).

Por último, entende o recorrente que o tribunal a quo, ao considerar que a prova é suficiente, violou o princípio in dubio pro reo e o princípio da presunção de inocência (ou seja, na opinião exposta na motivação do recurso, o tribunal de primeira instância violou o disposto no nº 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa).

Também aqui nenhuma razão assiste ao recorrente.

O princípio in dubio pro reo (um dos princípios básicos do processo penal) significa, em síntese, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que “só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, 1981, Vol. I, pág. 205).

Quando o tribunal não forma convicção, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia princípio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção de inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa).

Com efeito, dispõe a C.R.P. (no nº 2 do seu artigo 32º) que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, preceito que se identifica genericamente com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Assim, “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203).

Este princípio tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.

É evidente que as dúvidas do julgador quanto à prova produzida têm de ser racionais, de forma a ilidirem a certeza contrária (cfr. Ac. do S.T.J. de 01-07-2004, Processo nº 4P2791, in www.dgsi.pt), jamais podendo assentar na mera existência de versões contraditórias entre si ou na mera negação dos factos por parte dos arguidos.

Revertendo ao caso em apreço, e apesar das considerações do recorrente na motivação do seu recurso, o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida quanto à prática pelo arguido/recorrente da totalidade dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida, bem como também este tribunal de recurso, perante a prova produzida em audiência, com nenhuma dúvida fica relativamente à prática dos factos em causa por parte do arguido (conforme acima exposto).

Dito de outro modo: a fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida não evidencia a existência de qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido, e, por outro lado, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resulta, também para nós, a certeza da prática pelo arguido da totalidade dos factos atinentes ao crime pelo qual vem condenado.

Por isso, não existindo dúvidas no espírito do julgador, afastada está, obviamente, a possibilidade de aplicação do princípio in dubio pro reo.

A sentença recorrida não merece, pois, também neste último aspeto da impugnação da decisão fáctica, a censura que lhe foi dirigida pelo recorrente (violação do princípio in dubio pro reo, violação do princípio da presunção de inocência e violação do disposto no nº 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa).

Improcede, por conseguinte, toda esta primeira vertente do recurso, considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada na sentença revidenda.

b) Da qualificação jurídica dos factos (dos elementos do tipo legal de crime de violência doméstica).

Alega o recorrente, em breve resumo, que os factos dados como provados na sentença sub judice não encerram comportamentos ou ações que se enquadrem no tipo legal de crime de violência doméstica, porquanto os mesmos não possuem intensidade de tal maneira forte que ofenda consideravelmente a integridade física ou psíquica da assistente, nem o fazem de um modo especialmente desvalioso, ou particularmente censurável, ou de tal forma intensa ao ponto de pôr em causa a própria dignidade pessoal da assistente.

Cabe decidir.
Sempre com o devido respeito, as alegações do recorrente, em todo este segmento (relativo à qualificação jurídica dos factos), carecem totalmente de sentido, sendo, aqui, o recurso manifestamente de improceder.

Senão vejamos.

Sob a epígrafe “violência doméstica”, dispõe o artigo 152º, nºs 1 a 3, do Código Penal:

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”.

Quanto ao bem jurídico protegido por esta incriminação, e como bem escreve o Prof. Taipa de Carvalho (in “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial”, Coimbra Editora, Tomo I, pág. 332), trata-se de “bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afetado por toda uma multiplicidade de comportamentos que (…) afetem a dignidade pessoal do cônjuge”.

Mais esclarece o mesmo ilustre Professor (ob. e local citados), que a ratio do tipo legal de crime previsto no artigo 152º do Código Penal não está, pois, “na proteção da comunidade familiar, conjugal (...), mas sim na proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana”.

No dizer de Plácido Conde Fernandes (in “Violência Doméstica - Novo Quadro Penal e Processual Penal”, Jornadas Sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, nº 8, 1º semestre de 2008, pág. 305), “o bem jurídico, enquanto materialização direta da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efetivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus tratos”.

A nosso ver, preenche este tipo legal de crime a prática de qualquer ato de violência que afete a saúde - física, psíquica ou emocional - da vítima (no caso, o cônjuge ou aquele que vive em condições análogas às dos cônjuges), diminuindo ou afetando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida naquela realidade conjugal.

O crime pode, pois, realizar-se através de uma pluralidade de atos, ou através de um único ato, que atinja a saúde física, psíquica ou moral do cônjuge e afete a sua dignidade pessoal.

Porém, é exigível, sempre, que os atos praticados (plúrimos ou isolados, reiterados ou não), apreciados à luz da vida em comum, possam, de modo relevante, colocar em risco a saúde do cônjuge, tornando-o vítima de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade.

À luz do exposto, e conforme bem salienta Nuno Brandão (in “A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica”, Revista Julgar, nº 12, pág. 19), no crime de violência doméstica “devem estar em causa atos que, pelo seu carácter violento, sejam, por si só ou quando conjugados com outros, idóneos a refletir-se negativamente sobre a saúde física ou psíquica da vítima”, sendo ainda necessária a avaliação da “situação ambiente” e da “imagem global do facto” para se decidir pelo preenchimento, ou não, do tipo legal de crime em questão.

Ora, em conformidade com o que vem de dizer-se, os factos dados como provados nestes autos são suficientes para o preenchimento dos elementos do crime de violência doméstica (pelo qual o arguido foi condenado em primeira instância).

Com efeito, analisada a factualidade dada como provada, na sua globalidade complexiva, verifica-se que o arguido, de modo repetido (e durante vários anos), praticou diversos atos sobre a pessoa da ofendida, que vão das injúrias, à violência física e à ameaça (cfr. os factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 3 a 11), atos que, em nosso entender, constituem atitudes de degradação, humilhação e secundarização da vítima, afetando-a, de modo significativo e relevante, não só no seu bem-estar (físico e psíquico), como também na sua dignidade humana.

Na verdade, e em breve síntese:

- O arguido, durante a relação amorosa com a ofendida, por diversas vezes (e, pelo menos, uma vez por mês) injuriou a ofendida, chamando-a de “filha da puta” e de “vaca”, e dizendo que a mesma “não valia nada”;
- O arguido apertou e cravou as unhas no braço da ofendida, arranhando-a;
- O arguido desferiu um murro no olho direito da ofendida, tendo a ofendida caído para dentro da banheira;
- O arguido desferiu uma chapada na boca da ofendida;
- O arguido desferiu pontapés nas nádegas e pernas da ofendida, tendo a ofendida de agarrar a sua filha menor com força para que ela não caísse;
- O arguido disse à ofendida que se “tu pensas que as coisas são como queres, estás muito enganada”;
- O arguido travou o seu veículo automóvel muito próximo da ofendida e dirigiu-lhe um gesto com a mão de “cortar o pescoço”.

Com o devido respeito por diferente opinião, a reiteração e a gravidade das condutas levadas a cabo pelo arguido permitem-nos, sem dúvidas ou hesitações, considerar a existência, in casu, de um grau de ilicitude que não se compadece com a eventual condenação do arguido por outros crimes (parcelares) que não o de violência doméstica (por exemplo, pelo crime de injúria, pelo crime de ofensa à integridade física, ou pelo crime de ameaça).

Dos factos provados resulta, pois, demonstrado um estado de agressão (física e verbal) muito persistente e intenso, que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio do arguido sobre a vítima, com vista a diminuir a sua dignidade como pessoa.

Em resumo: considerando a “situação ambiente”, analisando a “imagem global do facto”, e vistos os concretos atos cometidos pelo arguido, entendemos estar preenchido o tipo legal de crime de violência doméstica, porquanto as condutas levadas a cabo pelo arguido contra a ofendida constituem um atentado à dignidade pessoal da mesma.

Como bem se escreve no Ac. deste T.R.E. de 03-07-2012 (relator Sérgio Corvacho, in www.dgsi.pt), “a pedra de toque da distinção entre o tipo criminal de violência doméstica e os tipos de crime que especificamente tutelam os bens pessoais nele visados concretiza-se pela apreciação de que a conduta imputada constitua, ou não, um atentado à dignidade pessoal aí protegida”.

Ora, neste caso, repete-se, as condutas do arguido, pela sua gravidade e reiteração, constituem um atentado, relevante, à dignidade pessoal da ofendida.

Por conseguinte, e também nesta segunda vertente, o recurso é de improceder.

Face ao predito, o presente recurso não merece provimento.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
*
Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 24 de Setembro de 2019

João Manuel Monteiro Amaro)

(Laura Goulart Maurício)

(Fernando Ribeiro Cardoso)