Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO COELHO | ||
Descritores: | AUTORIDADE DO CASO JULGADO EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO | ||
Data do Acordão: | 11/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O meio processual adequado à modificação de decisão transitada em julgado é o recurso extraordinário de revisão, desde que fundamentado em alguma das circunstâncias legalmente previstas, não podendo a parte vencida em anterior processo com decisão transitada em julgado obter, através de nova acção, um efeito útil que se traduza em decisão diversa da anterior. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Execução de Loulé, foi proferido despacho de indeferimento liminar da execução com processo sumário que (…) e (…) instauram contra Município de Castro Marim, para pagamento da quantia de € 9.568,00. Inconformados, os exequentes recorrem e concluem: 1- Os presentes autos constituem “processo sumário executivo onde não cabe a produção de despacho liminar, a não ser que o solicite o Exm.º Agente de Execução, o que no presente caso não sucedeu. 2- A data da produção do despacho 10-07-2019, proferido após conclusão apresentada nos autos, sem qualquer outra menção ou justificação, o executado já se mostrava citado (09-07-2019). 3- Nos embargos deduzidos pelo executado, este aceita ser de cumprir parcialmente a obrigação. 4- O presente despacho, constitui acto processual nulo (JUIZ SEM PODERES) nos precisos termos do artº 195º do C.P.C., sendo ineficaz e de nenhum efeito e como tal deve ser declarado. 5- Uma sentença judicial conforme a dos autos, aqui reproduzida existe sempre como título, contrariamente ao consignado no despacho, por ser certa e em princípio exigível. 6- O Município executado foi condenado ao pagamento de uma sanção compulsória de € 50,00 por cada dia em que o mesmo Município não cumprisse com o devido, que era a entrega do imóvel aos exequentes. 7- Tendo o executado entregue o imóvel apenas em 22-05-2018, deve pagar o valor devido contado em dias após o trânsito da sentença, que ocorreu em 18-11-2017, o que totaliza o valor de € 9.200,00, pertencendo 50% ao Estado e leais acréscimos, conforme disposto no artº 829º-A, nº 1 e 3 do C.C., e o restante aos exequentes É que, 8- A obrigação de entrega nunca foi por qualquer meio extinta, e apenas se consumou em 22-05-2018. 9- Uma transacção não revoga, nem extingue nunca, os efeitos de uma sentença judicial. 10- Os exequentes em momento alguma desistiram do recebimento e pagamento do valor devido da sanção compulsória, como até dos outros danos sofridos e já referidos nos autos, entre os quais os danos não patrimoniais. 11- Uma sentença é certa e exigível, sendo apenas discutível, o cumprimento das obrigações na mesma prescritas. 12- A sanção compulsória constitui uma forma coerciva privada de coagir o devedor desta. 13- O devedor executado, foi advertido solenemente, e não cumpriu, até a última, com o sentenciado. 14- Numa transacção, a fonte de litígio é o acto de vontade das partes, e não a sentença homologatória, e só vincula terceiros que na mesma tenha tido intervenção. Ora, 15- No caso nem o M.º Público, nem os exequentes alguma vez desistiram do valor devido pelo não cumprimento, judicialmente fixado. 16- O comportamento do executado, jamais prestigiou a justiça e o respeito pelas decisões judiciais que nunca teve, motivos pelos quais têm de pagar o valor fixado da sanção compulsória. 17- Donde deve ser revogado o despacho impugnado por nulidade do acto, ou e sempre porque contrariamente ao consignado, o título que é uma sentença judicial é exigível, nos termos legais. 18- O aliás douto despacho sob recurso, violou além do mais o disposto nos artº 829º-A, nº 1 e 3, do C.C. e artigos 195º, 703º, nº 1, 726º, nº 1 e 2, alínea a), 719º, nº 1, 723º e 855º, todos do C.P.C. Não foi oferecida resposta. Para melhor decisão do caso, solicitou-se o acompanhamento electrónico e procedeu-se à consulta do Proc. 2682/15.0T8LLE e respectivo apenso A, que opôs as partes no mesmo Juízo de Execução de Loulé. Corridos os vistos, cumpre-nos decidir. Os factos relevantes para a decisão são os seguintes: 1- Correu termos sob o n.º 76/08.2TBVRS, no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, acção ordinária proposta pelos exequentes contra a executada, na qual foi proferida em 10.05.2012 sentença contendo o seguinte dispositivo: “I – Reconhece-se que o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial é da legítima propriedade dos autores; II – Reconhece-se que o réu ocupou nesse prédio, ilicitamente, uma área de 1180 metros quadrados, construindo uma praça pública em pedra branca e cinzenta – e arrancando, para o efeito, duas figueiras de grande porte, conforme documentam os levantamentos topográficos juntos à petição inicial como documentos números 6 e 7; III – Condena-se o réu a restituir aos autores o imóvel, livre e desocupado, no seu estado primitivo, desfazendo para o efeito a obra por si realizada nesse terreno;” 2- Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a referida sentença por Acórdão de 05.06.2014, transitado em julgado. 3- Em 30.06.2015, os exequentes instauraram execução da referida sentença, a qual tomou o n.º 2682/15.0T8LLE no Juízo de Execução de Loulé, pedindo a entrega do imóvel, a demolição da obra ali construída e a fixação de sanção pecuniária compulsória. 4- Instaurados embargos pelo executado Município de Castro Marim, que correram por apenso à supra referida execução (apenso A), em 11.07.2017 foi ali proferida sentença, transitada em julgado, contendo o seguinte dispositivo: “a) Julgar os presentes embargos de executado parcialmente improcedentes, e, em consequência: b) Ordenar o prosseguimento da acção executiva para prestação de facto, fixando à Exequente o prazo de 45 dias para proceder à entrega aos Executados da parte do prédio ocupada no seu estado primitivo, demolindo e desfazendo a praça pública – estacionamento, arruamento e poços de lixo – no mesmo edificada; c) Fixar a sanção pecuniária compulsória de cinquenta euros diários, por cada dia que passe, desde o termo do referido prazo de 45 dias, sem que a Executada cumpra o determinado em b); d) Não apreciar, por não ser o momento processual adequado, o pedido de indemnização formulado pelos Exequentes relativamente à não prestação do facto pela Exequente na acção executiva;” 5- Em 20.02.2018, exequentes e executado apresentaram requerimento conjunto, solicitando a homologação de transacção pela qual colocavam termo ao litígio, nos seguintes termos: “1 – O Município executado obriga-se ao pagamento aos exequentes da importância de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros) a título de preço do prédio dos autos, obrigando-se os exequentes a vender-lhe este prédio por aquele preço. 2 – A escritura que titulará a aquisição prometida no n.º 1 e o pagamento do preço ocorrerão no prazo de 30 dias a contar da data da subscrição desta transacção, cabendo ao executado avisar os exequentes para essa celebração com antecedência não inferior a cinco dias. 3 – Ficam a cargo do executado os honorários e encargos que forem devidos à agente de execução dos autos. 4 – As custas ainda em divida a juízo serão de conta do executado, mas os exequentes prescindem das suas custas de parte, no que for disponível.” 6- Por decisão de 04.04.2018, foi homologada a transacção e julgada extinta a execução. 7- Por escritura de 22.05.2018, o imóvel foi vendido pelos exequentes ao executado, pelo preço de € 140.000,00. 8- Em requerimento de 06.06.2018, os exequentes requereram na execução supra identificada a notificação do executado para “pagamento do valor referente à sanção pecuniária fixada nos autos pela não entrega e cumprimento da sentença de 11/07/2017, no apenso à presente execução, após trânsito da mesma em 3-10-2017, e prazo fixado de 45 dias para o efeito, terminando em 18-11-2017, e até 22-05-2018, data da posse ilícita de términus do incumprimento por parte do executado e assim no montante de 9.200,00 (Nove mil e duzentos euros)”. 9- O executado respondeu, requerendo o indeferimento desta pretensão, e os exequentes voltaram a insistir na mesma, em requerimento de 25.06.2018. 10- Em 31.10.2018 foi proferido o seguinte despacho na execução supra identificada: “Com a transacção junta aos autos (refªs. 5290529 e 5290818), as partes puseram fim ao litígio, conforme sentença de homologação (ref.ª 109009659), já transitada em julgado, que, condenando e absolvendo nos precisos termos acordados, julgou extinta a acção executiva. Do objecto da transacção consta apenas o pagamento da quantia de € 140.000,00 pelo executado aos exequentes, não estando prevista qualquer sanção pecuniária compulsória pelo atraso naquela prestação ou em qualquer outra. Como tal, não tem cabimento, nestes autos, o pedido de notificação do executado para liquidar o montante devido a título de sanção pecuniária compulsória; porquanto extravasa o objecto da transacção que pôs fim ao litígio. Razão, pela qual, se indefere.” 11- Notificado às partes, o referido despacho transitou em julgado. 12- Em 05.11.2018 o agente de execução declarou extinta a execução supra identificada. 13- Em 14.06.2019, os exequentes instauraram a presente execução, enumerando os seguintes factos: “Pagamento do débito decorrente da indemnização devida pela ocupação que a executada fez do imóvel identificado na sentença em execução de 11-07-2017, transitada em julgado, e referente à sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia que passou, desde o prazo de 45 dias fixado na mesma sentença do Apenso A desse mesmo processo (Proc. Nº 2682/15.0T8LLE-A – Doc. nº 3) sem que a executada Câmara Municipal tivesse cumprido a sentença dos autos principais, e que determinou a entrega do imóvel também aí identificado aos exequentes (Doc. nº 1, 2, 3, 4, 5 e 6). O prazo do trânsito da referida sentença e do prazo fixado de 45 dias terminou a 18-11-2017, donde tem a exequente direito a receber o valor de € 9.200,00 (nove mil e duzentos euros) correspondente ao valor total da sanção compulsória decorrente dos dias que vão da referida data de 18-11-2017, até 22-05-2018, data da entrega do imóvel aos exequentes, tudo, apesar de conforme resulta dos autos, nesse mesmo dia os mesmos terem vendido o imóvel ao Município executado. Ora o Município executado face ao exposto, nada pagou e recusa-se a fazê-lo apesar da interpelação que os exequentes lhe fizeram nos termos da carta que lhes enviaram em 07-12-2018, conforme cópia dos respectivos registos e aviso de recepção, mas a executada, nem os seus representantes nada disseram (Doc. nº 1, 7 e 8). E não se presume que o queiram fazer. Daí a dedução da presente execução para cobrança da dívida de € 9.200,00. Acrescem os juros legais devidos desde 22-05-2018 até integral pagamento. Tais juros totalizam em 22-05-2019 a importância de € 368,00. O total da divida exequenda é assim de € 9.200,00 + € 368,00 = € 9.568,00 (nove mil e quinhentos e sessenta e oito euros).” Aplicando o Direito. Da excepção de caso julgado Na anterior execução, as partes celebraram transacção mediante a qual acordaram na venda ao executado do imóvel reivindicado, sendo tal acto homologado judicialmente. A venda veio a concretizar-se, mas os exequentes pretenderam que a execução continuasse para pagamento da quantia de € 9.200,00, a título de sanção pecuniária compulsória que entendiam estar em dívida e não ter sido abrangida pela transacção celebrada entre as partes. Certo é que esta pretensão foi indeferida, pelo despacho de 31.10.2018, transitado em julgado, com o argumento da sanção pecuniária compulsória extravasar o objecto da transacção. Ora, o instituto do caso julgado material deve ser encarado quer na perspectiva da excepção de caso julgado, quer na perspectiva da autoridade do caso julgado. O prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que os Tribunais proferem, o princípio da economia processual e o objectivo de estabilidade e certeza das relações jurídicas, exigem que se reconheça a eficácia do caso julgado à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável do julgado.[1] De resto, o Supremo Tribunal de Justiça vem adoptando um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado, entendendo que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material, abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no art. 621.º do Código de Processo Civil.[2] Pois bem, na execução anterior foi expressamente afirmado que os exequentes não podiam pedir o pagamento da sanção pecuniária compulsória, pois a questão estava consumida pela transacção celebrada, e tal questão constituiu a premissa essencial da decisão tomada em 31.10.2018. A autoridade de caso julgado imposta por essa decisão determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a mesma questão. Se os exequentes se mostram inconformados com esse resultado, o meio processual adequado à modificação de decisão transitada em julgado é o recurso extraordinário de revisão, desde que fundamentado em alguma das circunstâncias taxativamente elencadas no art. 696.º do Código de Processo Civil, não podendo a parte vencida em anterior processo com decisão transitada em julgado obter, através de nova acção, um efeito útil que se traduza em decisão diversa da anterior.[3] Argumentam os exequentes, ainda, que o despacho é nulo, pois o processo não comporta despacho liminar. Erradamente o fazem, pois à execução sumária são aplicáveis subsidiariamente as disposições do processo ordinário de execução – artigo 551.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – onde se conta a possibilidade do juiz, oficiosamente, conhecer das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar, se o agente de execução tivesse suscitado a sua intervenção – artigo 734.º, n.º 1, do mesmo diploma. Decisão. Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos exequentes. Évora, 21 de Novembro de 2019 Mário Branco Coelho (relator) Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões __________________________________________________ [1] Neste sentido, cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 3.ª ed., pág. 202, afirmando o seguinte: “A nós afigura-se-nos, ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério ecléctico, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.” [2] Mais recentemente, vide os Acórdãos do Supremo de 26.03.2015, de 07.05.2015 e de 16.02.2016, proferidos nos Procs. 1847/08.5TVLSB.L1.S1, 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1 e 53/14.4TBPTB-A.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [3] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.09.2011 (Proc. 816/09.2TBAGD.C1), sempre na mesma base de dados. |