Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2092/16.1T8SLV.E1
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO RODOVIÁRIA
EXCESSO DE VELOCIDADE
CONDUTOR NÃO IDENTIFICADO
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Sendo a recorrente a titular do documento de identificação do veículo que circulava a velocidade superior à legalmente permitida, não tendo sido possível identificar quem o conduzia na ocasião e não tendo ela indicado outrem como autor da contra-ordenação, é sobre ela quem impende a responsabilidade pela prática da infração, de acordo com o disposto nos arts 135.º nº 3 e 171.º nº 2 do C. Estrada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

No processo de contra-ordenação que correu termos no Ministério da Administração Interna, foi aplicada pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária a IG, devidamente identificada nos autos, para além da coima já paga, sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, suspensa pelo período de 365 dias e condicionada à frequência de uma acção de formação no módulo velocidade, a frequentar durante o período de suspensão, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 27º nºs 1 e 2 al. a) ponto 2, 136º, 138º e 145º al. b), todos do C. Estrada.

Não se conformando com tal decisão, a recorrente apresentou impugnação judicial, nos termos do artº 59º do DL nº 433/82, de 27/10 (Regime Geral das Contra-Ordenações, adiante designado como RGCO).

Remetidos os autos a juízo e distribuídos aos juízos de competência genérica – J1 da instância local de Silves, da comarca de Faro, foi admitido o recurso e designado dia para a realização da audiência de julgamento.

O julgamento veio, no entanto, a ser dado sem efeito em virtude de a recorrente ter expressado a sua não oposição a que o recurso fosse decidido por despacho.

Na sequência, foi proferido despacho que o julgou improcedente, mantendo a decisão da autoridade administrativa.

Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso dessa decisão, pretendendo que seja revogada e substituída por outra “que aplique correctamente as normas legais aplicáveis ao caso” (sic), para o que formulou as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a quo não fez a correcta apreciação da decisão administrativa;

2. O Tribunal a quo não apreciou a totalidade da prova junta aos autos;

3. O Tribunal a quo efectuou uma errada valoração da prova que apreciou, com a consequente deficiência de fundamentação da decisão da qual se recorre;

4. A decisão administrativa não contém a matéria de facto e probatória suficientes para permitirem ao ora Recorrente exercer o seu direito de defesa;

5. O Tribunal a quo não considerou a prova fotográfica, a fls. 7 dos autos;

6. O Tribunal a quo não considerou o registo de medição da prova fotográfica, e as suas discrepância com a informação inserida na mesma;

7. O Tribunal a quo, não apreciou a desconformidade com o n.º 2 do art.º 9 da Portaria 1542/2007 de 6 de Dezembro no que respeita aos registos de medição de velocidades;

8. O Tribunal “a quo” fundamenta a sua decisão e aceita a decisão da autoridade administrativa, apenas pelo facto do auto de noticia fazer fé em juizo, ignorando as suas contradições;

9. Os critérios para determinação do elemento subjectivo da culpa/negligência, utilizados para fundamentar a douta sentença, não têm qualquer base legal;

10. Foram aplicadas Unidades de Conta à ora Recorrente, sem qualquer fundamentação legal;

11. A douta sentença encontra-se, assim, em violação dos normativos contidos nos art.º 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1, al. a), b) e c) do Código de Processo Penal, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão, à omissão de apreciação da prova e à incorrecta valoração da prova, pelo que deve ser revogada.

O recurso foi admitido.

Na resposta, o MºP, considerando que em particular que:

“(…) a Recorrente suscitou inúmeras nulidades e irregularidades, mas esqueceu-se de impugnar os factos que lhe vêm imputados, e de apresentar meios de prova que pudessem demonstrar o contrários daqueles factos.

A Recorrente não impugnou a matéria de facto em apreciação nos autos, não alegou factos novos ou diferentes, e não apresentou qualquer prova que pudesse contrariar os meios de prova indicados na decisão administrativa.

Na verdade, a Recorrente não impugnou os factos constantes do auto que lhe foi levantado pela G.N.R. – não negou que era a condutora, não impugnou as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, não impugnou a velocidade a que prosseguia.

E daí que tenham sido recusados, e muito bem, os meios de prova que a Recorrente pretendia produzir na audiência de julgamento, porque irrelevantes, porque insusceptíveis de contrariarem ou produzirem factos diferentes daqueles que constam dos autos.

Tais diligências, para além de serem manifestamente dilatórias e inúteis, levariam a um andamento anormal do processo, pelo que foram devidamente sancionadas com a condenação em custas pelos vários incidentes por ela provocados.

Aliás, sobre esta matéria não interpôs a Recorrente recurso, pelo que se deverão considerar transitadas as decisões proferidas nos autos a fls. 41, 47 e 56.

E não se diga que assim se violou o direito de defesa da Recorrente, quando esta não apresentou qualquer defesa escrita após a notificação do levantamento do auto de contra-ordenação, quando esta esteve meses/anos sem sequer consultar o processo de contra-ordenação que correu termos na ANSR, quando esta agora só vem invocar as mais variadas invalidades e se esquece de impugnar os factos concretos que lhe são imputados.

Quanto à verificação, ou não, das alegadas invalidades que, no entender da Recorrente, afectam a decisão administrativa impugnada, estamos com a M.ma Juiz recorrida quando, na parte inicial da douta sentença ora recorrida, se pronunciou, ainda que de uma forma suscinta, pela sua não verificação.

De facto:

A) A decisão administrativa não é nula por, alegadamente, não conter factos que integrem o elemento subjectivo da infracção – veja-se o ponto 7 da decisão administrativa para se verificar o desacerto desta nulidade invocada pela Recorrente;

B) A decisão administrativa não padece de falta de fundamentação, já que dela constam os factos que à Recorrente vêm imputados, dela resultam quais os concretos meios de prova que suportam tais factos, e dela não resultam quaisquer omissões ao nível da sua fundamentação, pelo menos de direito - vejam-se os pontos 1, 2, 3, 5, 7 e 8 da decisão administrativa;

C) A decisão administrativa não enferma de insuficiência de factos provados para a decisão que foi proferida, já que foram concretamente indicados os meios de prova obtidos e realizados (e não foram manipulados como insinua a Recorrente) – vejam-se os pontos 1, 2 e 3 da decisão administrativa;

D) A decisão administrativa não padece de qualquer nulidade por não explicar a forma de manuseamento do radar, como este é instalado e utilizado (esta matéria não constitui meios de prova mas antes meios de obtenção da prova);

E) A decisão administrativa não padece de falta de fundamentação por não justificar o período da sanção acessória fixado – veja-se o ponto 8 da decisão administrativa;

F) A decisão administrativa não padece de qualquer vício por não se ter aferido da existência de qualquer perigo concreto para os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora, para se fundamentar a aplicação da sanção acessória.

Foram, pois, respeitados todos os requisitos previstos no art. 58º, nº1, do R.G.C.O, e no art. 181º, do Código da Estrada, sendo certo que a decisão administrativa não pode ser equiparada, em grau de exigência, a uma sentença penal, como bem alertou a M.ma Juiz recorrida.

Na douta sentença agora proferida foram devidamente apreciados, e valorados, todos os meios de prova produzidos, sendo certo que não se verificam as discrepâncias referidas pela Recorrente quanto ao modelo de radar efectivamente utilizado, quanto á prova fotográfica constante dos autos, e quanto à verificação e certificação do radar (a Recorrente confunde o nº 0556, que se refere à identificação do operador do radar, com o nº de identificação do radar -04-90-534).

Essa valoração dos meios de prova não é errada só porque não determinou os factos dados como provados conforme pretendia a Recorrente.

Esses meios de prova levaram à fixação da matéria de facto, que não foi, de forma alguma, contrariada pela Recorrente, sendo esta matéria de facto suficientemente fundamentada por aqueles meios de prova.

Efectuou, depois, a M.ma Juiz o enquadramento jurídico de tais factos de forma irrepreensível e inatacável, tendo culminado com a confirmação integral da decisão administrativa impugnada.

e, quanto à condenação em custas, que:

“A) A referência simples aos arts. 93º e 94º, não passa de um mero lapso de escrita, já que a Recorrente bem sabe que tais artigos se reportam ao R.G.C.O.;

B) A fixação da taxa de justiça em 3 Uc´s é um espelho da conduta processual da Recorrente, que veio arguir todas e mais algumas das nulidades possíveis, que veio requerer a produção de meios de prova inócuos e inúteis, e que insistiu na produção de incidentes processuais, que visam tão só a dilação no tempo da decisão final, e uma eventual prescrição do procedimento contra-ordenacional.”

pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no qual se limitou a acompanhar a resposta do MºPº na 1ª instância, pronunciando-se igualmente no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo a recorrente apresentado resposta, na qual e no essencial rebateu a argumentação desenvolvida pelo MºPº da 1ª instância e reiterou a sua pretensão recursiva.

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação

Na decisão recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:

1) No dia 26 de Junho de 2014, pelas 8 horas e 59 minutos, na A2, Km 217,100, área desta comarca, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula LH-, propriedade da recorrente, circulava à velocidade de, pelo menos, de 155 km/hora, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 Km/hora, conforme detectado por radar.

2) A arguida foi notificada da infracção mencionada em 1), não tendo o recorrente, na sequência da referida notificação, deduzida defesa escrita e ou identificado, terceira pessoa, como sendo condutor do referido veículo.

3) Na sequência da notificação mencionada em 2) a arguida procedeu ao pagamento da coima

4) O condutor do referido veículo ao conduzir àquela velocidade não observou o dever de cuidado que sobre si recaía, e que podia e devia observar, adequando a velocidade ao limite legal que sabia existir para a circulação de veículos automóveis naquele local.

5) A arguida, procedeu ao depósito da coima e não apresentou defesa dentro do prazo estipulada para o efeito, tendo o mesmo se convertido em pagamento.

6) A arguida tem averbado no seu registo individual de condutor o seguinte ilícito contra-ordenacional:

5.1. condução de automóvel ligeiro fora de localidade a mais de 30km/h e até 60 km/hora, praticado 07 de Dezembro de 2011, sancionada com inibição de conduzir de 30 (trinta) dias, suspensa por 180 dias, datando a notificação da decisão de19.09.2012.

7) A arguida em 2015 auferiu rendimentos provenientes do trabalho dependente no montante de € 5555,00, tendo, conjuntamente, com o seu cônjuge, declarado, rendimentos tributáveis, provenientes do exercício de actividades profissionais e comerciais que ascendem ao montante de € 180 270, 13.

E, como não provados, os seguintes:

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa, nomeadamente, tudo quanto, para além do que ficou assente, não sendo conclusivo ou de Direito vinha alegado pelo arguido no seu recurso, e que não se compagine com a factualidade provada, não se tendo, nomeadamente, logrado provar que:

1) A arguida careça em absoluto de fazer uso do veículo para o exercício da actividade profissional (a qual implica constantes dentro e fora do território nacional) e para prestar apoio à sua família.

A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:
A convicção do tribunal, quanto à matéria de facto provada, fundamentou-se no teor do auto de contra-ordenação junto aos autos e documentação anexa ao mesmo, da qual consta o certificado de verificação do radar utilizado na medição da velocidade a que era conduzido o veículo ligeiro de passageiros de matrícula -LH- – cfr. fls. 5 a 8.

Para além disso foram tidos em consideração o registo individual de condutor, constante de fls 12, bem como a ficha relativa ao auto, constante de fls11, de onde se conclui que a recorrente procedeu ao pagamento do valor da coima.

Os rendimentos da arguida foram dados como provados com base na prova de natureza fiscal junta aos autos.

Os factos dados como não provados foram assim valorados ou por não ter sido produzida qualquer prova que os suportasse ou pelos mesmo terem sido infirmados pela prova documental e pericial junta aos autos.

3. O Direito

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2], no quadro restrito dos quais - através do mero exame do texto da decisão recorrida ( sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo ), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum - se circunscreve, em matéria contra-ordenacional e em face da limitação constante do nº 1 do art. 75º do RGCO, a reapreciação da matéria de facto.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões submetidas à nossa apreciação são, pela ordem da sua precedência lógica, as seguintes:

- ausência de descrição fáctica e indicação probatória na decisão da autoridade administrativa, com violação dos direitos de defesa;

- incorrecta apreciação da prova e fundamentação deficiente;

- condenação em custas.

3.1. No entender da recorrente, a decisão administrativa não contém a matéria de facto e probatória suficientes para lhe permitirem exercer o seu direito de defesa.

Já em sede de impugnação judicial a recorrente havia arguido a nulidade da decisão da autoridade administrativa, questão que foi apreciada e decidida no despacho recorrido nos seguintes termos:

Determina o nº1 art.58º do RGCO sob a epígrafe decisão condenatória que a «decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter

a) a identificação dos arguidos;

b) a indicação dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;

c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.

Mais dispõe o art. 181.º do Código da Estrada que a decisão proferida pela autoridade administrativa deve:

1) identificar o recorrente e descreve os factos imputados;
2) indicar os meios de prova utilizados e as razões pelas quais se atribuiu valor probatório aos mesmos, concretamente ao auto de contra-ordenação, dando conta dos motivos, quer de facto quer de direito, que conduziram à graduação da coima e da sanção acessória cominadas;

Embora a decisão administrativa, como comumente é referido na jurisprudência, não possa ser equiparada em grau de exigência a uma sentença, há-de a mesma, contudo, conter a totalidade dos factos juridicamente relevantes com vista a aferir da existência ou não da prática de um determinado ilícito contra-ordenacional, por um determinado sujeito.

Com efeito, como escreve António Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral in Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações, 3º Edição, Almedina, “importa porém salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita ás características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação a sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram a sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial, e, já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer do processo lógico de formação da decisão administrativa.

Assim, qualquer decisão administrativa que aplique uma coima, esteja ou não em causa contra ordenação estradal, para além de identificar o sujeito da contra-ordenação, deve conter, ainda, uma narração objectiva, individualizada e concreta dos factos a imputar e das diligências probatórias que os sustentam e bem assim dos termos ou moldes em que as provas produzidas foram valoradas (nomeadamente em que sentido foram descredibilizadas, caso nenhum crédito tenham merecido).

Ora, no caso concreto, a arguida denota saber, exactamente, quais são os factos que lhe são imputados (factos esse que diz de forma genérica impugnar) e sabe também quais os meios de prova que os sustentam (embora discorde da valoração que deles foi feita), sendo certo, que a decisão administrativa, no que concretamente se reporta ao meios de obtenção prova, não têm, para que se possa considerar devidamente e suficientemente fundamentada, que fazer uma descrição do funcionamento do cinemómetro utilizado e ou aos termos e modos de instalação e utilização do mesmo, nem a falta dessa descrição bole, minimamente, com o direito de defesa de qualquer recorrente, que, via de regra, se defenderá e impugnará factos (e não meios de obtenção de prova), invocando outros factos que os infirmem ou os tornem duvidosos, o que não caso não foi feito. Pretendendo a recorrente de forma inusitada, simplesmente suscitar dúvidas, que são totalmente genéricas e abstractas, acerca do funcionamento do radar, sendo que em momento algum alega que circulava à velocidade regulamentar, único facto que teria aptidão para colocar em causa a fiabilidade da medição efectuada, desde que houvesse outra medição, diversa da efectuada, que tivesse sido realizada, igualmente, por radar acreditado ou reconhecido.

Acresce que a decisão não é, contrariamente, ao sustentado sequer omitido quanto ao tipo subjectivo, já que imputa os factos, à recorrente, a título negligente (sendo meros exercícios estéreis de retórica as questões suscitadas pela recorrente quanto a esta mesma matéria). Aliás, inexiste sequer diligência probatória que possa ser levada a cabo para aferir dos elementos subjectivo, pois que o mesmo se extrai, como é sabido, com apelo às regras da experiência comum, a partir dos elementos objectivos, pelo que não é concebível, quanto a esta matéria, a omissão de actos de inquérito.

Por outro lado a entidade administrativa, por não se tratar de sequer de um requisito legalmente consagrado, não tem que dar como provada a perigosidade da conduta do infractor para os bens jurídicos tutelados pela norma estradal violada, para que e fique legitimada, em momento subsequente, a aplicar ao infractor a sanção acessória de inibição de conduzir.

Pelo que importa concluir que da decisão administrativa constam ou sejam estão na respectiva motivação de facto, explanados todos os factos tidos como relevantes para afirmação da responsabilidade contra-ordenacional da arguida.

Acresce, que inexistem igualmente quaisquer omissões ao nível da fundamentação de direito (de molde a que possamos concluir pela sua total ausência de fundamentação, pois que só esta determinaria a nulidade da decisão proferida), sendo que são, igualmente, invocadas as normas legais que sustentam, do ponto de vista jurídico, a decisão tomada, nomeadamente, no que concerne à aplicação da sanção acessória, a qual, como a recorrente bem sabe, é de aplicação cumulativa, com a coima, inexistindo que aferir da existência de qualquer perigo concreto para os bens jurídicos tutelados pela norma tipificadora do ilícito contra-ordenacional, para justificar a sua aplicação.

Mais se dirá, que a própria aplicação e determinação da medida concreta da sanção acessória também ela surge igualmente justificada do ponto de vista legal, pelo que também neste segmento inexiste falta de fundamentação.

Mais diremos que a decisão se encontra também cabalmente motivada, tendo a entidade administrativa, explanado, em termos que se afiguram suficientes, quais os meios de prova que serviram de fundamento à afirmação da factualidade dada como provada, meios de prova esses, cuja fiabilidade e ou valor probatório a recorrente inclusivamente contesta, sendo certo, que in casu inexistiam quaisquer diligência probatórias úteis a realizar e que tivessem sido injustificadamente omitidas (tanto mais que na faz administrativa

Pelo que importa, pois, concluir que a decisão administrativa recorrida preenche todos os requisitos legais previstos no artigo181.º do Código da Estrada, importando assim julgar improcedentes as nulidades arguidas.

Pouco mais há a acrescentar às considerações acima transcritas, para além de constatar o seu total acerto.

De facto, a consulta dos autos demonstra à evidência a ausência de razão da recorrente.

Desde logo, o auto de contra-ordenação, a fls. 5, contém todas as indicações exigíveis, nomeadamente identificação do veículo pertencente à recorrente, data e local em que foi praticada a infracção, indicação de que esta não foi presenciada pelo autuante, descrição da conduta, identificação precisa e detalhada do aparelho através do qual foi verificada a velocidade à qual aquele veículo circulava, normas infringidas e sanções aplicáveis. Encontra-se, ainda, acompanhado da prova fotográfica e do certificado de verificação do cinemómetro-radar utilizado, respectivamente a fls. 7 e 8.

As mesmas indicações constam da notificação enviada à recorrente, na qual vêm, ademais, explicados todos os procedimentos a seguir, nomeadamente no caso de pretender apresentar defesa (cfr. fls. 9 e 10).

Finalmente, a decisão da autoridade administrativa contém, nomeadamente, a descrição da materialidade da conduta, a norma que fundamenta a responsabilidade da recorrente (em virtude de, não tendo sido possível identificar o autor da contra-ordenação e não tendo ela identificado outrem como tal, a responsabilidade pela sua prática recair sobre ela enquanto titular do documentação de identificação do veículo), as normas incriminadora e sancionatória, a imputação subjectiva, no caso a título de negligência, a fundamentação de facto9 e de direito para a punição como reincidente, a concreta sanção aplicada e os termos da respectiva suspensão.

Tudo tão claro e com a fundamentação exigível para uma decisão dessa natureza que mal se compreende que a recorrente venha invocar a violação dos seus direitos de defesa. Aliás, teve ampla oportunidade de usar os meios de defesa ao seu dispor e, apesar de regulamente notificada, não o veio fazer ao abrigo do disposto no art. 50º do RGCO, só tendo reagido depois de notificada da decisão da autoridade administrativa e em termos que demonstram claramente que apreendeu na sua completude o sentido e os fundamentos da mesma para o que, aliás, nem era requerida argúcia fora do comum. E se alguma dúvida pairasse no seu espírito, nenhum impedimento existia a que procedesse à consulta dos autos, e nem a recorrente produz qualquer alegação concreta[3] no sentido de que alguma vez, nomeadamente no decurso da fase administrativa dos autos, esse direito lhe tenha sido coarctado.

Não são necessárias mais alongadas considerações para termos como demonstrada a improcedência deste fundamento do recurso.

3.2. A recorrente sustenta que o tribunal recorrido não apreciou a totalidade da prova junta aos autos, não tendo considerado a prova fotográfica a fls. 7, em concreto a discrepância entre o registo de medição da prova fotográfica e a discrepância com a informação nela inserida, nem apreciado a desconformidade dos registos de medição de velocidades com o nº 2 do art. 9º da Portaria nº 1542/2007 de 6/12, tendo feito uma errada apreciação da prova que apreciou com consequente deficiência de fundamentação. Aponta, ainda, ausência de base legal para a determinação do elemento subjectivo.

Contrariamente ao que a recorrente defende, não se evidencia no texto da decisão recorrida qualquer erro na valoração da prova que sustenta a decisão da matéria de facto, em particular quanto ao teor do auto de contra-ordenação e documentação anexa, a fls. 5 a 8.

De facto, desse auto consta a inequívoca identificação do radar com o qual foi efectuada a medição da velocidade (“Radar Fotográfico Multanova muvr 6 fd 04.90.534, aprov. Pela ANSR Despacho 1863 / 14 de 02 JAN e pelo IPQ através Despacho aprovação modelo 11.20.12.09 de 31 MAI12 verif. Pelo IPQ em 10 / 10 /2013” ), em consonância com a identificação do equipamento constante da prova fotográfica a fls. 7 e do certificado de verificação a fls. 8, elementos que também foram mencionados na notificação constante de fls. 10. É certo que a decisão da autoridade administrativa alude ao Multanova (modelo) MR-6FD, mas resulta evidente que tal se deveu a um simples lapso na medida em que as menções constantes do auto de contra-ordenação e documentação anexa demonstram de forma inquestionável que o modelo utilizado na medição foi o modelo MUVR-6FD[4]. De todo o modo, ao lapso em questão não pode ser atribuída a relevância que a recorrente lhe pretendeu atribuir pois a simples incorrecção na identificação do meio utilizado na obtenção da prova não infirma a sua intrínseca validade e, ademais, à recorrente já havia sido dado anteriormente conhecimento do preciso modelo utilizado de forma a possibilitar-lhe o amplo exercício dos seus direitos de defesa. Ora, o meio que foi efectivamente utilizado é, sem qualquer dúvida, um meio válido de obtenção de prova e em momento algum a recorrente alegou que a sua utilização foi efectuada em condições diferentes das legalmente estabelecidas, limitando-se a aventar, só já na impugnação judicial que apresentou, hipóteses e dúvidas sem qualquer tipo de concretização[5].

Também despida de relevância é a alegação de que da prova fotográfica a fls. 7[6] não constam todos os requisitos exigidos pelo nº 2 (“Os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do cinemómetro assim como a data da última verificação metrológica”) do art. 9º da Portaria nº 1542/2007 de 6/12, pois a mesma mostra-se complementada pela cópia do certificado de verificação que a acompanha e, em conjunto, contêm a menção de todos aqueles requisitos, os quais, aliás, como já referimos, foram mencionados na notificação a fls. 10.

E, diferentemente do que alega, o nº 0556 constante da referida prova fotográfica não corresponde ao nº de série do radar que é, insofismavelmente, o nº 04-90-534 (cfr. fls. 8), expressamente mencionado na decisão da autoridade administrativa. Aquele outro número a que a recorrente alude corresponde, como aliás já fez notar o MºPº na resposta ao recurso, à identificação do operador do radar (operador 0556 – Galhano, como identificado a fls. 7).

Finalmente, no que concerne à questão respeitante ao elemento subjectivo, também a recorrente se mostra carecida de razão. Sendo a recorrente a titular do documento de identificação do veículo que circulava a velocidade superior à legalmente permitida, não tendo sido possível identificar quem o conduzia na ocasião e não tendo ela indicado outrem como autor da contra-ordenação, é sobre ela quem impende a responsabilidade pela prática da contra-ordenação, de acordo com o disposto nos arts 135º nº 3 e 171º nº 2 do C. Estrada. E a imputação não poderia deixar de ser feita a título de negligência, conclusão que se extrai da materialidade da conduta em causa em conjugação com o dever de cuidado que impende sobre os condutores e as regras da experiência comum e nada tendo a recorrente alegado que pudesse afastar a sua responsabilidade. De facto, se o condutor(a) do veículo circulava em excesso de velocidade e se não foi alegada nem se vislumbra qualquer outra circunstância que pudesse explicar tal conduta violadora das normas estradais que não podia desconhecer, outra conclusão não se apresenta como legítima. É certo que a decisão recorrida não contém fundamentação expressa a este respeito, que de forma sucinta constava da decisão da autoridade administrativa, mas ainda assim não padece de qualquer incorrecção, inexistindo fundamento bastante para que fosse ordenada a produção de fundamentação suplementar face à simplicidade e clareza da questão.

Por todo o exposto, improcede mais este fundamento do recurso.

3.3. Finalmente, a recorrente insurge-se contra a sua condenação em custas, por um lado porque as normas indicadas no despacho recorrido (arts. 93º e 94º) não existem no RCP, por outro porque a mesma não foi fundamentada e, por outro ainda, porque reputa a fixação em 3 UC de excessiva.

No segmento do dispositivo do despacho recorrido respeitante à matéria de custas, consta o seguinte:

Condeno a recorrente nas custas pelo decaimento no presente recurso, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs, nos termos dos artigos 93.º e 94.º do e do artigo 8.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, com referência à tabela III, anexa ao referido diploma.

Como facilmente se constata, não foi feita referência expressa ao diploma a que pertencem os citados arts. 93º e 94º, resultando à evidência que tais preceitos não pertencem ao RCP ( diploma que apenas tem 40 artigos ) e nem como tal se pretendeu referi-los pois existe um hiato entre eles e o outro a seguir mencionado, esse sim pertencente àquele diploma.

Trata-se de um simples lapso, de fácil detecção e de não menos fácil suprimento para qualquer jurista, sendo pouco crível que a recorrente, representada como está por advogada constituída - e para mais assessorada por advogado estagiário (que se concede não terem poderes divinatórios, como alegam, mas aos quais são exigíveis os conhecimentos jurídicos suficientes para litigar em matéria contra-ordenacional, a começar pelo respectivo regime geral), não tivesse capacidade para determinar a que diploma os preceitos em causa pertencem. De todo o modo, o lapso em questão apenas permitia que fosse solicitada a sua reparação, o que a recorrente não fez, optando por vir levar esta questão ao recurso.

Tendo-o feito, apenas nos cabe determinar agora a correcção do mesmo, ao abrigo do disposto no art. 380º nºs 1 al. b) e 2 do C.P.P., de forma a que, no segmento transcrito, passe a constar “nos termos dos artigos 93.º e 94.º do RGCO”, porque, de facto, é inquestionavelmente este o diploma a que os mesmos pertencem e o que só por lapso não foi referido.

Relativamente às demais objecções que a recorrente suscita a propósito desta matéria, há que ter em conta, em primeiro lugar, o nº 3 do referido art. 93º, nos termos do qual “Dão lugar ao pagamento de taxa de justiça todas as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido.” Ora, não sofrendo dúvidas de que o despacho recorrido constitui uma decisão judicial desfavorável à arguida, ora recorrente, a condenação em custas resulta da lei, não dependendo do critério do decisor, razão pela qual não se exige fundamentação específica para a decretar.

Quanto ao montante em que foram fixadas as custas, há que ter em conta que a taxa de justiça para a impugnação judicial em processo contra-ordenacional deve ser fixada entre 1 e 5 UC, de acordo com a tabela III anexa ao RCP. Considerando a concreta gravidade do ilícito em causa e a extensão das questões que a recorrente veio suscitar na impugnação judicial que apresentou, a fixação da taxa de justiça devida em 3 UC não se pode considerar como desproporcionada, não merecendo censura.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, em prejuízo da correcção supra ordenada em 3.3. julgam improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Vai a recorrente condenado em 4 UC de taxa de justiça.

Évora, 12 de Setembro de 2017

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(Maria Leonor Esteves)

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(António João Latas)

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[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).

[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.

[3] Limita-se a alegar que a consulta do processo de contra-ordenação lhe esteve vedada durante meses/anos, sem contudo esclarecer quem e em que circunstâncias tal acesso lhe teria sido negado, não evidenciando os autos qualquer tentativa de consulta dos mesmos nem qualquer reacção a uma pretensa sonegação dos mesmos, o que tanto mais se estranha quanto a recorrente tem mandatária constituída…

[4] Ambos os modelos aprovados pelos despachos nºs 8334/2012 e 1863/2014 da ANSR.

[5] Refira-se, a este propósito, que a recorrente não pode pretender, nesta sede, retomar questões de facto que não cuidou de esclarecer na 1ª instância, tendo-se conformado com os despachos que indeferiram as diligências de prova que requereu e aceitando mesmo que o tribunal a quo decidisse por despacho.

[6] Dúvidas legítimas quanto à pertinência deste registo com o auto de contra-ordenação a fls. 5 também não têm o mínimo sustentáculo pois a ordem natural das coisas diz-nos que a regra é o auto de contra-ordenação ser elaborado com os elementos retirados da prova fotográfica, o que explica a razão pela qual o nº deste não é mencionado naquela prova, e sendo de notar que existe rigorosa correspondência entre uma e outro no que respeita a características do veículo, circunstâncias de tempo e lugar em que a infracção foi praticada e características do cinemómetro utilizado no seu registo. Ademais, a insinuação de que a prova fotográfica terá sido manipulada (e que a recorrente podia facilmente ter esclarecido através da inquirição do autuante e/ou do operador caso não tivesse “prescindido” da realização do julgamento) é totalmente infundamentada e nem mesmo a recorrente alega que o veículo que lhe pertence não tem as características visíveis na fotografia ou oferece qualquer razão minimamente verosímil para que tal procedimento, claramente ilegal, tivesse sido praticado por elementos ad GNR.