Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1859/17.8T8PTM-A.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: AUDIÊNCIA DE PARTES
NOTIFICAÇÃO ÀS PARTES
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: Tendo a parte constituído mandatário judicial no início da audiência de partes, o tribunal deve notificar não só a própria parte presente para contestar, mas também o mandatário constituído, não presente, sob pena de ocorrer nulidade com influência no exame e decisão da causa, sendo tempestiva a contestação oferecida pela ré antes do seu mandatário judicial ter sido notificado para o efeito.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1859/17.8T8PTM-A.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: CC (ré).
Apelada: BB (autora).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J2.

1. Foi proferido no tribunal recorrido o despacho seguinte:
“Tendo decorrido a audiência de partes no dia 17.10.2017 ficou, nessa data, a ré notificada para, em 10 dias, apresentar contestação (cf. fls. 172-173).
A ré CC veio apresentar contestação, via citius, no dia 30.10.2017 (fls. 183 e ss.), ou seja, no 1.º dia útil após o termo do prazo, sem que, nessa oportunidade, tenha procedido ao pagamento da multa prevista no artigo 139.º n.º 5, alínea a) do Código de Processo Civil.
Em consequência, a secretaria procedeu à notificação prevista no artigo 139.º n.º 6 do Código de Processo Civil.
Até à presente data (23.11.2017), a referida multa não se mostra paga, nem foi invocada pela ré a existência de justo impedimento para o efeito.
Em conformidade com o disposto no artigo 139.º n.º 3 do Código de Processo Civil, “o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato”.
Não se afigura que possam existir dúvidas de que o prazo para apresentar contestação é um prazo perentório – aliás, com consequências preclusivas associadas (cf. artigo 57.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Assim, a validade do ato praticado no 1.º dia útil após o termo do aludido prazo estava dependente do pagamento imediato da multa prevista no mencionado artigo 139.º nº 5. Como o mesmo não ocorreu, a secretaria, tal como já referido, procedeu à notificação prevista no n.º 6 do mesmo preceito. Não obstante, a multa em questão não foi paga.
Por assim ser, perdeu a ré o direito de praticar o ato para além do prazo legalmente previsto – e, em consequência, tem de considerar-se extemporânea a apresentação da contestação.
Nesta conformidade, por extemporânea, não se admite a contestação apresentada pela ré CC, determinando-se, em consequência, o respetivo desentranhamento.

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
I - Vem, o presente recurso, do despacho tirado nestes autos, em 23/11/2017, pelo Mmo. juiz da 1.ª instância, e exarado a fls. … dos mesmos, no qual, e em apertada síntese, o mesmo senhor juiz mandou desentranhar a contestação da ré/recorrente, por entender que a mesma havia sido extemporaneamente apresentada nos autos, não tendo a mesma ré pago, como lhe competia, e ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 5 do art.º 139.º do NCPC, a multa devida pela sua entrega no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, nem, subsequentemente, a mesma multa, agora já com os legais acréscimos, conforme previsto no n.º 6 do mesmo dispositivo legal.
II - Não assiste razão ao senhor juiz, e isto porque, tendo o representante da ré entregue procuração a advogado no início da audiência de partes, a qual foi aceite, a notificação prevista na al. a) do art.º 56.º do CPT, deveria ter sido feita na pessoa desse mesmo advogado, via citius ou por correio, uma vez que, por impossibilidade de agenda, este não esteve presente na diligência em questão.
III - É isto o que comanda o n.º 1 do art.º 247.º do NCPC, aqui aplicável por força do estatuído no art.º 23.º do CPT.
IV - O que não podia acontecer, mas aconteceu, foi o senhor juiz ter notificado apenas e só a parte, na pessoa do seu legal representante ali presente, dando assim por cumprida a exigência prevista na al. a) do art.º 56.º do CPT.
V - Conclusão: nenhum dos atuais dois advogados da ré foi ainda notificado para os termos e efeitos do estatuído na al. a) do art.º 56.º do CPT,
VI - Pelo que a entrega da contestação em 30/10 p.p. tem de haver-se por atempada,
VII - E nunca por extemporânea, como defende o senhor juiz no despacho ora sob recurso.
VIII - Devem, por isso, V. Exas., Mmos. juízes desembargadores, anular o despacho analisando, e ordenar que, aproveitando-se a contestação já junta aos autos, mais não seja para evitar a prática de atos inúteis, a mesma seja notificada à A., prosseguindo os autos para julgamento.
IX - Se porém V. Exas. com isto não concordarem, então requer-se que seja por vós declarada, com todas as legais consequências, a nulidade processual prevista art.º 195.º/1 e 2 do NCPC, por em causa estar a omissão de um ato – notificação ao mandatário da ré do disposto no art.º 56.º/a do CPT – que influiu no e

3. Não foi apresentada resposta.

4. O recurso foi admitido pelo relator, após reclamação da apelante.

5. Após os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se a contestação é tempestiva.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Os factos a considerar são os que constam do despacho recorrido e das alegações e conclusões apresentadas pela ré.

B) APRECIAÇÃO
O art.º 56.º alínea a), do CPT, prescreve que, frustrada a conciliação, o juiz deve ordenar a notificação imediata do réu para contestar no prazo de 10 dias.
Por sua vez, o art.º 247.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art.º 23.º do CPT, prescreve que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
No caso concreto, a ré constituiu mandatário judicial nos autos e juntou a procuração respetiva no início da audiência de partes. A partir deste momento, o mandatário constituído tem obrigatoriamente de ser notificado de todos os despachos proferidos no processo.
A notificação da ré para contestar foi efetuada na pessoa do seu representante legal presente na audiência de partes, mas deveria também sê-lo na pessoa do seu mandatário constituído, como prescreve o art.º 247.º n.º 1 do CPC, uma vez que o CPT não regula esta matéria.
A omissão desta notificação é grave e tem manifesta influência nos termos ulteriores do processo. A parte, a partir do momento em que constitui mandatário judicial, tem a justa expetativa de que este seja notificado pelo tribunal dos atos necessários para o bom andamento da causa, que não impliquem a comparência da própria parte. O oferecimento da contestação não implica a deslocação da parte ao tribunal. Aliás, em face do sistema de comunicações eletrónicas obrigatórias via citius, a contestação tem que ser enviada por este meio, o que mais justifica a notificação do mandatário judicial para a prática ou não do ato consistente no oferecimento consciente da contestação. Este entendimento decorre também do art.º 57.º n.º 1 do CPT, na parte em que prescreve que se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
A referência a mandatário judicial mostra a harmonia do sistema. Havendo mandatário judicial constituído, as notificações à parte são efetuadas na pessoa daquele, excecionando apenas os casos em que a parte deve comparecer em juízo, em que a própria parte também é notificada a par do mandatário.
O tribunal deveria ter também notificado o mandatário judicial constituído pela ré para contestar, querendo, a ação no prazo de 10 dias, com a cominação legal. Esta omissão constitui uma irregularidade que influi decisivamente no exame e decisão da causa e torna nulos os termos subsequentes à omissão, nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC[1], à exceção da apresentação da contestação, a qual deve ser aproveitada e notificada à autora a fim de que possa exercer o contraditório nos termos legais e o processo prossiga a sua tramitação.
Está em causa um dos princípios estruturantes do processo judicial democrático, cuja violação posterga o livre exercício do contraditório de forma esclarecida, como a que se pretende com a constituição de mandatário judicial.
Nesta conformidade, a contestação oferecida pela ré é tempestiva, pelo que julgamos a apelação procedente e revogámos o despacho recorrido, sendo nulos todos os atos subsequentes à omissão, à exceção da apresentação da contestação pela ré, a qual deve ser aproveitada e notificada à autora a fim de que os autos prossigam a sua tramitação normal.
Sumário: tendo a parte constituído mandatário judicial no início da audiência de partes, o tribunal deve notificar não só a própria parte presente para contestar, mas também o mandatário constituído, não presente, sob pena de ocorrer nulidade com influência no exame e decisão da causa, sendo tempestiva a contestação oferecida pela ré antes do seu mandatário judicial ter sido notificado para o efeito.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, revogar o despacho recorrido, sendo nulos todos os atos subsequentes à omissão, à exceção da apresentação da contestação pela ré, a qual deve ser aproveitada e notificada à autora a fim de que os autos prossigam a sua tramitação normal.
Custas pela parte vencida a final na proporção em que o for.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de setembro de 2018.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço
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[1] Ac. STJ, de 22.02.2017, processo n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1, www.dgsi.pt/jstj (secção social).