Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
929/15.1T8BNV-A.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
DIREITOS SOCIAIS
COOPERATIVA
Data do Acordão: 03/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
As Secções de Comércio são as competentes em razão da matéria para conhecer de ações/procedimentos cautelares onde se discutem direitos sociais respeitantes às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Nesta Providência Cautelar não Especificada em que é Requerente AA e Requerida BB, CRL veio esta última deduzir Oposição, em que invocou, para além do mais a Incompetência do Tribunal “a quo” em razão da matéria.

Apreciando a questão veio a ser proferido o seguinte Despacho:
» Tribunal Competente:
Em sede de oposição, a requerida veio invocar a incompetência material desta instância local, por considerar que em causa está o exercício de direitos sociais, sendo consequentemente competente a instância Central desta Comarca de Santarém - secção de Comércio – cf. art.º 128.º, n.º 1 alínea c) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário).
Foi o requerente, expressamente notificado, para querendo responder à excepção invocada, o que fez, pugnando pela sua improcedência.
Apreciando, cumpre dizer o seguinte:
Efectivamente, é em face do pedido formulado pelos autores e pelos fundamentos (causa petendi ) em que os mesmos se apoiam, e tal como a relação jurídica é pelos autores delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar a competência do tribunal para determinada acção poder/dever conhecer.
A competência dos tribunais judiciais fixa -se no momento em que as acções se propõem, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito ocorridas posteriormente, salvo, quanto a estas últimas, se for suprimido o órgão ao qual a causa estava afecta, ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente não dispunha para dela conhecer – cf. artigo 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário - LOSJ)
O art.º 40, n.º 2 da referida LOSJ, em conjugação com o art.º 65 do CPC, dispõe que aquele diploma determina a competência em razão da matéria, entre os tribunais judiciais de primeira instância, estabelecendo as causas que competem às secções de competência especializada dos tribunais de comarca ou aos tribunais de competência territorial alargada.
As secções de Comércio fazem parte das instâncias centrais, e são de competência especializada (conjugação da alínea f) do n.º 2 art.º 81.º com o art.º 128.º da LOSJ).
Sobre a competência das referidas secções, dispõe o art.º 128.º da LOSJ: “ 1 - Compete às secções de comércio preparar e julgar: c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais; (…)”Não colocamos em causa que o pedido formulado pelo requerente – violação do direito de informação que lhe assiste como associado da requerida e que o impediu de participar no processo eleitoral dos órgãos sociais da requerida - se insere no exercício de direito sociais e aparentemente, de acordo com a referida disposição legal, seria materialmente competente a secção de comércio para dirimir a questão em apreço. No entanto, consideramos que esta competência é apenas e só aparente.
A competência material dos Tribunais de Comércio, criados pela Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei 3/99, de 13 de Janeiro) respeita aos conflitos que envolvem sociedades, como resulta das alíneas a) a i) do anterior art.º 89.º e actual art.º 128.º.
Tal está patente nos trabalhos preparatórios da proposta de Lei 182/VII, DR de 12 de Junho de 1998, IIª série, n.º 59, págs. 1279 (embrião da Lei 3/99), quando refere que os tribunais de comércio estão vocacionados para as questões “conflituais relativas ao contencioso das sociedades, ao contencioso da propriedade industrial, às acções e aos recursos previstos no Código de Registo Comercial, aos recursos em matéria de contra-ordenação, no âmbito da defesa da concorrência”. (sublinhado nosso).
Consequentemente, não foram tais tribunais criados para conhecer todos e quaisquer conflitos envolvendo entidades que possam ser consideradas entes colectivos com actuação empresarial (por exemplo, cooperativas e associações sem fim lucrativo), mas apenas os provenientes de pessoas colectivas com fins lucrativos, ou seja, sociedades comerciais que têm por objecto a prática de actos de comércio e adoptem um dos quatro tipos previstos no art. 1º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais ou por sociedades a elas equiparadas nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 1º do CSC.
Veja-se que, nem no Código Comercial nem na restante legislação mercantil está prevista qualquer menção às cooperativas, acrescendo que as mesmas são objecto de diploma próprio, actual Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto – Código Cooperativo.
De acordo com o art.º 2.º, n.º 1 da referida Lei: “ As cooperativas são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles. “
A ausência de escopo lucrativo é inerente à noção de “cooperativa”, sendo elemento estruturante dos princípios cooperativos. Por não visarem o lucro, as cooperativas não são sociedades comerciais. Pelo contrário, o fim lucrativo caracteriza e é indissociável do contrato de sociedade - cf. art. 980º do Código Civil.
Considerando assim os trabalhos preparatórios, temos por certo que foi intenção do legislador a de atribuir às secções de Comércio competência para apreciação daquelas matérias previstas no art.º 89/128.º citado, no âmbito das sociedades comerciais, excluindo outras figuras jurídicas como são as associações, as sociedades civis sob forma civil, as cooperativas. Aliás, neste sentido tem ido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, referindo-se a titulo exemplificativo o Processo n.º 01A4091, datado de 05-02-2002, Processo n.º 02B2071, datado de 19-09-2002 e a jurisprudência das Relações, como Relação de Lisboa, Processo n.º 441/2007-6, datado de 31-01-2008 e Relação do Porto, Processo n.º 0250059, datado de 18-02-2002, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Conclui-se, pois, que apesar de em causa estar o exercício de direitos sociais, sendo a requerida uma cooperativa, que não é uma sociedade comercial, não tem aplicação o disposto no n.º 1 alínea c) do art.º 128.º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, e consequentemente não são materialmente competentes as secções de comércio.
Acrescentamos que, atento o valor do procedimento cautelar, não é também competente a instância central – secção cível – cf. art.º 81.º, n.º 2 alínea a) e 117.º, n.º 1 alíneas a) e c) da referida Lei.
Não cabendo na competência das secções de Comércio nem na das restantes secções de competência especializada, deve concluir-se que, residualmente, a competência caberá nas secções de competência genérica.
Assim, dispõe o art.º 130.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, que “1- Compete às secções de competência genérica: a) Preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada; (…) 2 - As secções de competência genérica podem ser desdobradas em secções cíveis e em secções criminais.”
É por isso competente para o presente procedimento cautelar a presente instância local de Benavente, com competência genérica, desdobrada em secção cível – cf. art.º 98.º, n.º 2, al. c) do Dec. Lei n.º 49/2014, de 27 de Março - relvando aqui para o apuramento da competência territorial o disposto no art.º 81.º do CPC.
Face ao exposto, improcede a excepção dilatória de incompetência material invocada, sendo materialmente competente as secções de competência genérica, sendo que no caso, territorialmente competente a presente instância local de Benavente.

Inconformada com tal decisão, veio a Requerida interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
I. Mal andou a Decisão recorrida quando julgou improcedente a excepção dilatória de Incompetência Material arguida pela Recorrente BB, CRL na sua Oposição,
II. Decidindo pela competência da Instância Local de Benavente para apreciar e decidir dos presentes autos.
III. Ao invés de ter reconhecido que competente materialmente para os presentes autos é, não a Instância Local de Benavente, mas a Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Santarém.
IV. A questão de mérito suscitada pela ora Recorrente, BB, CRL é assim apenas uma e resume-se a ver e reconhecer que a Competência Material para apreciar e julgar os presentes autos pertence à Secção de Comércio da Instância Central da comarca de Santarém, e não à Secção Cível da Instância Local de Benavente, da mesma comarca, onde foi intentada, como decidiu o Tribunal “a quo”.
V. Ora, no âmbito da jurisdição civil, a competência dos tribunais judiciais, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições do Código de Processo Civil.
VI. Nos termos do disposto no art.º 64.º do Cód. Proc. Civil, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. VII. As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada – cfr. art.º 65.º do citado diploma.
VIII. Acresce que, a competência material do tribunal afere-se em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida.
IX. Ou seja, como salienta o Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, pág.91, é pelo pedido do Autor que a competência se determina.
X. Ora a relação jurídica controvertida, tal como o Recorrido AA a configura no seu requerimento inicial reporta-se, inegavelmente, ao exercício de um direito social, atenta a invocação da qualidade de associado da Recorrente BB, CRL e os pedidos pelo mesmo formulados em sede do presente procedimento cautelar.
XI. Isso mesmo é aliás expressamente reconhecido pelo Tribunal “a quo” na Decisão ora recorrida.
XII. Ora tal matéria é expressamente reservada à competência das secções de comércio, conforme resulta de forma expressa do disposto no n.º1 do art.º 128.º da LOSJ,
XIII. Apesar disso, concluiu o Tribunal a quo estar, no presente caso, afastada a competência da secção de comércio da Instância Central da Comarca de Santarém, por considerar que a competência dos Tribunais de Comércio está reservada a questões que se prendam com sociedades comerciais, delas se excluindo as questões atinentes a entidades sem fins lucrativos, como é o caso das cooperativas, entre as quais se incluiu a Recorrente.
XIV. Decisão que fez assentar num enquadramento legislativo que já não se encontra em vigor, sendo, por isso, inaplicável a estes autos, a saber a Lei n.º3/99, de 13 de Jan., que foi expressamente revogada pela al. b) do art.º 187.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário, abreviadamente designada por LOSJ), XV. E, os trabalhos preparatórios da proposta de Lei 182/VII, DR de 12 de Junho de 1998, II série, n.º59, pag. 1279, ou seja, da proposta de lei que constituiu o “embrião” da mesma Lei n.º3/99.
XVI. Ora, mesmo à luz da legislação anterior, alguma jurisprudência vinha já defendendo que, em matéria de acções relativas ao exercício de direitos sociais - veja-se, por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2001, Proc. 7448/01 2ª Secção, o qual se cita – “O Tribunal do Comércio é o competente para conhecer das acções que tenham por objecto o exercício de direitos dos cooperadores por força do art. 89º nº 1 c) - exercício de direitos sociais - face à condição "societária" das cooperativas decorrente da aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais decorrente do art. 8º do Código Cooperativo.”
XVII. Ora, se era este o entendimento jurisprudencial na altura, de mais a mais aplicável às cooperativas em geral, conforme resulta do citado Acórdão, actualmente, por maioria de razão, uma acção relativa ao exercício de um direito social – como a que está em causa nos presentes autos – de um sócio ou associado de uma Caixa Agrícola (que, como se sabe, atendendo aos arts. 1.º e 3.º do RJCAM, é uma instituição de crédito sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada, portanto, uma cooperativa de crédito especial) cai no âmbito da competência material das secções de comércio.
XVIII. Nos termos da nova Lei, actualmente em vigor, os Tribunais de Comércio foram extintos, dando lugar às Secções de Comércio, secções de competência especializada, de âmbito mais vasto do que os antigos Tribunais de Comércio, dado que, por um lado, podem existir em qualquer Tribunal de Comarca – embora não tenham sido criadas em todos – e, por outro, decorre expressamente da lei que são competentes para preparar e julgar acções relativas a sujeitos que não sejam sociedades comerciais, bastando para tanto citar a nova alínea i) do n.º 1 do art. 128.º da LOSJ, nos termos da qual “compete às secções de comércio preparar e julgar: (…) i) as acções de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.”
XIX. Alteração legislativa que a Decisão recorrida ignorou e nem sequer considerou.
XX. E, que é por demais relevante, dado que nos termos da al c) do art. 3.º do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), que se cita, são instituições de crédito, entre outras A Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo”
XXI. Acresce que, nem todas estas instituições de crédito são constituídas sob a forma de sociedade comercial, como é o caso das instituições de crédito previstas na al. c) do citado normativo do RGICSF, ou seja, das caixas de crédito agrícola mútuo, as quais, como se sabe, são constituídas sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada.
XXII. Ou seja, actualmente, é a própria lei que expressamente atribui às Secções de Comércio (sempre que elas existam) dos Tribunais de Comarca o julgamento de acções relativas a instituições de crédito que não sejam sociedades, conforme resulta da conjugação da alínea i) do n.º 1 do art. 128.º da LOSJ com a al. c) do art. 3.º do RGICSF.
XXIII. Acrescente-se que, atendendo à necessária unidade do nosso sistema jurídico, nem sequer podia ser de outra forma, dado que a actividade desenvolvida por qualquer instituição de crédito – v.g., uma Caixa Agrícola como a Requerida –, independentemente do tipo que assumam, não deixa de ser considerada uma actividade comercial, pelo que, também (essencialmente) por isso, uma acção relativa ao exercício de um direito social por um sócio desta particular instituição de crédito sempre deverá caber no âmbito de competência das Secções de Comércio.
XXIV. Com efeito, atendendo ao conceito de instituição de crédito presente na alínea w) do art. 2.º- A do RGICSF, o qual visa englobar todos os tipos de instituições de crédito elencados no art. 3.º do RGICSF, portanto também as Caixas Agrícolas, considera-se que «instituição de crédito» é “a empresa cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria». (sublinhado nosso).
XXV. Por outro lado, os actos bancários, v.g., das Caixas Agrícolas, são actos comerciais, quer em sentido objectivo, quer em sentido subjectivo, conforme refere o Prof. MENEZES CORDEIRO, in Manual de Direito Bancário, cit., pp. 338-339.
XXVI. Acresce que, como refere o Prof. J.M. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Volume I, Almedina, 2011, p 107 e p. 111, «Além das sociedades comerciais, outras pessoas colectivas podem ser comerciantes. É o caso das (…) cooperativas – quando tais pessoas colectivas tenham objecto comercial (tenham por objecto a prática de actividades ou actos comerciais).
(…) nada impede que as cooperativas com objecto comercial sejam consideradas comerciantes (art. 13.º, n.º 1, do CCom )».
XXVII. Assim, as Caixas Agrícolas, instituições de crédito do tipo cooperativa, serão consideradas comerciantes à luz do art. 13.º do Código Comercial, por fazerem dos actos bancários (que são actos de comércio, como vimos) profissão.
XXVIII. Para o Prof. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, cit., p. 237, a ideia de “prática profissional” do banqueiro5 deixa-se precisar com recurso, nomeadamente, aos seguintes parâmetros:
“- é uma prática habitual: o banqueiro não se limita – como em qualquer profissão – a praticar actos ocasionais ou isolados; antes os leva a cabo em cadeia, numa sequência articulada;
- é uma prática lucrativa: o banqueiro pretende cobrir os custos da sua actividade e, ainda, realizar um determinado lucro; mesmo quando por razões conjunturais ou de fundo, haja prejuízos, a actuação desenvolve-se com uma mira de benefício; por isso, toda a organização do banqueiro assume, de modo necessário, uma feição empresarial. (…)”
XXIX. Assim, como as Caixas Agrícolas são um dos “banqueiros” tipificados na lei enquanto instituições de crédito, e como, por isso, do seu objecto faz parte a prática, de forma habitual e predominante, de actos bancários tendencialmente lucrativos, não se pode afirmar, contrariamente ao que se verifica relativamente às cooperativas comuns – como faz a decisão recorrida, que as mesmas não tenham finalidades lucrativas, só tendo tal finalidade as sociedades comerciais.
XXX. Daí que as acções que tiverem como parte uma Caixa Agrícola e se enquadrem no âmbito do art. 128.º da LOSJ – tal como o exercício de um direito social –, sejam da competência das Secções de Comércio, as quais estão especialmente vocacionadas para a apreciação, preparação e julgamento das acções de natureza comercial (mas não apenas societária, como cabalmente constatámos).
XXXI. Acrescente-se, que ainda que se entendesse que a competência das secções de comércio é uma competência exclusivamente societária – o que já vimos não ser o caso –, e não comercial em sentido amplo, o certo é que também neste ponto seríamos levados a concluir que as acções relativas ao exercício do direito à informação (direito social) de um associado ou sócio de uma Caixa Agrícola devem ser preparadas e julgadas pelas secções de comércio.
XXXII. Por um lado, porque a faceta bancária das Caixas de Crédito Agrícola justifica a opção pela orgânica estabelecida no art. 20.º do RJCAM, Por um lado, a faceta bancária das Caixas de Crédito Agrícola justifica a opção do legislador pela orgânica estabelecida no art. 20.º do RJCAM.
XXXIII. Ou seja, optou o legislador nesta matéria, por enxertar nas cooperativas de crédito o esquema organizatório da administração, da fiscalização e da eleição dos órgãos sociais das sociedades anónimas.
XXXIV. Em resumo, o n.º 2 do art.º 20.º, por força da alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de Junho, tornou assim aplicável às Caixas Agrícolas as normas constantes no Código das Sociedades Comerciais na parte respeitante às sociedades anónimas, para todos os órgão sociais, como aliás resulta da epigrafe e do conteúdo da mesma norma.
XXXV. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 142/2009 de 16 de Julho alterou integralmente o art.º 20.º que, convocando a aplicação directa do CSC e revogou expressamente os art.ºs 21.º e 22.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola, ficando expressamente consignado no actual art. 20.º que o modelo de governação, o estatuto funcional e a competência material e substantiva de todos os órgão sociais são as estatuídas no Código das Sociedades Comerciais para as sociedades anónimas, “com as devidas adaptações”
XXXVI. Assim, com a actual redacção do artigo 20.º do RJCAM o Código Cooperativo deixou de aplicar-se, no que tange à estrutura da administração e fiscalização dos órgãos sociais das Caixas Agrícolas, à composição e à competência destes, passando a aplicar-se, por remissão directa, as respectivas normas das Sociedades Anónimas integradas no CSC.
XXXVII. É pois o lado predominantemente bancário das caixas de crédito agrícola que justifica a opção pela orgânica estabelecida no art. 20.º do RJCAM, enxertando-se em cooperativas o esquema organizatório da administração, da fiscalização e da eleição dos órgãos sociais das sociedades anónimas.
XXXVIII. O que não deixa de ser facilmente perceptível, dado que, sendo as caixas agrícolas um tipo específico de instituições de crédito, estas são, em geral, constituídas como sociedades anónimas, conforme dispõe o art. 14.º, n.º 1, alínea b), do RGICSF.
XXXIX. Por outro lado, em todas as cooperativas, não apenas nas Caixas Agrícolas (embora nestas com especial predominância), se manifesta a sua dimensão societária, a qual foi acentuada com a entrada em vigor do Novo Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º119/2015, de 31 de Agosto.
XL. Porquanto, com o Novo Código Cooperativo, operou o legislador uma aproximação significativa das cooperativas em geral ao regime das sociedades comerciais, mais precisamente, das sociedades anónimas, particularmente, no que respeita aos seus órgãos de administração e fiscalização, conforme estabelece o art. 28.º desse Código, o qual se aproximou do art. 278.º do CSC, aproximação que já tinha sido operada para as Caixas Agrícolas com alteração de 2009 ao art. 20.º do RJCAM.
XLI. Assim, atendendo à dimensão predominantemente societária das Caixas Agrícolas, mesmo que se considerasse que as secções de comércio seriam apenas competentes para julgar as acções em que a parte demandada fosse uma sociedade comercial – o que, nem sequer, encontra respaldo no texto da lei em vigor – ainda assim se teria que concluir que a competência para tramitar e julgar o presente Procedimento Cautelar recai nas Secções de Comércio.
XLII. Ao contrário do que decidiu a Decisão recorrida a competência para preparar e julgar o presente processo pertence assim à Secção de Comércio da Comarca de Santarém – cfr. art.º 96.º, n.º1, al. h) do Dec. Lei n.º 49/2014, de 27 de Março e Mapa III anexo ao mesmo diploma.
XLIII. Ao sufragar de entendimento contrário, e ao afastar a competência das secções de comércio apenas porque no caso dos autos está em causa uma cooperativa e não uma sociedade comercial, violou a Decisão recorrida e de forma expressa o disposto nos art.º 96.º do CPC e n.º 2 do art.º 40.º, al. c), do n.º1 do art.º 128.º e al. a) “a contrario” do n.º1 do art.º 130.º da LOSJ.
Por tudo quanto exposto, deverá o Despacho recorrido ser substituído por outro, que julgando procedente a excepção dilatória de Incompetência Material da Instância Local de Benavente para conhecer da presente providência, por pertencer tal competência à Secção de Comércio da Instancia Central da Comarca de Santarém absolva da instância a Recorrente BB, CRL, por já não ser possível na fase processual em que os autos se encontram o indeferimento liminar do requerimento apresentado pelo Recorrido AA..... “

Cumpre decidir.
***
II.. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do N.C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber se o Tribunal “a quo” é competente, em razão da matéria, para decidir o presente pleito.

A actividade das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, está definida pelo Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo (em diante RJCAM), constante do Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de Junho.
Como resulta do preâmbulo deste último Decreto-Lei, o âmbito de actividade das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo foi ampliada relativamente à primitiva redacção do diploma, ampliação essa que o legislador resumiu nos seguintes termos: “Assim, em primeiro lugar, o presente decreto-lei visa adaptar o modelo de governação das caixas de crédito agrícola às estruturas previstas no Código das Sociedades Comerciais, sem prejuízo das competências da assembleia geral que caracterizam o modelo cooperativo, ao mesmo tempo que autoriza um alargamento da respectiva base de associados. Vem, assim, permitir-se a associação a uma caixa de crédito agrícola mútuo de quaisquer pessoas singulares ou colectivas até ao limite de 35 % do número total de associados dessa caixa de crédito, sem prejuízo da possibilidade de, em casos excepcionais devidamente justificados, esse limite ser elevado até 50 %, mediante autorização do Banco de Portugal, sob proposta da Caixa Central no caso das caixas agrícolas suas associadas.
Consequentemente, o presente decreto-lei vem alargar a possibilidade, actualmente prevista, de as caixas agrícolas realizarem operações de crédito com não associados ou com finalidades de âmbito não agrícola até ao referido limite de 35 %, podendo, igualmente, esse limite ser elevado, nos mesmos termos, até 50 %, mediante autorização do Banco de Portugal, precedida de proposta da Caixa Central no caso das caixas agrícolas suas associadas.
Paralelamente, vem alargar-se o âmbito das operações activas da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, cujo objecto passará a abranger todas as actividades permitidas aos bancos, com a concomitante elevação dos requisitos regulamentares mínimos de capital social aplicáveis à Caixa Central.”

Nos termos do disposto no art.º 1º do RJCAM, que define a natureza e objecto das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, “As caixas de crédito agrícola mútuo são instituições de crédito, sob a forma cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária, nos termos do presente diploma.”

Consagrando o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (em diante RGICSF) (Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, na sua 42ª alteração, aprovada pela Lei 118/2015, de 31/08), no seu art.º 3º, sob a epígrafe “Tipos de Instituições de Crédito”, a par de outras instituições, como sejam os bancos ou as caixas económicas, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo como Instituições de Crédito.
Instituições estas (de crédito) cujo objecto, na definição da alínea w), do art.º 2º do RGICSF se subsume, em termos gerais, “a receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria”.

No quadro da sua actividade bancária, estabelecido pelo RJCAM, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo podem efectuar, entre o mais, para além de operações de crédito agrícola, diversas prestações de serviços, operações cambiais, locação financeira a favor dos associados para financiamento de actividades referidas no artigo 27.º do diploma, factoring a favor dos associados para financiamento de actividades referidas no artigo 27.º do diploma, emissão e gestão de meios de pagamento, tais como cartões de crédito, cheques de viagem e cartas de crédito, participação em emissões e colocações de valores mobiliários e prestações de serviços correlativos, actuação nos mercados interbancários, consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários, gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios e outras operações de crédito a não associados (art.ºs 27º, 28º, 35º, 36º e 36º-A do RJCAM).
Podendo ainda receber depósitos de associados e não associados (art.º 26º do RJCAM).

E, nos termos do art.º 43º do RJCAM, “os resultados obtidos pelas caixas agrícolas, após cobertura de eventuais perdas de exercícios anteriores e após as reversões para as diversas reservas, podem retornar aos associados sob a forma de remuneração dos títulos de capital ou outras formas de distribuição, nos termos do Código Cooperativo.”

Sendo que, nos termos do art.º 54º do RJCAM “1 — As associadas da Caixa Central têm direito a partilhar dos lucros de cada exercício, tal como resultem das contas aprovadas, exceptuada a parte destinada às reservas legais ou estatutárias.”

Quanto ao modelo de organização das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, estabelece o art.º 20º do RJCAM, sob a epígrafe, “Órgãos Sociais”, que “ 1 — A administração e a fiscalização das caixas agrícolas são estruturadas segundo as modalidades previstas para as sociedades anónimas no Código das Sociedades Comerciais.
2 — Sem prejuízo da competência da assembleia geral, a composição e a competência dos órgãos de administração e fiscalização das caixas agrícolas são as previstas no Código das Sociedades Comerciais para as sociedades anónimas, com as devidas adaptações.
3 — A designação dos membros dos órgãos sociais das caixas agrícolas rege -se pelo disposto no Código das Sociedades Comerciais.
4 — Para efeitos do presente diploma, a comissão de auditoria, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 278.º do Código das Sociedades Comerciais, e o conselho geral e de supervisão, previsto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, são considerados órgãos de fiscalização.”

Podendo ser associados das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, como resulta do disposto no art.º 19º do RJCAM, … as pessoas singulares ou colectivas que na área dessa caixa:
a) Exerçam actividades produtivas nos sectores da agricultura, silvicultura, pecuária, caça, pesca, aquicultura, agro-turismo e indústrias extractivas;
b) Exerçam como actividade a transformação, melhoramento, conservação, embalagem, transporte e comercialização de produtos agrícolas, silvícolas, pecuários, cinegéticos, piscícolas, aquícolas ou de indústrias extractivas;
c) Tenham como actividade o fabrico ou comercialização de produtos directamente aplicáveis na agricultura, silvicultura, pecuária, caça, pesca, aquicultura, agro-turismo e indústrias extractivas ou a prestação de serviços directamente relacionados com estas actividades, bem como o artesanato.
2 — É permitida a associação a uma caixa agrícola de pessoas que exerçam a respectiva actividade em municípios limítrofes dos abrangidos na área de acção desta, caso não exista nesses municípios nenhuma outra caixa agrícola em funcionamento ou, existindo, se a associação se justificar por razões evidentes de proximidade geográfica ou de conexão da actividade económica por elas desenvolvida com a área de acção da caixa agrícola.
3 — É permitida a associação a uma caixa agrícola de pessoas singulares ou colectivas que não cumpram os requisitos definidos no n.º 1, desde que exerçam actividade ou tenham residência na área de acção da caixa agrícola, até ao limite de 35 % do número total de associados daquela caixa.
4 — Em casos excepcionais, devidamente justificados, tendo em conta, nomeadamente, a capacidade e as limitações ao crescimento e eficiência das caixas agrícolas, o Banco de Portugal pode autorizar que o limite previsto no número anterior seja elevado até 50 %, mediante proposta da Caixa Central no caso das caixas agrícolas associadas.
…”

Sendo aplicável às Cooperativas, entre as quais se encontram as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, subsidiariamente, o Código das Sociedades Comerciais (art.º 9º do Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto).

Perante este quadro legal, afigura-se-nos evidente que as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo desenvolvem a sua actividade bancária, com carácter profissional, que predominantemente se resume à prática de actos de comércio, por como tal deverem ser qualificadas as operações bancárias a que se dedicam (vide neste sentido, Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 2ª edição, pág. 419).
Actividade essa que, como acima demos nota, vai para além da relacionada com os respectivos associados, uma vez que podem receber depósitos e conceder créditos a terceiros não associados.

Embora não se olvide o disposto no n.º 1 do art.º 2º a Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto (Código Cooperativo) _ as cooperativas são instituições sem fins lucrativos _, o fito último da actividade bancária das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo é o da obtenção de proventos, tendo em vista a criação de fundos para o desenvolvimento da actividade própria da Instituição e ainda a sua distribuição, à luz dos princípios mutualistas do cooperativismo, pelos respectivos associados.

Do que se pode retirar que as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, à luz do Código Comercial, embora não visem a obtenção de lucros no sentido capitalista do termo, dado que exercem uma actividade bancária como escopo principal da sua actividade, de forma profissional, do qual auferem proventos para distribuir em conformidade com os princípios do mutualismo cooperativo e as respectivas normas estatutárias, devam ser consideradas comerciantes para efeitos do disposto no n.º 1º do art.º 13º do Cód. Com..

Aqui chegados, afigura-se-nos evidente que podemos concluir que as Caixas Agrícolas de Crédito Mútuo exercem uma actividade comercial, de forma profissional, mesclada com os princípios inerentes à sua raiz cooperativa.
Tendo, em muitos aspectos, como acima relatámos, uma forma de organização similar à das sociedades comerciais, cujo regime se lhes aplica subsidiariamente.
Do que podemos retirar, e no que interessa aos autos, que a forma de funcionamento das Caixas Agrícolas de Crédito Mútuo tem um forte cariz societário muito similar ao das Sociedades Comerciais.

A criação de tribunais de competência especializada, hoje secções de competência especializada, visa, em tese, concentrar em tribunais com especial preparação todo um conjunto de matérias atinentes a essa competência, por forma a dar melhor resposta aos litígios que lhe respeitam.

Nos termos do art.º 128º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei 62/2013, de 26 de Agosto, compete às Secções de Comércio:
“1 - Compete às secções de comércio preparar e julgar:
a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
2 - Compete ainda às secções de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.”

Sendo que o art.º 89º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01, na redacção dada pela Lei n.º 46/2011, de 24/06, dispunha sobre a competência dos Tribunais de Comércio, o seguinte:
1 - Compete aos tribunais de comércio preparar e julgar:
a) O processo de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa;
b) As acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As acções de liquidação judicial de sociedades;
f) (Revogada.)
g) As acções a que se refere o Código do Registo Comercial;
h) (Revogada.)
i) Acções de dissolução de sociedade anónima europeia;
j) Acções de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
2 - Compete ainda aos tribunais de comércio julgar:
a) (Revogada.)
b) As impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais;
c) (Revogada).
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.

Do confronto das duas disposições, mais propriamente entre a alínea i), do n.º 1 do art.º 128º da LOSJ e da alínea e), do n.º 1 do art.º 89º da LOFTJ, verifica-se que a competência das Secções de Comércio, relativamente à dos Tribunais de Comércio, alargou-se, no que respeita às acções de liquidação, do restrito âmbito das relativas a sociedades (entenda-se sociedades comerciais), para um âmbito mais alargado de todas as instituições de crédito.
Como acima se referiu o RGICSF, no seu art.º 3º, sob a epígrafe “Tipos de Instituições de Crédito”, consagra as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, a par de outras instituições, como sejam os bancos ou as caixas económicas, como Instituições de Crédito, pelo que, pelo menos quanto às acções para liquidação de Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, são competentes as Secções de Comércio.
Caindo assim o principal argumento em que assenta a tese de que as Secções de Comércio apenas são competentes para questões relativas às sociedades comerciais, porque é manifesto, pelo menos no que respeita às acções de liquidação, que assim não é.

Perante o quadro que traçámos sobre o cariz societário das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, em muitos aspectos similar ao das sociedades comerciais, nomeadamente ao de outras Instituições de Crédito constituídas sob a forma de sociedades comerciais, tendo em conta os princípios subjacentes à criação das Secções de Comércio, a que acima aludimos, e sendo evidente que o legislador de 2013, alargou, o âmbito de competência das Secções de Comércio, somos levados a concluir que as Secções de Comércio têm um âmbito de competência para as matérias a que se reporta o art.º 128º da LOSJ, que vai para além do restrito campo das sociedades comerciais, estendendo-se hoje a todas as questões elencadas no preceito, que se reportem a Instituições de Crédito.

Entre as matérias de competência das Secções de Comércio, encontram-se as “As ações relativas ao exercício de direitos sociais”, matéria sobre a qual se atém o Procedimento Cautelar em apreço, conforme se retira do peticionado pelo Requerente no seu Requerimento Inicial, do seguinte teor:
Ao abrigo do disposto no artigo 362° e ss. do CPC, deverá decretar-se a presente providência cautelar não especificada, por não haver providência especifica aplicável ao caso, sem a audição prévia da requerida, determinando-se a anulação do processo eleitoral para os órgãos sociais da requerida (ou determinando-se que o mesmo seja reiniciado), cuja assembleia eletiva se encontra marcada para o dia 5 de Dezembro de 2015, pelas 09:00 horas, com a expressa intimação à Requerida para que inicie de novo tal processo, com convocação da respetiva assembleia geral eletiva nos termos do disposto nos artigos 12°, al. d) e 20°, n.° 3 dos Estatutos da Requerida, para que publique os respetivos anúncios, e ainda para que seja franqueada e cedida aos interessados, entenda-se associados ou cooperadores no pleno gozo dos direitos sociais, a informação relativa aos associados inscritos e no gozo pleno dos direitos, como sejam o nome completo, número de associado, morada completa e contactos telefónicos e de correio eletrónico, bem como a cedência e/ou divulgação do Regulamento Eleitoral.

Daí que, e concluindo, seja competente para julgar o presente Procedimento Cautelar, a Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Santarém.

Face ao exposto, e julgando procedente a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, declara-se a Secção Cível, da Instância Local de Benavente, do Tribunal da Comarca de Santarém, incompetente em razão da matéria para apreciar o presente Procedimento Cautelar, declarando-se competente para o efeito a Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Santarém, e, consequentemente absolve-se a Requerida da instância (art.º65º do NCPC, art.º 40º, n.º 2 da LOSJ, art.º 81º, n.º2, alínea f) da LOSJ, art.º 128º, n.º1, alínea c) da LOSJ, art.º 96º, alínea a), do NCPC, art.º 278º, n.º1, a) do NCPC, art.º 576º, n.º2 do NCPC e art.º 577º, a), do NCPC.
***
III. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se, pela procedência do recurso, revogar o Despacho recorrido e, julgando procedente a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, declara-se a Secção Cível, da Instância Local de Benavente, do Tribunal da Comarca de Santarém, incompetente em razão da matéria para apreciar o presente Procedimento Cautelar, declarando-se competente para o efeito a Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Santarém, absolvendo-se, consequentemente, a Requerida da instância (art.º65º do NCPC, art.º 40º, n.º 2 da LOSJ, art.º 81º, n.º2, alínea f) da LOSJ, art.º 128º, n.º1, alínea c) da LOSJ, art.º 96º, alínea a), do NCPC, art.º 278º, n.º1, a) do NCPC, art.º 576º, n.º2 do NCPC e art.º 577º, a), do NCPC).
Custas pelo Requerente/Recorrido
Registe e notifique.

Évora, 10 de Março de 2016
Silva Rato
Assunção Raimundo
Mata Ribeiro