Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2808/19.4T8PTM.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ADMINISTRADOR
EXONERAÇÃO
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O que poderá ser objeto de um juízo de inconstitucionalidade são as normas que o tribunal a quo, explicita ou implicitamente, aplicou na fundamentação jurídica da sentença ou a interpretação que das mesmas efetuou, mas nunca a sentença impugnada, em si mesma considerada.
II – Não existem razões para que se confundam, nem as nulidades processuais com as da sentença, nem estes vícios intrínsecos da própria decisão – por violação da lei processual por parte do juiz, que se enquadre num dos casos previstos no referido artigo 615.º do CPC –, com o erro de julgamento, ou seja, com o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável.
III – O administrador de um condomínio, que não seja condómino, não tem legitimidade para impugnar as deliberações da Assembleia de Condóminos, já que a sua legitimidade ativa e passiva para agir em juízo está limitada à previsão do artigo 1437.º do CC.
IV – «O administrador que não for condómino, quer seja pessoa singular quer seja entidade coletiva, não tem legitimidade para impugnar a deliberação, por não ter o requisito condómino exigido para tal pela lei; se for condómino a legitimidade advém-lhe dessa qualidade, se não tiver votado favoravelmente a deliberação».
V – Não tendo aquela deliberação sido impugnada por quem tinha legitimidade para o efeito, não é igualmente “atacável” nestes autos pela via da invocação do denominado incidente de falsidade da ata da assembleia de condóminos.
VI – Sendo certo que o administrador do condomínio pode ser exonerado pela assembleia a qualquer tempo, sem necessidade de invocação de justa causa, tal não significa sempre que a exoneração sem justa causa não possa dar lugar a indemnização. Por outras palavras, uma coisa é a assembleia dos condóminos poder fazer cessar unilateralmente o mandato conferido ao administrador antes do seu termo, outra é que esse seja uma espécie de poder discricionário que nunca confere à contraparte, independentemente da sua qualidade, o direito a indemnização.
VII – A exoneração sem justa causa, pode ditar a obrigação de indemnização por parte do condomínio, nos termos do artigo 1172.º do CC, pelo prejuízo que o terceiro administrador vier a sofrer, nomeadamente quando este exerce profissionalmente a atividade de administração de condomínios.
VIII – O ónus da alegação e prova de que a exoneração ocorreu com justa causa, incumbe sobre o condomínio, que deve aduzir factualidade que demonstre que a administração exonerada praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.
IX – Deve conclui-se pela existência de justa causa de exoneração, que constitui facto impeditivo do direito de indemnização invocado pela autora, quando está demonstrado que esta não cumpriu obrigações que sobre si impendiam (vg. a que decorre da alínea c) do artigo 1436.º, respeitante à verificação da existência do seguro), como extravasou as respetivas funções (cfr. artigos 1430.º e 1436.º do CC), isentando, sem deliberação da assembleia, o pagamento dos encargos de conservação e fruição (artigo 1424.º do CC), devidos por um dos condóminos, que detém mais de 30% da proporção do valor das frações, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 1424.º do CC, e assumindo encargos com a celebração de contratos de trabalho, que igualmente também não foram aprovados pela assembleia de condóminos.
X – O prazo de duração do cargo de administrador que vem previsto n.º 4 do artigo 1435.º do CC, é um prazo destinado “a proteger os condóminos contra decisões precipitadas”, sendo norma de caráter imperativo, pelo que, a fixação do prazo de duração do período de funções do administrador por 5 anos, é nula, sendo reduzido esse prazo a um ano, e renovando-se sucessivamente por iguais períodos.
XI – In casu, ainda que não houvesse justa causa, a pretensão da autora nunca poderia proceder quanto ao pedido de pagamento da retribuição acordada para o ano de 2021, atenta a nulidade do prazo de duração do contrato, celebrado por cinco anos.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 2808/19.4T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. QUESTÕES & SUGESTÕES, LDA., intentou a presente ação declarativa de condenação contra CONDOMÍNIO DO CLUBE PRAIA DA ROCHA - BLOCO I, representado em juízo pela sua administradora ALLWAYSUCCESS – ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS E SERVIÇOS CONEXOS, Lda., pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 119.925,00€, acrescida de juros calculados desde o dia em que for efetuada a citação, contados à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, por o réu ser uma pessoa equiparada a uma pessoa coletiva, e contados até ao dia em que o pagamento da dívida for integralmente efetuado.
Em fundamento da sua pretensão, invocou que a sua destituição da administração do réu, que havia sido acordada para um período de 5 anos, com início no dia 1 de janeiro de 2018, foi deliberada sem justa causa, o que constitui uma verdadeira denúncia unilateral e ilegal do vínculo que obrigava ambas as partes até ao final do ano de 2022. Por isso, por ter recebido as retribuições mensais de 2500,00€, apenas até setembro de 2019, entende que são devidas aquelas que receberia de outubro de 2019 a dezembro, inclusive, de 2022.

2. Regularmente citado, o Réu contestou, impugnando a factualidade alegada, invocando que apesar de existir justa causa, a destituição não carecia sequer dessa invocação, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora/reconvinda «a pagar ao réu a quantia global de 221.486,95€ pelos danos patrimoniais que lhe foram causados pela autora; e pelos prejuízos que vierem a resultar da improcedência dos processos executivos devido à prescrição verificada pelo não cumprimento da sua função de cobrar as receitas, cujo apuramento do valor concreto dos danos será feita em sede de liquidação de sentença».
Para fundamentar tal pedido, invocou que a autora se apropriou de quantias do Fundo de Reserva sem que para tal tivesse sido autorizada; e alegou que no âmbito do processo n.º 2150/19.0T8PTM, a “Algarvelaw” e o advogado AA exigem-lhe o pagamento de honorários no montante de 109.022,33€, indevidos na sua perspetiva, tendo ainda assim a autora entregue àquele título 28.290,00€; mais alegou que a autora recebeu retribuição relativamente a meses em que já não exercia funções como administradora do Condomínio, quantias que lhe serão devidas; aduziu ainda em fundamento do pedido reconvencional, que a autora não instaurou os devidos processos executivos contra condóminos devedores, que estão agora a refugiar-se na invocação da prescrição.

3. A Autora replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

4. Na audiência prévia, foi admitido o pedido reconvencional, proferido despacho de saneamento, identificado o objeto do litígio, elencados os factos tidos por assentes, e enunciados os temas da prova.

5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente e o pedido reconvencional parcialmente procedente, e, em consequência, decido:
a) Absolver o réu CONDOMÍNIO DO CLUBE PRAIA DA ROCHA - BLOCO I, do pedido formulado pela autora QUESTÕES & SUGESTÕES, LDA.;
b) Condenar a autora/reconvinda a restituir ao réu/reconvinte a quantia correspondente à retribuição dos meses de julho a setembro de 2019, num total de € 9225 (nove mil duzentos e vinte cinco euros);
c) Absolver a autora /reconvinda do restante pedido reconvencional.
Custas a cargo das partes, na proporção do decaimento».

6. Inconformada, a Autora apelou, finalizando a sua minuta recursória com prolixas “conclusões”[3] das quais se respigam as seguintes:
«I – A presente sentença é INCONSTITUCIONAL porque aplica o Direito a factos que ficciona, sem suporte probatório bastante, fazendo funcionar, mecanicamente, o artigo 1435.º, n.º 1, do CC, sem atentar quer ao n.º 3, quer à norma adjectiva do artigo 1056.º, do NCPC, que, como o n.º 3, do preceito civilístico, apelam para a existência de CULPA (negligência) e IRREGULARIDADES, como «JUSTA CAUSA MATERIAL» de funcionamento da EXONERAÇÃO DO ADMINISTRADOR – realidade “contra-legem” desconhecida pela sentença.
II – A presente sentença padece de NULIDADE da sentença – artigos 607.º, 608.º, 609.º, 611.º, 612.º e 615.º, do NCPC.
III – Não especifica, para efeitos de funcionamento de uma situação de «irregularidade» ou «negligência», na actuação da Autora, para efeitos de exoneração do cargo de administrador, no contexto da propriedade horizontal, os fundamentos de facto que permitem concluir pela existência de JUSTA CAUSA MATERIAL de EXONERAÇÃO DO CARGO.
IV – O artigo 1435.º, n.º 1, do CC, não é de aplicação isolada, mas conjugada, com o n.º 3, assim se harmonizando com o disposto, em termos adjectivos, no artigo 1056.º, do NCPC, bem como as exigências derivadas do paradigma ponderado e codificado constitucionalmente em matéria contratual e licitude do agir e iniciativa privada, bem como protecção e segurança no emprego ou trabalho, bem como a liberdade de iniciativa da Autora e seus funcionários (artigos 53.º, 58.º e 59.º, e 61.º, da CRP 1976).
V – O M.mo Juiz “a quo” deixou de se pronunciar sobre a questão da validade da deliberação da Assembleia de condóminos (incidente de falsidade suscitado na Réplica – violando artigos 372.º, n.ºs 2 e 3, do CC, e artigos 446.º a 450.º, do NCPC), não obstante, na factualidade provada, ter indicado factos que, conjugados e por si, à luz do disposto nos artigos 1431.º a 1433.º e 1435.º, n.os 1 e 3, do Código Civil, e artigo 1056.º, do CC (senão mesmo do artigo 1170.º, n.º 2, do CC), levariam à NULIDADE de tal deliberação.
VI – Para efeitos do artigo 639.º, n.º 1, do NCPC, a Decisão judicial deveria ter conhecido, da irregularidade da deliberação do condomínio – que configura matéria de “ordem pública” nos termos e para efeitos dos artigos 280.º e 294.º, do CC, sem ter existido uma justa causa material bastante, quer fosse pela ocorrência de uma conduta negligente, quer pela ocorrência de irregularidades, devidamente identificadas e comunicadas à outra parte.
VII – Não especifica, para efeitos de exoneração do cargo de administrador, no contexto da propriedade horizontal, os fundamentos de facto (facto 10) que permitem concluir pela existência de JUSTA CAUSA MATERIAL de EXONERAÇÃO DO CARGO, visto que o artigo 1435.º, n.º 1, 1.ª e 2.ª parte possui mecanismos diferenciados da justa causa de exoneração (conduta irregular ou negligente) (tendo sido provado o contrário, como se verificar pelo teor dos factos provados 7 a 10, não se podendo confundir que os factos 17 a 20, que são negativos, são da responsabilidade de outro Administrador que não a Autora, sendo, outrossim, os factos positivos, o facto 21).
VIII – Contraditoriamente, contra as expectativas da argumentação levada a cabo, a M.ma Juiz “a quo” acaba por concluir pela improcedência do pedido da Autora, sem justa causa (bem pelo contrário, como o Tribunal o indica a partir do que refere dos testemunhos da BB, CC, DD, EE, assim levando a que os fundamentos se encontrem em oposição com a decisão, de tal modo que ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível – artigo 615.º, n.os 1, alínea c), e 4, do NCPC – acerca do modo de interpretar, o condicionalismo gravoso da exoneração do administrador, na propriedade horizontal, quer em contexto de mera assembleia de condóminos.
IX – Como o referiu, na sua P.I., a Autora recebeu a retribuição mensal, aprovada ela Assembleia Geral de condomínios, até ao mês de setembro de 2019, o que faz com que, à luz do contrato de prestação subscrito e respectiva duração, tivesse o direito a receber do condomínio-Réu a quantia de € 97.500,00 (Noventa e Sete Mil e Quinhentos Euros), relativa às retribuições mensais dos meses de outubro de 2019 a dezembro, inclusive, de 2022. A esta quantia acresce o IVA, contado à taxa de 23%, o que faz com que o réu deva à autora a quantia total de € 119.925,00 (Cento e Dezanove Mil e Novecentos e Vinte e Cinco Euros).
X – Constata-se, para efeitos do disposto no artigo 639.º, n.º 2, alínea a), do NCPC [Substantivas e adjectivas, aplicando-se, por analogia, artigo 674.º, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, do NCPC], que o Tribunal incorreu em vício de [i] Violação de lei substantiva – Erro de interpretação/Erro de aplicação/Erro na determinação da norma aplicável [artigo e [ii] Violação de lei adjectiva ou processual – Violação de lei do Processo/Errada aplicação da lei do processo [artigo 674.º, n.os 1, alíneas b), do NCPC] – para além das normas ligadas aos concretos vícios, os artigos 446.º a 450.º (Ilisão da genuinidade/falsidade documental), e 1056.º, do NCPC (Exoneração do administrador na propriedade horizontal).
XI – O julgador deveria ter interpretado o artigo 1435.º, n.º 1, do Código Civil [na conjugação que faz na motivação com os artigos 1431.º e 1432.º e 11676.º e segs. do CC], como sendo uma norma a complementar, quanto à 1.ª parte (eleição), com os artigos 1431.º a 1433.º, e, quanto à 2.ª parte (exoneração), para o n.º 3 [harmonizando-o, por força do artigo 9.º, do CC, com o vertido nos artigos 1170.º, n.º 2, CC, e 1056.º, do NCPC].
XII – Para efeitos do artigo 639.º, n.º 2, alínea c), do NCPC, denota-se que existe erro na determinação da norma aplicável, visto que o julgador deveria ter concluído pela inexistência de qualquer um dos índices semióticos que configuram a JUSTA CAUSA de EXONERAÇÃO do administrador na propriedade horizontal (irregularidade ou negligência) e, com isso, ter existido uma ruptura «SEM (JUSTA) CAUSA», da relação contratual, ficando, nos termos dos artigos 562.º a 566.º, do Código Civil, a Ré/Recorrida, obrigada a indemnizar tudo que, directa e necessariamente, resultou da sua conduta ilícita, culposa e danosa de «RESOLUÇÃO AD NUTUM» de uma relação contratual.
XIII – Verifica-se que, ao nível da IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE) – artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do NCPC – importa notar que alguns pontos da matéria de facto, que se indicam, infra, foram incorretamente julgados, mormente os factos 10, 25, 26, 29 e 30. (…)
XVIII – Os factos 10.º a 13.º, e 17.º a 20.º da Réplica, deveriam ter sido dados como provados, isto é, que os documentos administrativos foram entregues ou estavam acessíveis informaticamente, bem como os extractos bancários e de que a acta é falsa, não vinculativa, por ser INEXISTENTE, já que dela constam assinaturas (confirmada na sentença pelo julgador no facto 27) de pessoas não titulares de prédios, no regime de propriedade horizontal, do Bloco II, mas outrossim, eventualmente, do Bloco I, embora os condomínios sejam autónomos e diferenciados, mormente após a suscitação do INCIDENTE DE FALSIDADE DA ACTA da reunião extraordinária do condomínio, que acaba por CONTAMINAR TODO O PROCESSO e induzir o Tribunal em erro de facto e de direito.
XIX – A interpretação do artigo 1435.º, n.º 1, do CC, realizada pelo Tribunal “a quo”, como sendo suficiente, para a exoneração do Administrador, em contexto de propriedade horizontal, uma simples deliberação da Assembleia de Condómino, com essa precisa intencionalidade, quer tenha ou não sido legalmente convocada, quer tenha ou não sido legalmente deliberada a exoneração, afigura-se materialmente inconstitucional.
XX – Importa, ainda, notar que da conjugação dos factos 10 a 18, 22 a 27, 30 a 47, 49 a 54, não podemos identificar qualquer «irregularidade» ou facto «culposo» que, por si, conjugado com outros, à luz das regras da experiência e normal acontecer, pudesse lograr permitir-se a exoneração, nos termos e para efeitos do disposto no 1435.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil. (…)
XXII – A sentença não pode deixar de ser considerada contraditória, visto que, entre a Autora e a Ré, foi perfeccionado um contrato de prestação de serviços que, por isso mesmo, pela conjugação dos artigos 1154.º, 1156.º, 1170.º, n.º 3, do Código Civil, exigiria que tivesse ocorrido uma JUSTA CAUSA MATERIAL de cessação ou exoneração (…)
XXII O artigo 1435.º, n.º 1, do CC, como refere o Tribunal, a dada altura, não é de aplicação isolada e, por sua vez, no que tange à exoneração, quer no específico e próprio n.º 3, de tal preceito, quer nos critérios e princípios gerais de direitos, relativos à resolução, No contexto do contrato de prestação de serviços e do mandato, ou seja, o disposto nos artigos 1454.º, 1456.º, 1170.º, n.º 3, do Código Civil, bem como nos artigos 280.º, 294.º, 334.º, 405.º, 406.º, n.º 1, 432.º a 436.º, 762.º, n.º 2; e, não menos importante, em conjugação e confronto, por último, com o disposto nos artigos 1055.º e 1056.º (Exoneração do administrador na propriedade horizontal), do NCPC. (…)
XXIV – Se se percorrer os factos 1 a 30, dados como provados, não encontramos qualquer factualidade susceptível de legitimar a existência de justa causa material resolutiva.
XXV – Nem se invoque os factos 23, 24, 25, 26, 27 a 31, já que as deliberações, como resulta do próprio teor dos documentos e da percentagem de proprietários intervenientes, foram tomadas de modo irregular, quer quanto à forma de convocação, quer quanto ao modo ou “quorum” da sua adopção.
XXVI – Tal deliberação (facto 10) é (foi) NULA, sendo irregular a convocação e a deliberação da Assembleia de Condóminos, de tal modo que tendo sido realizada reunião extraordinária, então, em termos técnico-jurídicos, a EXONERAÇÃO se afigura INEFICAZ e não válida, por não possuírem os condóminos intervenientes a legitimidade para tão gravosa decisão.
XXVII – Os artigos 1431.º a 1433.º e 1435.º, n.os 1 e 3, do Código Civil, numa visão conjugada, apenas permitem que, mediante Assembleia de condóminos regularmente convocada, geralmente de natureza extraordinário, como ponto de ordem específico a «EXONERAÇÃO DO ADMINISTRADOR», permita a discussão, em Assembleia de condóminos, de tal tema.
XXVIII- Os vícios na convocação e deliberação de uma Assembleia de Condóminos, que são invocáveis e impugnáveis judicialmente, não o tendo sido, não ficam, sendo vícios radicais, sanados,.
XXIX – Afigura-se materialmente inconstitucional o entendimento de que o artigo 1435.º, n.º 1, 2.ª parte (exoneração do Administrador) não exige a comprovação de conduta irregular e negligente, sendo apenas suficiente a mera “voluntas” de uma parte, num contrato bilateral, para lhe determinar o fim, sem que se indiquem «JUSTA CAUSA» .
XXX – O Tribunal “a quo”, ressalvado sempre o devido e merecido respeito, violou, com a sua sentença, os artigos 9.º, 280.º, 294.º, 334.º, 762.º, n.º 2, 1154.º, 1156.º, 1170.º, n.º 2, 1435.º, n.os 1 e 3, do Código Civil, e o 1056.º, do NCPC, convocando uma interpretação jurídica – sentido e alcance – que não é comportável.
XXXI – Ao contrário do que é referido pelo Douto Tribunal, a Jurisprudência aplica, de forma recorrente (e com alguma uniformidade), as normas reguladoras do mandato à destituição de administrador de condomínio.
XXXII– O próprio Douto Tribunal admite que a RÉ seria responsável pelo pagamento de uma indemnização, quando refere que: «note-se a situação em análise poderia, eventualmente, justificar a existência de alguma responsabilidade por parte do condomínio (…)».
XXXIII – O Douto Tribunal compreendeu que a AUTORA administrou o condomínio da melhor forma possível atendendo aos vários constrangimentos com que se deparou, nomeadamente pela ausência de fundos (correntes e de reserva), a existência de avultadas dívidas aos mais variados serviços, pela recusa de pagamento das quotas de condomínio por vários condóminos e pelo avançado estado de degradação e abandono em que as anteriores administrações deixaram o edifício.
XXXIV – Tendo em consideração a posição assumida pela Jurisprudência, não só é aplicável o regime do mandato ao caso dos presentes autos, como será devida uma indemnização correspondente ao tempo remanescente da prestação de serviços, ou seja até ao final do ano de 2022, o que perfaz um valor global de € 119.925,00 (Cento e Dezanove Mil Novecentos e Vinte e Cinco Euros), acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, vencidos desde a citação até integral e efetivo pagamento.
XXXV– A alteração da decisão sobre a matéria de direito implicará a revogação da Douta Sentença proferida na parte em que condena a AUTORA a restituir à RÉ a quantia de € 9.225,00 (Nove Mil Duzentos e Vinte e Cinco Euros), referente aos 3 (Três) meses em que a AUTORA terá recebido o pagamento pelos seus serviços, após a sua exoneração, já que os mesmos serão devidos a título de indemnização por destituição sem justa causa».

7. O Apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

8. O tribunal a quo pronunciou-se no sentido de não se verificarem as arguidas nulidades da sentença.

9. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, atenta a sua ordem lógica, as questões que importa apreciar no presente recurso consistem em saber se: i) a “sentença é inconstitucional”; ii) a sentença enferma das nulidades que a apelante lhe assaca; iii) deve ser modificada a matéria de facto nos termos pretendidos pela Apelante; iii) a sentença incorreu em erro de julgamento de direito, por inexistência de justa causa para a exoneração, e por ser nula a deliberação da Assembleia de Condóminos que a exonerou.
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III – Fundamentos de facto
III.1. – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1. A autora Questões & Sugestões, Lda., NIPC 514676159, com sede na Rua António Feu, Edifício Rio à Vista, 8500-802 Praia da Rocha, Portimão, é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social, entre outros, a administração de condomínios.
2. O réu Condomínio do Clube Praia da Rocha - Bloco 1, NIF 902 006 142, relativo ao prédio urbano descrito e inscrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob a ficha 02565/310389, da freguesia de Portimão, sito na Avenida das Comunidades Lusíadas, 8500-801 Praia da Rocha, Portimão, com sede e endereço postal neste mesmo local, é representado em juízo pela sua administradora ALLWAYSUCCESS -ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS E SERVIÇOS CONEXOS, Lda., NIPC 515495972, com sede na Rua António Ferro, Urbanização Portas da Rocha, Lote 4/6, Loja 14, 8500 664 Praia da Rocha, Portimão.
3. No dia 14 de dezembro de 2017, na assembleia geral de proprietários, a autora foi nomeada para administrar o condomínio réu pelo período de 5 anos, com início no dia 1 de janeiro de 2018 e termo no dia 31 de dezembro de 2021.
4. A retribuição mensal da autora foi fixada em 2.500€, acrescida de IVA.
5. O condomínio é composto por 316 frações autónomas destinadas ao comércio, indústria hoteleira (restaurantes e bares) e habitação.
6. No dia 1 de janeiro de 2018 a autora tomou posse e iniciou o desempenho das suas funções.
7. Mandou fazer e pagou a totalidade das obras que permitiram no final do ano de 2018 a instalação de contadores de energia elétrica em cada uma das frações autónomas.
8. Para o ano de 2019, a autora elaborou um orçamento no âmbito do qual as quotas de condomínio de cada uma das frações baixou, em média, de um terço, relativamente às quotas que os proprietários pagaram nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018.
9. As contas da administração do condomínio do ano de 2018 que a autora apresentou foram aprovadas na assembleia geral de condóminos que teve lugar no dia 31 de janeiro de 2019.
10. A autora foi destituída do seu cargo por uma deliberação da assembleia geral de condóminos comunicada à autora através de carta datada de 17 de junho de 2019, na sequência de prévia convocatória feita pelos condóminos, representando pelos menos 25% do capital investido do edifício, realizada em 18 de maio de 2019, assembleia extraordinária de condóminos onde, entre outras, foi tomada a deliberação de destituição com efeitos imediatos da administração de condomínio com 97% dos votos a favor, correspondente a 40,450% do capital do prédio. As deliberações aí aprovadas não foram impugnadas – art. 5.º do Código de Processo Civil.
10-a[5]. Na ata dessa assembleia geral extraordinária de condóminos consta «no ponto Um, destituição com efeitos imediatos da administração de condomínio, o presidente da mesa fez uma exposição sobre as causas que levaram à convocação da assembleia extraordinária. Na assembleia foram enunciadas várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada».
11. Esta deliberação fez com que a autora tivesse sido forçada a deixar de exercer as suas funções no dia em que a nova administração se apresentou nos serviços administrativos do condomínio para iniciar o mandato, no dia 24 de junho de 2019.
12. A autora recebeu as retribuições mensais no valor de 2.500€ (mais IVA) até ao mês de setembro de 2019.
13. Pela sociedade de advogados “Algarve Law” e pelo Dr. AA foi intentado contra o Condomínio o processo n.º 2150/19.0T8PTM, que correu termos no Tribunal judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 1 – e no qual foi apreciada a questão relativa ao direito a reclamar 25% dos valores dos processos instaurados – deverá ser junta cópia da decisão com nota de trânsito (já junta ao processo n.º 1249/19.7T8PTM, do conhecimento dos mesmos advogados).
14. Enquanto a autora administrou o condomínio e com base [num] acordo a referida sociedade de advogados reclama ao condomínio o pagamento do montante global de € 42.164,34 relativamente ao ano de 2018.
15. De igual modo, enquanto a autora administrou o condomínio e com base nesse acordo a referida sociedade de advogados reclama ao condomínio o pagamento do montante global de € 20.513,78 relativamente ao ano de 2019.
16. A estas quantias, alega ainda aquela sociedade de advogados, acresce o IVA à taxa legal de 23%, o que perfaz o valor global de € 77.094,09 reclamado ao condomínio por atos praticados pela autora enquanto foi administradora do condomínio.
17. No dia 2 de janeiro de 2018, o condomínio tinha € 313,11 na conta de fls. 202 v. e ss. (art. 1.º dos temas de prova).
18. Existiam faturas relativas à manutenção e reparação dos elevadores por pagar, e desde março de 2017 que nada era pago à empresa que fazia a manutenção e havia reparado os elevadores (OTIS). Após acordo com a empresa, a autora procedeu ao pagamento do previsto nesse acordo, mas havia montantes vencidos e não pagos à data de 24 de junho de 2019 (arts. 3.º, 7.º, 10.º e 23.º dos temas de prova).
19. Existiam faturas emitidas pela EDP por pagar e o fornecimento de energia elétrica à totalidade do imóvel (áreas comuns e frações autónomas) estava na iminência de ser cortado (art. 4.º dos temas de prova).
20. Estavam por fazer as obras relativas à preparação da rede elétrica do imóvel para que cada condómino pudesse ter o seu contador de energia, obras já pagas pelos condóminos, e procedeu-se a essas obras pagas conforme fls. 184 e ss. (art. 5.º dos temas de prova).
21. No âmbito das suas funções, a autora pagou os salários e a Segurança Social dos funcionários (administrativos, de limpeza e da manutenção), antes do final de cada mês – fls. 171 v. e ss. (arts. 2.º e 6.º dos temas de prova).
22. A autora tinha a expectativa de vir a auferir 97.500,00€, quantia relativa às retribuições mensais da autora, dos meses de outubro de 2019 a dezembro, inclusive, de 2022, ao que acresceria o IVA, contado à taxa de 23% (art. 8.º dos temas de prova).
23. A autora, após a cessação das suas funções, nada transmitiu à nova administração: extratos bancários; documentos contabilísticos (faturas e recibos); processos; pagamentos relativos aos elevadores (art. 9.º dos temas de prova).
24. Na assembleia de 31 de janeiro foi rejeitado um conjunto de procurações, tendo as contas de 2018 e o orçamento de 2019 sido aprovadas com os votos favoráveis da condómina “Yellowtel, S.A.”, que representa 30,325% do capital do prédio (art. 12.º dos temas de prova).
25. A autora não prestava informações sobre o condomínio, nem forneceu os documentos referidos (art. 13.º dos temas de prova).
26. A autora não providenciou pela existência de seguro do prédio (art. 14.º dos temas de prova).
27. Durante o período que administrou o condomínio, a autora calculou as prestações de condomínio, isentando a condómina proprietária das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, e “F” que representam 30,325 (art. 15º dos temas de prova).
28. A autora instaurou ações executivas para cobrança das dívidas dos condóminos (arts. 16.º e 22.º dos temas de prova).
29. A autora não providenciou pela jardinagem, manutenção e segurança das partes comuns de forma considerada aceitável por parte dos condóminos, ocorrendo a entrada de estranhos do prédio, sem controle (art. 17.º dos temas de prova).
30. A autora celebrou contratos de trabalho sem termo que não foram aprovados pela assembleia de condóminos, nomeadamente assumindo a antiguidade de empregados, pelo menos, desde 2012, sendo que os mesmos exerciam funções também para os Blocos desde essa data – fls. 35 (art. 19.º dos temas de prova).
31. A autora entregou, em 2019, à sociedade Algarve Law diversos montantes quer a título de avença quer a título de 25% do valor dos processos instaurados, questão apreciada no processo n.º 2150 (art. 20.º e 22.º dos temas de prova)».
E foi considerado não provado que:
«- Que a autora tivesse deixado de pagar dívidas vencidas à “Meo” e à “Luzigas” (art. 11.º dos temas de prova).
- A autora se tenha apropriado d os montantes destinados ao Fundo Comum de Reserva, nestes termos: 2012 --- € 302.022,00 --- 5% = € 14.382,00; 2013 --- € 300.326,00 --- 5 % = € 14.301,24; 2014 --- € 364.623,00 --- 5 % = € 17.363,00; 2015 --- € 294.300,30 --- 5 % = € 14.014,30; 2016 --- € 210.804,50 --- 5 % = € 10.038,31; 2017 --- € 252.654,50 --- 5 % = € 12.031,17; 2018 --- € 252.654,50 --- 5 % = € 12.031,17; e 2019 --- € 162.050,00 --- 5 % = € 7.716,67 (art. 18.º dos temas de prova).
- A autora tenha transferido para si, sem apresentar justificação, 5.000€ do Condomínio (art. 21.º dos temas de prova)».
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III.2. - O mérito do recurso
III.2.1. – Da inconstitucionalidade
A apelante abre as suas extensas conclusões afirmando que «a presente sentença é INCONSTITUCIONAL porque aplica o Direito a factos que ficciona, sem suporte probatório bastante, fazendo funcionar, mecanicamente, o artigo 1435.º, n.º 1, do CC, sem atentar, quer ao n.º 3, quer à norma adjectiva do artigo 1056.º, do NCPC, que, como o n.º 3, do preceito civilístico, apelam para a existência de CULPA (negligência) e IRREGULARIDADES, como «JUSTA CAUSA MATERIAL» de funcionamento da EXONERAÇÃO DO ADMINISTRADOR – realidade “contra-legem” desconhecida pela sentença».
De acordo com o preceituado no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, correspondente ao artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
É interpretação pacífica destas normas, que o Tribunal Constitucional tem de há muito reiterado, em numerosos arestos, que o recurso de inconstitucionalidade só pode ter por objeto normas jurídicas, aqui se incluindo não só a norma jurídica como a interpretação dada pelas instâncias à norma questionada, não lhe incumbindo a sindicância das decisões judiciais em si mesma consideradas, afirmando clara, e mais precisamente, que “só podem ser objecto de recurso de constitucionalidade visando a fiscalização concreta as normas jurídicas, não dispondo o Tribunal Constitucional de competência para tomar conhecimento de recursos em que se imputa a inconstitucionalidade às próprias decisões judiciais ou a actos administrativos ou políticos”[6].
Consequentemente, a sentença recorrida, como decisão judicial que é, não pode, em si mesma considerada, ser objeto de um juízo de inconstitucionalidade, o qual só tem razão de ser quando reportado a normas jurídicas e não às decisões judiciais. Por outras palavras, o que poderá ser objeto de um juízo de inconstitucionalidade são as normas que o tribunal a quo, explicita ou implicitamente, aplicou na fundamentação jurídica da sentença ou a interpretação que das mesmas efetuou, mas nunca a sentença impugnada, em si mesma considerada.
Revertendo ao invocado pela Recorrente, concretamente na afirmação de que a decisão recorrida “aplica o Direito a factos que ficciona, sem suporte probatório bastante”, não vislumbramos, nem a Recorrente o esclarece, como poderia tal consubstanciar qualquer “inconstitucionalidade”.
Com efeito, na fundamentação de facto da decisão recorrida, conforme foi realçado nas contra-alegações apresentadas pelo recorrido, «a sentença partiu desde logo do despacho onde foram fixados os factos assentes e os temas de prova, o tribunal “a quo” elencou e fez verter os factos alegados pelas partes, dando-os como provados e não provados, segundo a prova carreada para os autos, seja ela documental ou testemunhal.
O Tribunal “a quo” não ficcionou, nem inventou factos, seguiu rigorosamente os temas de prova previamente fixados na audiência prévia. Se a recorrente discorda dos factos que devem ser dados como provados ou não provados impugna a matéria de facto. Se discorda do enquadramento jurídico preconizado na sentença contesta tal entendimento no recurso».
No mais aduzido, pese embora a formulação usada, infere-se do teor da impugnação deduzida, que quando a Recorrente invoca que a sentença proferida nos autos é inconstitucional, pretende em retas contas impugnar a interpretação do artigo 1435.º, n.º 1, do Código Civil[7], que não atente ao seu número n.º 3 nem ao disposto no artigo 1056.º do CPC, e consinta a exoneração do administrador do condomínio sem justa causa, nem indemnização.
Porém, a apelante não deixa de invocar que a decisão recorrida errou na interpretação que fez do preceito, indicando como, a seu ver, o mesmo deveria ter sido interpretado.
Portanto, o que está primeiramente em causa é apurar se ocorreu ou não o apontado erro de julgamento e, só se então se justificar – v.g. por não estar prejudicada a questão em virtude de sufragarmos interpretação diversa da efetuada na decisão recorrida –, verificar se uma interpretação das normas legais que afaste a exigência de justa causa e do direito a indemnização, caso aquela não exista, não é conforme à Constituição da República Portuguesa.
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III.2.2. – Das nulidades da sentença
No ponto II das conclusões, convoca a Apelante como fundamento do recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 615.º do CPC, que “a presente sentença padece de NULIDADE da sentença – artigos 607.º, 608.º, 609.º, 611.º, 612.º e 615.º, do NCPC”, sem especificar cabalmente a que nulidades se refere. Não obstante, verificamos que, no corpo das alegações, essa imputação está concretizada nos números 6, 10, 11, e ainda na conclusão VIII, donde procederemos à apreciação dos motivos invocados por referência às alíneas nas quais a Recorrente enquadra os ditos vícios da sentença, ou seja, nas alíneas b), c) e d), do n.º 1, artigo 615.º, do CPC, sendo que no ponto 52 refere-se ainda ao “efeito-surpresa” proibido pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, não existem razões para que se confundam nem as nulidades processuais com as da sentença, nem estes vícios intrínsecos da própria decisão – por violação da lei processual por parte do juiz, que se enquadre num dos casos previstos no referido artigo 615.º do CPC –, com o erro de julgamento, ou seja, com o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável.
Não obstante, admitindo que casos existem em que se pode tornar difícil distinguir entre uma e outra situação, intentando precisar essa distinção, e com apoio no decidido no aresto do Supremo de Tribunal de Justiça de 30.09.2010[8], onde se precisou que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”, afirmou-se no mais recente aresto do nosso mais Alto Tribunal, de 08.04.2021[9], que «porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito».
Vejamos, então, se no caso em apreço estamos perante deficiências da estrutura da própria sentença, em face do figurino que decorre do disposto nos artigos 607.º e 608.º do CPC, a respeito da sua elaboração e das questões a resolver, ou antes em presença de erro de julgamento, na vertente de facto e/ou de direito.
De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Este preceito correlaciona-se com o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, que rege sobre a elaboração da sentença, impondo que nesta sejam declarados os factos que se julgam provados e os que se julgam não provados.
Conforme é sabido, a previsão desta nulidade encontra-se em harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do artigo 154.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
Em suma, a fundamentação consiste na expressão do conjunto das razões quer de facto quer de direito ou jurídicas, em que assenta a decisão; ou seja, na indicação dos motivos pelos quais se decide de determinada forma, com vista a permitir aos destinatários sindicar a motivação do julgador[10].
Como é pacífico, este vício ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso, quando o mesmo for admissível, mas não a respetiva nulidade[11].
Invoca a Apelante que a sentença recorrida “não especifica, para efeitos de funcionamento de uma situação de «irregularidade» ou «negligência», na actuação da Autora, para efeitos de exoneração do cargo de administrador, no contexto da propriedade horizontal, os fundamentos de facto (facto 10) que permitem concluir pela existência de JUSTA CAUSA MATERIAL de EXONERAÇÃO DO CARGO e, ao nível dos fundamentos de direito, que justificam a decisão, verifica-se que foram violados os cânones hermenêutico-jurídicos do artigo 9.º, do Código Civil, ligados aos elementos da interpretação, visto que o artigo 1435.º, n.º 1, 1.ª e 2.ª parte (eleição versus exoneração) possui mecanismos diferenciados e conjugados de surgimentos dos “índices semióticos” da justa causa de exoneração (conduta irregular ou negligente) (tendo sido provado o contrário, como se verificar pelo teor dos factos provados 7 a 10, não se podendo confundir que os factos 17 a 20, que são negativos, são da responsabilidade de outro Administrador que não a Autora, sendo, outrossim, os factos positivos, o facto 21), por imposição constitucional da igualdade das partes contratantes e proibição de excesso ou discriminação no reconhecimento e exercício de direitos civis (e fundamentais) – artigo 615.º, n.os 1, alínea b), e 4, do NCPC”.
Mas, na situação em presença afigura-se-nos evidente da apreciação da sentença recorrida, que a referida exigência legal de especificação dos fundamentos de facto e de direito foi satisfatoriamente cumprida, tanto assim que claramente permitiu à Apelante o contraditório, nomeadamente impugnando a matéria de facto considerada provada e não provada, requerendo o seu aditamento, e insurgindo-se, como o transcrito excerto comprova, quanto à interpretação efetuada na decisão sob recurso.
De facto, o acerto ou desacerto da respetiva decisão, quer na vertente de facto quer na de direito, é questão diversa da colocada pela Recorrente, já que não se situa no âmbito dos vícios geradores de nulidade, tendo antes assento no domínio do eventual erro de julgamento, a conhecer no momento próprio, já que foi igualmente invocado pela Recorrente, nas vertentes de facto e de direito.
Improcede, pois, a arguida nulidade por falta de fundamentação, cumprindo oportunamente aquilatar se a decisão de facto impugnada deve ou não ser modificada e se a decisão jurídica enferma de erro de julgamento.
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Mais diz a Recorrente que «a dada altura da fundamentação da sentença, indica-se que a exoneração do Administrador pode ocorrer mediante deliberação ou por um dos condóminos, mas, neste último caso, sempre mediante acção judicial, e, em ambos os casos, com JUSTA CAUSA, só que, contraditoriamente, contra as expectativas da argumentação levada a cabo, a Mm.ª Juiz “a quo” acaba por concluir pela improcedência do pedido da Autora, sem justa causa (…), assim levando a que os fundamentos se encontrem em oposição com a decisão, de tal modo que ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível – artigo 615.º, n.ºs 1, alínea c), e 4, do NCPC – acerca do modo de interpretar, à luz do direito positivo vigente, substantivo e adjectivo, o condicionalismo gravoso da exoneração do administrador, na propriedade horizontal, quer em contexto de mera assembleia de condóminos, quer, isoladamente, por um dos condóminos, em juízo, já que o artigo 1435.º, n.º 1, do CC, não é de aplicação isolada, mas conjugada, com o n.º 3, assim se harmonizando com o disposto, em termos adjectivos, no artigo 1056.º, do NCPC [preceito que o Tribunal nunca refere!], bem como as exigências derivadas do paradigma ponderado e codificado constitucionalmente em matéria contratual e licitude do agir e iniciativa privada, bem como protecção e segurança no emprego ou trabalho, bem como a liberdade de iniciativa da Autora e seus funcionários (artigos 53.º, 58.º e 59.º, e 61.º, da CRP 1976)».
Apreciando.
Decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Esta causa de nulidade da sentença, é facilmente compreensível se atentarmos que os fundamentos de facto e de direito que subjazem à decisão estão intrinsecamente ligados, impondo-se que a decisão proferida seja o corolário lógico dos respetivos fundamentos.
Assim, se as premissas em que assentou a fundamentação estiverem em contradição com o silogismo judiciário que das mesmas devia decorrer, existe a referida contradição, fulminando a decisão com a nulidade pelo invocado fundamento.
Ora, no caso em apreço, pese embora exista a menção a que basta uma leitura minimamente atenta da sentença recorrida para se concluir que não existe a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão já que, conforme a Senhora Juíza expendeu na respetiva motivação, mostram-se devida e logicamente fundamentadas tanto as razões de facto como as de direito, sendo o dispositivo da sentença a decorrência lógica da interpretação dos factos levada a cabo pela julgadora que considerou – bem ou mal, é questão diversa –, não ser devido qualquer pagamento à autora pelo réu condomínio, em virtude de ter sido a assembleia de condóminos que, em deliberação não impugnada, deliberou a exoneração da autora, sem que nesse caso se exija a necessidade de apresentação de qualquer fundamento, concluindo que, como a autora apenas reclamou a retribuição que esperava receber pelo trabalho que não veio a realizar, e nenhuma indemnização por outro dano sofrido.
A recorrente discorda desse entendimento. Porém, essa discordância não configura nulidade, enquadrando-se antes no eventual erro de julgamento, já que aquilo que a mesma pretende salientar é que a decisão tomada pela julgadora está errada, essencialmente porque, no entender da Recorrente, em síntese, tendo a sua destituição sido deliberada sem justa causa ou fundamento, constitui o Condomínio na obrigação de pagar todas as retribuições que a autora receberia se continuasse a exercer as suas funções até ao final do seu mandato. Ora, pelas razões já expostas, não é com a arguição da indicada nulidade que a Recorrente pode justificar a sua discordância quanto ao que foi decidido[12], uma vez que o modo processual adequado para o efeito é a impugnação da matéria de facto e da decisão jurídica da causa, o que fez.
Assim sendo, no caso vertente, o raciocínio vertido na sentença recorrida quanto à fundamentação de facto e de direito, conduz de forma lógica à decisão proferida nos autos, donde concluímos que a mesma não enferma da invocada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, cabendo antes e oportunamente apreciar se se verifica o invocado erro de julgamento.
*
Aduz a Apelante que «a Mm.ª Juíza “a quo” deixou de se pronunciar sobre a questão da validade da deliberação da Assembleia de condóminos, não obstante, na factualidade provada, ter indicado factos [vejam-se os factos 10, 11 e 24] que, conjugados e por si, levariam a concluir, à luz do disposto nos artigos 1431.º a 1433.º e 1435.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil, e artigo 1056.º, do CC (senão mesmo do artigo 1170.º, n.º 2, do CC), pela NULIDADE de tal deliberação [rejeição discriminatória de um conjunto de condóminos que, indicados no facto 24, teriam logrado uma outra decisão, de recondução e aceitação da Autora como Administradora, obstando à sua destituição ou exoneração], bem como à impossibilidade de, a partir da mesma, se retirarem efeitos jurídico-extintivos da relação jurídica existente, entre ambas as partes, sem “justa causa”, contraditório ou igualdade entre ambas as partes contratantes, que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, assim incorrendo numa sentença nula, ex vi artigo 615.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, do NCPC».
Vejamos.
Decorre da invocada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[13].
Esta nulidade está em correspondência direta com o preceituado no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação pelo juiz do dever estabelecido no referido artigo[14].
Conforme tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tais questões – a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC –, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções»[15].
Conforme lembra o Conselheiro FERREIRA DE ALMEIDA[16] «[i]ntegra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão de abordagem de uma qualquer questão temática central integra o vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».
Ora, no caso em presença, a primeira instância não apreciou explicitamente se a deliberação tomada pela assembleia de condóminos enfermava de nulidade, mas é claro da sua interpretação que o tribunal a quo considerou-a válida. Veja-se a parte da fundamentação onde afirma que “foi realizada uma assembleia, na qual a autora veio a ser exonerada das funções que desempenhava, por deliberação que não veio a ser impugnada/anulada e que foi comunicada à autora através de carta de 17 de junho de 2019”. Mais adiante refere que “a deliberação não veio a ser impugnada e, por isso, tem-se como assente”. Portanto, não há dúvidas de que para o tribunal recorrido a deliberação não enferma de nulidade.
Aliás, lembra-se a Apelante que a esta “questão”, que agora reputa tão relevante que determinaria a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, não deu qualquer relevo na sua petição inicial, já que, percorrida esta peça processual, vemos que a única menção que a autora fez a respeito da deliberação, foi a de que a mesma lhe foi comunicada nos termos referidos no citado segmento da decisão recorrida, mencionando em nota de rodapé “Cfr. doc. 3, que se junta e cujo teor aqui se reproduz”, documento este que integra a carta e a ata da assembleia de condóminos onde a deliberação foi tomada, nada aduzindo a respeito da dita nulidade). Com efeito, só com a réplica, e a respeito do mesmo documento, desta feita junto pelo réu, veio a reconvinda dizer que afinal o dito documento “é falso, e, por esta razão, é aqui expressamente impugnado. Tudo porque esta reunião não foi convocada por condóminos proprietários de 25% do imóvel e porque não estiveram presentes nem votaram proprietários detentores de 41.575% do imóvel”. Porém, quando na audiência prévia o julgador mencionou que procederia à fixação dos temas da prova, de forma detalhada, dadas as questões concretas alegadas, e colocou na parte intitulada “dos factos assentes”, uma alínea J) com o teor que na sentença recorrida corresponde à primeira parte do facto provado sob o n.º 10), igualmente nada disse.
Mas, mesmo admitindo que a validade da deliberação fosse questão a conhecer (abaixo voltaremos a esta alegação), a verdade é que a Apelante efetivamente quer colocar em causa é o acerto da decisão recorrida.
Ora, quando, como sucede na situação vertente, «a nulidade não é o único objecto do recurso mas apenas mais um dos fundamentos através dos quais se ataca o mérito da decisão recorrida e se reclama a sua alteração, o tribunal de recurso, ainda que conheça da nulidade, deve substituir-se ao tribunal recorrido sanando a nulidade e conhecendo dos demais fundamentos do recurso»[17]. «Sucede mesmo que o tribunal de recurso pode não necessitar sequer de conhecer da nulidade da decisão recorrida e não deve conhecer desse vício se puder logo confirmar ou revogar a decisão recorrida com outro fundamento» e, acrescentamos, se por outra razão, tal conhecimento acabar por redundar na prática de um ato inútil e, por tal, de prática proibida pelo artigo 130.º do CPC.
Assim, o conhecimento desta nulidade redundaria na prática, numa inutilidade, atento o que dispõe o artigo 665.º do CPC, porquanto a regra constante no indicado preceito impõe que o tribunal de recurso conheça do objeto da apelação, salvo, designadamente, se houver motivo para a anulação da decisão recorrida, sendo que neste caso a recorrente entende que dos factos 10., 11., e 24., “conjugados e por si”, levariam a concluir pela nulidade da deliberação, pelo que, os autos contêm todos os elementos para a decisão.
Deste modo, não restam dúvidas quanto às razões que a Senhora Juíza entendeu serem fundamento da decisão proferida, tudo constando, ainda que de forma muito sintética, suficientemente fundamentado, não se podendo olvidar nesta apreciação que as partes se encontram patrocinados por Ilustres Mandatários que, atenta a sua formação jurídica, compreenderam bem a decisão proferida, tanto assim que puderam esgrimir os argumentos pertinentes quanto ao seu mérito.
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Finalmente, refere a Apelante no ponto 52 que «as regras da valoração da prova e da formação da livre convicção do julgador não se coadunam com a postergação dos critérios da racionalidade e lógica jurídicas – artigos 410.º a 415.º, e 421.º, do NCPC, mormente o chamado princípio da coerência interna discursiva, que impede que, num dado momento, se diga que não há factos para julgar procedente o pedido reconvencional e, depois, em verdadeiro efeito-surpresa, ainda que proibido pelo artigo 3.º, n.º 3, do NCPC, se decida uma outra coisa, em contradição com o que se adiantou e a expectativa criada na outra parte, rectius, na Autora/Recorrente».
Parece, pois, que a Recorrente entende que a parcial procedência do pedido reconvencional terá sido um “efeito-surpresa” (sic), proibido pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Dispõe o artigo 3.º, n.º 3, do CPC, que «[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
O princípio do contraditório consagrado neste preceito da codificação processual civil, postulado pelo direito a um processo equitativo que decorre do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante e basilar que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, encontrando-se intimamente ligado ao princípio da igualdade das partes previsto no artigo 4.º do CPC, derivando aquele deste. Por seu turno, «ambos os princípios, assim conexionados, derivam em última instância, do princípio do Estado de direito», encerrando «uma particular garantia de imparcialidade do tribunal perante as partes»[18].
«Segundo o Tribunal Constitucional, do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie, que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de uma e de outras (Acórdãos nºs 1185/96 e 1193/96)»[19].
Na espécie, não vislumbramos como pode a procedência parcial do pedido reconvencional, oportunamente formulado, contestado, admitido liminarmente, com a factualidade pertinente levada aos temas da prova, e depois objeto de instrução na audiência final, configurar aquando da condenação parcial uma decisão surpresa!
Porque nos parece óbvio e sem necessidade de maior justificação, louvamo-nos em parte do segmento das contra-alegações que percorre o iter processual que por si só evidencia o infundado da pretensão da Apelante.
«Em sede de reconvenção o réu nos artigos 121.º, 122.º e 123.º, que a seguir se transcrevem, alegou concretamente os factos de onde emerge o pedido reconvencional:
“121.º Como referido na sua petição inicial, a autora recebeu a quantia de € 2.500,00, acrescida de € 575,00 de IVA, nos meses de julho, agosto e setembro de 2019, o que perfaz a quantia recebida nesses meses de € 9.225,00.”
122.º A tomada de posse da nova administração ocorreu no dia 24 de junho de 2019, o que significa que nos referidos meses de julho, agosto e setembro de 2019, a autora já não prestou quaisquer serviços ao condomínio.”
123.º Por essa razão a autora deverá ressarcir ao condomínio os montantes indevidamente recebidos, no valor global de € 9.225,00.”
Acabando esse valor por ser contabilizado no total do pedido formulado na al. b): “b) Procedente a reconvenção, por provada, e, em consequência, ser a reconvinda condenada a pagar ao réu a quantia global de € 221.486,95 pelos danos patrimoniais que lhe foram causados pela autora;” (…)
A autora deduziu réplica onde teve a possibilidade para se pronunciar sobre esta matéria.
Ficou assente no ponto L. dos factos assentes que “A autora recebeu as retribuições mensais no valor de 2.500,00€ até ao mês de Setembro de 2019.”
Já na sentença, quanto a esta matéria, refere-se o seguinte:
“2.5.3.3. As quantias recebidas pela autora a título de retribuição pelos serviços de julho a setembro de 2019 (…)»
Concluindo, pela condenação da reconvinda nessa parte do pedido reconvencional.
Pelo exposto, improcede a arguida violação do princípio do contraditório, e consequentemente também a nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia.
Nestes termos, improcedem todas as nulidades arguidas, cumprindo apreciar se ocorrem os invocados erros de julgamento.
*****
III.2.3. – Da impugnação da matéria de facto
Pretende a Recorrente a reapreciação da matéria de facto, insurgindo-se contra a sentença recorrida na parte em que foram considerados provados os factos constantes dos pontos 10, 23, 25, 26, 29, e 30, e pretendendo seja dada como provada a materialidade constante dos artigos 10.º a 13.º e 17.º a 20.º da réplica.
No que concerne à impugnação da matéria de facto provada, efetuada pela autora, ora Recorrente, cumpre preliminarmente afirmar que a mesma se mostra efetuada com observância dos ónus a respetivo cargo previstos nas três alíneas do n.º 1, e no n.º 2, alínea a) do artigo 640.º do Código de Processo Civil, cumprindo consequentemente verificar se existem ou não razões para modificar e aditar a matéria de facto nos termos pretendidos, salientando ainda que, no caso em apreço, também o réu, ora Recorrido, deu cumprimento ao previsto na alínea b) do n.º 2 da referida disposição legal, designando os meios de prova que em seu entender infirmam as conclusões da Recorrente.
Como é sabido, nesta reapreciação da matéria de facto, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respetiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo[20].
Ora, a convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, designadamente a prova documental, e sendo evidentemente globalmente apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
De facto, «[o] “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular – a fundamentação em matéria de facto –, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência» [21].
Acresce que, relativamente à reapreciação do julgamento de facto pela Relação cumpre ainda ter presente que a mesma se destina primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento – atento o preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a modificabilidade da decisão de facto –, evidenciados a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. Por isso que, também na respetiva fundamentação a Relação tem de motivar, ou seja, dizer as razões que determinaram o respetivo juízo probatório, para aquilatar se tais elementos impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados. Para tal, e quanto à prova gravada, não basta ouvir os depoimentos ou declarações, que venham indicados pelas partes, impondo-se nesse juízo atentar ainda naqueles em que o julgador de primeira instância fundou a respetiva convicção, porquanto só assim podemos concluir, com o necessário rigor, se os meios de prova indicados pelo Recorrente impõem decisão diversa ou se apenas permitem decisão diversa.
Vejamos, pois, começando por ter presente a fundamentação expressa na decisão recorrida, que importa aos factos ora impugnados, onde se afirmou:
«A convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada resultou da posição das partes (admitida por acordo e confessada – art. 574.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil) e da conjugação da apreciação feita dos depoimentos testemunhais e dos documentos juntos e para os quais foi sendo feita referência.
Sobre a prova documental: ou existem elementos que permitiram integrar alguma da matéria nos “factos assentes” na audiência prévia ou não foram juntos os suficientes para dar como demonstrada certa factualidade, como por exemplo, a questão relativa ao estado das contas bancárias. (…)
Já quanto à inexistência de seguro, trata-se de matéria que a autora facilmente podia contrariar e não o fez, confirmando o depoimento das testemunhas que, após exonerada a autora, não apuraram a existência de qualquer seguro.
O representante da empresa que figura como atual administradora do Condomínio prestou declarações de parte. Reportou-se à situação do prédio em 2019, enumerando todos os aspetos negativos, desde a falta de manutenção à falta de controlo de entradas num edifício com centenas de apartamentos, situação confirmada pelos restantes ouvidos. Sobre a saída da autora, referiu que não deixou documentação, só uma pasta e uma caixa e que foram feitos pagamentos sem documentos de suporte, compatível com o depoimento das testemunhas escriturárias. As assembleias decorriam sem qualquer discussão pois eram aceites procurações de condóminos que tinham a possibilidade a aprovar as propostas – cfr atas e depoimento de outros presente. Sobre dívidas, reportou-se à dívida à OTIS, não havendo discussão de outras dívidas em assembleia.
Quanto às testemunhas.
BB, escriturária, disse ter trabalhado para as empresas que faziam a exploração hoteleira no Bloco I, fazendo também trabalho relativo ao Bloco II, sendo sua colega a testemunha DD. Com a autora passou a receber pontualmente o seu ordenado, assim como a ver pagas as contribuições para a Segurança Social, o mesmo sucedendo com contas do Condomínio, ao mesmo tempo que foram contratados alguns serviços, tendo melhorado a limpeza e a manutenção do edifício. Sobre documentação, disse que a D. EE levou algumas pastas, não sabendo se as devolveu, pois quando chegou os espaços estavam vazios, apenas havia o computador.
Tal como em outros depoimentos, perguntas houve que já traziam a resposta, afetando assim a integridade do depoimento em parte.
CC disse trabalhar para a OTIS, confirmando o acordo a que chegou com o Condomínio, devido à intervenção da autora que os contactou em janeiro de 2018 para tratar das dívidas mais atrasadas, o qual foi sendo cumprido.
DD disse ser escriturária do condomínio há cerca de 30 anos, ainda que tenha trabalhado efetivamente para a “Greenstairs”, “Yellowtel”, “Vanguard Season”. Nessa altura, não recebia o seu salário atempadamente. Agora é empregada do bloco II. Relatou que, em 2019, apareceu nos escritórios um grupo de proprietários e telefonou para a D. EE, a representante da autora. Tinha estado de férias e não sabe se havia sido recebida qualquer carta. Antes de ir de férias não havia pastas nos escritórios, pois tinham sido levadas pela D.EE. Quando voltou de férias a D. EE deixou umas pastas no chão, não sabendo o que tinham. A base de dados não estava no computador, estaria numa pen. Apenas tinham o programa de faturação.
EE depôs como testemunha. Ainda sócia da autora, mas já sem poderes de representação desde junho/julho de 2019, disse não ter qualquer atividade e ter deixado de receber qualquer salário da autora. Antes, a autora recebia €2500 mais IVA, sendo ela quem emitia a fatura e se fazia pagar. Quando iniciou funções, o condomínio tinha cerca de € 100 na conta bancária e muitas dívidas, justificando até um aviso de corte por parte da OTIS (elevadores), com quem acabou por chegar a acordo que cumpriu. Da parte da EDP também havia dívidas. Pagou à sociedade de advogados. Fez o projeto para instalação dos contadores individuais. Reportou-se à forma como geriu o condomínio e à forma como saiu. As deliberações de aprovação das contas foram impugnadas, mas não foram anuladas. Esclareceu que na manutenção estava o sr. FF e que também contratou serviços de limpeza, tendo até recebido elogios por isso, pois havia queixas sobre a falta de limpeza. Disse que não havia Fundo de Reserva e que todos os pagamentos foram justificados por documento suporte. Baixou o valor do condomínio. Disse que os valores da receita aumentaram devido a cobranças em processos judiciais, isto depois de pergunta sugestiva do advogado. Sobre a inexistência do fundo de reserva, disse que nada fez, que estava convicta de que seguro do prédio. A testemunha EE afirmou que fez tudo certo, que pagou sempre com documentos de suporte, que deixou todos os documentos, nada mais apresentando para demonstrar essa realidade, parte contrariada pelos outros intervenientes. E podia ser fácil demonstrar a existência desses documentos.
GG, condómino do Bloco II, mas com conhecimento do Bloco I, pois que são contíguos, reportou-se ao estado em que condomínio estava, ao abandono, com questões graves de segurança. Por outro lado, a administração não prestava informação, mesmo a pedido. Foi isso que levou a que tivessem decidido não continuar com a empresa. Nunca foi informado da existência de dívidas em assembleia. Mais esclareceu como decorriam as assembleias, sempre lideradas pelo Dr. AA que aceitava umas procurações e rejeitava outras.
HH, desde 2015, proprietário de fração no Bloco I, disse que tem prestado ajuda ao Condomínio no domínio da contabilidade. Descreveu o estado do prédio, no início de 2019, quer quanto ao interior quer quanto ao arranjo exterior: falta de limpeza. Parecia um prédio fantasma. Acederam aos extratos bancários e concluíram que foram feitos pagamentos sem documentos, sendo que no caso de advogados, pagaram mais do que previsto na avença. Em junho de 2019, o orçamento já estava esgotado. Sobre o fundo de reserva: disse que nunca foi comunicada à assembleia qualquer falta do Fundo. Na assembleia de 2018 houve referência a um Fundo de cerca de 8000 €. Nas folhas que eram disponibilizadas aos condóminos também não havia referência a dívidas. O prédio não tinha seguro de incêndio.
II, proprietária no Bloco I, disse que à data da gestão da autora não havia receção ativa, existiam ratos, carrapatos e baratas, pessoas estranhas a circular e a pernoitar a ponto de no inverno não se sentir segura no prédio. Sobre a assembleia de 2019 disse que as procurações não foram aceites pelo Dr. AA. Disse que nunca foi discutido o acordo dos 25% dos processos judiciais a favor do advogado. Seguro do edifício, não havia. A D. EE comunicou que havia dívidas da OTIS e da EDP, mas nunca a dívida da “Algarvelaw”. Sobre o Fundo de Reserva, a alegada falta nunca foi apresentada, embora a D. EE tivesse dito que as contas estavam “a zeros”.
Daqui resulta o descontentamento dos condóminos num edifício que tem dado ao longo dos anos imensos problemas com repercussão em ações judiciais – cfr. a consulta no “citius” – a posição das empregadas administrativas, na maioria credível, e a posição da ex-representante da autora, visivelmente próxima do conflito e das pessoas envolvidas já antes nas questões do Condomínio, como o então advogado do Condomínio que também presidia às assembleias.».
Dissente a Apelante da convicção que levou a serem considerados provados os indicados pontos da matéria de facto, cuja ordem de numeração seguiremos na apreciação.
Na mesma conclusão em que deduz a pretensão de aditamento ao ponto 10 da matéria de facto provada, a Apelante convoca questão que cremos ser prévia àquela e que, por isso, cumpre desde já enfrentar, uma vez que, se a deliberação tomada fosse nula, naturalmente que nenhum sentido faria o preconizado aditamento.
Com efeito, nas suas alegações, e com várias nuances a recorrente vem invocar alegadas irregularidades que no seu entender se verificam quanto à deliberação da assembleia de condóminos que deliberou a sua exoneração, quer quanto à percentagem de proprietários intervenientes, quer quanto ao modo de convocação da Assembleia extraordinária, quer ainda quanto ao “quorum” deliberativo, concluindo que a deliberação é nula, e que, sendo irregular a convocação e a deliberação da assembleia de condóminos, então em termos técnico-jurídicos a exoneração é ineficaz.
Não obstante a Apelante não impugne o facto provado sob o ponto 10. o que, aliás, nem se compreenderia, já que é precisamente essa a causa de pedir da pretensão por si formulada na presente ação e veiculada nos artigos 18.º e 19.º da petição inicial, por referência ao documento n.º 3 que então juntou, vem agora concomitante e contraditoriamente, invocar a inexistência jurídica da ata que ela própria juntou, não sem antes ter arguido na réplica, em claro venire contra factum proprium, que igual documento junto pelo réu era falso. Aliás, olvidando que os recursos não se destinam a conhecer questões novas e muito menos a decidir pedidos não formulados, chega ao ponto de formular no recurso, em pedido novo, para que seja decretada “a invalidade da deliberação do condomínio de exoneração por inexistência de «justa causa», (conduta irregular ou negligência da autora) ”.
Ora, para além de obviamente não poder ser decidido por este tribunal um pedido novo, esta espécie de impugnação da deliberação social tomada pela Assembleia de condóminos que a apelante visa obter por esta via não tem qualquer fundamento e não pode proceder, pelas decisivas razões que sinteticamente indicaremos.
Em primeiro lugar, o administrador de um condomínio, que não seja condómino, não tem legitimidade para impugnar as deliberações da Assembleia de Condóminos, já que a sua legitimidade ativa e passiva para agir em juízo está limitada à previsão do artigo 1437.º do CC.
Assim o afirma, claramente, o Conselheiro ARAGÃO SEIA[22]: «o administrador que não for condómino, quer seja pessoa singular quer seja entidade colectiva, não tem legitimidade para impugnar a deliberação, por não ter o requisito condómino exigido para tal pela lei; se for condómino a legitimidade advém-lhe dessa qualidade, se não tiver votado favoravelmente a deliberação».
Portanto, se a Apelante não teria, no prazo legalmente estabelecido de 60 dias, legitimidade para impugnar aquela deliberação da assembleia de condóminos, obviamente que não poderia obter nesta ação o mesmo efeito jurídico, ainda que para o efeito fizesse uso de outras vestes…
Em segundo lugar – como está demonstrado, e a Recorrente aceita –, aquela deliberação não foi impugnada por quem tinha legitimidade para o efeito, ou seja, pelo universo dos condóminos que a não votaram favoravelmente, pelo que, não é igualmente “atacável” nestes autos pela via da invocação do agora denominado incidente de falsidade. Na verdade, a «impugnação» a que alude o artigo 374.º, n.º 1, do Código Civil, não configura uma referência à «impugnação» a que se refere o artigo 571.º do CPC relativa à mera impugnação do documento, como foi efetuada, referindo-se antes à impugnação da genuinidade do documento prevista no artigo 444.º, n.º 1, do CPC, enquanto incidente da instância, que não foi deduzido[23], sendo certo que é através deste concreto meio processual que se procede, no que ora importa, à verificação da desconformidade entre o que ocorreu e aquilo que o documento atesta. Efetivamente, a arguição da apelante a respeito da falsidade das declaradas percentagens de representação e votação, consubstancia a modalidade de falsidade ideológica, também conhecida por falsidade intelectual de um documento, que consiste na desconformidade entre o que realmente se passou e o que se exarou no mesmo.
Ora, como é jurisprudência firmada no nosso mais Alto Tribunal, «a arguição da falsidade de um documento pressupõe que haja indícios que o documento seja falso. Sendo manifesto que o documento está conforme à realidade, não se deve dar seguimento ao incidente de falsidade»[24].
In casu, é uma evidência que não existe qualquer indício de que a ata contendo a deliberação esteja eivada da falsidade ideológica que lhe é apontada, o que se nos afigura notório pelo simples mas elucidativo facto de, num condomínio composto por 316 frações, como a própria Apelante refere no artigo 5.º do petitório inicial, nenhum dos condóminos que tinham legitimidade para impugnar a deliberação tomada pela Assembleia de condóminos, o tivessem feito.
Final e brevemente, dir-se-á ainda que a deliberação não é ineficaz porque está dentro das competências legalmente atribuídas à Assembleia de Condóminos, já que, nos termos do disposto no artigo 1435.º, n.º 1, do CC, o administrador é eleito e exonerado pela Assembleia. E mais, as irregularidades que a Apelante apontou não determinariam nem a ineficácia nem a nulidade da deliberação, mas a sua mera anulabilidade. Com efeito, desde que violem a lei ou os regulamentos, são anuláveis as deliberações que a assembleia tome dentro da área da sua competência, como é caso, pelo que, também já nunca poderiam ser invocadas, ainda que a Apelante fosse condómino, e não é, porque aquando da sua arguição já se havia extinguido o prazo dentro do qual teria necessariamente de ter sido interposta a ação de anulação.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, improcedem e mostram-se deslocadas as questões repetidamente colocadas pela Apelante ao longo da sua peça processual, que visam atacar a validade da deliberação da assembleia de condóminos, que a exonerou das funções que vinha exercendo de administradora do condomínio.
Vamos, então, à impetrada modificação da matéria de facto.
A respeito do ponto 10 da matéria de facto provada, cuja primeira parte já vinha assente desde o elenco elaborado na audiência prévia, onde não houve qualquer divergência apontada pela Apelante a respeito do mesmo, consta que «A autora foi destituída do seu cargo por uma deliberação da assembleia geral de condóminos comunicada à autora através de carta datada de 17 de junho de 2019, na sequência de prévia convocatória feita pelos condóminos, representando pelo menos 25% do capital investido do edifício, realizada em 18 de maio de 2019, assembleia extraordinária de condóminos onde, entre outras, foi tomada a deliberação de destituição com efeitos imediatos da administração de condomínio com 97% dos votos a favor, correspondente a 40,450% do capital do prédio. As deliberações aí aprovadas não foram impugnadas – art. 5.º do Código de Processo Civil»
Pretende a Apelante que, para além do que ali consta, seja aditado o seguinte: «sem que da acta da deliberação conste a discriminação de uma “justa causa” de exoneração e não tendo havido impugnação da mesma». Defende ainda que o pretendido aditamento é «uma simples consequência da própria redação da denominada “ata avulsa da reunião realizada no dia 18 de maio de 2019”, já que da mesma não constam quaisquer factos que pudessem sequer indiciar que existisse qualquer “irregularidade” ou “negligência” na sua atuação».
A matéria da (in)existência de justa causa para a exoneração da autora da administração do condomínio réu é o cerne da divergência que opõe as partes.
Como assim, não devendo ser aditada a proposta redação, obviamente conclusiva, entendemos justificar-se o aditamento de um facto onde conste o que ficou vertido nessa ata a este respeito, e que, por se tratar de prova documental, que, como vimos, não foi validamente impugnada, este tribunal sempre poderia considerar ao abrigo do disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC.
Consequentemente, e sem necessidade de maiores considerações, adita-se à matéria de facto provada, um novo facto com o seguinte teor:
10-a. Na ata dessa assembleia geral extraordinária de condóminos consta «no ponto Um, destituição com efeitos imediatos da administração de condomínio, o presidente da mesa fez uma exposição sobre as causas que levaram à convocação da assembleia extraordinária. Na assembleia foram enunciadas várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada».
*
Dissente também a Apelante da matéria de facto vertida no ponto 23 dos factos provados, pretendendo que o mesmo seja modificado aditando-se, no fundo, a abaixo sublinhada “justificação” para o provado comportamento – que em si mesmo não refuta –, e que desse facto passe a constar que «A autora, após a cessação das suas funções, por considerar não ter sido validamente exonerada, nada transmitiu à nova administração: extratos bancários; documentos contabilísticos (faturas e recibos); processos; pagamentos relativos aos elevadores (art. 9.º dos temas de prova)».
Funda a sua pretensão «pelas razões que, aqui, se dão como reproduzidas e respeitantes ao facto 10, mutatis mutandis, relativamente à validade da deliberação da Assembleia de Condóminos destitutiva. Dir-se-á, contudo, que o Tribunal, ao dar, como deu, como provado o facto, logrou violar e desconhecer o disposto no artigo 1432.º, n.ºs 4 a 9, do CC, que impunha a conclusão rectificativa indicada».
Bem, quanto à validade da exoneração, aplica-se a este ponto o que já referimos a respeito do ponto 10.
Mas, como auditámos o suporte áudio contendo as declarações das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e que conjugadamente fundaram a convicção da julgadora, que subscrevemos quanto à falta de credibilidade do depoimento da testemunha EE, que até à exoneração representava a Autora no exercício das funções de administração do condomínio, a respeito de ter deixado toda a documentação de suporte, sempre diremos que os depoimentos prestados pelas testemunhas JJ, BB e HH, a que abaixo voltaremos, infirmam a alegação da recorrente na parte subjetiva da pretensão modificativa. E mais, a própria pretensão da Apelante a respeito deste ponto de facto, onde está provado, e a mesma aceita, que nada transmitiu à nova administração, contradiz frontalmente o que pretende seja dado como provado, proveniente da sua réplica, onde invocou nos artigos 12.º e 13.º, que «os elementos contabilísticos relativos à gestão do condomínio do ano de 2018 e do ano de 2019 até ao dia em que a atual administração entrou no escritório do condomínio e tomou posse do local, foram deixados neste escritório», e que «todos os extratos bancários, todos os papéis relativos aos depósitos, todas as faturas, todos os recibos e todos os demais elementos contabilísticos foram entregues à atual administração do condomínio», pelo que se decidirão, conjuntamente.
Com efeito, que não houve transmissão desses documentos, nem os mesmos se encontravam no local, resulta claro das declarações de JJ, BB e HH. JJ, que representa a empresa que atualmente administra o condomínio réu, perguntado pela julgadora sobre como é que lhes foi passada a pasta, se receberam tudo o que tinham para receber, em termos de documentação, respondeu que “quando a Questões & Sugestões saiu, quando a Allways tomou o condomínio, portanto, também nada foi entregue. Costuma haver um protocolo onde é entregue as chaves, é dito onde é que estão as pastas, os processos que estão a decorrer, o que é que falta pagar, onde é que havia a caixa do correio, o apartado, quais eram as contas no Banco (…) a única coisa que a representante da Questões & Sugestões … a única coisa que disse foi: - Vêm tomar conta do condomínio, não é? As capas estão por aí e as chaves estão com a funcionária. Virou costas e foi-se embora”. Questionado seguidamente se estavam ou não estavam, respondeu que “nós nunca encontramos nenhuma capa lá. Desde que a Questões & Sugestões entrou não há uma capa de papéis com faturas, execução orçamental. O dia-a-dia de um condomínio”.
Por seu turno, a testemunha BB, que trabalhou com a D.ª EE, acabou por dizer que “houve uns dias em que a D.ª EE tinha levado algumas pastas do escritório”, e que quando chegou de férias as pastas que havia no escritório com a documentação “não estavam. Estavam os espaços vazios. Eu não tinha lá a documentação. Estavam os espaços vazios. A zona onde eu trabalhava estavam os espaços vazios”. Inquirida pelo ilustre mandatário da Autora sobre se o computador estava lá estava, respondeu que estava, mas perguntada em seguida se as receitas e recibos não estava tudo nesse computador, respondeu claramente “Não estava Dr.”. E perante a insistência do Ilustre mandatário: “Não estava?”, respondeu: “Não estava. Porque as informações estavam numa pen e não estava lá”.
Finalmente, do depoimento da testemunha HH, que adquiriu em compropriedade uma fração em 2015, e tem dado apoio ao condomínio na contabilidade, afirmou expressamente que “aquando da tomada de posse nada, basicamente… aliás, é preciso ver que em relação a 2018 não existe um único documento de 2018 no condomínio. Não estava lá e nunca foram entregues. O condomínio simplesmente não tem os documentos de despesas relativamente à data da tomada de posse ou que posteriormente tivessem sido entregues…”.
Consequentemente, nada impõe que seja modificado o facto provado sob o n.º 23, que deve manter-se, improcedendo igualmente o pretendido aditamento da matéria vertida sob os artigos 12.º e 13.º da réplica.
*
A respeito do facto provado no ponto 25, onde consta, tal como alegado pelo Réu, que a Autora não prestava informações sobre o condomínio, nem forneceu os documentos referidos (art. 13.º dos temas de prova), pretende a Apelante que seja dada como provada a sua versão positiva, ou seja, que “a autora prestava informações sobre o condomínio, por si e por intermédio das suas funcionárias”, convocando o depoimento da testemunha BB, quando, perguntada pelo ilustre mandatário do réu sobre se a D.ª EE fazia atendimento aos proprietários ou falava com algum dos proprietários ou se era a depoente que recebia os proprietários e depois os encaminhava para ela, respondeu que “normalmente éramos nós. Ela também falava, mas normalmente éramos nós funcionários que falávamos com os proprietários”. E à pergunta: e-mails, cartas, ela respondia?, a testemunha retorquiu que “normalmente, se fosse para responder, dava-nos indicação para nós respondermos”.
Ora, como é sabido, não basta a transcrição de um excerto de um depoimento no sentido favorável ao Recorrente para que ocorra a modificação da matéria de facto, já que os depoimentos são sopesados entre si e conjugados com as regras da experiência.
Assim, quanto ao não fornecimento da documentação pela autora, vale o que dissemos a respeito do ponto de facto anterior. No concernente ao segmento onde se refere que a Autora não prestava informações sobre o condomínio, pelo menos de forma satisfatória, e é isso que importa considerar, temos novamente o suporte da convicção da julgadora, nas declarações de JJ que, perguntado sobre como era a relação entre a empresa e os proprietários respondeu que no “dia-a-dia nunca havia informações. Nem sempre a Sr.ª Administradora estava no condomínio (…) e quando chegávamos lá ou se estivesse lá nem nos atendia e era sempre a funcionária que atendia e dizia: - eu vou passar a informação, eu vou passar a informação. E nunca tivemos… muita rara, muito raramente, não estou a dizer que foi a 100%, muito raramente lá se obtinha uma informação, mas tinha de se ir lá 5, 6 e 7 vezes e fazer tipo uma espera à porta. É por esta porta que entra tenho que me pôr aqui à porta, porque tem de me dar uma solução e tem que me dar uma resposta”. Concretizou ainda que “as assembleias funcionavam muito simplesmente: Nós temos a maioria, a mesa está constituída. Vamos votar a favor. Pouco ou nada… muitas vezes a gente ainda estava a discutir se havia de ir algum elemento dos proprietários para a mesa e o primeiro ponto, primeiro orçamento já estava aprovado”.
Por seu turno, das declarações da testemunha GG, que é proprietário de uma fração no Bloco II desde novembro de 2011, igualmente decorre que “muitas das vezes quando nós queríamos algum tipo de informação dirigíamo-nos lá e diziam sempre que a pessoa não estava (…) uma vez pedi um documento por causa de um processo … e fui pedir uma certidão ao condomínio de não dívida e essa senhora simplesmente recusou”. E quanto às assembleias, disse ainda que a autora “punha a ordem de trabalhos, aprovava tudo. As pessoas, as poucas questões que punham ou as muitas, eventualmente, nunca eram respondidas praticamente e estava tudo aprovado sempre”.
Portanto, nada impõe que seja modificado o facto provado sob o n.º 25, que por isso se mantém.
*
Do impugnado facto 26. consta que “a autora não providenciou pela existência de seguro do prédio (art. 14.º dos temas de prova)”, o que a mesma não questiona, pretendendo apenas que seja aditada a sua “justificação” para o efeito: “por inexistência de decisão dos condóminos a assumirem tal encargo”.
Ora, a existência de contrato de seguro só pode ser provada pela respetiva apólice. Se ela existisse a Autora teria procedido à sua junção aos autos, o que não fez, e nem contesta. O que pretende agora é afastar por esta via a sua responsabilidade na inexistência de seguro obrigatório. Porém, a mesma decorre da lei e impende sobre o administrador e não sobre os condóminos. Com efeito, dispõe o artigo 1436.º, alínea c), que são funções do administrador “verificar a existência de seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro”.
Portanto, não tendo sequer demonstrado que cumpriu esta obrigação, salvo o devido respeito, esta sua pretensão é absolutamente inconsequente e, por isso, é manifestamente de improceder, nada havendo a aditar ao facto provado sob o n.º 26, que se mantém.
*
Relativamente ao facto provado sob o ponto 29. do qual consta que “a autora não providenciou pela jardinagem, manutenção e segurança das partes comuns de forma considerada aceitável por parte dos condóminos, ocorrendo a entrada de estranhos do prédio, sem controle (art. 17.º dos temas de prova)”, pretende a apelante, em síntese, que seja dada como provada a sua versão positiva.
Convoca para este efeito o depoimento da então representante da autora, EE, que ouvida a respeito disse ter sido “muitas vezes parabenizada, recebi muitos elogios em relação à limpeza do condomínio, em termos de asseio, cheirinho, recebi muitos parabéns por parte dos condóminos, porque efetivamente o condomínio estava apresentável, estava limpo, estava asseado”. Assim sendo, questionamo-nos por que motivo não teria a autora arrolado como testemunha algum desses condóminos satisfeitos. Com efeito, apenas indicou as senhoras funcionárias, mas a verdade é que nem dos depoimentos destas decorre a corroboração integral do afirmado.
De facto, a testemunha DD, funcionária do condomínio, à pergunta do ilustre mandatário do réu sobre se o prédio estava limpo, os jardins estavam arranjados, e havia segurança, respondeu que “agora está melhor do que no tempo em que estava a Vanguard Season (…) porque é assim, no início da Questões e Sugestões quem fazia a limpeza, portanto, era esse pessoal contratado que ia lá limpar e no condomínio recebíamos queixas, no inicio, por falta de limpeza. Só depois, para o final do ano de 2018, é quando saiu essa empresa de exploração é que a D.ª EE contratou duas senhoras para limpar, o condomínio.”. Mais adiante, questionada sobre se a autora “contratou uma empresa de jardinagem para ir lá de vez em quando fazer trabalho?”, respondeu que “contratou para ir limpar numa altura. Portanto, teve o Inverno sem ser limpo e depois como vinha a altura já da Páscoa, contratou uma empresa que foi lá limpar.”. Temos, portanto, que quanto à limpeza melhorou no final de 2018, e quanto ao jardim, no inverno não havia limpeza e foi lá uma empresa na altura da Páscoa…
Por seu turno, a testemunha BB, instada sobre as mesmas questões, referiu que a limpeza melhorou, o prédio «durante a Questões e Sugestões estava mais limpo, porque realmente a senhora da limpeza limpavam realmente os corredores». Quanto à manutenção, respondeu que “futuramente foi contratado o Sr. FF”, e a respeito da contratação de “alguma empresa de jardinagem para tratar do jardim”, respondeu “sim, contratou para fazer um serviço de limpeza do jardim”. Inquirida, “de limpeza?”, respondeu que “não era um serviço mensal, era um serviço único naquele momento para fazer a limpeza. Portanto, para limpar a área à volta do clube.”. À insistência sobre se “esse serviço não era pago todos os meses, que ia lá uma equipa de jardinagem tratar disso?”, respondeu: “A ideia que eu tenho, não, Doutor. É que era um serviço único feito para aquele momento. Se eventualmente fosse mais tarde, estaria feito, mas não era um serviço mensal, foi um serviço único.
Como é bom de ver, e resulta das regras da experiência comum, mesmo admitindo que a limpeza tenha melhorado, tal não significa que a mesma tenha sido considerada de um nível aceitável por parte dos condóminos, quanto à jardinagem é uma evidência que um jardim que não tenha uma manutenção, pelo menos, mensal (e é pouco em algumas épocas do ano), não pode estar num estado aceitável, não se compadecendo este tipo de manutenção com uma limpeza efetuada após o inverno, donde o depoimento das testemunhas que a Apelante indica não sustenta a pretendida modificação.
Depois, temos os depoimentos que sustentam o facto tal como está provado, prestados por JJ, JJ, GG, HH e II, todos eles proprietários e frequentadores do prédio, que exuberantemente suportam a convicção do tribunal a quo, que igualmente sufragamos.
Respigamos, os seguintes excertos ilustrativos.
Do depoimento de JJ, quando afirmou que «no ano de 2019 o prédio esteve praticamente abandonado. O prédio não teve segurança. O prédio não tinha seguro. Os funcionários não tinham seguro de trabalho. Os funcionários estavam numas instalações que nem sequer água corrente tinham, as casas de banho. Não havia jardineiro, não havia manutenção, não havia portaria. O prédio entrava quem quisesse e saísse a toda a hora. Não havia medidas de autoproteção. Os geradores não funcionam. (…) Se falhasse a luz, o prédio tem 13 pisos, se falhasse a luz os geradores não arrancavam. (…) Automaticamente não tínhamos água dentro dos apartamentos… Essencialmente a limpeza era fraca. A limpeza também era fraca».
Do depoimento da testemunha GG, quando referiu que «2018 foi o caos, porque deixou de haver segurança, deixou de haver pagamentos de luz, portanto, o Clube estava às escuras, não tinha segurança, estava tudo ao abandono. Em termos de jardinagem era o caos, portanto, as coisas não eram regadas, não eram tratadas. O problema maior, na minha opinião, era a falta de segurança. Não havia segurança, nem iluminação sequer no prédio, nas áreas comuns. Aquilo estava mesmo completamente ao abandono. Houve imensas pessoas naquela altura, relatos que apareceram pessoas a dormir na escada. (…) Estava completamente ao abandono e daí as pessoas estarem saturadas disto».
Do depoimento da testemunha HH decorre que «parecia um prédio de facto abandonado. Em grande rigor, uma pessoa, se não fosse de dia, até tinha algum receio em entrar. Porque além do exterior não estava cuidado, de facto jardins, tudo isso. Não havia de facto, parecia um prédio fantasma, passe a expressão... Os jardins também pronto não estavam cuidados. Havia as ervas e tudo crescia, pronto, ia crescendo».
Finalmente, do depoimento da testemunha II resulta que «o prédio estava num autêntico abandono, completo. Má gestão em termos de limpeza, de segurança. Eu própria tinha medo de já ir no Inverno. Não tinha nenhuma receção ativa. Havia muito ratos e ratazanas nas coisas de lá de baixo. Havia pessoas a circular no prédio porque não havia parte de receção, não havia». Perguntada, “recorda-se de alguma infestação de baratas no Clube Praia da Rocha? Era frequente haver baratas?”, respondeu: “Lembro, lembro. Sim, sim… tanto baratas como carrapatos”.
Consequentemente, nada impõe que seja modificado o facto provado sob o n.º 29, que por isso se mantém.
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Pretende ainda a Apelante a modificação do facto provado sob o n.º 30, do qual consta que «a autora celebrou contratos de trabalho sem termo que não foram aprovados pela assembleia de condóminos, nomeadamente assumindo a antiguidade de empregados, pelo menos, desde 2012, sendo que os mesmos exerciam funções também para os Blocos desde essa data – fls. 35 (art. 19.º dos temas de prova)», e na sua perspetiva, deve passar a constar que «a autora celebrou contratos de trabalho sem termo que foram discutidos pela assembleia de condóminos, não tendo existido oposição à sua celebração, nomeadamente assumindo a antiguidade de empregados, pelo menos, desde 2012, sendo que os mesmos exerciam funções também para os Blocos desde essa data.».
A apelante convoca os depoimentos das testemunhas BB e DD, que afirmam que antes não recebiam os salários todos os meses, e que depois da celebração dos contratos pela autora, o respetivo vencimento passou a ser pago mensalmente “certinho”. Porém, a testemunha BB confirmou também que antes tratava de assuntos ligados à exploração turística, que não eram do condomínio. Portanto, salvo o devido respeito, não constando em ata – que não foi junta pela autora porque, como é reconhecido pelo ilustre mandatário nas instâncias que efetuou à testemunha BB –, da ata não consta qualquer deliberação a esse respeito, é irrelevante aditar se o assunto foi discutido numa Assembleia Geral, e as pessoas que estavam na Assembleia concordaram. Com efeito, não sendo um ato de gestão nem corrente nem urgente, não merece qualquer censura a decisão de facto constante neste ponto, porque efetivamente, a celebração dos contratos de trabalho sem termo, não foi aprovada pela assembleia de condóminos, sendo ainda correta a menção respeitante a que o faziam desde de 2012, também para os blocos.
Pelo exposto, também nada impõe que seja modificado o facto provado sob o n.º 30, que por isso se mantém.
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Finalmente, diz a Apelante que “urge notar que, de igual modo, foram dados como não provados os factos constantes nos artigos 10.º a 13.º e 17.º a 19.º, da Réplica, quando deveriam ter sido dados como provados e, nesse sentido, afetariam alguns factos dados como provados, mormente no que respeita à validade da deliberação em Assembleia de Condomínio Extraordinária em que foi deliberada a exoneração, visto que na Réplica se suscitou um incidente de falsidade [violando o Tribunal os artigos 372.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil e artigos 446.º a 450.º, do Código de Processo Civil] e se referiu nos artigos 10.º a 13.º e 17.º a 20.º, da Réplica”.
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a Apelante está a confundir as ações.
Nesta ação, esses factos não foram dados como não provados. Com efeito, os mesmos constam assim elencados, por remissão, na ação em tudo idêntica à presente, mas respeitante ao Bloco II do Condomínio do Clube Praia da Rocha, cuja sentença foi junta a estes autos antes da prolação da decisão ora recorrida, e só por isso conseguimos alcançar por que bulas a recorrente mencionava que estes factos tinham sido dados como não provados, quando no caso em presença, pura e simplesmente os mesmos não foram considerados na decisão da matéria de facto, nem provada, nem não provada.
Porém, não o foram nem tinham que ser, daí não se justificar o uso dos poderes conferidos pelo artigo 662.º, n.º 2, alínea, c), de anular a decisão recorrida, uma vez que, a matéria em causa ou é conclusiva, ou é oposta a outra matéria assente mas em sentido diverso, isto na parte em que releva para a decisão da causa.
Assim, quanto aos pontos 10 e 11, o facto de autora ter instaurado ações executivas para a cobrança de dívidas, único verdadeiramente relevante, enquanto revelador do cumprimento das suas obrigações, está já provado sob o ponto 28 da matéria de facto.
Quanto aos factos vertidos nos pontos 12 e 13 da réplica, já acima nos referimos aquando da decisão atinente ao ponto 23 da matéria de facto provada.
Relativamente aos artigos 17.º a 20.º da réplica, respeitam à questão da validade da deliberação, sobre a qual igualmente já nos pronunciámos.
Como assim, na sentença recorrida consta a base factual necessária à decisão jurídica da causa, sob todas as soluções plausíveis da questão de direito, nada mais relevando acrescentar.
Pelo exposto, na improcedência da impugnação da matéria de facto, mantêm-se os factos impugnados tal como vinham provados da primeira instância, e adita-se, no local próprio, um ponto 10-a, nos termos sobreditos.
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III.2.4. - Do direito aplicável
Em face do preceituado no n.º 1 do artigo 1435.º do CC, dúvidas sérias não existem de que é à assembleia dos condóminos, enquanto órgão deliberativo da propriedade horizontal, que normalmente incumbe tanto a nomeação como a exoneração do administrador, podendo este ser excecionalmente nomeado e exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino.
Nesse caso, mercê do n.º 3 do artigo 1435.º do CC, é claro que ao condómino incumbe o ónus de alegar e provar factualidade que integre qualquer um dos dois fundamentos que podem servir de base à possibilidade excecionalmente conferida pelo mencionado preceito, de exoneração contenciosa do administrador: a prática de irregularidades ou a atuação com negligência no exercício das funções que lhe foram cometidas, conforme previsto no segmento final do referido artigo legal[25].
A questão que os autos convocam, está em saber se, por não constar no n.º 1 do preceito idêntica exigência, a exoneração do administrador pela assembleia de condóminos é ou não livre.
Na sentença recorrida, acolheu-se a posição expressa pelo réu condomínio de que, competindo aos condóminos, reunidos em assembleia, decidir a eleição e exoneração do administrador, “sem que a norma exija a necessidade de apresentação de qualquer fundamento”, já que só nas situações do n.º 3, “é que deve ser demonstrado fundamento para a exoneração, a justa causa, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções”. Nesse pressuposto, concluiu que no “caso dos autos, a assembleia deliberou, a deliberação não veio a ser impugnada e, por isso, tem-se como assente, sem que tenha surgido na esfera jurídica do réu a obrigação de indemnizar a autora”.
Sendo certo que, aparentemente, a lei distingue ambas as situações, referindo a necessidade de invocação de justa causa para a destituição do administrador apenas nas situações em que a mesma não seja deliberada pela assembleia, e seja peticionada ao tribunal, a verdade é que, casos existem em que outros princípios do ordenamento jurídico, designadamente da liberdade contratual, eficácia dos contratos e boa fé, interpelam a uma interpretação que não se contenha dentro da literalidade do preceito e se adeque às distintas situações em presença, tratando de forma diversa o que é efetivamente diferente.
Assim, a afirmação de que o administrador pode ser exonerado pela assembleia a qualquer tempo, sem necessidade de invocação de justa causa, não significa sempre que a exoneração sem justa causa não possa dar lugar a indemnização. Por outras palavras, uma coisa é a assembleia dos condóminos poder fazer cessar unilateralmente o mandato conferido ao administrador antes do seu termo, outra é que esse seja uma espécie de poder discricionário que nunca confere à contraparte, independentemente da sua qualidade, o direito a indemnização.
Com efeito, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[26] afirmam que o período de duração do cargo de administrador «não impede que o administrador possa ser destituído a todo o tempo, quer por decisão judicial, nos termos do n.º 3 do artigo 1435.º, quer mesmo por deliberação da assembleia, de acordo com o disposto no n.º 1 do mesmo artigo, em princípio sem direito a nenhuma indemnização, mesmo que a exoneração careça de causa justificativa». (sublinhámos)
Concordamos, que este seja o princípio. Mas estes Ilustres Mestres já abrem a porta a que, casos existam em que, a exoneração imotivada constitua o condomínio na obrigação de indemnizar o administrador exonerado.
A distinção afigura-se-nos, aliás, perfeitamente justificada. Com efeito, por exemplo, se o órgão executivo que decide da vida do condomínio, entender exonerar o administrador-condómino, que gratuitamente exerce essas funções, tomando validamente tal deliberação, considerando os seus poderes legalmente conferidos pelo n.º 1 do artigo 1435.º do CC, não se vislumbra que o não possa fazer, quando o entender, sem necessidade de invocar qualquer causa para essa manifestação de vontade e sem que incorra em qualquer obrigação de o indemnizar. Porém, se o administrador não for um condómino, mas antes, como ocorre na espécie, um terceiro ao condomínio, que exerça tais funções por lhe ter sido conferido esse mandato também no seu interesse, então já não cremos que tal princípio se aplique.
Este é, aliás, o ensinamento que colhemos de ARAGÃO SEIA[27], quando distingue os casos, enfatizando que “a assembleia pode deliberar livremente a exoneração do administrador-condómino, sem que tenha necessidade de alegar razões para o fazer, o que, convenhamos, não será muito normal. E pode fazê-lo na assembleia convocada para discussão e apreciação das contas como sanção para a má administração efectuada, sem que haja necessidade de a exoneração constar da ordem de trabalho; trata-se de uma sequência da prestação e aprovação ou não das contas.
Quanto ao terceiro, se o mandato tiver sido conferido também no seu interesse – e é-o se se tratar de uma entidade especializada em administração de condomínios que, por isso, aufere remuneração, não pode ser revogado sem o seu acordo, salvo ocorrendo justa causa.(o itálico de destaque é nosso)
Trata-se precisamente da situação que ocorre no caso que nos ocupa, donde não sufragamos o entendimento acolhido na decisão recorrida, a este respeito, tornando-se, por isso, inútil a apreciação da questão da inconstitucionalidade do preceito interpretado no sentido de que a exoneração da administração do condomínio pela assembleia de condóminos, é sempre livre a todo o tempo e não dá lugar a indemnização, ainda que não ocorra justa causa.
In casu, configurando a eleição da empresa autora, que leva a cabo a administração de condomínios profissionalmente, a concomitante celebração de um contrato de prestação de serviços, ao qual se aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o contrato de mandato, na modalidade de mandato oneroso, com representação (artigos 1154.º a 1156.º, 1158.º, n.º 2, todos do CC), contrato que estava vigente à data em que, por carta de 17.06.2019, o condomínio ora recorrido, comunicou à empresa ora recorrente, que por deliberação da assembleia extraordinária de condóminos, reunida no dia 18 de maio de 2019, havia deliberado a exoneração da autora da qualidade de administradora do condomínio, para a qual havia sido eleita pela assembleia de condóminos que teve lugar no dia 14 de dezembro de 2017, para exercer as referidas funções pelo período de cinco anos, com início no dia 1 de janeiro de 2018 e termo a 31 de dezembro de 2021, dúvidas não existem que com aquela exoneração fez cessar o contrato que vinculava ambas as partes unilateralmente antes do respetivo termo[28].
Consequentemente, tal como precisa o Conselheiro ARAGÃO SEIA[29] nestas circunstâncias, “a exoneração pode ditar a obrigação de indemnização por parte do condomínio, pelo prejuízo que o terceiro vier a sofrer, nos termos do artigo 1172.º”, mais concretamente da sua alínea d), aplicável se a revogação proceder do mandante, e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que seja revogado sem a antecedência conveniente, salvo ocorrendo justa causa, conforme decorre do n.º 2 do artigo 1170.º, ambos do CC.
Na espécie, a autora deduziu a pretensão de lhe serem satisfeitas pelo condomínio réu todas as retribuições que a mesma receberia se continuasse a exercer as suas funções até ao final do mandato, invocando apenas que a sua destituição foi deliberada sem justa causa ou fundamento.
Por seu turno, na contestação, a Ré alegou um conjunto de factos que, a verificarem-se, integrariam a existência da justa causa, que afasta a obrigação de indemnizar a autora.
Sabendo que não é pacífica a questão da distribuição do ónus da alegação e prova da factualidade atinente à existência de justa causa, cremos ser correta a distribuição efetuada pelas partes.
Entende a autora que da ata não consta a factualidade da qual se extraia a existência de justa causa para a destituição.
Porém, não cremos que, na perspetiva que temos da correta distribuição do ónus da prova, nos termos assinalados, tal tenha qualquer relevância.
Com efeito, na ata da assembleia em que destituiu a autora, o condomínio fez constar a referência a que ali foram enunciadas «várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada».
Cremos ser bastante, porquanto, aquando da notificação da sua exoneração, a autora ficou a conhecer que o condomínio considerava ter motivos para deliberar a extinção do contrato entre ambos vigente, desde logo pelo segmento final vertido na ata a respeito da avaliação que os condóminos faziam do (pelo menos) defeituoso cumprimento do contrato.
Não se conformando com a imputação genérica efetuada, a Autora, sem qualquer prejuízo para a sua posição jurídica, instaurou a ação com a simples menção acima reproduzida, devolvendo à ré, o ónus de alegação e prova da factualidade integrante da invocada justa causa.
Vejamos, pois, se o réu logrou demonstrar factos que integrem o conceito de justa causa que, sendo um conceito indeterminado exige a aplicação valorativa do caso concreto, encontrando lugar paralelo que aponta o sentido da sua densificação no n.º 3 do artigo 1435.º, devendo, pois, o condomínio aduzir factualidade que demonstre que a administração exonerada praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.
Como sublinha BAPTISTA MACHADO, “será uma «justa causa» ou um «fundamento importante» qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento do dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa). A «justa causa» representará, em regra uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual».
In casu, os comportamentos que podem fundar a existência de justa causa dão obviamente anteriores à deliberação, pelo que, com maior relevância, o condomínio réu alegou e provou os factos constantes dos pontos 26, 27, 29 e 30, dos quais decorre que, para além de não ter providenciado pela jardinagem, manutenção e segurança das partes comuns de forma considerada aceitável por parte dos condóminos, ocorrendo a entrada de estranhos do prédio, sem controlo, ainda mais impressivamente, a autora não providenciou pela existência de seguro do prédio, obrigação que, como já vimos sobre si impendia, e que assume a maior relevância, nomeadamente em caso de sinistro (veja-se o que dispõe o artigo 1428.º do CC). Acresce que, durante o período em que administrou o condomínio, a autora calculou as prestações isentando a condómina proprietária das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, e “F” que representam 30,325, e celebrou contratos de trabalho sem termo que não foram aprovados pela assembleia de condóminos, nomeadamente assumindo a antiguidade de empregados, pelo menos, desde 2012, sendo que os mesmos exerciam funções também para os Blocos desde essa data. Significa esta factualidade, não apenas que a autora não cumpriu obrigações que sobre si impendiam (vg. a que decorre da alínea c) do artigo 1436.º, respeitante à verificação da existência do seguro), como extravasou as respetivas funções (cfr. artigos 1430.º e 1436.º do CC), isentando, sem deliberação da assembleia, o pagamento dos encargos de conservação e fruição (artigo 1424.º do CC), devidos por um dos condóminos, que detém mais de 30% da proporção do valor das frações, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 1424.º do CC, e assumindo encargos com a celebração de contratos de trabalho, que igualmente também não foram aprovados pela assembleia de condóminos.
Ora, ao administrador do condomínio estão cometidas as funções elencadas no artigo 1436.º do CC e outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia.
Não lhe tendo esta cometido à administradora assunção dos encargos em causa, que obrigam o condomínio futuramente, nem tendo deliberado a redução da receita, tal como decidida pela administração ao isentar de quotas condómino com tão elevada proporção nas partes comuns, violou de forma grave os deveres legais e contratuais que sobre si impendiam atenta a específica função exercida, de tal forma que não tornou inexigível ao condomínio a manutenção da relação contratual.
Conclui-se, portanto, pela existência de justa causa de exoneração, que constitui facto impeditivo do direito de indemnização invocado pela autora, tornando consequentemente inútil apreciar se a sua alegação era ou não bastante à procedência da pretensão formulada.
Ex abundantia, não podemos deixar de referir que, ainda que não houvesse justa causa, a pretensão da autora nunca poderia proceder quanto ao pedido de pagamento da retribuição acordada para o ano de 2021, atenta a nulidade do prazo de duração do contrato, por cinco anos, que é de conhecimento oficioso (artigo 286.º do CC). Com efeito, o prazo de duração do cargo de administrador que vem previsto n.º 4 do artigo 1435.º do CC, é um prazo destinado “a proteger os condóminos contra decisões precipitadas”, devendo “considerar-se de caráter imperativo[30].
Consequentemente, sendo norma de caráter imperativo, a fixação do prazo de duração do período de funções do administrador por 5 anos, é nula, sendo reduzido esse prazo a um ano, e renovando-se sucessivamente por iguais períodos.
Assim, admitindo-se que o contrato se renovou, por novo período de um ano, em janeiro de 2019, a autora, por este motivo, também nunca poderia ter direito a qualquer indemnização, mesmo que lhe fosse devida (e já vimos que no nosso caso, não é), por duração temporal maior do que o final do ano em que foi exonerada.
Finalmente, improcede também a pretensão recursiva a respeito da reconvenção, uma vez que a mesma assentava no pressuposto, não verificado, de que a exoneração da autora havia sido imotivada, já que o réu logrou demonstrar que a mesma ocorreu com justa causa.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, o presente recurso improcede, sendo de confirmar integralmente a sentença recorrida, ainda que por fundamentação parcialmente diversa da convocada em primeira instância.
Vencida, a Recorrente suporta as custas devidas, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC, sendo as da apelação na exclusiva vertente das custas de parte, a saber: reembolso de taxa de justiça e compensação por gasto com honorários de mandatário.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Évora, 20 de abril de 2023
Albertina Pedroso [31]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

__________________________________________________
[1] Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Transcrevem-se apenas as necessárias à compreensão do objeto do recurso, mantendo a numeração de origem, uma vez que a Apelante, não cumpriu o ónus de sintetizar a sua pretensão, colocando nas denominadas “conclusões”, inclusivamente os excertos de depoimentos das testemunhas, e transcrição de doutrina, cujo lugar próprio é obviamente a motivação do recurso.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC.
[5] Aditado por este Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto.
[6] Cfr., inter alia, Acórdão do Tribunal Constitucional ACTC7708, Acórdão 97-467-1, Processo n.º 97-195, disponível em www.dgsi.pt, sítio a que nos reportaremos em caso de citação de jurisprudência sem menção de outra fonte.
[7] Doravante abreviadamente designado CC.
[8] Proferido no processo n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2.
[9] Proferido no processo n.º 3340/16.3T8VIS-A.C1.S2.
[10] Cfr., neste sentido, ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, in MANUAL DE PROCESSO CIVIL, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 688.
[11] Cfr. autores e obra citada, pág. 669; ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, e abundante jurisprudência proferida nesse sentido pelos tribunais superiores, citando-se a título meramente exemplificativo o Ac. STJ de 14-02-2013, proferido no processo n.º 806/07.0TBTND.C1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cfr., ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, pág. 139.
[13] Cfr. FF ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Este entendimento jurisprudencial, que é pacífico, estriba-se na doutrina já defendida por FF ALBERTO DOS REIS que a propósito do correspondente normativo afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infração pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido.
[15] Cfr. Ac. STJ de 22-10-2015, Revista n.º 2844/09.9T2SNT.L2.S1 - 7.ª Secção.
[16] In Direito Processual Civil, VOLUME II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 454.
[17] Cfr. Ac. TRP de 19.05.2016, proferido no processo n.º 9551/15.1T8VNG-A.P1, citando o Ac. TRC de 20.12.2011, nesse mesmo sentido, estando ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[18] Cfr. Ac. TC n.º 499/98, citado por LOPES DO REGO, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, ALMEDINA, 2004, pág. 14.
[19] JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, in Constituição Portuguesa Anotada, COIMBRA EDITORA, Tomo I, pág. 194.
[20] Cfr., neste sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; e na jurisprudência de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[21] Cfr. Acórdão do STJ de 25.01.2006, proferido no Processo n.º 05P3460, e disponível em www.dgsi.pt.
[22] In Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2.ª Edição Revista e Atualizada, ALMEDINA, março de 2002, pág. 189.
[23] Tanto assim que não está discriminado na réplica, e a Apelante nunca o tratou como tal. Aliás, se assim o entendia, porque razão silenciou na audiência prévia que os factos atinentes não haviam sido indicados como tema da prova?
[24] Cfr. Acórdão STJ de 18.12.2002, proferido no processo 03B2690.
[25] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in CÓDIGO CIVIL ANOTADO, vol. III, 2.ª edição revista e atualizada, COIMBRA EDITORA, 1987, pág. 452.
[26] Obra e local citados.
[27] Obra citada, pág. 199.
[28] Abaixo não deixaremos de abordar questão de conhecimento oficioso atinente ao prazo do contrato.
[29] Obra e local citados na nota 27.
[30] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, obra e local citado.
[31] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos três desembargadores desta conferência.