Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
234/19.4T8ETZ.E2
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: ACORDO DE CREDORES
HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A não sujeição do Acordo a votação em momento prévio à sua remessa para Tribunal configura uma violação não negligenciável das normas procedimentais, importando uma decisão de recusa de homologação.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 234/19.4T8ETZ.E2 – 2.ª secção

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

No âmbito dos presentes autos, (…), contribuinte fiscal n.º (…), residente em Monte das (…) apresentou Acordo de Pagamentos (doravante, abreviadamente, designado por “Acordo”).

A lista provisória de credores foi apresentada nos autos em 28.11.2019.

O prazo de negociações foi prorrogado, mediante acordo escrito junto aos autos em 05.02.2019, pelo prazo de um mês.

Em 04.03.2020, foi junto aos autos Acordo, sem qualquer menção a aprovação prévia do mesmo.

Nessa sequência, os credores (…) Company e Autoridade Tributária e Aduaneira votaram, favoravelmente, o Acordo.

O credor (…) Credit (…) votou contra o Acordo, pugnando pela sua não homologação.

Invoca para o efeito que i) no decurso das negociações não lhe foi dada oportunidade para votar o Acordo, ii) a sua situação ficaria pior do que aquela que ocorreria caso fosse declarada a insolvência, iii) solicitou a elaboração de alterações ao Acordo que não foram atendidas, iv) o Acordo viola o princípio da igualdade e v) o Acordo não cumpre as normas atinentes ao seu conteúdo.

Em 31.03.2020, veio o Senhor Administrador Judicial juntar votação ao Acordo apresentado em juízo e realizada na sequência de tal apresentação.

Em 16.04.2020, a credora (…) votou desfavoravelmente o Acordo invocando que o Acordo não havia sido publicado no portal do Citius, não tendo tomado conhecimento atempado acerca do conteúdo do mesmo.

Notificado para se pronunciar sobre o requerimento do credor (…) Credit (…), o Senhor Administrador Judicial afirmou, tão-só, que o referido credor tomou conhecimento do teor do Acordo via Citius, através de notificação levada a cabo pela Il. Mandatária do devedor na sequência de apresentação do Acordo em juízo, e que exerceu o seu direito de voto.

Quanto ao credor (…), o Senhor Administrador Judicial Provisório afirmou que “o credor (…) não consta do requerimento do resultado da votação, porquanto o mesmo não havia junto o seu sentido de voto nem ao aqui Administrador nem ao Tribunal, sendo certo que o seu sentido de voto, e atenta a percentagem do seu crédito, não teria qualquer influência na aprovação do Plano.”.

Decidiu-se, nos termos do disposto nos artigos 195.º, 214.º e 215.º, aplicáveis ex vi art. 222.º-F, n.º 5, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não homologar o Acordo de Pagamentos.

Inconformado recorreu o requerente (…) tendo concluído nos seguintes termos:

Da interpretação do artigo 222.º-F, n.º 2, CIRE:

A- O único sentido a retirar do normativo em análise, nomeadamente no que respeita à votação do acordo do pagamento, será que a mesma ocorrerá em momento posterior à sua remessa a tribunal,

B- A douta sentença afirma o oposto, o que é incompreensível e contrário à lógica do regime definido, pois, se se exige uma previa votação, qual a razão de ser da necessidade de publicação do acordo de pagamento para votação no prazo de 10 dias a contar de tal publicação, bem como a possibilidade de em tal prazo poder qualquer interessado solicitar a não homologação desse mesmo acordo de pagamento nos termos e para efeitos do artigo 215º e 216º.

C- É necessário interpretar este artigo ao abrigo do artigo 9º do CC, por forma a conferir coerência ao regime instituído no PEAP, nomeadamente no que respeita à votação do acordo do pagamento.

D- A manter-se o entendimento conforme afirmado na douta sentença, podemos concluir que o artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE, padece de um erro grosseiro, pois quando refere: “…o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias……”

E- Votação de quê e para o quê!!!!!! Se existe a obrigatoriedade do Requerente juntar aos autos o Acordo de Pagamento e o resultado de votação, qual a necessidade de colocar o acordo de pagamento novamente em votação exigindo a publicação de anuncio no portal citius!!!!

Face ao exposto, não podemos concordar com a interpretação que a douta sentença faz do artigo 222.º- F, n.º 2, CIRE.

Da impossibilidade de exercício do direito de voto por parte do credor (…) Credit (…)

F- Na senda da interpretação do artigo 222.º-F, n.º 2, CIRE supra exposta, a qual se dá aqui por reproduzida, conforme resulta claramente dos autos, o credor (…) foi notificado via citius pela mandatária do devedor da junção do acordo aos autos, em 04- 03-2020 ref 2591691,

G- Este credor exerceu o seu direito de voto junto do Administrador Judicial provisório,

H- Tendo o mesmo sido devidamente contabilizado e considerado como voto negativo.

I- Neste seguimento, este credor alem de ter exercido o direito de voto, o mesmo foi considerado no resultado da Votação – Artigo 222º-F, 4, CIRE, junto aos autos aos 31/03/2020 ref. 2615315.

Pelo tal alegação não pode proceder.

Da falta de publicitação no portal Citius da apresentação do Acordo invocada pela credora (…)

J- A não publicação do acordo de pagamento no portal citius, trata-se de uma irregularidade, a qual deveria ter sido arguida por via de reclamação perante o próprio juiz do processo e no prazo geral de 10 dias, contados nos termos do artigo 199.º, n.º 1, CPC.

K- O Acordo de Pagamento foi junto aos presentes autos a 4 de Março de 2020 nos termos e para os efeitos do artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE, pelo Requerente.

L- Ora, a sua publicação no portal citius deveria ter sido feita de imediato, o que efetivamente não aconteceu,

A Credora … (Sucursal da S.A. …), na pessoa da sua mandataria (…), foi notificada aos 04/03/2020 com ref. 2591691 da junção do acordo de pagamento aos autos,

N- E aos 02/04/2020 ref. 29545350 foi notificada da sentença, tendo tido conhecimento desta irregularidade, neste momento. O prazo de 10 dias terminou no dia 15/04/2020.

Neste seguimento, o prazo para apresentar reclamação esgotou-se, com a consequente preclusão do direito e sanação da irregularidade.

E mais,

O- A credora … (Sucursal da S.A. …), aos 16/04/2020 Ref 2622683 junta aos autos um requerimento onde resumidamente apresenta o seguinte pedido: “….requer- se mui respeitosamente a V. Exa. que seja atualizado o relatório de votação incluindo o voto desfavorável da ora credora, pois este não teve oportunidade de manifestar.”

P- Quando se apresentou aos autos a expor o sucedido, não formalizou tal arguição.

Q- Ainda que assim se não entendesse, esta omissão não influiu no exame ou na decisão da causa, não constituindo, pois, nos termos do artº 195º C.C., nulidade. A lei determina que qualquer omissão constitui nulidade, apenas se influir no exame ou na decisão da causa, não se vendo, de que forma a falta de publicitação no portal Citius da junção do acordo de pagamento, tenha qualquer implicação no processo, pois o voto da credora … (Sucursal da S.A. …), 2,03%, Plano foi aprovado por 85,58% de votos a favor nos termos do artigo 222.º-F, n.º 3, b), CIRE.

Neste seguimento, não se verifica qualquer irregularidade e /ou nulidade.

Da violação de normas acerca do conteúdo do Acordo

R- Na senda do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14-07-2020 n.º 1198/19.0T8AMT.P1, do Acórdão do STJ de 27.4.2017 n.º 1839/15.8T8STR.E1.S1, e do Acórdão da RC de 27.6.2017 n.º 8389/16.3T8CBR.C1, é referido resumidamente o seguinte:

S- Decorre, portanto, que quem terá de controlar e sindicar os prazos de cumprimento, o número de prestações, a natureza e dimensão das soluções de recuperação são os credores que intervenham no processo através do seu voto no local e momento próprio. O papel do tribunal é apenas o de controlar a legalidade formal, material e procedimental da proposta discutida, negociada e, neste caso, aprovada pela maioria dos credores.

U- O tribunal (tem) o papel de guardião último da legalidade, ao caber-lhe sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano.

V- Ora, essas normas não dizem respeito ao prazo e montante das prestações exceto se, como veremos infra, prejudicarem princípios cogentes de ordem pública inerentes, por exemplo, ao princípio da igualdade de credores.

W- Neste sentido, é pacífico entre nós que o plano só será sindicado pelo tribunal quando exista uma “violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, todas as normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores”.

X- E, quanto às procedimentais apenas se ocorrer uma “violação não negligenciável”, ou seja, saliente, relevante importante. Ora, não se vislumbra onde isso tenha ocorrido tanto mais que nenhum dos credores, efectuou qualquer pedido de esclarecimento.

Y- Depois, a necessidade ou desnecessidade do prazo de pagamento aprovado é algo que nada tem a ver com as regras procedimentais e que por si só não afecta a posição global dos credores, pelo que não pode ser sindicado por este tribunal.

Z- A natureza e dimensão das soluções de recuperação apresentadas pelo Requerente, deverão ser decididas pelos credores que intervenham no processo através do seu voto no local e momento próprio. Tanto mais que nenhum dos credores, efectuou qualquer pedido de esclarecimento, sobre o facto de ele ser ou não capaz de liquidar o valor mensal proposto.

AA- A necessidade ou desnecessidade dos prazos de pagamento apresentados e aprovados é algo que nada tem a ver com as regras procedimentais.

E mais,

BB- Os rendimentos mensais do requerente não são fixos,

CC- Por consulta ao IRS do ano anterior (de 2018), pode verificar-se que o Requerente teve um lucro tributável de € 43.152.50, o que a dividir por doze meses do ano, daria uma média mensal de € 3.596.04.

DD- O valor referido na petição inicial, reportava-se ao rendimento daquela época, em que o Requerente se encontrava em situação económica difícil.

EE- A douta sentença proferida refere ainda que ….” A menção ao instituto da exoneração do passivo restante não se nos afigura suficiente, pois que não é feita qualquer menção ao património do devedor e respetivo valor de mercado, não sendo possível afirmar, como se faz, que em caso de insolvência os credores comuns nada receberiam. (….)”

FF- Não poderia ser de outra forma, pois a não ser aprovado e homologado o presente PEAP, o cenário de um processo de insolvência será o mais provável. Neste seguimento, não se verifica qualquer violação do conteúdo do acordo, e o credor (…) Credit (…). Em caso de insolvência não ficaria numa situação mais favorável.

Não se mostram juntas contra-alegações.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

Factualidade relevante para a apreciação do objecto do recurso:

A lista provisória de credores foi apresentada nos autos em 28.11.2019.

O prazo de negociações foi prorrogado, mediante acordo escrito junto aos autos em 05.02.2019, pelo prazo de um mês.

Em 04.03.2020, foi junto aos autos Acordo, sem qualquer menção a aprovação prévia do mesmo.

O credor (…) Credit (…) votou contra o Acordo, pugnando pela sua não homologação.

Em 31.03.2020, veio o Senhor Administrador Judicial juntar votação ao Acordo apresentado em juízo e realizada na sequência de tal apresentação.

Em 16.04.2020, a credora Cofidis votou desfavoravelmente o Acordo invocando que o Acordo não havia sido publicado no portal do Citius, não tendo tomado conhecimento atempado acerca do conteúdo do mesmo.

Notificado para se pronunciar sobre o requerimento do credor (…) Credit (…), o Senhor Administrador Judicial afirmou, tão-só, que o referido credor tomou conhecimento do teor do Acordo via Citius, através de notificação levada a cabo pela Il. Mandatária do devedor na sequência de apresentação do Acordo em juízo, e que exerceu o seu direito de voto.

O Acordo apresentado nos autos é o seguinte:

Fazenda nacional -36 prestações. Valor unitário da prestação € 456,42. Valor Total € 16.431,16;

Segurança Social -150 prestações. Valor unitário da prestação € 207,26. Valor Total € 31.088,99;

Banco (…), S.A.- 36 (24 de carência). Valor unitário da prestação € 177,08. Valor Total € 2.125,00;

Caixa de Crédito Agrícola- 96 (24 de carência). Valor unitário da prestação € 316,20. Valor Total € 22.766,80;

(…), S.A. -96 (24 de carência). Valor unitário da prestação € 84,90. Valor Total 6.112,52;

(…) Credit (…)-96 (24 de carência). Valor unitário da prestação € 268,48. Valor Total € 19.330,56;

(…)- 96 (24 de carência). Valor unitário da prestação € 109,72. Valor Total € 7.900,00;

(…), SARL -36 (24 de carência). Valor unitário da prestação € 8,64. Valor Total € 103,79;

(…) Comunicações, S.A.-36 (24 de carência). Valor unitário da prestação € 0,86. Valor Total € 10,32;

TOTAL € 1.629,56.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º, CPC).

Discute-se o sentido e a interpretação da norma do artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE; consequência da não disponibilização do Acordo ao credor (…) Credit (…) em momento prévio ao envio do mesmo a Tribunal; consequência da falta de publicitação no portal Citius da apresentação do Acordo invocada pela credora (…); violação de normas acerca do conteúdo do acordo.

Dispõe o art. 222.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas que “1 - Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do Plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do Plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.”

Conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.07.2018, também citado na decisão recorrida, “Sendo pressuposto da remessa a tribunal do acordo de pagamento (e não plano, conforme consta na letra da lei do segundo segmento deste nº 2 em análise) a prévia sujeição do mesmo a votação, resulta a nosso ver incompreensível e contrário à lógica do regime definido, a menção (no caso de votação sem unanimidade) à publicação do acordo de pagamento (e não plano) para votação no prazo de 10 dias a contar de tal publicação, bem como a possibilidade de em tal prazo poder qualquer interessado solicitar a não homologação desse mesmo acordo de pagamento nos termos e para efeitos do artigo 215º e 216º. Pois que o acordo de pagamento já foi votado.

Havendo apenas, após observância do nº 3 do artigo 222º-F que proceder à sua homologação ou recusar a mesma, nos termos previstos no nº 5 deste mesmo artigo.

Assim entende-se necessária uma interpretação ab-rogante deste artigo 222º-F, nº 2, ao abrigo do artigo 9º do CC, por forma a conferir coerência ao regime instituído no PEAP, nomeadamente no que respeita à votação do acordo do pagamento que sempre ocorrerá em momento prévio à sua remessa a tribunal. Implicando que após a remessa cabe apenas ao tribunal verificar os pressupostos de que depende a sua homologação ou recusar a mesma.”

Isto é, todos os credores deverão ter a possibilidade de se pronunciar sobre o teor do Acordo em momento prévio ao envio do mesmo para Tribunal e dentro do período conferido para realização de negociações.

Sufragamos a argumentação constante da decisão recorrida, nos termos da qual no caso dos autos, perante a junção de Acordo sem evidência da votação, há que considerar que o mesmo não foi sujeito a apreciação por parte dos credores em prazo, pelo que sempre teria que ter sido declarado encerrado o processo, nos termos do disposto no art. 222.º-G, n.º 1, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.

De resto, há que deixar explicito que o Administrador Judicial, notificado, não colocou em causa a alegação do credor (…) Credit (…) no sentido de que o Acordo constante dos autos não foi sujeito a votação em momento prévio à sua remessa para Tribunal, pelo que cumpre dar tal facto como assente.

Ademais, a falta de evidência de votação prévia, impõe a conclusão de que inexiste sequer Acordo de pagamentos que possa ser sujeito a apreciação deste Tribunal, pois que decorre das normas supra citadas que a decisão de homologação deve versar sobre Acordo devidamente aprovado, por maioria ou por unanimidade.

Ora, se entendermos as normas procedimentais como as normas que visam “garantir a efectiva possibilidade de participação de todos os credores nas negociações sobre o plano de recuperação proposto, fornecendo-lhe, com equidade, informação atempada, há que concluir pela verificação de uma clara violação das normas que impõem a votação prévia do Acordo.

Estamos, pois, perante uma violação não negligenciável de normas procedimentais, impondo-se a não homologação do Acordo.

No que respeita às consequências da não disponibilização do Acordo ao credor (…) Credit (…) em momento prévio ao envio do mesmo a Tribunal, sufragamos na íntegra a fundamentação constante da decisão recorrida.

«A não sujeição do Acordo a votação em momento prévio à sua remessa para Tribunal configura uma violação não negligenciável das normas procedimentais, importando uma decisão de recusa de homologação.

No entanto, cumpre mencionar que ainda que tivesse ocorrido tal votação, com desconsideração de parte dos credores, entre os quais o requerente, sempre importaria concluir pela violação não negligenciável de normas procedimentais. De facto, a transparência que deve estar subjacente ao processo de aprovação do Acordo sempre implicaria que tal informação fosse disponibilizada aos credores, tendo estes o direito de saber quem votou o Acordo, em que sentido e que questões foram suscitadas acerca do mesmo.

Entendimento contrário equivaleria a considerar que seria possível concluir o Acordo e remetê-lo, imediatamente, para Tribunal sem colocá-lo à consideração de parte dos credores, o que não é, de todo, a intenção do legislador.

O presente processo especial apenas tem sentido se amplamente participado e discutido entre os credores e devedores.

De resto, tal resulta da interpretação conjugada do disposto no art. 222.º, n.ºs 1 e 2 e art. 222.º-G, n.º 1, ambos do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O facto de não ter sido disponibilizado o Acordo ao credor (…) Credit (…) em momento prévio ao envio do mesmo a Tribunal, configura uma conduta desleal para com os credores e uma clara violação não negligenciável de normas procedimentais, constituindo fundamento para recusa de homologação.»

No que respeita às consequências da falta de publicitação no portal Citius da apresentação do Acordo invocada pela credora (…) na decisão recorrida sustenta-se que a violação de tal formalidade assume uma natureza negligenciável, não sendo fundamento para a recusa de homologação.

Porque a preterição da mencionada formalidade não constituiu fundamento para a recusa de homologação do acordo, torna-se inútil, nesta sede, apreciar as conclusões do recorrente.

No que respeita ao conteúdo das normas do acordo importa atentar nas normas legais aplicáveis.

Dispõe o art. 195.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi art. 222.º-F, n.º 5, do mesmo Código, que “1 - O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.

2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:

a) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor;

b) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;

c) No caso de se prever a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos, plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, e balanço pró-forma, em que os elementos do activo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respectivos valores;

d) O impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência;

e) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.”

Dispõe ainda o art. 215.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi art. 222.º-F, n.º 5, do mesmo Código, que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.”

Importa ainda considerar o disposto no art.º 216.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas que determina que “1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:

a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer Plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;

b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.”

Afigura-se-nos por demais evidente a insuficiência do Acordo em virtude do não cumprimento das normas legais que determinam qual deve ser o seu conteúdo.

Como refere a decisão recorrida «Em sede de petição inicial, o devedor alega, em curta síntese, que aufere uma quantia mensal líquida de € 1.470,00, quantia a que acresce o valor de € 200,00, auferido a título de renda pelo arrendamento de um bem imóvel de sua propriedade.

Ademais, também em sede de petição inicial, indica 14 bens imóveis, pelo respetivo valor patrimonial tributário, e um bem móvel.

Analisado o teor do Acordo não resulta qualquer intenção de liquidação do ativo, nem tampouco qualquer avaliação do património existente na esfera jurídica do devedor.

Ora, desde logo, em face dos ativos do devedor e tendo em especial consideração que não é proposto no Acordo apresentado nenhum ato de liquidação de património, não se alcança como pretende o devedor proceder ao pagamento do valor de € 169.069,66 ao credor (…) Company no período de três meses.

Não se nos afigura, sem qualquer outra informação adicional, possível e viável o pagamento proposto.

Do Acordo apresentado não resulta em momento algum, quaisquer informações acerca do património do devedor, mormente e ainda que por aproximação, qual o valor de mercado daquele património. Ora, sem tal menção não será possível a este Tribunal realizar um juízo de prognose quanto ao benefício para alguns credores decorrentes da homologação do Plano apresentado, ou seja, não é possível afirmar ou sequer discutir com base em fundamentos objetivos se o Acordo é preferível face à possível prossecução dos autos para declaração de insolvência.

Ademais, no Acordo apresentado em momento algum é mencionado quais as alterações das posições jurídicas dos credores, havendo apenas a menção ao perdão de juros, sem nenhuma preocupação em quantificar tal perdão e de comparar tais alterações com uma hipotética situação de insolvência.

A menção ao instituto da exoneração do passivo restante não se nos afigura suficiente, pois que não é feita qualquer menção ao património do devedor e respetivo valor de mercado, não sendo possível afirmar, como se faz, que em caso de insolvência os credores comuns nada receberiam».

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recuso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Évora, 03 de Dezembro de 2020

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso