Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
19/14.4T8VVC-A.E1
Relator: ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
VALOR DA CAUSA
VALOR REAL
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O critério para efeitos de determinação provisória do valor da causa segundo o qual o valor era “determinado sobre o activo constante do balanço do devedor” previsto no artº 11º do CPEREF, foi suprimido no correspondente actual artº 15º do CIRE, aqui se prevendo a correcção do valor mas, ao contrário do estabelecido naquele artº 11º, não se estabelece nenhum critério explícito para a determinação do valor do activo a indicar na petição.
2. Impõe-se como critério de determinação provisória do valor da causa, o valor que for indicado na petição, o qual se mantém para efeitos processuais até posterior correcção em face dos elementos que os autos vierem a fornecer, isto é, logo que se verifique ser diferente o valor real do activo do devedor indicado na petição.
Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: APEL. Nº 19/14.4T8VVC-A.E1
1ª SECÇÃO

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…), COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE ROCHAS ORNAMENTAIS, LDª veio, nos autos em referência, nos termos do disposto nos artºs 1º, 18º e 23º e segs. do C.I.R.E., requerer a declaração da sua insolvência, alegando, em resumo, que não se encontra em condições de cumprir as suas obrigações vencidas, sendo o seu passivo manifestamente superior ao activo.
Na sua petição indicou o valor da causa em € 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).
Pela decisão de fls. 156 a Exma Juíza pronunciando-se sobre o valor da causa, fixou-o “em € 1.231.766,51 por ser esse o valor do activo da Requerente indicado no balanço de fls. 11 e, ao abrigo do disposto no artº 15º do C.I.R.E. e 306º nºs 1 e 2 do CPC aplicável ex vi artº 17º do C.I.R.E.”
Inconformada, apelou a requerente, alegando e formulando as seguintes conclusões:
A – O presente recurso tem como objecto o ponto “II – Fixação do valor da causa”, foi fixado pela Mmª Juíza a quo em € 1.231.766,51, supostamente com referência ao balanço apresentado pela requerente, pese embora não seja esse o valor que consta do balanço, com a consequente declaração de competência da Instância Local de Vila Viçosa.
B – In casu, como resulta da alegação do ora requerente expressa na sua p.i., fundamenta o seu pedido de decretamento da insolvência precisamente no facto de a requerente não ter património livre e desembaraçado, sendo o passivo muito superior ao activo.
C – Facto este que a requerente expende, no seguimento de ter sido decretada a insolvência das empresas (…) e (…) Alentejo, de quem detinha quotas que deu conta precisamente no balanço, quotas essas que neste momento, e apesar de constarem do balanço, não têm qualquer valor.
D – Ou seja, é inequívoco, na versão da requerente – única a considerar, nos termos da lei, para o efeito que nos ocupa – que a requerente não tem qualquer activo.
E – Note-se que, quando o devedor é uma pessoa colectiva, o conceito de “activo” para efeito de aferição da sua situação de (in)solvência, não se reduz a mera perspectivação formal e contabilística do seu balanço, mas antes se atém a uma perspectiva mais real e material, alicerçada em quaisquer elementos identificáveis e considerados pelo seu justo valor, mesmo que não constem do balanço – artº 3º nº 3 al. a) do CIRE.
F – O ora requerente é expresso, assertivo, inequívoco e peremptório na afirmação de que não tem – e nesta última perspectiva – qualquer activo, pelo menos livre e desembaraçado.
G – Antes atribuindo à causa um valor próprio, não conexionado com o valor do activo, pois que desvaloriza a sua existência, ou se ainda com ele relacionado, em consonância com a ínfima valorização que subjaz a toda a sua argumentação plasmada na p.i., pois que efectivamente apenas invoca a quantia de € 5.000,01 como valor processual.
H – Poder-se-ia atender o então estatuído nesta matéria no CPEREF, nos termos do disposto no artº 11º de tal diploma, equivalente ao actual 15º do CIRE, no qual se prescrevia que, na falta do activo constante do balanço do devedor, o valor da causa, para efeitos processuais, poderia subsidiariamente, ser indicado no requerimento de apresentação.
I – O que hoje, perante o disposto no artº 15º, não é já possível, já que foi suprimido o critério segundo o qual o valor “era determinado sobre o activo constante do balanço do devedor”, sendo que o artigo prevê a correcção do valor, mas ao contrário do estabelecido no CPEREF, não estabelece nenhum critério explícito para a determinação do valor do activo a indicar na petição.
J – No presente processo, como na esmagadora maioria dos processos de insolvência não existem, no momento da propositura da acção, elementos objectivos que permitam determinar o valor do pedido.
L – Por isso mesmo, no decurso do processo, é possível e frequente a correcção do valor, quando surgem elementos concretos que apontem o valor, podendo tal correcção ser requerida em qualquer fase, ou ordenada oficiosamente pelo juiz.
M – De facto, o valor atribuído, e mesmo o fixado, tem sempre um carácter provisório, já que após as diligências necessárias do administrador da insolvência, pode-se sempre verificar que o valor é superior ou mesmo inferior, só então se podendo proceder à determinação efectiva do valor da causa, o que será relevante, não só para efeitos de recurso, mas também para efeitos das custas do processo.
N – É manifesto no caso concreto, que no despacho recorrido deveria ter-se optado pelo valor indicado na petição. Nesse sentido Luís Carvalho e João Labareda, CIRE Anotado, página 115, nota 1.
O – Destarte, deve alterar-se a decisão proferida na parte do despacho que fixa valor diferente à causa do indicado pela requerente, ora recorrente, e bem assim da consequente incompetência em razão do valor.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Na 2ª parte do despacho certificado a fls. 161 que admitiu o presente recurso, decidiu ainda a Exma Juíza o seguinte:
Quanto ao despacho que declarou este Tribunal incompetente em razão do valor e tendo em conta a conclusão indicada na al. O) das alegações, o meio impugnatório adequado passa a ser a reclamação (em vez da via de recurso).
Pelo que, não obstante a requerente interpor também recurso de tal decisão, considera-se tal requerimento como reclamação nos termos e para os efeitos do disposto no artº 105º nº 4 do CPC.
Assim, por tempestiva e legal vai a mesma admitida, tendo a mesma efeito suspensivo.”
Consigna-se que na sequência de tal despacho foi distribuída ao Exmº Sr. Vice-Presidente desta Relação, na mesma data do presente recurso, a referida reclamação com o nº 19/14.4T8VVC.E1 da 2ª secção.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do CPC), verifica-se que a única questão a decidir é saber qual o valor que deve ser atribuído à presente acção.
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A factualidade a atender é a que consta já do relatório supra.

Como é sabido, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido, sendo que na petição em que propõe a acção deve o autor declarar o valor da causa (artºs 296º nº 1 e 552º nº 1 al. f) do CPC aplicável ex vi artº 17º do CIRE).
No que respeita ao valor da causa no âmbito do processo de insolvência dispõe o artº 15º do CIRE que “Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do activo indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real”.
Importa, antes de mais, referir que o valor em causa e a que se reporta o dispositivo em apreço, é o valor processual que apenas vale para efeitos processuais (nomeadamente os relativos à alçada do tribunal), sendo que o valor para efeito de custas é o que vem regulado no artº 301º do CIRE.
Assim, o valor a considerar para efeitos processuais é o valor do activo indicado na petição, valor que é provisório pois, como resulta da parte final do artº 15º em referência, será corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.
A este respeito tecem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, as seguintes considerações: “De acordo com o nº 1 do artº 153º, o administrador da insolvência deve elaborar antes da primeira reunião da assembleia de credores, um inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente, com a indicação do seu valor.
Não é, porém, esta indicação que cabe, em princípio, relevar para a fixação definitiva do valor da causa. Com efeito, conquanto em alguns casos deva obedecer a critérios rígidos, o valor atribuído pelo administrador é sempre um valor estimado e ideal, fruto de elaborações de carácter predominantemente intelectual, mas sem expressão na actividade efectiva de liquidação, que façam equiparar os bens e direitos a dinheiro.
Ora, o que interessa para a correcção do valor da causa é o que possa traduzir e concretizar o valor do activo do insolvente em operações realmente praticadas, porquanto só elas exprimem, verdadeiramente, o seu valor real, que é a variável a considerar na rectificação, de acordo com o próprio texto da lei.” (in C.I.R.E. Anotado, 2ª ed., ps. 132/133).
In casu verifica-se que na petição inicial a requerente indicou o valor da causa em € 5.000,01, valor que terá de considerar-se como o que, a seu ver, corresponderá ao valor do activo.
Conforme se verifica do despacho recorrido, a Exmª Juíza, logo em sede de despacho liminar, entendeu fixar o valor da causa em € 1.231.766,51 “por ser esse o valor do activo indicado no balanço de fls. 11 (…)”.
Ora, o critério segundo o qual o valor era “determinado sobre o activo constante do balanço do devedor” previsto no artº 11º do CPEREF, foi suprimido no correspondente actual artº 15º, prevendo-se a correcção do valor mas, ao contrário do estabelecido naquele artº 11º, não se estabelece nenhum critério explícito para a determinação do valor do activo a indicar na petição.
Abandonou-se, definitivamente, a referência ao valor do activo constante do balanço, como critério de determinação provisória do valor da causa, optando-se sempre e só pelo valor que for indicado na petição.” (C. Fernandes e João Labareda, ob. e loc. cit.)
O actual regime é compreensível pois no momento da instauração do processo nem sempre existem elementos que permitam apurar o valor real da causa permitindo-se a sua correcção logo que os autos forneçam os necessários elementos para o efeito, rectificação que tanto pode determinar o aumento como a diminuição do valor fixado provisoriamente.
Também como se refere no Ac. da R.P. de 17/02/2009 em que se louvou a recorrente na sua alegação, embora sem o identificar “Note-se que quando o devedor é uma pessoa colectiva, o conceito de “activo”, para efeito de aferição da sua situação de (in)solvência, não se reduz a mera perspectivação formal e contabilística do seu balanço, mas antes se atém a uma perspectiva mais real e material, alicerçada em quaisquer elementos identificáveis e consideráveis pelo seu justo valor, mesmo que não constem do balanço – artº 3º nº 3 al. a) do CIRE” (proc. 0826613, in www.dgsi.pt)
Resulta de todo o exposto que não só foi extemporânea a correcção do valor logo no despacho inicial, sem que a Exma Juíza dispusesse de quaisquer elementos reais que o permitisse, como ainda o critério de que se serviu não está contemplado no artº 15º do CIRE.
Assim sendo, impõe-se a revogação da decisão recorrida, devendo manter-se, provisoriamente, o valor indicado na petição inicial para efeitos processuais até posterior correcção em face dos elementos que os autos vierem a fornecer, isto é, logo que se verifique ser diferente o valor real do activo indicado na petição pela recorrente.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em revogar a decisão recorrida, devendo manter-se, provisoriamente, o valor indicado na petição inicial para efeitos processuais até posterior correcção em face dos elementos que os autos vierem a fornecer, isto é, logo que se verifique ser diferente o valor real do activo indicado na petição pela recorrente.
Sem custas.
Évora, 12 de Fevereiro de 2015
Maria Alexandra de Moura Santos
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves