Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
410/12.0TBACN.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Comprometendo-se as partes, na sequência da suspensão da instância, para efeitos de transacção extrajudicial, a informar o Tribunal, tendo em vista o prosseguimento do processo, da sua não obtenção, não viola o dever de cooperação o despacho que, decorridos mais de seis meses, após a entrada em vigor do novo C.P.Civil, julga extinta a instância, por deserção; igualmente, não viola o dever de boa gestão processual, por estar em causa um impulso processual, a que as partes se vincularam.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação nº 410/12.0 TBACN.E1




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

O Condomínio do Prédio sito no (…), em (…), intentou a presente ação, na forma de processo sumário, contra (…), residente na Rua (…), Lote 3, 1º Frente, (…), pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.000,00 ou, subsidiariamente, na importância de € 4.500,00, para tanto articulando factos, que, em seu critério, fundamentam a procedência da ação, que culminou com despacho a julgar extinta a instância, por deserção.


Inconformada com o decidido, recorreu o demandante, culminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:


- O processo estava parado há mais de 2 anos, por uma errada transposição para a ata do acordo estabelecido na audiência preliminar de 3 de abril de 2013;

- As partes solicitaram 30 dias para tentarem chegar a acordo, findos os quais, sem que tal acordo fosse alcançado, o processo seria concluso para saneador;

- Na elaboração da ata, quando se escreve “A fim de evitar nova deslocação à comarca …, caso se venha a frustrar as negociações encetadas (e logo que seja requerido o prosseguimento dos autos)” deveria ter sido escrito ”a fim de evitar nova deslocação à comarca … caso se venham a frustrar as negociações encetadas (ou logo que seja requerido o prosseguimento dos autos)”;

- Este foi o espírito do acordo estabelecido, ou seja, findos os 30 dias sem que as partes nada dissessem e para evitar novas deslocações, o processo seguia para saneador;

- Ao longo destes 2 anos nunca as partes foram “convidadas” para informarem os autos sobre a existência ou não de acordo;

- O Tribunal a quo deveria, em nome do dever de gestão processual e do princípio da cooperação, previstos nos artigos 6º. e 7º., do Código de Processo Civil, notificar as partes para prestarem as informações necessárias à regularização da instância;

- O artigo 6º. do Código de Processo Civil atribui ao juiz não um poder, mas um dever de boa gestão processual, ou seja, mais que um poder, com a consequente disponibilidade do seu exercício ou não, cabe ao juiz um dever de providenciar pelo suprimento de faltas processuais sanáveis, sempre com o objetivo de, num prazo razoável, decidir da justa composição do litígio;

- O nº 2 deste artigo 6º. é claro quando afirma que o juiz determinará a realização dos atos necessários à regularização da instância e, quando essa regularização dependa de atos das partes, deve convidá-las a praticá-los;

- Todo o espírito da nova construção processual civil assenta em uma ideia de direção ativa do processo, por parte do juiz, no sentido de ser exigível ao juiz o cuidado de não se deixar “funcionalizar”, ou seja, de não tramitar, sem juízo cítico, o processo de acordo com a estrutura e marcha regra definidas abstratamente na lei;

- O juiz não está amarrado a um princípio de legalidade rígido, devendo sempre que possível simplificar aquela estrutura, agilizando a marcha processual;

- O princípio da cooperação, previsto no artigo 7º. do Código de Processo Civil, confere a possibilidade ao juiz de, em qualquer altura do processo, ouvir as partes e convidá-las a fornecer os esclarecimentos que se afigurem pertinentes;

- No caso “sub judice” entendemos que o Tribunal “a quo” não podia, sem mais, extinguir a instância, tanto mais que estava na posse de todas as peças processuais necessárias para poder fazer prosseguir o processo;

- Se tinha necessidade de ser esclarecido sobre a existência ou não de acordo, deveria ter solicitado às partes essa informação e não extinguir a instância;

- Esta decisão não agiliza a marcha do processo, mas apenas obriga a que se repitam todos os atos com os inerentes custos judiciais;

- Ao declarar extinta a instância, o Tribunal recorrido violou os princípios gerais plasmados nos artigos 6º. e 7º. do Código de Processo Civil;


Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais.


Inexistem contra-alegações.


Face às conclusões das respetivas alegações, o objeto dos recursos circunscrevem-se à apreciação da seguinte questão: a alegada inexistência de motivos para a instância ser declarada extinta, por deserção.


Foram colhidos os vistos legais.

Fundamentação


A - Os factos


A.a - Despacho recorrido (datado de 20 de Maio de 2014):


“ Uma vez que o processo se encontra aguardar o impulso processual há mais de seis meses por negligência das partes (a instância está suspensa a aguardar o necessário impulso processual - cfr. despacho de 03.04.2013 a fls. 69/70), nos termos do disposto no artigo 281º, nº 1 do Código de Processo Civil (anexo à Lei nº 41/2013 de 26.06) a instância considera-se deserta.


A deserção é uma causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277º., alínea e), do Código de Processo Civil (anexo à Lei nº 41/2013 de 26.06).


Pelo exposto, nos termos conjugados do disposto no artigo 281º., nº 1 e 3 e artigo 277º., alínea e), ambos do Código de Processo Civil (anexo à Lei nº 41/2013 de 26.06), declaro extinta a instância.


Custas da ação pelo Autor.


Custas da reconvenção pelo Réu”


A.b - Despacho de suspensão a instância (datado de 3 de Abril de 2013)


“Ao abrigo do disposto no artigo 279º, nº 4 do Código de Processo Civil, e em face do acordo firmado nesse particular, suspende-se a instância nos exatos termos requeridos, por 30 (trinta) dias, findos os quais os autos ficarão a aguardar que algo seja dito ou requerido com vista ao seu prosseguimento, sem prejuízo do preceituado no artigo 285º. do Código de Processo Civil.


A fim de evitar nova deslocação à comarca, e porque a tentativa de conciliação está feita e os Ilustres Mandatários das partes o entendem preferível, fará os autos conclusos para prolação de saneador à Mma. Juiz Auxiliar, de acordo com o provimento em vigor, caso se venham a frustrar as negociações encetadas (e logo que seja requerido o prosseguimento dos autos).


Notifique.”


B - O direito


- O princípio da cooperação - que visa, nomeadamente, assegurar que “o processo realize a sua função em prazo razoável”[1]- deve ser observado por parte de cada um dos “intervenientes processuais em relação aos outros e deve ser exigida pelo juiz em relação a todos, a começar por si próprio, o que tem desde logo a vantagem da pedagogia” [2];


- O dever de boa gestão processual implica para o juiz, a obrigação de, ”além do mais, providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, de garantir o resultado do “andamento célere” do processo, se for o caso adotando ”mecanismos de simplificação e agilização processual” com vista a, em “prazo razoável”, o tribunal decidir da “justa composição do litígio” [3];


- “Ao invés do Código de 1876 (…), nem o Código de 1939, nem o Código de 1961 fixaram doutrina geral sobre a aplicação das leis processuais no tempo. Há, por conseguinte, que estender ao domínio do processo civil, com as necessárias adaptações, a doutrina estabelecida, em termos genéricos, no artigo 12º. do Código Civil. A ideia, proclamada neste artigo, de que a lei dispõe para futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às ações futuras e também aos atos futuramente praticados nas ações pendentes” [4];


- “A diretriz geral que acaba de ser definida para o comum das leis processuais requer adaptação a certas categorias especiais de leis deste setor. Algumas das acomodações do princípio da aplicação imediata encontram apoio direto na lei; outras resultam do esforço doutrinário de adaptação dos princípios gerais do direito civil às caraterísticas especiais de certas áreas do direito adjetivo” [5];


- “Ora, quanto às leis que alterem prazos anteriormente estabelecidos a boa doutrina tem distinguido as diferentes situações que podem ocorrer, em obediência à orientação geral sobre alterações de prazos estabelecidas no Código Civil (art. 297º.)” [6];


- “A nova lei que encurte um prazo perentório ou cominatório também deve aplicar-se imediatamente aos prazos em curso, mas contando para o efeito somente o período de tempo decorrido na vigência da nova lei. Ressalva-se, entretanto (…), a hipótese de, segundo a lei antiga, faltar menos tempo para o prazo de completar” [7];


- “A crise da extinção define-se assim: ocorre, na pendência do processo, certo evento que faz cessar a instância sem que ela tenha atingido a sua finalidade normal: a declaração, por ato jurisdicional, do direito controvertido. A instância finda em consequência dum facto anormal; termina, por assim dizer, abruptamente, intempestivamente. É o caso, por exemplo, de (…) deserção (…)”[8];


- O prazo da interrupção tem como objetivo a libertar o Tribunal “de um peso morto”[9], de um processo parado, em consequência “da inércia processual na pendência da lide, em atenção ao ónus de atividade que incumbe às partes (…)”[10];


- Com o novo Código de Processo Civil, “o prazo para que ocorra a deserção da instância foi significativamente reduzido de dois anos (…) para seis meses”, o qual deixou de ser antecedido da interrupção da instância [11].


C- Aplicação do direito aos factos apurados


Dúvidas inexistem que o recorrente Condomínio do Prédio sito no (…) estava ciente que, em consequência do pedido de suspensão da instância, o prosseguimento dos autos dependia que algo fosse “dito ou requerido”. Ou seja: o referenciado aceitou o ónus de informar o Tribunal recorrido, quanto a uma hipotética não obtenção de transação extrajudicial.


Ora, quem não cooperou, tendo em vista o processo realizar “a sua função em prazo razoável” foi, precisamente, o Condomínio do Prédio sito no (…), atenta a circunstância de, durante cerca de 1 ano nada “dizer” ou “requerer”, não obstante a tal se encontrar vinculado e saber que o prazo para a deserção da instância fora reduzido de 2 anos para 6 meses, a contar da data da entrada em vigor, a 1 de setembro de 2013, do novo Código de Processo Civil e que mesmo se aplicava aos presentes autos,


Assim sendo, não é razoável imputar ao Tribunal recorrido a violação do dever de cooperação.


Acresce que, igualmente, estava ciente que, no caso dos autos não estava em causa suprimento da falta de pressupostos processuais ou a necessidade de adotar ”mecanismos de simplificação e agilização processual”, pelo que não faz sentido aludir a violação do dever de boa gestão processual.


Ocorreu, pois, motivo para declarar a extinção da instância, devido a inércia processual, nomeadamente, do recorrente.


Decisão:


Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando o recurso improcedente, manter a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente.


Évora, 26 de Março de 2015

Sílvio José Teixeira de Sousa

Rui Manuel Machado e Moura

Maria da Conceição Ferreira

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[1] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 514.
[2] Artigo 7º., nº 1 do Código de Processo Civil e António Martins, in Código de Processo Civil, Comentários e Anotações Práticas, 2103, pág. 21.
[3] Artigo 6º. do Código de Processo Civil e António Martins, in Código de Processo Civil, Comentários e Anotações Práticas, 2103, pág. 20.
[4] Artigo 5º., nº 1 da leri nº 41/2013, de 26 de junho, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 48 e 49.
[5] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 49.
[6] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 64.
[7] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 64 e 65.
[8] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 226.
[9] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, págs.437 e 439.
[10] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 439.
[11] António Martins, in Código de Processo Civil, Comentários e Anotações Práticas, 2013, pág. 142, e artigo 281º., nº 1 do Código de Processo Civil.