Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
167/21.4PAENT.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - É certo que os antecedentes criminais não são obstáculo, por si só, a um juízo de prognose favorável ao condenado. Todavia, são um sinal do desrespeito pela advertência que representa a condenação judicial que impedem o Tribunal de afirmar que tal desrespeito não irá ocorrer de novo. A condenação sofrida não alertou o arguido para se afastar da prática de crimes atentatórios da dignidade da pessoa humana.
- A conduta do arguido foi reiterada, prolongando-se por anos e não manifestou o mesmo qualquer arrependimento.

- Na verdade, se quem, como o arguido, terminou anterior relação de modo violento, de tal sorte que teve que cumprir integralmente seis anos de prisão (com registos disciplinares e, por isso, sem medida de flexibilização a pena – cfr. ponto 49 da matéria considerada provada), e volta a praticar actos violentos (física e psicologicamente) na pessoa de outra companheira, e, ainda assim, é condenado em suspensão da execução da pena de prisão, transmite para a comunidade uma ideia de total impunidade que de forma evidente não satisfaz as necessidade de prevenção geral, nem de prevenção especial.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, este Tribunal decide:

a) Absolver o arguido AA da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a) do CP, na pessoa de BB;

b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a) do CP, na pessoa de CC, numa pena de 2 [dois] anos e 9 [nove] meses de prisão;

c) Condenar o arguido AA na pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.º 4 do CP;”

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Inconformado, o arguido recorreu da sentença, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1 - Decidiu o Tribunal de Primeira Instância na sua Douta Sentença:

“a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a) do CP, na pessoa de CC, numa pena de 2 [dois] anos e 9 [nove] meses de prisão;

b) Condenar o arguido AA na pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.º 4 do CP.

(..)Assim, a pena aplicada deverá ser executada em cumprimento efectivo.”

2 - Relativamente à matéria de facto dada como provada o recorrente nada tem a obstar.

3 - Quanto à motivação também não tem o recorrente nada a opor.

4 - Quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos nada há a discordar.

5 - Assim como se concorda com a determinação da medida concreta da pena.

6 - O objeto e razão de ser do presente recurso prende-se única e exclusivamente com a decisão do Tribunal de não suspensão da execução da pena.

7 - A douta sentença do Tribunal a quo que condenou o arguido na pena de 2 [dois] anos e 9 [nove] meses de prisão efectiva, não fez, salvo o devido respeito, a correcta interpretação do artigo 50º do Código Penal.

8 -Segundo o mesmo artigo 50.º do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos.

9 - A pena de prisão efectiva é a ultima ratio na punição dos crimes, nos termos do artigo 70º do Código Penal.

10 - A aplicação da pena efectiva de prisão e a sua não substituição por outra ficou a dever-se ao passado criminal do arguido, que este não o nega.

11 - A efetividade desta pena irá trazer-lhe um risco de corte no esforço reintegrativo.

12 - É amplamente conhecido o efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade de curta duração ou em cumprimento de penas de privação de liberdade “quase continuas”.

13 - Entendemos que se realizariam de forma adequada as finalidades da punição, com uma pena não privativa da liberdade, pelo que, o tribunal deveria dar preferência a esta solução.

14 - A simples censura do facto e ameaça de prisão, conjuntamente com a pena acessória em que foi condenado, seriam suficientes para restabelecer perante a comunidade a força da norma violada, permitindo ainda ao arguido uma nova oportunidade de se encarreirar em liberdade.

15 - Isso mesmo foi referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2016 (processo n.º 1251/12.0PBSTB.E1): “É este o sentido do “risco” imposto por lei, existindo uma exigência de esgotamento das possibilidades de ressocialização em liberdade”.

16 - Concedendo desta forma nova oportunidade ao arguido para que este se possa agora pautar a sua vivência em sociedade por uma conduta recta.

17 - Assim, da leitura conjunta dos artigos 50.º e 70.º do Código Penal, tendo em conta um juízo de proporcionalidade, devia ter o tribunal optado pela suspensão da execução da pena de prisão.

18 - Razão pela qual concordando-se com todo o restante, deverá a Douta Sentença ser alterada, no sentido de suspender a execução da pena de prisão.

19 - Termos em que e nos melhores de direito deverá o Tribunal da Relação de Évora revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, suspender a execução da pena de prisão.

É O QUE SE PEDE E ESPERA DESSE ALTO TRIBUNAL, ASSIM SE FAZENDO BOA E OBJECTIVA

JUSTIÇA!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo.

No mesmo sentido foi o parecer da Exmª P.G.A. neste tribunal da relação, relativamente ao qual não foi apresentada resposta.

APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar é de se saber se a pena de prisão de dois anos e nove meses que foi aplicada deve ser substituída pela suspensão da execução da mesma.

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A matéria considerada provada é a seguinte:

“1. O arguido AA iniciou uma relação de namoro com CC no ano de 2016,

2. Tendo passado a viver juntos, em condições análogas às dos cônjuges, como se fossem marido e mulher, cerca de Junho/ Julho de 2017, tendo residido em … e, depois, no … – ….

3. A ofendida é mãe de BB, nascida em … de 2015, filha de DD.

4. Na sequência do relacionamento entre o arguido e a ofendida nasceram os filhos comuns, EE (nascida em … de 2017) e FF (nascido em … de 2019).

5. Cerca do Julho de 2017, o casal terminou a relação.

6. Sendo que, cerca de Julho de 2018, reataram a relação.

7. Nessa altura, a ofendida passou a residir no …, na morada sita na Rua …, n.º …, rés do chão …, …., juntamente com a filha da ofendia e com os filhos comuns.

8. O arguido trabalhava no … e regressava à residência comum, no …, aos fins-de-semana.

9. Ora, cerca de 2019, o arguido passou a trabalhar (na construção civil), no …, ocasião em que passou a residir de forma permanente com a ofendida e os filhos desta e os filhos comuns, no ….

10. Desde esta altura, 2019, o arguido passou a ingerir álcool com uma frequência praticamente diária, o que motivava discussões entre o casal.

11. Nesta sequência, a ofendida tentou afastar-se do arguido e passou a dormir no quarto dos filhos.

12. Também desde aquela altura, o arguido passou a manifestar um comportamento menos correto para com a ofendida.

13. Assim desde aquela altura, com frequência não concretamente apurada, mas que ocorreu, pelo menos, em duas ocasiões distintas, o arguido desferiu chapadas na ofendida, causando-lhe dores.

14. Desde a mesma altura e com uma frequência praticamente diária o arguido discutia com a ofendida, falando alto e gritando.

15. Com a mesma frequência, o arguido passou a dirigir-se à ofendida e a dizer- lhe «que a ofendida era uma vadia, uma puta, que só queria internet para andar com os homens», expressões que proferia à frente dos três filhos da ofendida, humilhando e entristecendo-a.

16. Em data não concretamente apurada, que ocorreu quando residiam no …, o arguido e a ofendida tiveram uma discussão, por motivos não apurados, ocasião em que o arguido atirou a ofendida para cima da cama e tentou beijar a ofendida, na boca, contra a vontade daquela,

17. Após, o arguido agarrou o pescoço da ofendida com uma mão e, com a outra mão desferiu-lhe uma bofetada, causando-lhe dores.

18. Na sequência deste comportamento do arguido a ofendida ficou com ferimentos, apresentando a face vermelha.

19. No dia 29 de Maio de 2021, pelas 18h00m, na residência comum, gerou-se uma discussão entre o casal.

20. Nesta sequência, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe «que ela era uma vadia, que queria levar na cona de outros homens», na frente dos filhos da ofendida, humilhando e entristecendo a ofendida.

21. Ainda nestas circunstâncias, o arguido agarrou a ofendida pela cabeça e encostou a ofendida a uma parede.

22. A ofendida começou a esbracejar e conseguiu afastar-se do arguido, fugindo para o quarto, tendo sido seguida pelo arguido.

23. Já no quarto, o arguido agarrou a ofendida, com a mão, no pescoço e encostou-a à parede, sendo que, em seguida, agarrou a ofendida pelo pescoço e atirou-a para cima da cama.

24. Após, o arguido pegou no tablet da ofendida e bateu com ele na própria cabeça, partindo-o.

25. Nas mesmas circunstâncias, o arguido pegou no telemóvel da ofendida e bateu com ele, várias vezes, na pedra mármore da cozinha, partindo-o e inutilizando-o, destruindo quer o tablet quer o telemóvel da ofendida, não obstante os vários pedidos da ofendida, para que o arguido não destruísse os seus bens.

26. Após, a ofendida foi pedir ajuda e terminou a relação com o arguido.

27. O arguido saiu de casa e deixou de residir com a ofendida.

28. Desde o nascimento da EE, o arguido passou a tratar de forma distinta a EE e a BB.

29. Assim, o arguido dava coisas à EE e não dava à BB, situações que entristeciam a BB e a ofendida, que dava origem a discussões entre o casal.

30. O arguido levava a cabo os suprarreferidos comportamentos agressivos para com a ofendida na residência comum e na presença das crianças, BB, EE e FF.

31. O arguido agiu com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, maltratar a ofendida CC, ofendendo-a na sua integridade psicológica, bem sabendo que com as suas condutas lhe provocava intenso sofrimento psicológico.

32. O arguido agiu com o propósito concretizado de maltratar a ofendida, ofendendo-a na sua saúde e integridade física, bem sabendo que com as suas condutas lhe provocava intenso sofrimento físico, e bem assim dores e ferimentos, como marcas vermelhas, como pretendia e conseguiu.

33. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, insultar e ofender a ofendida na sua honra e consideração, bem sabendo que as expressões que utilizou eram adequadas e suscetíveis de as atingir e ofender.

34. O arguido bem sabia que atuando da forma descrita, colocava a ofendida sujeita ao seu humor, provocando-lhe humilhação, angústia e medo.

35. O arguido bem sabia que debilitava física e psicologicamente a ofendida, prejudicando o seu bem-estar e ofendendo-a na sua honra e dignidade humanas, sendo que, com as suas condutas, assumiu uma posição de controlo e dominação sobre a mesma e revelou desconsideração e desprezo pela mesma.

36. O arguido bem sabia que lhe era devido todo o respeito à ofendida, desde logo enquanto sua companheira e mãe dos seus filhos EE e FF.

37. O arguido agiu consciente e voluntariamente, bem sabendo que molestava verbal e psiquicamente a ofendida, e que o fazia na presença dos filhos menores da ofendida, e na residência comum com a ofendida, os quais, desta forma, sentiam e vivenciavam a perturbação da ofendida.

38. O arguido mais sabia que as suas condutas eram reprováveis, proibidas e punidas criminalmente, tendo-se, mesmo assim, conformado com as mesmas, sem agir de outro modo, como era capaz.

39. O arguido agiu sempre de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal.

Das condições de vida do arguido

40. AA é natural de …, sendo o mais novo de três irmãos.

41. O seu processo de sociabilização decorreu no seio de uma família humilde, de parcos recursos socioeconómicos, mas coesa do ponto de vista afetivo.

42. O pai era chefe de armazém no … e a mãe realizava trabalhos de limpeza em casas particulares, conseguindo com os seus rendimentos, assegurar as necessidades básicas da família, pese embora houvesse a necessidade de gerir de forma equilibrada e organizada os recursos económicos.

43. No plano escolar, o arguido concluiu o 9.º ano, registando apenas uma retenção.

44. Desde muito novo, AA manifestou gosto e interesse pela prática da modalidade de ciclismo, tendo integrado a Seleção do Algarve, na Equipa do ….

45. Em detrimento da prossecução dos estudos, o arguido optou por iniciar ocupação laboral, de forma a comparticipar para a economia familiar, bem como obter dinheiro para poder praticar o ciclismo.

46. A sua primeira experiência profissional ocorreu na …, na lavagem dos carros, onde esteve três meses. Posteriormente, trabalhou num armazém de abastecimento e realizou campanhas sazonais, na agricultura, na zona de ….

47. No plano afetivo, iniciou uma relação com uma senhora de …, que conheceu através da internet, alternando períodos entre as duas cidades (… e …).

48. Esta relação terminou de forma violenta, tendo o arguido, aos 23 anos, sido condenado pela prática de um crime de homicídio de forma tentada, a 6 anos de prisão.

49. Durante o cumprimento da execução da pena de prisão, AA foi alvo de vários procedimentos disciplinares que implicaram múltiplos cumprimentos de medidas disciplinares, situação que foi conducente a nunca ter beneficiado de medidas de flexibilização, tendo cumprido na integra a pena de prisão.

50. Após o período de contenção, o arguido foi viver para casa de uma irmã no …, tendo começado a trabalhar na área da construção civil, em …. A par desta atividade, o arguido também realizava trabalhos de tatuagem.

51. Conheceu a ofendida em …, tendo o casal iniciado em Junho de 2016 uma relação, com os aludidos filhos comuns.

52. AA trabalhou, cerca de um ano, na área da construção civil, através de uma empresa de trabalho temporário.

53. Até Maio de 2021, data em que o arguido saiu definitivamente de casa, a relação marital foi descrita pelo arguido como titubeante, verificando-se várias separações e posteriores reconciliações.

54. O arguido ressalva que, não obstante ter saído de casa em Maio de 2021, até Julho de 2022, pernoitou muitos dias em casa da ofendida.

55. No presente já se encontra regularizado o exercício das responsabilidades parentais, tendo os filhos ficado a cargo da mãe, com visitas autorizadas ao arguido, em fins de semana alternados e fixado o valor da prestação de alimentos.

56. AA, em alguns meses, não consegue obter rendimentos suficientes para cumprir o esse pagamento, por ausência de trabalho.

57. O arguido refere que a ofendida dificulta os contactos com os filhos.

58. AA reside sozinho, a título de tolerância, num anexo de uma casa propriedade de um casal amigo, o qual dispõe de um quarto, kitchenet e casa de banho. O arguido comparticipa para as despesas da água e luz.

59. Em termos ocupacionais, o arguido não desenvolve atividade profissional com carácter regular, executando trabalhos indiferenciados na área da construção civil para pessoas conhecidas.

60. O arguido encontra-se em busca de trabalho, referindo não o conseguir por estar constantemente a deslocar-se ao Tribunal por causa da ofendida.

61. A sua subsistência é assegurada pelo provento que aufere destes trabalhos, referindo receber 7/8€ hora.

62. Na cidade do … o arguido não possui qualquer familiar, beneficiando do apoio de alguns amigos com quem estabeleceu relação de amizade. Pontualmente, visita os pais em ….

63. Relativamente a eventuais consumos etílicos, AA reconhece que desde há cerca de um ano que ingere com regularidade e, por vezes em excesso, bebidas alcoólicas.

64. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu num contexto familiar de condição socioeconómica humilde, mas coeso, do ponto de vista afetivo.

65. No presente, apresenta alguns fatores de vulnerabilidade consubstanciados na ausência de exercício de atividade profissional regular, problemas de ordem económica e comportamento aditivo.

66. Carece de intervenção direcionada para o cumprimento de obrigações atinentes à consciencialização de comportamentos desajustados na área da conjugalidade, bem como eventual encaminhamento para acompanhamento médico na área da alcoologia.

67. O arguido aceitou a realização de consulta de despeite à problemática etílica, mas não o seu tratamento, caso se mostrasse dele carecer.

68. O arguido manifestou reservas ao eventual acompanhamento psicológico que lhe viesse a ser determinado pelo Tribunal.

69. Ao arguido são conhecidas as seguintes condenações:

a) Por decisão transitada em julgado em 23 de Março de 2007, no âmbito do proc. n.º …, foi condenado pela prática, em 3 de Fevereiro de 2004, de um crime de furto, numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 3,00 €, a qual se mostra extinta, por cumprimento, por decisão de 13 de Setembro de 2010;

b) Por decisão transitada em julgado em 3 de Julho de 2008, proferida no proc. n.º…, foi condenado pela prática, em 21 de Janeiro de 2005, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, a qual se mostra extinta, por cumprimento, por decisão de 23 de Setembro de 2010;

c) Por decisão transitada em julgado em 14 de Março de 2011, proferida no proc. n.º …, foi condenado pela prática, em 19 de Junho de 2009, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, na pena de 6 anos de prisão;

d) Por decisão transitada em julgado em 15 de Fevereiro de 2011, proferida no proc. n.º …, foi condenado pela prática, em 18 de Junho de 2009, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, a qual se mostra extinta, por cumprimento, por decisão de 24 de Agosto de 2015.”

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Na sentença recorrida, depois de considerações genéricas, escreveu-se o seguinte o propósito da não aplicação da suspensão da execução da pena:

“No caso concreto, não se mostra possível a suspensão da execução da pena de prisão. De facto, embora formalmente a pena o admita, os requisitos materiais para a plicação deste instituto não estão reunidos.

O arguido, que nesta data conta com menos de 40 anos, regista já mais de quatro confrontos com o sistema jurídico penal e foi-lhe aplicada penas privativas da liberdade superior a 5 anos, que cumpriu integralmente.

Aliás, a ausência de antecedentes recentes até ao presente prende-se, precisamente, com o espaço que foi consumido pelo cumprimento de pena de prisão efectiva (veja-se que do trânsito em julgado da última condenação até ao início da relação com a aqui ofendida medeiam, precisamente, os 6 anos de cumprimento de pena).

Atenta a sua idade, o confronto com a Justiça não é um simples acidente de percurso na vida do arguido, antes aponta para uma reiterada falta de respeito pelas normas legais.

Ou seja, nem a mais gravosa reacção penal desviou o arguido de um caminho criminoso.

Ainda que possam ser relativizadas as condenações por furto e condução sem habilitação legal, as mesmas radicam naquilo que as demais condenações entroncam: o desrespeito pela vida em sociedade e o cumprimento das mais básicas regras.

Conjugando a factualidade aqui provada com a condenação por homicídio tentado é possível concluir por uma tendência agressiva do arguido, o que entronca nos ciúmes que pautaram a relação.

Não é possível concluir que se está perante eventos pontuais na vida do arguido. Muito pelo contrário, é possível notar um padrão de escalada quanto à gravidade dos factos cometidos (quer quanto aos factos, quer quanto à sua reiteração temporal), o que se mostra particularmente censurável quando ocorrem após cumprimento de pena de prisão efectiva.

Demonstrou-se que o arguido não manifesta interiorização do desvalor da sua conduta, não tendo um projecto de vida assente na criação de estratégias normativas de interacção comunitárias. Aliás, nem sequer quis apresentar uma perspectiva razoável sobre os factos em juízo, com isso manifestando eventual arrependimento ou uma confissão atendível.

É certo que os antecedentes criminais não são obstáculo, por si só, a um juízo de prognose favorável ao condenado. Todavia, são um sinal do desrespeito pela advertência que representa a condenação judicial que impedem o Tribunal de afirmar que tal desrespeito não irá ocorrer de novo. A condenação sofrida não alertou o arguido para se afastar da prática de crimes atentatórios da dignidade da pessoa humana.

A conduta do arguido foi reiterada, prolongando-se por anos e não manifestou o mesmo qualquer arrependimento.

Mostrou-se retinente e pouco receptivo a qualquer intervenção médica ou terapêutica à sua pessoa.

O arguido não tem qualquer trem de vida estruturado ou planeado para si, a inserção de que beneficia é precária, contando apenas com os seus progenitores e socorre-se de bebidas alcoólicas.

Por tudo, não é possível concluir que, em função da personalidade, das condições de vida, da conduta anterior e posterior ao cometimento do crime e das circunstâncias destes, a simples censura dos factos e a ameaça de prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

As finalidades da punição, aqui rememorando as elevadas exigências de prevenção geral e especial não são compatíveis com a substituição da pena.

As exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico traduzidas na pena aplicada não se compadecem com um juízo de prognose quanto ao comportamento do arguido. O objectivo de política criminal visado por esta pena de substituição é «(…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Reimpressão, pág. 343).

Assim, a pena aplicada deverá ser executada em cumprimento efectivo.”

Estamos de acordo com o acabado de referir.

Com efeito, face à postura/personalidade do arguido e aos seus antecedentes criminais, entre o quais ressalta uma condenação em prisão efectiva pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentado na pessoa de uma sua então companheira (cfr. ponto 48 da matéria dada como provada), só a prisão efectiva se revela de molde a satisfazer as finalidades da punição.

Sabe-se que que, como bem refere Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, pág. 77, “São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial (artigos 70º e 40º, nº 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição). Não é, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena (artigo 40º, nº 2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição que venha a ser aplicada (artigo 71º, nº 1, do CP).”

A suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artº 50º do C.P., é uma das penas substitutivas da pena de prisão efectiva, sendo até, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 337, “a mais importante das penas de substituição, por dispor de mais largo âmbito.”

Dispõe o nº 1 do referido preceito legal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Tendo em consideração a referida redacção (na versão original de 1982 referia-se “pode suspender” e não “suspende”), conclui-se claramente que o legislador dá indicação que sempre que se verifiquem os referidos pressupostos, deve o julgador decretar a suspensão da execução da pena de prisão, conhecidos que são os malefícios do cumprimento de penas curtas de prisão.

Tal indicação saiu até reforçada com a nova redacção dada ao preceito legal em causa, pela L. 59/2007 de 4/9, que aumentou o limite máximo para a suspensão da execução da pena de prisão, de 3 para 5 anos.

Daí resulta que o tribunal tenha sempre que ponderar a suspensão da execução da pena de prisão, desde que a mesma caiba dentro do acima referido limite de 5 anos, como é o caso dos autos.

Não há um dever de suspender, mas sim um poder vinculado de decretar a suspensão (Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, C.P. anotado e comentado, pág. 178).

Ou por outras palavras: “trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” – Maia Gonçalves, C.P. Português, 18ª edição, pág. 215.

A este propósito, ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2009, págs. 342 e segs.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.

(…)

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...).

Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (...).

Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.

No mesmo sentido: ac. do S.T.J. de 8/2/08, C.J., A.S.T.J., ano XVI, tomo I, pág. 227, relatado pelo Sr. Cons. Oliveira Mendes: “A par de considerações de prevenção especial coexistem considerações de prevenção geral, sendo que a pena de suspensão de execução da prisão só é admissível quando não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja o sentimento de reprovação social do crime.”

No seguimento dos ensinamentos acabados de referir, é forçoso concluir que a suspensão da execução da pena de prisão poria seriamente em risco quer as necessidades de prevenção geral, quer as de prevenção especial, frustrando as expectativas comunitárias.

Na verdade, se quem, como o arguido, terminou anterior relação de modo violento, de tal sorte que teve que cumprir integralmente seis anos de prisão (com registos disciplinares e, por isso, sem medida de flexibilização a pena – cfr. ponto 49 da matéria considerada provada), e volta a praticar actos violentos (física e psicologicamente) na pessoa de outra companheira, e, ainda assim, é condenado em suspensão da execução da pena de prisão, transmite para a comunidade uma ideia de total impunidade que de forma evidente não satisfaz as necessidade de prevenção geral, nem de prevenção especial.

Por outro lado, o arguido não revela ter actualmente quaisquer hábitos de trabalho, chegando ao ponto de se ter considerado provado que: “O arguido encontra-se em busca de trabalho, referindo não o conseguir por estar constantemente a deslocar-se ao Tribunal por causa da ofendida.”

Ou seja: é por falta de tempo, provocado pela ofendida/tribunal, que o arguido não tem conseguido arranjar trabalho!

A postura do arguido no decurso do julgamento é também de molde a contribuir para a conclusão da absoluta necessidade de o arguido cumprir (novamente) prisão preventiva.

Com efeito, refere-se na fundamentação e facto da sentença recorrida que:

“(…) em sede de audiência e após leitura da acusação, o arguido negou querer prestar declarações sobre os factos, pese embora de seguida tenha, de imediato, adoptado um discurso livre, dizendo que não compreendia a razão de estar a ser julgado, que as datas constantes da acusação se mostravam erradas, sendo impossível que tenha iniciado uma relação de namoro com a ofendida em 2017 porquanto nesse mesmo ano nasceu a sua filha EE e que desde o fim da relação (que localizou num sábado em Maio de 2021 [ainda que inicialmente se mostrasse irredutível em aludir a 2020]) a situação se havia apaziguado e que havia reencontrado a ofendida, a quem, um agente de autoridade, havia dito que não fazia sentido ter apresentado queixa para depois andar a passear de mão juntas com o arguido.

Perante a abertura aparentemente demostrada em prestar declarações, rejeitou responder a qualquer pergunta que lhe fosse colocada, mantendo um discurso que o próprio quis controlar.

Tendo-lho sido concedida a palavra para últimas declarações, voltou a demonstrar sentir-se vítima de uma injustiça, questionando o Tribunal de porque é que estava a ser julgado quando a ofendida havia declarado que o mesmo era bom pai e não lhe desejava mal, que já tinha pago pelos erros cometidos, que a ele lhe tinha sido atribuído o estatuto de vítima, indagando se a ofendida o teria, tendo ainda acrescentado que no dia em que terminaram a relação partiu efectivamente o tablet e o telemóvel da ofendida como forma de não lhe bater a ela.”

Como é evidente o que impressiona não é a circunstância de o arguido não ter inicialmente querido prestar declarações, mas sim o seu completo alheamento dos factos, a sua “vitimização” e “incompreensão” perante o facto de estar a ser julgado.

Enfim, tudo conjugado, a justificar plenamente a opção tomada na sentença recorrida.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

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Évora, 18 de Abril de 2023

Nuno Garcia

António Condesso

Edgar Valente