Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6086/19.7T8STB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PRAZO PEREMPTÓRIO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA DE CONTRATO PROMESSA
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a parte resolve o contrato é porque o não quer cumprir. E pode, naturalmente, ser que esta impossibilidade de cumprimento seja legítima, isto é, sem as consequências desvantajosas impostas por lei. Ao invés, a resolução infundada (porque não existe incumprimento) torna o cumprimento impossível por vontade da parte que resolveu o contrato.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 6086/19.7T8STB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) instaurou a presente acção de processo comum contra o Réu (…), pedindo:
1) Que se declare o incumprimento definitivo do contrato promessa outorgado entre as partes, por culpa do réu;
2) Que se condene o Reu a devolver-lhe o sinal em dobro, no montante de € 60.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até pagamento integral
Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda relativo a um prédio urbano, sito em (…), pelo preço de € 224.000,00, tendo pago, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 30.000,00, e o restante na data de realização da escritura prometida, a qual não se realizou na data designada.
O Réu nunca interpelou para a outorga do contrato definitivo e procedeu à resolução do contrato sem que tivesse ocorrido incumprimento definitivo.
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O Réu contestou alegando que o incumprimento do contrato é imputável à Autora que, contrariamente ao estabelecido no contrato promessa, não procedeu a marcação da escritura pública no prazo essencial estipulado e que a sua não observância acarretou incumprimento definitivo, conducente à resolução.
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Foi proferido saneador sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o R. dos pedidos.
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Desta sentença recorreu a A..
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O R. contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
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O recurso da A. foi rejeitado neste Tribunal por as alegações não conterem conclusões.
Esta decisão foi revogada pelo STJ.
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A recorrente foi, então, convidada a apresentar novas conclusões o que fez desta forma:
A) Vem o presente recurso interposto do saneador-sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Recorrido (…) de restituir, em dobro o sinal de Euros: 30.000,00 (trinta mil euros) à Recorrente (…), ou seja, Euros: 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
B) A questão a resolver resumiu-se a ser o prazo para a celebração da escritura, constante do CPCV ser um prazo essencial, e na afirmativa, levar à perda do sinal por parte da Recorrente, ou, ao invés, o Recorrido ser obrigado a pagar o sinal em dobro.
C) Inexistem factos não provados.
D) Dos factos dados como matéria assente resulta que o presente contrato-promessa de compra e venda satisfaz a vontade dos outorgantes, ficando sujeito ao regime da execução específica no termos do artigo 830.º do Código Civil.
E) Ora, a execução específica do contrato, traduz a possibilidade do decurso do prazo para além do clausulado no CPCV.
F) Assim, este prazo não é um prazo essencial, mas relativamente fixo, o que não determina imediatamente o incumprimento definitivo do contrato.
G) Andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado que este prazo é essencial, final, peremptório.
H) Posição esta que se encontra em manifesta contradição com a posição assumida pelo Recorrido, em data anterior, em 18 de Maio de 2018 (doc. nº 12 junto à contestação), ao ir prorrogar o prazo para a celebração do seu próprio contrato, até 30 de Junho de 2018, ou seja, em data posterior à estipulada para a celebração da escritura definitiva com a Recorrente (09 de Junho de 2018).
I) Acresce a contradição do Tribunal a quo em dar como provado que o Recorrido e a Recorrente se encontravam a fazer compras e vendas em cadeia, e que o Recorrido por necessidade de liquidez para fazer face a custos com o processo de inventário, por óbito de seu pai, viu-se obrigado a vender a sua casa para realizar numerário e suportar os custos, assim, como, para adquirir uma de menor valor.
J) De forma indiciária o Tribunal a quo tenta, apressadamente, criar o motivo objetivo para o invocado prazo essencial.
K) Mal andou o Tribunal a quo, dado que o Recorrido se precisasse de concretizar a venda da sua moradia para fazer face a tais custos, nunca poderia estipular o mesmo prazo de celebração da escritura definitiva: na prática, celebrando a 09 de Junho de 2018 (a um sábado) com a Recorrente, seria impossível receber o preço, ter o dinheiro disponível na sua conta bancária, e, no mesmo dia, pagar o preço do apartamento que pretendia comprar.
L) O Tribunal a quo também não deveria ter dado como provado a necessidade do Recorrido celebrar a escritura de venda até 09 de Junho de 2018, para fazer custos ao inventário, dado que o Recorrido nunca vendeu o imóvel até á presente data, e ele próprio reconhece na contestação (artigo 47º), datada de Março de 2019, vender o imóvel à Recorrente, mesmo após a resolução do CPCV.
M) Se o Recorrido, já tinha acordado, por comum acordo, com a (…) a resolução do CPCV do apartamento, nenhum sentido fez a reunião de 16 de Junho de 2018 com a Recorrente, que até confessa expressamente vender a moradia desde que o sinal do apartamento englobasse o preço da moradia.
N) O Recorrido não se socorreu de qualquer pedido reconvencional contra a Recorrente, pelo alegado (mas não provado) sinal de euros 3.500,00 perdido.
O) O Tribunal a quo andou mal pois não fez uma análise objetiva destes factos, de toda a conjuntura que envolveu o negócio, desconsiderando a falta de fundamentação objetiva da perda do interesse da celebração do contrato definitivo com a Recorrente, após 09 de Junho de 2018.
P) O Tribunal a quo também não deu como provado, como lhe competia, que o Recorrido não entregou os documentos necessários para instruir o contrato definitivo, até 5 dias úteis antes da data prevista para a outorga do mesmo.
Q) O Tribunal a quo andou mal ao não dar importância ao CPCV do apartamento nos (…), com data de celebração do contrato definitivo até 30 de Junho de 2018, e que o Recorrido voluntariamente, e por acordo com a promitente vendedora, foi resolvido em 22 de Junho de 2018.
R) A Recorrente ao não cumprir o prazo estabelecido no CPCV para a celebração do contrato definitivo, 09 de Junho de 2018, constituiu-se em mora, não em incumprimento definitivo.
S) O Recorrido nunca interpelou a Recorrente para a celebração do contrato definitivo, através de marcação de escritura, e fixar-lhe o incumprimento definitivo, caso não fosse outorgada a compra e venda.
T) O Recorrente resolveu o CPCV em 12 de Junho de 2018, sem invocar qualquer fundamento objetivo para a perda do seu interesse, estando, assim, indemonstrada a essencialidade do prazo, e excluída a resolução do CPCV, fundado no simples esgotamento do prazo acordado.
U) Não havendo fundamento para a resolução do CPCV pelo Recorrido, não se verificando o incumprimento definitivo por parte da Recorrente, inexistência de interpelação admonitória, possibilidade de recurso à execução especifica, tem a Recorrente direito a receber em dobro o sinal que prestou.
V) O saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo violou o espírito da lei consagrado nos artigos 432.º, 442.º, nºs 1 e 2, 805.º, n.º 1, 830.º, 808.º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil.
Existe nulidade da sentença porque não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão.
Termos em que deve ser declarada a nulidade da sentença nos termos supra alegados ou, caso assim não se entenda, deve ser proferido Acordão que julgue a acção procedente por provada e em consequência:
seja o Recorrido (…) condenado a pagar a quantia de Euros: 60.000,00 (sessenta mil euros) à Recorrente, correspondente ao dobro do sinal, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até pagamento integral.
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O recorrido prescindiu do prazo para responder às novas conclusões:
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Começaremos pela nulidade da sentença.
A nulidade por falta de factos, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, refere-se à absoluta falta de factos a que aplicar a lei.
No caso dos autos, temos uma matéria de facto onde se expõe o contrato promessa, a não marcação da escritura e a correspondência entre as partes.
Não há, assim, a nulidade invocada.
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Nas suas alegações, a recorrente invoca também a ilegalidade da sentença por ser uma decisão surpresa.
No entanto, nas conclusões transcritas, e que definem o objecto e os termos do recurso, nada se diz sobre isto.
Assim, não se conhece de tal questão.
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A recorrente defende que o tribunal devia ter dado isto por provado e aquilo por não provado.
Refere-se ao seguinte:
Contradição do Tribunal a quo em dar como provado que o Recorrido e a Recorrente se encontravam a fazer compras e vendas em cadeia, e que o Recorrido por necessidade de liquidez para fazer face a custos com o processo de inventário, por óbito de seu pai, viu-se obrigado a vender a sua casa para realizar numerário e suportar os custos, assim, como, para adquirir uma de menor valor (al. I).
Contudo, o tribunal, que deu por provado, sem dúvida, que se tratava de vendas em cadeia, já não deu por provado o mais que se afirma (necessidade de liquidez, etc.).
O Tribunal a quo, também, não deveria ter dado como provado a necessidade do Recorrido celebrar a escritura de venda até 09 de Junho de 2018, para fazer custos ao inventário, dado que o Recorrido nunca vendeu o imóvel até á presente data, e ele próprio reconhece na contestação (art.º 47º), datada de Março de 2019, vender o imóvel à Recorrente, mesmo após a resolução do CPCV.
O tribunal não deu isto por provado.
O Tribunal a quo também não deu como provado, como lhe competia, que o Recorrido não entregou os documentos necessários para instruir o contrato definitivo, até 5 dias úteis antes da data prevista para a outorga do mesmo (al. P).
Isto não vem alegado pela A. na sua p.i..
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Também alega que andou mal o tribunal ao dar como provado que o prazo fixado no contrato é essencial mas isto não é um facto. Trata-se antes do resultado da interpretação que o tribunal fez (p. 8) dos factos que deu por provados.
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Assim, nada se altera.
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A matéria de facto é a seguinte:
1 -Em 25 de Março de 2018, a Autora, na qualidade de promitente compradora, e o Réu, na qualidade de promitente vendedor, celebraram um acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda”, cuja cópia está junta a fls. 12 a 13 dos autos, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Artigo Primeiro
O promitente vendedor é dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito na Rua da (…), 3 (anterior lote 9), em (…), freguesia União de Freguesias de Azeitão (São Lourenço e São Simão), concelho de Setúbal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º (...), freguesia de S. Simão e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União de Freguesias de Azeitão (São Lourenço e São Simão) sob o artigo (…), e licença de utilização n.º (…), emitida pela Câmara Municipal de Setúbal em 24-01-2002.
Artigo Segundo
Pelo presente contrato, o promitente vendedor promete vender à promitente compradora, que promete comprar o prédio urbano identificado no Artigo Primeiro deste contrato, livre de qualquer ónus ou encargos e responsabilidades de qualquer natureza e totalmente desocupado de pessoas e bens e no estado em que se encontra, que é do conhecimento das partes.
Artigo Terceiro
O preço da prometida compra e venda é de € 224.000,00 (duzentos e vinte e quatro mil euros), e será pago pela promitente compradora ao promitente vendedor da seguinte forma:
a) No ato de assinatura do presente contrato-promessa, a promitente compradora entrega ao promitente vendedor, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), valor que este declara ter recebido e do qual dá plena quitação;
b) O pagamento do referido preço é feito por cheque número (…), conta número (…) s/ Caixa Geral de Depósitos.
c) Na Outorga da escritura pública/documento particular autenticado de compra e venda, a promitente compradora pagará o remanescente do preço, ou seja, a quantia de € 194.000,00 (cento e noventa e quatro mil euros) por cheque bancário ou visado à ordem do promitente vendedor.
Artigo Quarto
1. A escritura pública/documento particular autenticado de compra e venda será realizada no prazo máximo de 75 (setenta e cinco) dias a contar da assinatura do presente contrato de promessa, sem prejuízo de poderem acordar mutuamente uma data anterior ao termo do prazo, em dia, hora e local que a promitente compradora indicar ao promitente vendedor, por escrito, com pelo menos quinze dias de antecedência relativamente à data marcada para a outorga daquela escritura documento particular autenticado.
2. O promitente vendedor, direta ou por intermédio de procurador com poderes bastantes, obriga-se a entregar à promitente compradora, até 5 (cinco) dias úteis antes da escritura pública / documento particular autenticado de compra e venda, os documentos que da sua parte sejam necessários à formalização da mesma escritura / documento particular autenticado.
Artigo Quinto
1. Se o promitente vendedor faltar ao cumprimento do presente contrato-promessa, assiste à promitente compradora o direito de reaver daquele as quantias que houver pago ao mesmo, em dobro. 2. Se a promitente compradora faltar ao cumprimento do ora contratado, assiste ao promitente vendedor o direito de resolver o presente contrato-promessa, fazendo suas as quantias recebidas a título de sinal e princípio de pagamento e eventuais reforços.
3. O presente contrato-promessa de compra e venda satisfaz a vontade dos outorgantes, ficando sujeito o regime da Execução Especifica nos termos do artigo 830.º do Código Civil. (…)”
2 - No dia 21 de Abril de 2018, o Réu, na qualidade de promitente comprador, e (…), na qualidade de promitente vendedora, celebraram um acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda”, cuja cópia está junta a fls. 44 a 45 dos autos, mediante o qual aquele prometeram comprar a (…) que prometeu vender uma fracção autónoma pelo preço de € 89.000,00, sendo a escritura outorgada até ao dia 9 de Junho de 2018.
3- No dia 24 de Abril, a empresa de mediadora imobiliária (…) remeteu ao Réu a comunicação junta a fls. 47 dos autos, que se dá por reproduzida, comunicando que a escritura está pré-agendada para o dia 28/5/2019 pelas 9,30 horas.
4 - No dia 18 de Maio de 2018, o Réu e a (…) subscreveram o acordo junto a fls. 49 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido, denominado Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda com Recibo de Sinal, nos termos do qual estipularam que “(…) a escritura pública será outorgada até ao dia 30 de Junho de 2018 (…)”.
5 – No dia 17 de Maio de 2018, a empresa de mediadora imobiliária (…) remeteu ao Réu a comunicação junta a fls. 48 verso dos autos, que se dá por reproduzida, informando que, como solicitado, a escritura está alterada para o dia 15/6/2019 pelas 10 horas.
6 - No dia 22 de Junho de 2018, a (…) e o Réu subscreveram o acordo escrito, junto a fls. 50, que se dá por integralmente reproduzido, denominado Rescisão por Comum Acordo do Contrato Promessa de Compra e Venda, nos termos do qual estipularam que “acordam de livre e esclarecida vontade em dar extinto e sem validade o contrato promessa de compra e venda, outorgado em 21 de Abril de 2018, ambas as partes declaram para todos e devidos efeitos que nada podem exigir ou reclamar uma da outra”.
7 - No decurso dos vários contatos e discussão entre o Réu e a Autora para a efectivação do contrato prometido dentro do prazo estipulado, dada a sua projecção no acordo a que se alude em 2), é ultrapassado o prazo fixado no contrato promessa sem que a Autora tivesse marcado a escritura.
8 - No dia 12 de Junho de 2018, o Réu enviou a Autora a comunicação junta a fls. 22 que se dá por reproduzida, na qual constava, além do mais que “serve a presente carta (…) para proceder à rescisão do contrato promessa de compra e venda (…) de acordo com a alínea nº 2 do artigo quinto do CPCV, por incumprimento da alínea a) do artigo quatro do CPCV (…).
9 - A esta missiva respondeu a Autora, por carta datada de 27 de Junho de 2018, junto a fls. 24 a 25 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida, onde além do mais refere que, após 9/6/2018, estava numa situação de mora e não de incumprimento definitivo.
10 - Aquando da celebração do acordo a que se alude em 1) a Autora e a Ré estavam a realizar compras e vendas em cadeia para obter liquidez com o produto das respectivas vendas.
11- A venda da moradia da Autora, sita em Lisboa, veio a ocorrer no dia 13 de Julho de 2018.
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Esclarecemos que a comunicação da (…), indicada no n.º 5 da exposição da matéria de facto, tem que ver com o contrato referido em 2 que não é o contrato dos autos.
Quanto à comunicação da mesma imobiliária, indicada no n.º 3, desconhece-se a que contrato se refere; pelo menos, não há qualquer indicação clara a este respeito.
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Em primeiro lugar, vejamos os termos do contrato.
Foi estabelecido que a escritura seria celebrada no prazo máximo de 75 dias após o contrato promessa, o que significa que a escritura seria realizada até o dia 8 de Junho de 2018.
A A. ficou com a obrigação de comunicar ao R., com a antecedência mínima de 15 dias sobre a data da escritura.
O R. resolveu o contrato no dia 12 de Junho de 2018.
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A sentença julgou a acção improcedente porque entendeu que o prazo fixado para o cumprimento era um prazo absoluto:
«O clausulado do contrato-promessa firmado entre as partes é impressivo para fundamentar uma conclusão acerca do carácter essencial do prazo fixado pelos promitentes para a celebração do contrato definitivo.
«As partes, no texto do contrato promessa, evidenciam inequivocamente tal vontade, mormente através da estipulação de um prazo máximo sem prejuízo de poderem acordar uma data anterior ao termo desse prazo, competindo à Autora a obrigação de designação da data de realização da escritura relativa ao negócio prometido, competindo-lhe também comunicar ao Réu , com a antecedência mínima de cinco dias úteis, a data da outorga do contrato prometido, estabelecendo a cominação para o não cumprimento das obrigações.
«O prazo fixado na cláusula é um prazo absoluto e a ultrapassagem desse prazo em que o cumprimento era devido determina de imediato o incumprimento conducente a resolução» (p. 8 da sentença).
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A recorrente insurge-se contra este entendimento porque, estando o contrato sujeito a execução específica, isto significa a possibilidade do decurso do prazo para além do clausulado no contrato.
Não podemos concordar.
A execução específica, que é a possibilidade de o tribunal se substituir, por intermédio da sentença, à parte faltosa (artigo 830.º, n.º 1, do Código Civil), é o exercício de um poder coactivo do Estado, a pedido da parte interessada. O que o tribunal faz é emitir uma declaração correspondente à que não foi emitida pelo contratante a isso obrigado, assim executando o contrato promessa. É, como linearmente resulta da epígrafe da secção onde se integra este preceito, a realização coactiva da prestação. Nada tem que ver, para o efeito aqui em questão (natureza do prazo fixado), com o teor do contrato.
Por outro lado, esta tese teria como resultado que em todos os contratos promessa em que se tivesse estabelecido a execução específica não poderiam as partes fixar um termo final absoluto. Não vemos suporte legal para esta tese sendo certo que a autonomia contratual permite, precisamente, que as partes livremente regulem o modo de composição dos sues interesses.
Assim, improcede este argumento.
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Mas concordamos com a recorrente quando alega (e é este o fulcro do seu recurso) que o prazo «máximo» de 75 dias não é um prazo peremptório, essencial.
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Escreve-se na sentença:
«É hoje jurisprudência pacífica que o inadimplemento do contrato promessa se encontra submetido às regras gerais do não cumprimento das obrigações, de acordo com os artigos 798.º, 801.º, 804.º e 808.º do Código Civil, em virtude da equiparação estabelecida pelo n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil, relativamente ao contrato prometido.
«O direito de resolução do contrato contemplado no artigo 432.º do Código Civil constitui um direito potestativo com eficácia extintiva dependente de um fundamento, que é a situação de incumprimento definitivo.
«Como qualquer outro contrato, também o contrato-promessa poderá ser resolvido com fundamento na lei ou em cláusula contratual que o permita.
«As partes podem fixar no contrato um prazo para o cumprimento das prestações, o que é susceptível de, quando não respeitado o prazo, gerar o incumprimento definitivo. Nestas situações o incumprimento definitivo decorre do prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável caso em que não se justifica a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar.
«No que concerne ao prazo estabelecido para a celebração do contrato prometido, podemos estar perante um prazo essencial, final ou peremptório, cuja ultrapassagem determina de imediato o incumprimento definitivo do contrato, ou, pelo contrário, perante um prazo sem essas características – (prazo relativamente fixo) – e cujo esgotamento apenas conduz à constituição do devedor em mora, situação essa que para poder ser convertida em incumprimento definitivo carece da fixação de um novo prazo admonitório ou da perda objectiva de interesse».
E assim é.
Mas do contrato dos autos não resulta que estejamos perante um prazo absolutamente fixo que permitisse, ao abrigo da autonomia privada, a não aplicação do artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil. Estabelecer um «prazo máximo» é a mesma coisa que estabelecer um prazo, pura e simplesmente. No contexto de qualquer contrato, a fixação de um prazo é a fixação para o prazo limite para o cumprimento; existindo mora, e não prevendo o contrato expressamente outra solução (por exemplo, uma cláusula resolutiva expressa), aplica-se o regime do citado preceito legal.
Temos ainda o facto n.º 7 que nos parece relevante: no decurso dos vários contactos e discussão entre o Réu e a Autora para a efectivação do contrato prometido dentro do prazo estipulado, dada a sua projecção no acordo a que se alude em 2), é ultrapassado o prazo fixado no contrato promessa sem que a Autora tivesse marcado a escritura. Isto é, houve negociações entre A. e R. que se prolongaram no tempo e que, precisamente por elas não estarem findas, levaram a que a escritura não tivesse sido marcada.
O que queremos dizer, fundamentalmente, é que esta cláusula em nada indica que estejamos perante um termo essencial para a economia do negócio (cfr., sobre isto, Baptista Machado, «Pressupostos da Resolução por Incumprimento», in Obra Dispersa, vol. I, Braga, Liv. Cruz, 1991, p. 188), seja pela própria natureza das prestações em causa, seja porque as partes não conferiram a tal prazo «essa importância essencial à pontualidade de uma prestação (idem, ibidem).
O que se passa é que o recorrido foi intolerante e a lei opõe-se a essa atitude (sem a proibir, claro): daí a solução do artigo 808.º.
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Vistas as coisas desta forma, concluímos que estamos perante uma situação de mora e não de incumprimento definitivo. Antes da resolução do contrato pelo recorrido, o cumprimento do contrato promessa era absolutamente possível. Bastava o R. ter dado mais prazo (o «prazo razoável» de que fala a lei» para quer a escritura fosse marcada para que aquele se cumprisse. Caso tal não acontecesse, ou seja, caso a recorrente não marcasse a escritura, então sim, o contrato poderia ser legitimamente resolvido.
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Tal como tudo se passou, temos de concluir que, não havendo situação de incumprimento definitivo, não tinha o contrato que ser resolvido. Havia apenas uma situação de mora que podia ser afastada pela interpelação para cumprir – o que o recorrido não fez.
Se a parte resolve o contrato é porque o não quer cumprir. E pode, naturalmente, ser que esta impossibilidade de cumprimento seja legítima, isto é, sem as consequências desvantajosas impostas por lei. Ao invés, a resolução infundada (porque não existe incumprimento) torna o cumprimento impossível por vontade da parte que resolveu o contrato.
Assim, entendemos que a recorrente tem razão no seu recurso.
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente em função do que:
I- revoga-se a sentença recorrida;
II- julga-se a acção procedente e condena-se o R. a entregar à A. a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), correspondente à devolução do sinal em dobro, acrescida de juros a contar da citação.
Évora, 14 de Julho de 2021
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos