Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO SERRANO | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO EMPRÉSTIMO BANCÁRIO MORTE | ||
Data do Acordão: | 07/09/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1 - Não faz qualquer sentido que o contrato de seguro permitisse a exclusão de responsabilidade da seguradora pela simples presença de álcool no sangue acima do valor ali indicado, fosse qual fosse a conduta empreendida no momento da morte do segurado. 2 - Pois que, então, bastaria que o segurado tivesse uma TAS acima de 0,5 g/l e estivesse a realizar qualquer actividade inócua, do ponto de vista da produção do evento morte (como comer, andar, ler um livro), para haver exclusão de responsabilidade. 3 - Em consequência, a cláusula em apreço sempre imporá que se averigue se a presença de álcool é causal em relação à produção do evento morte. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 57/14.7TBCVD.E1-1ª (2015) Apelação-1ª (2013 – NCPC) (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC) * ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: Na presente acção de processo comum que (…) intentou contra «(…) – Companhia de Seguros, SA», e actualmente a correr termos na Secção Cível da Instância Local de Portalegre da Comarca de Portalegre (depois de iniciada no Tribunal Judicial de Castelo de Vide), foi pela A. invocada a celebração, por parte da A. e do seu falecido marido, com a «Caixa Geral de Depósitos», de um contrato de empréstimo para aquisição de fracção autónoma para habitação, a que foi associado um contrato de seguro em que é parte a R. seguradora, destinado a cobrir o risco de morte de algum dos mutuários, caso em que assumiria o pagamento à «Caixa» do valor em dívida à data do sinistro, o qual veio a ocorrer em relação ao marido da A., mas sem que a R. aceitasse a sua responsabilidade por tal pagamento, por alegada ocorrência de situação excluída da cobertura do seguro, ao abrigo das condições gerais do contrato de seguro (concretamente, suicídio por afogamento, quando a vítima acusava uma taxa de alcoolemia de 1,92 g/l), do que a A. discorda – pelo que a A. peticiona o seguinte: a) declaração de que o evento da morte do segurado, seu falecido marido, constitui risco coberto pela apólice que titula o referido contrato de seguro; b) condenação da R. a pagar à «Caixa Geral de Depósitos» o valor em dívida do referido contrato de empréstimo celebrado por A. e falecido marido com a «Caixa»; c) condenação da R. a pagar à A. as quantias a esta cobradas como capital e prémio de seguro desde a data da morte do segurado (e até à suspensão dessas cobranças). Contestando, a R. impugnou o pedido, alegando, no essencial, que a morte do segurado, marido da A., ocorreu em circunstâncias excludentes da cobertura do seguro, de acordo com as condições gerais do contrato de seguro, já que essa morte ocorreu na sequência de acto voluntário, configurável como suicídio, quando a vítima acusava uma taxa de alcoolemia de 1,92 g/l – pelo que concluiu no sentido da total improcedência da acção e consequente absolvição da R. do pedido. Na sequência da normal tramitação processual, foi realizado o julgamento, após o qual foi lavrada sentença em que se decidiu julgar procedente a acção, declarando que a morte do marido da A. constituiu risco coberto pela apólice que titula o contrato de seguro em causa (segmento sob a al. a) do dispositivo da sentença) e condenando a R. «(…)» a pagar à «Caixa Geral de Depósitos» o valor em dívida à data da morte do segurado, relativamente ao contrato de empréstimo celebrado entre A. e marido e a «Caixa» (segmento sob a al. b) do dispositivo da sentença), e à A. as quantias a esta cobradas, em relação ao empréstimo e ao seguro, desde a data da morte do segurado e até à suspensão dessas cobranças (segmento sob a al. c) do dispositivo da sentença). Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: da matéria de facto provada resultou ter a R. celebrado com o falecido marido da A. contrato de seguro de vida, associado a um contrato de mútuo celebrado por este último com entidade terceira para aquisição de habitação, segundo o qual, em caso de morte do segurado, seria beneficiária a entidade mutuante pelo valor em dívida à data do sinistro; de acordo com cláusula daquele contrato de seguro, estaria excluída a cobertura do seguro quanto a «acções ou omissões praticadas pela pessoa segura (…) quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro»; tendo em conta que se provou que o segurado apresentava, no momento da morte, uma taxa de alcoolemia de 1,92 g/l, há que interpretar essa cláusula, de forma a saber se basta ser essa TAS (taxa de álcool no sangue) superior a 0,5 g/l para o sinistro não estar coberto, como sustenta a R., ou se ainda é necessário que se prove que essa situação de excesso de álcool foi causal em relação à morte; é de entender que a R. ainda tem o ónus de provar que foi a existência de álcool no sangue que determinou a morte; discussão semelhante existe em matéria de acidentes de viação, quanto ao direito de regresso das seguradoras em caso de condução sob o efeito do álcool, mas essa situação não é assimilável à dos presentes autos, por ali haver a prática de uma acção em desconformidade com o ordenamento jurídico (condução sob o efeito do álcool, que pode ser contra-ordenação ou crime, consoante a TAS apresentada), enquanto no caso presente a acção do sinistrado não era ilícita (entrar na água depois de ingerir álcool); tem, pois, de se aferir a existência de uma relação efectiva e directa entre a ingestão do álcool, em quantidade determinante de uma TAS superior a 0,5 g/l, e o evento que deu origem à morte do sinistrado; no caso concreto, não se provou que a morte do marido da A. se deveu a suicídio ou à ingestão de álcool (factos não provados sob os nos 1 e 2) e constata-se que a entrada na água do sinistrado, para nadar ou se refrescar, não era, em condições normais, susceptível de provocar a morte, pelo que não ocorre o circunstancialismo excludente da responsabilidade da R., relativamente à morte do marido da A.; uma interpretação da cláusula contratual que se bastasse com a mera prova da existência de álcool no sangue (em quantidade superior a 0,5 g/l) para excluir a responsabilidade da seguradora seria desajustada à normalidade da vida, já que levaria a tal exclusão em qualquer circunstância, por mais inócua que fosse a actividade que o segurado estivesse a praticar no momento da morte; não se aplicando a cláusula de exclusão, deve funcionar o benefício a favor da «Caixa», pelo valor da dívida à data do sinistro (que se apurou ser de 44.567,40 €, conforme facto provado nº 10); de igual modo, e porque a R. não reconheceu a sua responsabilidade e continuou a cobrar à A. prémios e capital de seguro, devem ser restituídas à A. as quantias indevidamente cobradas. Inconformada com tal decisão, dela apelou a R., formulando as seguintes conclusões: «1ª – O que, em bom rigor, se discute nestes autos é a interpretação da cláusula contratual que exclui da cobertura da apólice, as mortes que ocorram na prática de um acto voluntário, apresentando a pessoa segura, então uma taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/l. 2ª – Sendo certo que tal interpretação não pode ser decalcada da que possa ser efectuada no âmbito da responsabilidade civil, mais especificadamente da responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação. 3ª – Nomeadamente, tendo como referência a veneranda jurisprudência que foi construída com base na interpretação da al. c) do artº 19º do já revogado DL 522/85. 4ª – E se quisermos recorrer à jurisprudência proferida quanto a esta matéria, o que se deverá ter em consideração é a nova jurisprudência resultante da entrada em vigor do Decreto-Lei 291/2007, que na al. c) do seu artº 27º atribui às seguradoras um direito de regresso sobre os condutores alcoolizados, que provoquem danos a terceiros. 5ª – A qual entende que, a eliminação da expressão “sob influência” pôs em causa a exigência do estabelecimento do “nexo causal” entre o álcool e o dano, como se defendia quanto ao disposto no referido artº 19º. 6ª – E dúvidas não existem que o legislador ao eliminar tal expressão o fez com perfeito conhecimento da jurisprudência praticada no âmbito da aplicação do anterior diploma e com inequívoca intenção de pôr fim à exigência interpretativa do referido “nexo causal”. 7ª – Ora, se é o próprio legislador que numa norma da sua autoria estabelece que as seguradoras para exercerem o direito de regresso sobre os condutores alcoolizados só têm que provar a culpa dos mesmos e a respetiva alcoolemia, por maioria de razão a cláusula contratual em causa nestes autos não pode ser considerada abusiva. 8ª – Sendo certo que na referida cláusula não se exige o estabelecimento de qualquer nexo causal entre o sinistro e o álcool, contrariamente ao doutamente defendido pela meritíssima juíza da primeira instância. 9ª – Assim sendo, e por se encontrarem verificados, quer a existência de um acto voluntário, quer o grau de alcoolemia (cerca de quatro vezes) superior ao patamar máximo da taxa contratualmente permitida, a morte da pessoa segura encontra-se inequivocamente excluída das coberturas contratadas. 10ª – A aceitar-se, porém, a necessidade de se ajuizar da existência de um eventual nexo causal entre o álcool e o decesso da pessoa segura, então deveria ser a própria autora a provar que o evento sempre teria ocorrido no caso de o seu defunto marido ter entrado na albufeira sem se encontrar alcoolizado. 11ª – O que nem sequer foi alegado. 12ª – Pelo que a ora recorrente deve absolvida do pedido formulado pela autora. Sem conceder, 13ª – Se assim não se entender, então este Venerando Tribunal não deixará de ter em consideração que a R. foi condenada a pagar duas vezes o mesmo “capital”. 14ª – Com efeito, ao ser condenada a pagar o capital em dívida ao banco à data do decesso do defunto marido da autora, bem como o capital incluído nas prestações, por esta, pagas ao banco depois de tal ocorrência, a mesma beneficiará, a verificarem-se tais pagamentos, indevidamente de um saldo credor, correspondente ao total dos “capitais” pagos após o sinistro. 15ª – Consequentemente, no caso de se entender que a R. terá que pagar à CGD o capital em dívida à data do decesso, então, em bom rigor a autora terá apenas direito a receber os juros e os prémios do seguro que suportou após a referida data. 16ª – No caso, porém, de este Venerando Tribunal entender que a autora tem direito a receber o montante total das prestações que a mesma pagou após o decesso, então o montante a pagar ao banco terá que ser, necessariamente, o que ficou em dívida desde a data da referida suspensão dos pagamentos.»
* II – FUNDAMENTAÇÃO: A) DE FACTO: O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir: «1. (…) e a Autora, (…), sua mulher, compraram em 22 de Julho de 2006, para sua habitação, a fração autónoma com a letra L, correspondente ao 1º andar-C do prédio urbano em propriedade horizontal, Bloco 5, no topo do Bairro da (…), em Castelo de Vide, pelo preço de € 75.000,00. 2. Para pagamento do preço contraíram junto da Caixa Geral de Depósitos um empréstimo do montante de € 55.000,00. 3. Esse empréstimo ficou a ser processado na Caixa Geral de Depósitos como processo de empréstimo nº (…). 4. Entre aquela instituição de crédito e a Ré Seguradora estava então em vigor um contrato de seguro do Ramo 11 Vida Grupo, titulado pela apólice nº (…), sujeito à disciplina de condições gerais e particulares. Com esse contrato se pretendia cobrir o risco de morte ou invalidez de quem contratasse empréstimos com a Caixa Geral, com a consequência de a Ré assumir o pagamento do valor que estivesse em dívida à data do sinistro. 5. Ao contrair o empréstimo o (…) aderiu ao contrato de seguro sob o nº (…) e a Autora (…) sob o nº (…), ambos passando a pessoas seguras. 6. O contrato de seguro passou a valer para o (…), a partir de 22-6-2006, e para a Autora, a partir de 29-6-2006. 7. O risco seguro, com relação ao … (e também a Autora) era de morte por doença ou acidente, até aos 80 anos, e invalidez absoluta e definitiva para doença ou acidente, até aos 70 anos. 8. A beneficiária do seguro é a entidade mutuante. 9. O capital garantido do empréstimo concedido ao (…) foi de início de € 55.000,00; e seria, à data do sinistro, o que estivesse em dívida no início do respetivo ano. 10. Em 01 de Janeiro de 2012 o capital de seguro era de € 44.567,40. 11. O segurado (…) nasceu em 22-9-52 e faleceu em 2 de Setembro de 2012. 12. Foi encontrado, sem vida, na água da albufeira da Barragem da Póvoa, concelho de Castelo de Vide. 13. Da certidão de óbito o médico fez constar que faleceu de “asfixia por afogamento”. 14. No relatório da autópsia, escreveu-se: - que a morte ocorreu por afogamento em água doce; - que se admite que terá ocorrido suicídio; - que a vítima acusava, à data da morte, uma taxa de alcoolemia de 1,92 g/l. 15. A Autora participou o acidente após a sua ocorrência; mas a seguradora declinou a responsabilidade. 16. Invocou para tanto o artigo 2º, ponto 5-1-b), das condições gerais que diz: “Estão sempre excluídas de todas as coberturas do seguro as seguintes situações: b) Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora da prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 g por litro.” 17. O segurado, antes de entrar na água, despiu as calças, descalçou os sapatos e entrou em tronco nu. 18. (…) estava casado com a Autora e faleceu sem testamento, no estado de casado com ela. Ela sucedeu-lhe, por isso, como herdeira. 19. A partir da data da morte de (…), a Ré, porque recusou assumir o risco, levou a que a Caixa Geral de Depósitos tenha continuado a exigir da Autora o pagamento das prestações relativas ao empréstimo. 20. A Ré continuou a exigir os prémios de seguro.»
* III – DECISÃO: Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas pela apelante (artº 527º do NCPC). Évora, 09 / Julho / 2015 Mário António Mendes Serrano Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto) Mário João Canelas Brás (dispensei o visto) |