Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
100/10.9PAABT.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: ARREPENDIMENTO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Data do Acordão: 11/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A mera declaração, por parte do arguido, na audiência, de que está arrependido, desacompanhada de qualquer abonação, não consente, a se, a inscrição da correspondente materialidade no rol de factos provados, não incorrendo em omissão de pronúncia (e não padecendo da consequente nulidade) o acórdão que deixa de reportar o assim declarado no elenco dos factos apreciados.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I


1 – Nos autos de processo comum em referência, precedendo audiência, nos termos prevenidos no artigo 472.º, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido, ESC, foi condenado, por acórdão de 17 de Dezembro de 2014, em cúmulo das penas impostas no presente processo e nos processos 22/10.3GAABT e 250/10.1JALRA, na pena única de 23 anos de prisão.

2 – O arguido interpôs recurso daquele acórdão.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«51 - O arguido vem por este meio manifestar a sua discordância pela determinação na pena única de 23 anos, em cúmulo jurídico, pelo tribunal a quo.

52 - Em primeiro lugar, e conforme exaustivamente plasmado no presente recurso, o tribunal a quo não considerou atribuição da pena única em função dos critérios que norteiam a sua determinação, pelas regras de experiência do cúmulo jurídico.

53 - Em primeiro lugar, tendo em conta o grau de culpa do arguido na sequência dos factos por si praticados (n.º 1 dos art.ºs 77.º e 78.º, ambos do C.P.) - art.ºs 4.º a 13.º, e art.º 49.º do presente recurso.

54 - Consequentemente, salvo respeito por opinião diferente, não fez uma avaliação coerente da sua personalidade, face ao mencionado nos art.ºs 14.º a 38.º na presente motivação.

55 - Em qualquer caso, verifica-se uma omissão da Sentença do Cúmulo Jurídico, que determina a sua nulidade que agora se alega - nos termos da exposição dos art.º 20.º a 29.º.

56 - O arrependimento demonstrado pelo arguido na audiência que teve lugar no tribunal a quo, no dia 03-12-2014, deveria ter sido em conta para efeitos de atenuação especial da pena (al. c) do n.º 2 do art.º 72.º do C.P.) - conforme fundamentação explanada nos art.ºs 29.º a 30.º e 49.º.

57 - A Sentença é omissa quanto à aplicação de qualquer critério objetivo doutrinal e da jurisprudência, na determinação da pena única.

58 - Determinou 23 anos de pena única, de forma aleatória, segundo a convicção sobre a prova carreada nos autos, não tendo em conta critérios objetivos disponibilizados pela doutrina e jurisprudência - conforme art.ºs 41.º a 50.º do recurso.

59 - O arguido tinha 18 anos à data da prática dos factos, tendo hoje 23 anos.

60 - Tendo em linha de conta o princípio que orienta qualquer execução de pena, a sua execução de pena única do arguido deve orientar-se no sentido da sua reintegração social, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, consideramos que uma pena única de 20 anos realiza de forme adequada e suficiente as finalidades da punição.»

3 – O recurso foi admitido, por despacho de 28 de Janeiro de 2015, vindo a ser recebido neste Tribunal a 17 de Abril de 2015.

4 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso.

Defende a confirmação do julgado.

Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1. Interpôs o arguido ESC recurso do douto acórdão prolatado a fls. 1047-1065 dos autos supra epigrafados, que o condenou, «em cúmulo jurídico das penas impostas nos presentes autos e nos processos 22/10.3GAABT e 250/10.1JALRA, na pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão»;

2. Pugna o ora recorrente, no essencial, pela revogação e consequente substituição daquele douto acórdão, cuja nulidade, por omissão de pronúncia, também veio arguir, por outro que o condene em pena única inferior, a saber, de 20 (vinte) anos de prisão;

3. Estará aqui em causa, no que ora mais interessa relativamente ao douto acórdão recorrido, aquilatar da eventual nulidade deste, por omissão, bem como do acerto e justeza da pena única aplicada, designadamente, da sua correspondência, ou não, à medida da culpa do arguido ESC;

4. Relativamente à pretensa nulidade da sentença (do acórdão) por omissão de pronúncia, cumpre começar por referir que dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal que “É nula a sentença (…) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”;

5. Sustenta o recorrente que o acórdão proferido é nulo, por omissão de pronúncia, dado não ter tecido «sequer uma ténue referência ao arrependimento pelos crimes que cometeu, demonstrada na audiência do n.º 1 do art.º 472.º do C.P.P.»;

6. Em primeiro lugar, cumpre referir, relativamente ao facto de o recorrente ter dito que se encontrava arrependido, que temos para nós que o arrependimento, implicando, sem dúvida, uma mudança de rumo na vida, pressupõe que o arrependido perceba e se sensibilize com as consequências reais que os seus actos causaram nos ofendidos, tendo, pois, que traduzir, mesmo, uma certa solidariedade com o sofrimento dessas vítimas;

7. Note-se que o invocado art.º 72.º, n.º 2, al. c), do Código Penal exige, para que possa ter lugar a peticionada atenuação especial da pena, “Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados”;

8. Revelará tal alegação de arrependimento, quando muito, no contexto dos factos julgados provados, e especialmente no significado social, o receio de vir a ser punido pelos seus actos, pelo que, não se tendo provado que o recorrente tenha, sequer, procurado se desculpar perante os ofendidos ou tentado ressarcir estes, patrimonial ou moralmente, a relevância daquela será mínima;

9. Ora, refere-se, desde logo, no douto acórdão recorrido, reportando-se tal à avaliação que o aqui recorrente fará relativamente ao desvalor dos factos que cometeu, que aquele «revela ainda reduzida interiorização das regras e valores sociais, desculpabilizando-se com as “normas” da sua etnia e associando no geral os seus comportamentos desajustados à sua juventude, a um contexto de ingestão de álcool e ainda aos grupos que acompanhava, não mostrando consciência crítica face às consequências das suas condutas, quer para si quer para os outros, nem revelando intimidação ou sentido crítico face à sua própria institucionalização», mais se aludindo, depois, à «sua acentuada incapacidade de autocrítica, de ajuizar o desvalor dos seus comportamentos e as suas consequências e de manter uma conduta normativa»;

10. Sempre se diga ainda, de todo o modo, que semelhante atenuação especial da pena poderá, em abstracto, relevar, sim, no que tange às próprias penas parcelares – em tal sentido, e como bem defende o Conselheiro Carmona da Mota (posição essa acessível em “Colóquios”, “Colóquios Realizados pelo STJ”, “Colóquio Direito Penal e Processo Penal”, na página do S.T.J., http://www.stj.pt/): «(…) a pena conjunta, no quadro das penas singulares, é uma pena pré-definida pelo jogo de forças das próprias penas singulares, que, esgotantemente, representam (numericamente) todos os factores legalmente atendíveis. Se as penas singulares esgotaram (ou deviam ter esgotado) todos os factores legalmente atendíveis, sobrará para a pena conjunta, simplesmente, a reordenação cronológica dos factos (julgados, nos processos singulares, fora da sua sequência histórica) e a actualizacão da história pessoal do agente dos crimes. Esse, para mim, o entendimento (residual) que deve ser dado - por força da proibição da «dupla valoração» - ao «conjunto dos factos» e à «personalidade» a que alude o art.º 77.º 1 do C.P.»;

11. Face a todo o exposto, não se vê, pois, de modo algum, que tenha o tribunal deixado de conhecer de qualquer facto de que tenha tido conhecimento, quanto mais de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, não se tendo verificado, consequentemente, a nulidade ora arguida;

12. No que tange ao acerto e justeza da pena única aplicada ao arguido ESC, refira-se, desde já, que o art.º 77.º, n.º 2, do Código Penal dispõe que «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes»;

13. Atentos os critérios previstos no art.º 77.º, n.º 1, do Código Penal, importa considerar, em conjunto, a gravidade de todos os factos praticados pelo arguido, bem como a personalidade que este reflecte e as respetivas condições pessoais apuradas;

14. Na «(...) avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» – Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, págs. 291-292;

15. Sendo fundamental, ao efectuar o cúmulo jurídico, atender ao conjunto dos factos e à personalidade do agente, como se dispõe na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 77.º do Código Penal, como a pena se traduz, afinal e a final, numa expressão aritmética, num número, é aconselhável o auxílio de regras também aritméticas para, com mais rigor, encontrarmos a pena concreta;

16. «O critério proposto não é, propriamente, um “critério matemático” mas um critério jurídico, que, na sua operacionalidade, recorre ao auxílio da ciência matemática» – Manuel Simas Santos, As penas no caso do concurso de crimes, Temas de Direito Penal e Processual Penal, C.E.J., Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010;

17. Assim, afigura-se-nos como critério razoável e abrangente aquele que atenda a uma ponderação, em conjunto, da personalidade e dos factos apurados/praticados pelo agente em conjugação com um critério aritmético, apenas auxiliar na concretização, mais rigorosa, em termos quantificativos/quantitativos, da medida concreta da pena, a qual, necessariamente, terá que se traduzir numa expressão aritmética;

18. Poder-se-á adoptar o seguinte critério: «Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos: tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em casos excepcionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso; tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço (ou, em casos excepcionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso» – vide Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Dez. 2008, pág. 244, em anotação ao art.º 77.º, nota 3;

19. Como já ficou referido, deflui do art.º 77.º, n.º 2, do Código Penal que a pena parcelar mais elevada em concurso constitui o limite mínimo da moldura do concurso e o limite máximo desta moldura resulta da soma de todas as penas parcelares em concurso, mas sempre sem exceder os vinte e cinco anos, quando em causa estão penas de prisão;

20. Sustenta, defensavelmente, certa jurisprudência do S.T.J. que o limite máximo da moldura penal do concurso é o somatório efectivo de todas as penas, ainda que ultrapasse aquele limite de 25 anos – veja-se, nesse sentido, o Acórdão do S.T.J. de 14.01.2009, Proc. n.º 3586/08, da 5.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Simas Santos;

21. Entende o mesmo Colendo Conselheiro que, «Como resulta da lei, mas é por vezes ignorado nas decisões que sobem em recurso, o limite máximo da moldura penal abstracta não é o limite máximo absoluto da pena concreta, 25 anos, mas a soma material das penas aplicadas aos crimes em concurso, aplicando-se aquele limite (absoluto) só à pena a estabelecer: será reduzida a 25 anos, se reputada adequada pena superior» – conforme conferências proferidas no C.E.J. em 3 de Fevereiro de 2010 e 6 de Maio de 2010, no âmbito do Curso de Especialização (formação contínua), Temas de Direito Penal e Processo Penal;

22. Temos, assim, que a pena única encontrada afigura-se-nos adequada, de acordo com os factos apurados e a personalidade

do arguido ESC, devendo, mesmo, de resto, ser realçado que semelhante pena “conjunta” foi, atentas aquelas penas parcelares, correcta e justamente determinada, não destoando, até, dos critérios propostos pela jurisprudência e pela doutrina, auxiliares do rigor e da segurança jurídica, bem assim na procura da igualdade ou uniformidade que deve nortear a determinação das penas, em face da especificidade de cada caso, ante o que se conclui, no presente caso, pela razoabilidade/justeza daquela decisão, de cominação da supra referida pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão.»

5 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, louvada na resposta, é de parecer que o recurso não merece provimento.

6 – Atento o teor das conclusões da motivação, o objecto do recurso reporta a saber se o acórdão revidendo padece de nulidade por omissão de pronúncia e do vício de erro notório na apreciação da prova e, de par, se os Mm.os Juízes do Tribunal a quo incorreram em erro de julgamento, no ponto em que concretizaram a pena única em medida excessiva, para além da pena de 20 anos de prisão que o recorrente tem por adequada, sem consideração pelo arrependimento demonstrado pelo arguido.


II

7 – O acórdão revidendo, na parcela que aqui importa, é do seguinte teor:

«- Fundamentação:

- Factos provados:

Impõe-se atender aos seguintes factos, com relevo para a decisão a proferir, que se dão por assentes:

1). Ao arguido ESC foram impostas as seguintes condenações:

1.1). Processo comum singular nº100/10.9PAABT, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes (presentes autos).

Data da condenação: 6/11/2013, decisão transitada em julgado em 20/12/2013.

Pena aplicada: 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, previsto e punido pelos arts.143º, nº1 e 145º, nº1, al.a), com referência ao art.132º, nº2, al.h), todos do C.Penal.

Estado da pena: Por cumprir.

Períodos de detenção ou medidas de coação aplicadas, passíveis de desconto nos termos do art.80º, nº1 do C.Penal: Inexistem.

Data da prática dos factos: 10/03/2010.

Factos praticados:

1.1.1). No dia 10 de março de 2010, cerca da 1 hora da manhã, o arguido ESC, acompanhado de pelo menos mais três outros indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, dirigiram-se ao estabelecimento de restauração e bebidas, conhecido como “TTB”, sito na Rua de SSS, em SSS, Abrantes;

1.1.2). Devido a divergências entre o arguido e os companheiros e o proprietário e os funcionários do sobredito estabelecimento, foram aqueles impedidos de entrar naquele local pelo ofendido FM, que se encontrava a prestar serviço à entrada do “TTB”;

1.1.3). A partir deste momento, o arguido e os seus três companheiros, em comunhão de esforços e intenções, tomaram então a resolução de regressar ao referido bar para agredir fisicamente o ofendido FM, bem como todas as pessoas que ali se encontrassem e se interpusessem no seu caminho e propósito;

1.1.4). Na execução desse desígnio, cerca de vinte minutos depois, o arguido e os três companheiros regressaram novamente ao “TTB” e aí chegados dirigiram-se a correr para a entrada do estabelecimento, encontrando-se o arguido ESC munido de uma barra de ferro com cerca de 30/40 centímetros de comprimento e 3/5 centímetros de diâmetro, enquanto um dos que o seguiam se encontrava munido de uma arma de fogo de características não apuradas;

1.1.5). O arguido ESC dirige-se então em direção ao ofendido FM e ato contínuo, fazendo uso da referida barra de ferro, desferiu-lhe uma pancada na cabeça, de tal modo que o fez cair ao solo semi-inconsciente e a sangrar da cabeça;

1.1.6). De seguida, o arguido ESC, aproveitando que o ofendido FM se encontrava caído no solo atordoado, desferiu-lhe ainda pontapés nas zonas do tórax e nas pernas;

1.1.7). Logo de seguida, e porque se aproximavam pessoas que ali se encontravam, o arguido ESC e os demais indivíduos que o acompanhavam e que não se logrou saber a sua identidade, não sem antes gritarem que se alguém testemunhasse contra eles os matariam, correram para um veículo que ali se encontrava e no qual se faziam transportar, entrando para o seu interior, colocando-se em fuga para parte incerta;

1.1.8). Devido a tais factos, o ofendido FM foi inicialmente encaminhado para o Hospital de Abrantes, onde recebeu tratamento hospitalar, enviado seguidamente para o Hospital São Francisco Xavier para verificação de eventual traumatismo craniano;

1.1.9). As agressões supra descritas foram causa direta e adequada a provocar no ofendido, ao nível do crânio, hematoma peri-orbitário esquerdo, derrame sub-conjuntival do olho esquerdo, edema da face direita, quatro feridas inciso contusas no couro cabeludo, na região parietal esquerda e na região occipital medindo 3, 1, 2 e 4 cm com fratura e necessidade de sutura, lesões essas que determinaram trinta dias para a consolidação médico-legal, dos quais 8 com afetação da capacidade para o trabalho;

1.1.10). O arguido, em comunhão de esforços e intenções com os seus companheiros, agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao agredir o ofendido lhe causava dores no seu corpo e saúde, resultado este que todos quiseram;

1.1.11). O arguido ESC sabia ainda que provocava lesões no corpo do ofendido, mais sabendo que as zonas corporais atingidas e a arma utilizada – uma barra de ferro - eram aptas a causar lesões em órgãos vitais, nomeadamente no crânio e no cérebro, e em resultado disso a provocar-lhe perigo para a vida, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis;

1.1.12). O arguido ESC sabia ainda que ao atuar em grupo anulava qualquer hipótese de defesa do ofendido, propósito que concretizou, não se abstendo de agir do modo descrito, o que quis;

1.1.13). O mesmo arguido bem sabia ainda que a sua conduta acima descrita era proibida e punida por lei penal;

1.1.14) À data destes factos o arguido tinha 18 anos de idade.

1.2). Processo comum singular nº 22/10.3GAABT, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes.

Data da condenação:22/01/2013, decisão transitada em julgado em 11/02/2013.

Penas aplicadas: 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo art.347º, nº1 do C.Penal; 3 (três) meses de prisão, pela prática de cada um de 3 (três) crimes de injúria agravada, previsto e punido pelos arts.181º, nº1 e 184º do C.Penal; 8 (oito) meses de prisão, pela prática de cada um de 3 (três) crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts.153º, nº1 e 155º, nº1, als.a) e c); na pena única de 3 (três) anos de prisão, em cúmulo jurídico das referidas 7 (sete) penas parcelares.

Estado da pena: Por cumprir.

Períodos de detenção ou medidas de coação aplicadas, passíveis de desconto nos termos do art.80º, nº1 do C.Penal: 1 (um) dia de detenção.

Data da prática dos factos: 29/06/2010.

Factos praticados:

1.2.1). No dia 29 de junho de 2010, cerca das 7h00, na Zona Industrial de Abrantes – Olho de Boi, o arguido ESC, que para ali se havia dirigido em fuga, após ter matado uma pessoa na área de serviço de Abrantes da autoestrada nº23, foi abordado pelos militares da Guarda Nacional Republicana de Abrantes com vista à sua identificação e detenção;

1.2.2). Em ato contínuo chegou também ao local ACC, pai do arguido, que para ali se havia deslocado com o propósito de auxiliar o mesmo;

1.2.3). De imediato, o arguido ESC, vendo que os elementos da autoridade policial se aproximavam, dirigiu-se ao Cabo MRM, ao Guarda AVR e ao Guarda GNF, proferindo as seguintes expressões: “Olha os filhos da puta, parecem bonecos, a vocês parto-vos ao meio”, “grandes chulos, têm a mania mas eu tiro-vos a mania”, “faço-vos a folha a vocês e à vossa família”;

1.2.4). Os ofendidos encontravam-se devidamente uniformizados, identificando-se como militares da Guarda Nacional Republicana e no exercício das suas funções;

1.2.5). Perante o comportamento do arguido, os agentes de autoridade deram-lhe voz de detenção;

1.2.6). Porém, o arguido ESC, que procurou furtar-se à detenção, reagiu de forma violenta, desferindo murros e pontapés nos militares GNF e MRM, em várias partes do corpo destes;

1.2.7). Em resultado do envolvimento físico com o arguido ESC, a fim de efetivarem a sua detenção, os militares GNF e MRM caíram ao solo juntamente com o arguido;

1.2.8). Por força das agressões levadas a cabo pelo arguido ESC, o Guarda GNF sofreu escoriações no antebraço direito e dores físicas;

1.2.9). Em consequência das agressões perpetradas pelo arguido ESC, o Cabo MRM sofreu escoriações múltiplas e dores físicas;

1.2.10). Assim agindo, sabia o arguido ESC que causava dores e lesões no corpo dos ofendidos, o que quis;

1.2.11). Depois de detido e algemado foi o arguido ESC conduzido ao Hospital de Abrantes pelos militares GNF e MRM, e, já no interior do veículo, este arguido voltou a proferir expressões intimidatórias dirigidas aos militares, dizendo-lhes: “tenho uma pistola, estou a ver a vossa cara e vou saber quem são vocês e mato-vos a todos”;

1.2.12). O arguido ESC sabia que os militares da Guarda Nacional Republicana supre identificados atuavam no exercício das suas funções, agindo com o propósito de ofender o bom nome, a honra e a consideração dos ofendidos supra identificados, por se tratarem de militares da Guarda Nacional Republicana e se encontrarem no exercício das suas funções, o que o arguido representou;

1.2.13). O arguido bem sabia que ao proferir as expressões supra referidas atentava contra a honra e consideração dos militares, o que quis e logrou conseguir;

1.2.14). Mais sabia o arguido que os ofendidos eram agentes da Guarda Nacional Republicana e se encontravam no exercício das respetivas funções, mais sabendo que contra os mesmos usava de violência física, o que quis e fez com o intuito de se opor a que os mesmos praticassem ato compreendido nas suas funções de agentes policiais;

1.2.15). De igual modo, o arguido ESC, ao dizer para os agentes de autoridade supra identificados que os matava, conjugado com as circunstâncias descritas, sabia que a sua conduta era apta a causar medo e inquietação nos ofendidos e a prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis, não se abstendo de agir do modo descrito;

1.2.16). O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;

1.2.17). À data destes factos o arguido tinha 18 anos de idade.

1.3). Processo comum coletivo nº 250/10.1JALRA, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes.

Data da condenação: 12/04/2011, decisão transitada em julgado em 25/02/2013.

Penas aplicadas: 18 (dezoito) anos meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos arts.131º e 132º, nº1 e nº2, al.e) do C.Penal; 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos arts.2º, nº1, al.m), 3º, nº2, al.f), 4º e 86º, nº1, al.d) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei nº5/2006, de 23/02); 7 (sete) meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.3º, nºs.1 e 2 do DL nº2/98, de 3/01; 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art.145º, nº1, al.a), com referência ao art.132º, nº2, als.e) e h) do C.Penal; na pena única de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo jurídico das referidas 4 (quatro) penas parcelares.

Estado da pena: Em cumprimento.

Períodos de detenção ou medidas de coação aplicadas, passíveis de desconto nos termos do art.80º, nº1 do C.Penal: 2 (dois) dias de detenção e prisão preventiva de 1/07/2010 a 25/02/2013, períodos já computados na liquidação de pena feita no mesmo processo.

Data da prática dos factos: 29/06/2010.

Factos praticados:

1.3.1). Nas primeiras horas do dia 29 de junho de 2010, o arguido ESC e os coarguidos UMM e DDD estiveram juntos num bar, onde ingeriram uma quantidade não concretamente apurada de bebidas alcoólicas, particularmente cerveja;

1.3.2). Após saírem do bar, dirigiram-se à área de serviço da A23, no sentido de trânsito Abrantes-Castelo Branco, em Abrantes, onde chegaram pelas 6h00 da manhã;

1.3.3). Fizeram-se transportar num veículo automóvel ligeiro de marca “Volkswagen”, modelo “Transporter”, de matrícula (…), que o pai do arguido ESC havia adquirido, mas cujo direito de propriedade ainda se encontrava registado em nome de SSM;

1.3.4). Tal veículo foi conduzido até à área de serviço, como antes já havia sido conduzido até junto do bar, pelo arguido ESC, o qual não era portador de licença de condução ou de qualquer outra habilitação para conduzir aquele tipo de veículo a motor ou outro;

1.3.5). O arguido ESC motivou-se inicialmente a conduzir o veículo automóvel para ir ingerir bebidas alcoólicas com os amigos a um bar;

1.3.6). NMF encontrava-se também na mencionada área de serviço da A23, tendo-se dirigido ao estabelecimento de restauração ali existente denominado “Tasca”;

1.3.7). O arguido e UMM e DDD dirigiram-se também ao referido estabelecimento de restauração, onde já se encontrava NMF ao balcão, a beber um café;

1.3.8). Após terem pedido alimentos e cerveja, o arguido, UMM e DDD foram para junto de uma mesa, onde se mantiveram de pé, tendo DDD se ausentado do interior do referido estabelecimento;

1.3.9). A dada altura, porque NMF olhou na direção da mesa onde o arguido ESC e UMM se encontravam, o arguido ESC dirigiu-se àquele e desferiu-lhe um murro na cabeça e duas bofetadas na cara, até que UMM foi junto de si e o convenceu a voltar para a mesa, tendo ficado a conversar com o NMF;

1.3.10). Alguns segundos depois, o arguido ESC dirigiu-se novamente junto de NMF e voltou a desferir-lhe diversos socos na cara, agressões de que este apenas se tentou defender, recuando, nunca esboçando qualquer tentativa para agredir o arguido;

1.3.11). Nesse momento, UMM começou também a socar NMF, que apenas recuou, tentando afastar-se de ambos, para evitar continuar a ser agredido;

1.3.12). Cerca de 14 segundos depois, o NMF Dirigiu-se para a porta de saída do estabelecimento, mas foi perseguido pelo ESC, que lhe desferiu por detrás um murro na nuca, encurralando-o junto da porta da saída, onde lhe continuou a desferir diversos socos no corpo;

1.3.13). De seguida, UMM aproximou-se depois de NMF, e, em conjunto com o arguido ESC, desferiram diversos murros e empurrões sobre aquele NMF, que os tentou afastar, para conseguir sair das instalações;

1.3.14). Já no exterior do estabelecimento e na esplanada do mesmo, onde se encontrava também DDD, este, o arguido e UMM desferiram diversos murros sobre o corpo do NMF;

1.3.15). Após breves segundos, NMF conseguiu libertar-se dos três e dirigiu-se ao camião que conduzia e que se encontrava estacionado nas traseiras da bomba de combustível daquela área de serviço, tendo o arguido, DDD e UMM regressado ao interior do estabelecimento de restauração;

1.3.16). Já no seu interior, pelas janelas e portas em vidro existentes no mesmo, DDD observou as movimentações de NMF no exterior da área de serviço;

1.3.17). Este estava entretanto a percorrer a área de serviço em busca de um seu fio em metal branco, que havia perdido, fio que veio a ser encontrado mais tarde pela Polícia Judiciária nas traseiras do estabelecimento de restauração;

1.3.18). Entretanto, DDD, que se encontrava à porta do estabelecimento de restauração, chamou o arguido e UMM, tendo os três se dirigido para junto da viatura em que se tinham feito transportar;

1.3.19). Então, o arguido remexeu no interior da mencionada viatura;

1.3.20). Pelo menos a partir desse momento, o arguido ESC passou a deter e a transportar consigo, no local e de modo não concretamente apurado, uma faca de mato, com o cabo em plástico rijo e guarda-mão em metal, de cor preta, com o comprimento de cabo de 9,7 cm e com uma lâmina pontiaguda e com serrilha na parte superior com o comprimento de 12 cm, com inscrição na lâmina “Alce – Made in Spain”;

1.3.21). Cerca das 6h12, o arguido, DDD e UMM começaram a correr na direção do NMF, novamente no propósito de o agredirem;

1.3.22). O arguido ESC pegou numa cadeira que se encontrava na esplanada do estabelecimento e levou-a até junto do local onde se encontrava o NMF, tendo-a arremessado na direção deste;

1.3.23). A cadeira ficou imobilizada a cerca de 40 metros do local onde se encontrava colocada na esplanada;

1.3.24). Entretanto, o NMF continuava a afastar-se na direção contrária de onde os três vinham, para fugir à agressão;

1.3.25). O arguido ESC logrou alcançar o NMF para lá da zona das bombas de abastecimento de combustível, a cerca de 50 metros do local onde ficara caída a cadeira que havia arremessado;

1.3.26). Pelo menos, quando o arguido ESC se encontrava a seis passos de distância do NMF, aquele passou a empunhar a mencionada faca de mato;

1.3.27). Também pelo menos a partir do momento em que passou a empunhar a faca de mato, o arguido ESC formulou o propósito de tirar a vida ao NMF;

1.3.28). O NMF continuou sempre a recuar e a tentar afastar-se do local de onde vinham os arguidos;

1.3.29). Nesse momento e local, enquanto o NMF continuava a recuar, o arguido ESC, empunhando a descrita faca e no firme propósito de tirar a vida àquele, desferiu um único e violento golpe dirigido à região frontal do peito, zona mamária e costal esquerda;

1.3.30). O NMF foi atingido nessa zona do corpo;

1.3.31). No momento em que o arguido ESC desferiu esse golpe, o arguido UMM encontrava-se a correr para o local onde se encontrava o NMF, onde chegou alguns segundos depois;

1.3.32). Por seu lado, o arguido DDD estava ainda mais recuado e encontrava-se a dirigir para esse local, junto da zona das bombas de abastecimento;

1.3.33). Quando o arguido UMM chegou junto do NMF este estava a cambalear, em resultado do ferimento sofrido;

1.3.34). Cerca de dez segundos após ter desferido o golpe sobre NMF, o arguido ESC, vendo-o gravemente ferido e a cambalear, arremessou a faca na direção da zona relvada, onde veio a partir a respetiva lâmina;

1.3.35). Cerca de vinte segundos após ter sofrido o golpe, o NMF caiu inanimado na rampa de acesso às bombas de abastecimento de combustível;

1.3.36). Então, todos os arguidos sabendo que o NMF havia sido golpeado com a faca e que tinha caído no solo inanimado, afastaram-se do local, dirigindo-se os arguidos ESC e DDD para a viatura, enquanto o arguido UMM voltou ao interior do estabelecimento para acabar de beber a cerveja e recolher os sacos com as sandes que encomendara;

1.3.37). Depois, o arguido UMM saiu do estabelecimento, sem sequer pagar a despesa que os arguidos realizaram, e dirigiu-se para a viatura, para onde entrou;

1.3.38). Pelas 6h13, os arguidos abandonaram a área de serviço, tendo reduzido a velocidade do veículo junto do local onde se encontrava caído o NMF, para melhor o observarem, e depois seguiram viagem pela autoestrada;

1.3.39). Novamente, o arguido ESC conduziu o mencionado veículo automóvel;

1.3.40). O veículo dirigiu-se para a cidade de Abrantes, onde largou o arguido DDD;

1.3.41). Ainda ao início dessa manhã, a viatura tripulada pelo arguido ESC foi avistada por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, que já a tinha referenciado como envolvida nos factos ocorridos na área de serviço A23;

1.3.42). Os militares da G.N.R abordaram então a viatura conduzida pelo ESC, acionando a sirene, acendendo as luzes azuis e fazendo-lhe sinal para parar;

1.3.43). O arguido ESC imprimiu então maior velocidade ao seu veículo para evitar ser intercetado pela patrulha da G.N.R., vindo a percorrer cerca de 3 a 4 quilómetros desde o local onde foi abordado por esse patrulha, sempre perseguido de perto por esta, até se despistar na localidade da Chainça, em Abrantes, e embater numa parede;

1.3.44). De imediato, o arguido ESC e o arguido UMM abandonaram em fuga tal veículo acidentado, tendo aquele ido para parte incerta e este se refugiado numa obra em construção nesse local, onde veio a ser capturado;

1.3.45). Cerca de 15 minutos depois, o arguido ESC voltou ao local onde estava o veículo acidentado, agora já acompanhado pelo seu pai;

1.3.46). Mesmo perante a presença dos militares da GNR, o arguido ESC tentou acionar o motor do veículo e retirá-lo do local, dizendo que as coisas ficavam assim e que os militares não tinham de fazer participação do sucedido nesse local;

1.3.47). O arguido ESC não logrou levar o veículo desse local, porque o motor não arrancou e porque foi logo impedido pelos militares da GNR;

1.3.48). Perante a atitude dos militares da GNR, disse que os matava e às suas famílias e acabou por ser dominado e algemado pelos militares, quando chegaram reforços policiais;

1.3.49). Em resultado das agressões físicas causadas pelos arguidos, o NMF apresentava duas escoriações na região temporal esquerda, a superior medindo 3 mm de diâmetro e a inferior medindo 7 mm de comprimento por 2 de largura;

1.3.50). Em resultado da facada desferida pelo arguido ESC, NMF sofreu uma ferida corto-perfurante, oblíqua para baixo e para fora, no hemitorax esquerdo, localizada a cinco centímetros abaixo do mamilo, medindo 3,5 cm de comprimento e 7 mm de largura, hemorragia aguda por laceração da parede anterior do ventrículo direito, com uma laceração com rotura do saco pericárdico, sendo que as lacerações foram feitas com um trajeto de frente para trás e da esquerda para a direita;

1.3.51). Em resultado direto e necessário da facada desferida pelo arguido ESC e dos descritos ferimentos, resultaram para NMF dores, e alguns instantes depois, a morte;

1.3.52). O arguido ESC motivou-se a agredir o NMF e depois a tirar-lhe a vida porque este olhou para ele fixamente durante alguns segundos no interior do estabelecimento, o que desagradou àquele, e porque depois continuou a percorrer a área de serviço (à procura do mencionado fio);

1.3.53). Os arguidos UMM e DDD motivaram-se a causar ferimentos no corpo do NMF porque o seu amigo ESC já tinha iniciado as agressões e entenderam que deviam ter o mesmo comportamento de grupo;

1.3.54). NMF não se dirigiu aos arguidos nem provocou ou instigou qualquer conflito com estes;

1.3.55). Os arguidos e o falecido NMF não se conheciam;

1.3.56). O arguido ESC não era titular de licença de uso e porte de arma, nem a faca estava manifestada como arma;

1.3.57). Todos os arguidos agiram em conjugação de esforços e de intentos, no propósito de causar ferimentos no corpo e na integridade física do NMF;

1.3.58). O arguido ESC, ao desferir o golpe com a faca sobre o NMF, agiu com o propósito de lhe tirar a vida;

1.3.59). O arguido ESC também sabia que ao desferir uma facada na direção da região frontal do peito, zona mamária e costal esquerda do NMF iria tirar a vida ao mesmo;

1.3.60). Sabia que a faca que usava era possuidora das características próprias desse tipo de instrumentos cortantes;

1.3.61). O arguido quis deter e usar a referida faca;

1.3.62). O arguido ESC quis conduzir o referido veículo, apesar de saber que não era possuidor da habilitação legalmente exigida para tal;

1.3.63). Em todas as descritas condutas, o arguido ESC agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, com os mencionados propósitos, e sabendo que a lei proíbe e pune tais comportamentos;

1.3.64). À data destes factos o arguido ESC tinha 18 anos de idade.

2). Além das condenações referidas supra, consta do CRC do arguido ainda a condenação em pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de pagamento aos ofendidos da quantia de € 4.400, pela prática, em agosto de 2008, de um crime de extorsão, previsto e punido pelo art.223º, nº1 do C.Penal, imposta no âmbito do Pº709/08.0PBBGC.

3). No que tange às condições sociais e pessoais do arguido, seu percurso de vida e postura perante os factos por si praticados, cabe considerar:

3.1). O processo de socialização do arguido foi marcado pelos valores e crenças da etnia cigana a que pertence, fazendo o arguido parte duma fratria de seis irmãos, todos rapazes, crescendo e desenvolvendo-se num contexto familiar problemático, afetivamente gratificante e solidário mas carenciado economicamente, com falta de supervisão dos progenitores, ligação destes mesmos e de familiares próximos ao sistema de justiça, circunstâncias que permitiram uma autorregulação precoce do quotidiano por parte do arguido, sendo os progenitores incapazes de se constituírem como figuras contentoras, ou transmissoras de valores e normas socialmente adequadas;

3.2). Com um percurso escolar marcado por algumas retenções, decorrentes de falta de motivação e elevado absentismo, o arguido abandonou a escolaridade aos 14 anos de idade, apenas tendo concluído o 3º ano, iniciando a sua vida laboral como vendedor ambulante de roupas;

3.3). Desde cedo foi fortalecendo a identificação com grupos de pares, com práticas noturnas de idas a bares e discotecas e rituais de consumo excessivo de álcool, associados a comportamentos pró-criminais;

3.4). À data da prática dos factos o arguido integrava o agregado familiar paterno, juntamente com o progenitor e dois irmãos mais novos, estando então o pai em liberdade condicional e a mãe e dois irmãos mais velhos em cumprimento de penas de prisão;

3.5). O agregado familiar mantém residência em Abrantes, num apartamento que é propriedade da Santa Casa da Misericórdia, com boas condições de habitabilidade, mas inserido num bairro social referenciado como problemático, onde residem outros elementos de família alargada;

3.6). O agregado familiar do arguido não é bem aceite socialmente, sendo os seus elementos referenciados como perturbadores, conflituoso e associados a práticas criminais;

3.7). A nível económico a manutenção do agregado familiar é assegurada pela prática da venda ambulante e pela ajuda da família alargada;

3.8). O arguido encontra-se atualmente detido no E.P. de Pinheiro da Cruz, para onde foi transferido a seu pedido e de familiares para ficar próximo dos seus dois irmãos que estão detidos no mesmo estabelecimento prisional;

3.9). No meio prisional tem mantido um comportamento adequado, sem sujeição a qualquer medida disciplinar, ocupando o tempo na prática de desporto, integra a banda musical do estabelecimento e, tendo já trabalhado no refeitório, aguarda recolocação laboral em razão da mudança da ala onde se encontrava anteriormente (segundo o próprio arguido, em razão de conflito envolvendo uma outra família de etnia cigana e indivíduos aí detidos de raça negra, mas a que o arguido e os seus familiares foram alheios);

3.10). Mantém o apoio familiar para futuro enquadramento quando restituído à liberdade, sendo visitado regularmente;

3.11). O arguido revela ainda reduzida interiorização das regras e valores sociais, desculpabilizando-se com as “normas” da sua etnia e associando no geral os seus comportamentos desajustados à sua juventude, a um contexto de ingestão de álcool e ainda aos grupos que acompanhava, não mostrando consciência crítica face às consequências das suas condutas, quer para si quer para os outros, nem revelando intimidação ou sentido crítico face à sua própria institucionalização;

3.12). De acordo com a avaliação feita pelos técnicos de reinserção social, apesar do arguido transmitir vontade de assumir um estilo de vida normativo e de dispor do apoio incondicional dos familiares, as vulnerabilidades que quer estes quer o arguido evidenciam constituem fatores de risco face a futura reincidência, défices que apontam para que o arguido necessite de aderir a eventuais medidas/programas visando a aquisição ou reforço das suas competências pessoais e sociais que possam ser fator de proteção para uma futura inserção social.

- Motivação:

O tribunal formou a sua convicção, na determinação dos factos assentes, pela valoração conjunta e crítica dos seguintes elementos probatórios:

quanto aos factos referidos em 1.1) a 1.1.14) teve-se em conta o teor da sentença condenatória proferida nestes autos, a fls.681 a 695, com trânsito em julgado confirmado a fls.722, atestando os factos pelos quais o arguido foi aqui condenado e a pena que lhe foi imposta;

relativamente aos factos referidos em 1.2) a 1.2.17) foram os mesmos extraídos da informação e certidão da sentença proferida no âmbito do Pº22/10.3GAABT, de fls.727 a 769, elementos de onde se retiraram os factos que fundaram a condenação sofrida pelo arguido, as penas aplicadas, bem como a indicação do período de detenção sofrido pelo arguido à ordem do mesmo processo;

quanto aos factos referidos em 1.3) a 1.3.64) fundamentaram-se estes na certidão constante de fls.788 a 971, contendo o acórdão condenatório proferido na primeira instância no Pº250/10.1JALRA, de cujo teor constam os factos indicados, integrando ainda tal certidão o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, que determinou a condenação do arguido também pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, mantendo as demais penas parcelares e agravando a pena única, bem como o Acórdão do supremo Tribunal de Justiça, que confirmou a decisão anterior, e, ainda, a liquidação de pena já efetuada no mesmo processo;

a condenação indicada em 2) teve por base a análise do CRC atualizado do arguido, de fls.1030 a 1034;

a factualidade referida 3.1) a 3.12) decorre do relatório social de fls.1038 a 1041, complementado com alguns esclarecimentos adicionais prestados pelo arguido em audiência.

- Do Direito:

Encontram-se as penas indicadas em 1.1) a 1.3) numa relação de concurso, porquanto todos os factos praticados pelo arguido nos processos em que tais penas foram impostas são anteriores ao trânsito em julgado da primeira de qualquer dessas decisões condenatórias consideradas, importando proceder ao respetivo cúmulo jurídico, nos termos do disposto no art.78º, nºs.1 e 2 do C.Penal, na redação da Lei nº59/2007, de 4/09, sendo os presentes autos os competentes, por serem aqueles em que foi proferida a última condenação.

Assim delimitado o âmbito do concurso de penas a realizar, nos termos do já citado art.78º, nº1 do C.Penal, por remissão para o disposto no art.77º, nº1 do C.Penal, na ponderação da pena unitária a fixar, deverão ser atendidos os factos praticados, no seu conjunto, vistos na sua globalidade, com as conexões que possam revelar, bem como a personalidade do agente.

A determinação dessa pena única, de acordo com o disposto no nº2 do mesmo art.77º, será feita, no caso concreto, dentro da moldura abstrata de 18 (dezoito) anos de prisão (pena parcelar mais elevada) a 25 (vinte e cinco anos) de prisão, limite penal intransponível, sendo de salientar que o limite que corresponderia ao somatório de todas as penas parcelares impostas ao arguido atingiria os 29 (vinte e nove) anos de prisão.

Considerados os factos subjacentes às condenações em causa, verificam-se que todos eles foram praticados dentro dum período temporal muito próximo – entre março e junho de 2010 –, tendo o arguido, então, 18 anos de idade.

Analisando o conjunto dos factos praticados nas condenações em concurso, que aqui se apreciam, verificamos que estão em causa, essencialmente, crimes cometidos contra as pessoas, em que transparece uma personalidade propensa à violência, praticada como forma de afirmação pessoal e tendo na sua génese uma motivação senão fútil, pelo menos acentuadamente censurável ou desvaliosa:

No caso dos presentes autos esteve em causa uma agressão desenvolvida em grupo que o arguido integrava, como retaliação ao facto de lhes ter sido vedada a entrada num bar, em que o arguido não apenas toma parte como lidera uma situação de agressão física dirigida contra um funcionário desse estabelecimento, agredindo-o de modo violento com uma barra de ferro na cabeça e desferindo-lhe ainda pontapés após a vítima estar caída no chão e a sangrar, pondo-se o grupo em fuga perante a intervenção de terceiros, não sem lhes dirigir frases intimidatórias;

No Pº250/10.1JALRA o arguido, mais uma vez num contexto de atuação em grupo, toma a iniciativa de agredir fisicamente, com murros, uma pessoa que lhe era estranha e que nada fez para suscitar qualquer tipo de reação adversa, senão o ter olhado para si e para os seus acompanhantes no interior dum estabelecimento de restauração onde todos se encontravam. E tal agressão gratuita, depois de interrompida, foi depois retomada por todos, com agressões físicas continuadas, de diversos tipos, designadamente empurrões e socos, e até o projetar, mais uma vez pelo arguido, de uma cadeira da esplanada, quando a vítima procurava fugir dos seus agressores. Esta agressão termina com o desferir pelo arguido de uma facada na vítima, com objeto e em zona do corpo que sabia apta a determinar a morte do visado, tendo, para o efeito, o arguido propositadamente se munido de uma faca de mato cuja detenção em si mesma era ilícita. A forte intensidade criminosa, a frieza de ânimo e a absoluta indiferença e desconsideração pelos bens e valores jurídicos postos em causa, resulta ainda bem patente na conduta subsequente de todos os intervenientes, tendo um deles regressando ao bar para terminar de beber a sua cerveja e trazer consigo as sanduiches que haviam encomendado, entrando todos no veículo conduzido pelo arguido e abandonando o local, não sem antes ainda abrandarem para observarem a vítima caída no chão. E se ao crime de condução sem habilitação legal também em concurso não está associado um tão grande desvalor objetivo, não pode, no caso concreto, deixar de ser ponderado o contexto em que o mesmo foi praticado, tendo o arguido conduzido sem habilitação legal para ir com os seus amigos para bares e para o local onde ocorreram os factos antes sublinhados, bem como para abandonar tal local e, pouco depois, para tentar se furtar à intervenção policial.

Por último, as ameaças e injúrias agravadas e o crime de resistência e coação sobre funcionário apreciados no Pº22/10.3GAABT são subsequentes aos factos analisados no Pº250/10.1JALRA e com os mesmos estão conectados, evidenciando, mais uma vez uma postura agressiva e temerária por parte do arguido.

Ou seja, considerados todos os factos em causa no seu conjunto, é muito elevado o grau de censurabilidade que lhe é inerente, surpreendendo uma intenção criminosa tão intensa e um nível de agressividade tão acentuado, uma tão absoluta falta de capacidade de empatia do arguido em relação às suas vítimas, que a mera imaturidade em razão da sua juventude e o envolvimento numa dinâmica de grupo não explicam, resultando antes a perceção duma personalidade efetivamente insensível aos valores jurídicos subjacentes aos normativos penais violados, indiferente ao sofrimento de terceiros e propensa à prática de atos violentos e sem qualquer tipo de justificação.

Para além da culpa de elevado grau, são, assim, também por demais evidentes as exigências de prevenção geral e especial a ponderar.

As primeiras decorrem da própria gravidade dos factos praticados e do contexto em que foram cometidos, determinantes de grande alarme e repúdio social, exigindo uma punição que traduza a reafirmação da validade das normas violadas.

Por seu turno, o percurso de vida do arguido, o grau de imaturidade, a personalidade desvaliosa que revelou com a sua atuação, a sua acentuada incapacidade de autocrítica, de ajuizar o desvalor dos seus comportamentos e as suas consequências e de manter uma conduta normativa são igualmente demostrativos das fortes exigências de prevenção especial, como já referido.

E se em prol do arguido é de registar um comportamento adequado em ambiente prisional, bem como o forte apoio familiar, regista-se igualmente que este apoio em si mesmo, se importante num plano afetivo, não é de molde algum garante do proporcionar dum ambiente de normatividade capaz de fomentar a pretendida reinserção social do arguido.

Pelo que, tudo ponderado, se afigura como adequada uma pena única de 23 (vinte e três) anos.

Por fim, importa salientar que sobre esta pena única assim determinada, nos termos previstos nos arts.80º e 81º do C.Penal, incidirão ainda os descontos integrais das penas englobadas já cumpridas, bem como de eventuais períodos de detenção ou de medidas de coação privativas da liberdade ainda não consideradas, descontos a efetuar em sede de liquidação desta pena.

- DECISÃO:

Por todo o exposto, o tribunal decide:

- Condenar o arguido ESC, em cúmulo jurídico das penas impostas nos presentes autos e nos processos 22/10.3GAABT e 250/10.1JALRA, na pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão.»

8 – Procurando ordenar a dissensão manifestada pelo arguido relativamente ao acórdão recorrido segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas, cabe examinar – como acima se deixou editado – as questões atinentes à arguida nulidade da decisão sindicada, aos vícios (designadamente ao invocado erro notório na apreciação da prova) alegadamente presentes na decisão revidenda, e ao erro de julgamento, no ponto em que os Mm.os Juízes do Tribunal a quo concretizaram a pena única em medida excessiva, para além da pena de 20 anos de prisão que o recorrente tem por adequada, sem consideração pelo arrependimento demonstrado pelo arguido.

9 – Defende o recorrente que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia quanto ao arrependimento declarado pelo arguido na audiência levada nos termos do § 1.º, supra, invocando, em abono, o disposto no artigo 660.º n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 4.º, do CPP, e no artigo 379.º n.os 1 alínea c) e 2, do CPP, alegando que (18) «na referida audiência, o arguido mostrou-se arrependido pelos crimes praticados» e que (19) «mais alegou que andava sempre bêbado com más companhias e que tinha tendência para beber muito», declarações que a decisão recorrida, fazendo «uma ténue referência aos esclarecimentos adicionais prestados pelo arguido em audiência», não tece «sequer uma ténue referência ao arrependimento [manifestado pelo arguido relativamente aos] pelos crimes que cometeu, demonstrado na audiência».

10 – Nos termos prevenidos no artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, a decisão é nula, designadamente, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

11 – Ora, sem qualquer desdouro para o esforço argumentativo do recorrente, o facto de o arguido, na audiência levada para efeitos de concretização da pena relativa ao concurso de crimes (artigo 472.º, do CPP, e artigo 78.º, do CP) ter declarado que se encontrava arrependido pelos crimes praticados, não configura, por si, prova suficiente do declarado arrependimento.

12 – A mera verbalização de arrependimento pela conduta delitiva, mesmo consentindo uma atitude repesa e contricta, não se figura suficiente para fazer inscrever tal matéria no thema probandum e no thema decidendum, mesmo pela via consentida no n.º 1 do artigo 340.º, do CPP, pois que o arrependimento só terá vigor atenuativo se traduzido em actos que o revelem, vale dizer, que demonstrem que o arguido interiorizou o desvalor da conduta, que se penaliza pela sua prática, e que atenuou ou intenta atenuar, até ao possível as consequências negativas dos actos delitivos perpetrados e que está determinado a não reiterar condutas delitivas.

13 – Saliente-se, ademais, que o recorrente não impugnou, neste ou em qualquer outro particular, a decisão proferida, na instância, sobre a matéria de facto, nos termos prevenidos no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP, como lhe cumpriria para que, nesta instância, pudesse apreciar-se se o arrependimento, alegadamente declarado na audiência, devia ter sido levado ao rol dos factos julgados provados pelos Mm.os Juízes do Tribunal a quo.

14 – Em conclusão, a mera declaração, por parte do arguido, na audiência, de que está arrependido, desacompanhada de qualquer abonação, não consente, a se, a inscrição da correspondente materialidade no rol de factos probandos, não incorrendo em omissão de pronúncia e não padecendo da consequente nulidade o acórdão que deixa de reportar o assim declarado no elenco dos factos apreciados.

15 – O arguido defende que o acórdão revidendo incorreu em erro notório na apreciação da prova, invocando o disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c), do CPP, do passo em que ali afirma uma culpa de elevado grau (baseada numa postura agressiva e temerária por parte do arguido e numa personalidade propensa à violência, praticada como forma de afirmação pessoal e tendo na sua génese uma motivação, se não fútil, pelo menos acentuadamente censurável ou desvaliosa), quando as penas integradoras do cúmulo foram concretizadas em metade do limite máximo da moldura penal.

16 – Ora, ressalvado o devido respeito, não se vê que o alegado traduza o invocado vício de erro notório na apreciação da prova, do passo em que se não vê no acórdão recorrido – nem o arguido recorrente revela – que o texto do deciso evidencie uma desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência, vale dizer, que se decidiu contra o que se provou ou não provou ou que se deu como provado o que não pode ter ocorrido (na síntese de Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, em «Recursos Penais», Rei dos Livros, Lisboa, 8.ª edição, 2011, página 80.

17 – De par, de ofício e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), não pode deixar de reconhecer-se que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP.

18 – Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.

19 – Defende o recorrente que os Mm.os Juízes do Tribunal a quo incorreram em erro de julgamento, no ponto em que concretizaram a pena única em medida excessiva, para além da pena de 20 anos de prisão que o recorrente tem por adequada, sem consideração pelo arrependimento demonstrado pelo arguido.

20 – O artigo 77.º n.º 1, do CP, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe:

«Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»

21 – Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que, com a fixação da pena conjunta, se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, e não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente (para dizer com o Prof. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», pp. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

22 – O todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso.

23 – A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

24 – O artigo 77.º n.º 2, do CP, estabelece que pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa: e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

25 – Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

26 – Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

27 – De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

28 – Importa, contudo, realçar que na determinação da medida das penas parcelar e única não é admissível uma dupla valoração do mesmo factor com o mesmo sentido: assim, se a decisão faz apelo à gravidade objectiva dos crimes está a referir-se a factores de medida da pena que já foram devidamente equacionados na formação das penas parcelares.

29 – Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

30 – Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais.

31 – Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

32 – Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado (vd. acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 9-1-2008 Proc. n.º 3177/07, in www.dgsi.pt).

33 – O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes.

34 – Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza.

35 – Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

36 – Este critério especial, da determinação da medida da pena conjunta, do concurso – que é feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério.

37 – Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.

32 – Revertendo ao caso, e à pena do cúmulo, a determinação da pena única, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 77.º, do CP, caberá, no caso concreto, dentro da moldura abstrata de 18 anos (pena parcelar mais elevada) a 25 anos de prisão (limite penal intransponível – sendo o limite que corresponderia ao somatório de todas as penas parcelares impostas ao arguido atingiria os 29 anos de prisão).

33 – Como acima se procurou aclarar, a declaração, por parte do arguido, na audiência (levada para efeitos da realização do cúmulo jurídico das penas em que fora condenado), de que se encontrava arrependido, não apenas não pode, de per si, ser levada em abono atenuativo na concretização da pena, como, de todo em todo, não pode valer no âmbito da pretextada atenuação especial da pena, nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 72.º, do CP, do passo em que se não vislumbra, na materialidade sedimentada como provada na instância, a sobreveniência de quaisquer actos demonstrativos de arrependimento sincero do arguido, de qualquer reparação, salvatério ou desultraje, até ao possível, relativamente às vítimas dos crimes perpetrados.

34 – Na instância, não deixou de se ponderar, expressamente, para além dos factos consubstanciadores dos crimes praticados pelo arguido, que todos os crimes foram perpetrados num espaço temporal diminuto, entre Março e Junho de 2010 e que, ao tempo, o arguido tinha 18 anos de idade, como não deixou de sopesar-se a gravidade do ilícito global perpetrado e, na avaliação da personalidade unitária do arguido, que o conjunto dos factos não pode ser reconduzido a uma situação de pluriocasionalidade mas antes a uma propensão delitiva, configurando meros episódios de uma personalidade que revela, incontornavelmente, uma tendência para a prática de crimes.

35 – A tanto acresce sublinhar que, se a culpa global, como juízo de censura, se situa em patamar muito elevado, por isso que suportando uma pena destacada do limite mínimo da correspondente moldura abstracta (bastando ressaltar a frieza e o calculismo postos no assassínio do malogrado NMF, agredido no peito, com uma faca de mato, do que veio a falecer), também a parcela de imaturidade naturalmente decorrente da idade do arguido ao tempo dos factos, o ânimo grupal e de etilização em que a actividade delitiva se inseriu e ainda o lapso de tempo entretanto decorrido sobre a prática dos factos, sem que, em meio prisional, haja registo de comportamentos inadequados, justificam – sem qualquer desdouro para o senciente critério dos Mm.os Juízes do Colectivo a quo – a comutação da pena única concretizada em 1.ª instância.

36 – E assim, tudo ponderado, na valoração global dos factos e da personalidade do arguido, afigura-se ajustada a pena de 21 (vinte e um) anos de prisão, que se figura satisfazer os interesses da prevenção, especial e geral, sem ultrapassar a medida da culpa, atendo-se a uma relação de proporcionalidade e de justa medida decorrente da severidade do facto global.

37 – Termos em que, neste segmento, o recurso merece parcial provimento.

38 – Não cabe tributação – artigo 513.º n.º 1, do CPP, a contrario sensu.


III

39 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) conceder parcial provimento ao recurso, tão-apenas no que pertine à medida da pena única, reduzindo-se a pena aplicada em primeira instância ao arguido ESC, de 23 (vinte e três) anos de prisão, para a pena de 21 (vinte e um) anos de prisão; (b) manter-se, no mais, o douto acórdão recorrido; (c) sem custas.

Évora, 03 de Novembro de 2015

António Manuel Clemente Lima (relator)

Alberto João Borges (adjunto)