Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1351/18.3T8SLV-C.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - A prestação de caução que determina a suspensão da execução quando sejam deduzidos embargos de executado, suspende a tramitação da execução, mas não impede que a quantia exequenda continue a vencer juros de mora.
2 - O momento processual relevante para efeitos de paragem da contagem de juros de mora incidentes sobre a quantia exequenda é o do depósito da quantia afeta ao pagamento, à ordem do agente de execução, independentemente da necessidade de posterior liquidação das quantias ainda em dívida.
3 - Se a liquidação provisória revelar que o valor da caução prestada se mostra supervenientemente insuficiente para pagar o remanescente ainda em dívida, incluindo juros de mora vencidos e vincendos, despesas e honorários do agente de execução e custas devidas, compete ao agente de execução oficiosamente desencadear diligências prévias à penhora e proceder à penhora de bens, com observância do disposto no artigo 751.º do CPC.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Por apenso à execução ordinária (agente de execução) para pagamento de quantia certa, em que é exequente CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA Rua ..., LAGOS e executadas COGIMOL – CONSTRUÇÕES E GESTÃO IMOBILIÁRIA. LDA e PORTA DA VILA APARTAMENTOS, LDA, as executadas vieram deduzir oposição à penhora requerendo, ao abrigo do artigo 784.º, n.º 1, alínea a), do CPC, que seja levantada a penhora do saldo das suas contas bancárias, realizada em 15-07-2022, no valor global de €13.084,86.
Alegaram, em suma, que na decorrência do Acórdão da Relação de Évora proferido nos embargos de executado, a execução prosseguiu pelo valor de €98.763,04, acrescido de juros de mora e juros compulsórios, estes devidos desde o trânsito em julgado da sentença.
Porém, as executadas já antes tinham prestado caução na execução no valor global de €116.919,41, tendo requerido que esta quantia fosse utilizada para pagar a dívida exequenda.
Contudo, o agente de execução veio a penhorar os saldos bancários no valor supra referido, sem dar conhecimento às executadas, por alegadamente ainda faltar liquidar valores para além do montante das cauções.
Concluem, assim, que as penhoras das contas bancárias violam os princípios da proporcionalidade e da adequação, o que determina a ilegalidade das mesmas e o seu levantamento nos termos peticionados.

O exequente contestou a oposição à penhora alegando, em suma, que efetivamente o valor da execução veio a ser liquidado em €98.803,04, ao qual acrescem juros de mora vencidos e vincendos, o valor das custas de parte, ascendendo o valor da dívida já a €115.509,24, bem como as despesas prováveis da execução que são de 10%.
Donde, conclui, que as penhoras não são ilegais.

Foi proferido despacho saneador-sentença onde foi identificada a seguinte questão a decidir: «Saber se há excesso de penhora na execução», que foi decidida em sentido desfavorável às executadas, tendo a oposição sido julgada totalmente improcedente.

Inconformadas, apelaram as executadas opoentes pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«I – Entendeu o Tribunal a quo que, a penhora de saldos bancários das Recorrentes,
datado de 15/07/2022, foi devida e proporcional.
II- As Recorrentes já haviam prestado caução, em janeiro 2019, por depósito no valor
global de €116.919,41 (cento e dezasseis mil, novecentos e dezanove euros e quarenta
e um cêntimos), isto é, por um valor muito acima do valor inicial da execução, e mais
ainda, quando esse valor foi reduzido para € 98.803,04 (noventa e oito mil oitocentos e
três euros e quatro cêntimos).
III- Nessas cauções prestadas pelas Recorrentes, já haviam sido contabilizadas as despesas prováveis da execução no valor de 5%, conforme decorre do artigo 735.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
IV- Pelo que, as mesmas foram consideradas idóneas por sentença, datada de 14/01/2019, tendo sido suspensa a execução intentada contra as Recorrentes nessa data.
V- O Exequente nem sequer se havia pronunciado acerca das cauções prestadas, antes ou após a prolação de tal sentença, concluindo-se assim, que concordou com o valor das mesmas como sendo suficiente para cobrir a quantia exequenda e demais despesas com
a execução.
VI- Após a oposição à penhora por parte das Recorrentes, (em razão de penhora das contas bancárias das Recorrentes levadas a cabo por parte do Agente de Execução) é que o Exequente veio invocar que as despesas prováveis são de 10% e não de 5%, quando antes havia se conformado com a sentença que decretou as cauções propostas pelas Recorrentes como idóneas, e que nunca contestou, quando foi notificado para se pronunciar sobre essas cauções propostas pelas Recorrentes.
VII – Não se apresentam legais, as penhoras as contas bancárias das Recorrentes, efetuadas pelo o Sr. Agente de Execução 01/07/2022, sem sequer ter apresentado a sua conta final de honorários e despesas.
VIII- A conta do Sr. Agente de Execução, deveria ter sido elaborada a 31/03/2021, ou seja, aquando da data do trânsito em julgado da sentença do Tribunal da Relação de Évora, que considerou os embargos improcedentes, e não só em 29/06/2022, continuando a contar juros de mora não imputáveis às Recorrentes, que haviam com a prestação das cauções, evitado o risco para o Exequente de não puder receber logo a quantia exequenda.
IX- Além do mais, após a prestação das cauções pelas Recorrentes (em janeiro de 2019) e até ao trânsito em julgado da sentença que considerou os embargos improcedentes, o Sr. Agente de Execução não realizou quaisquer atos ou diligências, na medida que a execução se encontrava suspensa pela prestação das cauções pelas Recorrentes.
X- Após o trânsito em julgado da sentença que considerou os embargos improcedentes, o Sr. Agente de Execução limitou-se a pedir os valores depositados a título de caução para fazer o pagamento dos valores em dívida, mas nunca apresentando às Recorrentes (ou à sua mandatária), a conta final do processo.
XI- Em 01/07/2022, o Sr. Agente de Execução limitou-se a fazer uma penhora nas contas bancárias das Recorrentes no valor global de € 13.084,86 (treze mil oitenta e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), valor esse que acrescia ainda ao valor das cauções já prestadas de € 116.919,41 (cento e dezasseis mil novecentos e dezanove euros e quarenta e um cêntimos).
XII- Até ao dia 06/07/2022, as Recorrentes ainda não tinham sido notificadas da conta do Sr. Agente de Execução, nem tinham qualquer conhecimento que ainda alegadamente faltariam valores a liquidar para além dos valores das cauções, o que parece de todo exagerado tendo em conta o valor pago por elas em sede de cauções e de mais nenhum ato ou diligência ter sido realizado pelo Sr. Agente de Execução, derivado da suspensão da execução, logo em janeiro de 2019.
XIII- No entender das Recorrentes, a penhora nas suas contas bancárias é violadora do disposto no artigo 784º, nº1 do Código de Processo Civil, uma vez que o Sr. Agente de Execução após já terem sido prestadas cauções suficientes para a garantia do pagamento da quantia exequenda e demais despesas com a execução, por sua iniciativa ou por sugestão do Exequente, continuou a penhorar bens das Recorrentes, como se não houvessem limites.
XIV - As Recorrentes prestaram as cauções consideradas idóneas pelo Tribunal a quo sem oposição do Exequente, logo, a haver juros de mora a cobrar, e contrariamente ao que consta da douta sentença recorrida, terão de ser apenas devidos até à data do trânsito em julgado da sentença que decretou a improcedência dos embargos (em 31/03/2021) e não à data do recebimento dos valores das cauções pelo Sr. Agente de Execução para pagamento da quantia exequenda e demais despesas com a execução, pois tal recebimento não advém de facto imputável às Recorrentes.
XV- A data em que o Sr. Agente de Execução recebeu o valor das cauções, não pode ser levado em conta para elaboração da sua conta, nem muito menos a data em que procedeu à liquidação provisória em 29/06/2022, conforme consta da notificação que fez ao anterior mandatário das Recorrentes, em 06/07/2022.
XVI- Isto é, apesar do trânsito em julgado ter ocorrido em 31/03/2021, o Sr. Agente de Execução continuou a contabilizar juros por mais um ano e quase três meses, sempre se dizendo que, as cauções tinham sido prestadas e consideradas idóneas por sentença e que o seu efetivo recebimento pelo Sr. Agente de Execução não pode ser imputável às Recorrentes.
XVII – A função da caução é assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada, sendo que, no caso específico da caução para suspensão da execução, destina-se a garantir o pagamento da quantia exequenda.
XVIII - Além do mais, e como decorre do artigo 721.º, n.º 1, do Código Processo Civil, e artigo 45.º da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto, os honorários e as despesas devidas ao Agente de Execução, terão de ser suportadas pelo Exequente, que apenas poderá posteriormente reclamar este seu reembolso junto ao Executado.
XIX - Verifica-se que perante a garantia da penhora, as Recorrentes que se oponham à execução poderão substituir por caução idónea, afastando a cumulação de penhora suficiente e caução (conforme artigo 856.º n.º 5, do Código Processo Civil). Isto é, não podem ser cumuladas a penhora com a caução.»

O Apelado apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I- Sem qualquer oposição por banda das Executadas/Opoentes/Recorrentes, o Exequente, em 10/05/2021, liquidou a dívida das Executadas em €:98.803,04, à qual acrescem os juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, até ao integral e efectivo pagamento, tendo os vencidos sido liquidados à data de 26/05/2021 no valor de €:14.309,20, o que totalizava (a esta última data) o montante €:113.112,24.
II – Sobre o referido montante continuaram a vencer-se juros moratórios, pelo menos, até à data da entrega dos valores de caução ao Sr. Agente de Execução para pagamento, o que apenas ocorreu nos dias 03 e 04 de Março de 2022, que perfizeram o valor de €:3.111,36.
III – Acresce que, tal como bem referiu a Sentença sob recurso, que relativamente aos encargos com o processo, mormente honorários do Sr. Agente de Execução, tal como resulta da respectiva nota provisória, verificamos, desde logo, que ascendem a €:7.652,17.
IV – Sem se olvidar que o Sr. Agente de Execução estima que as Executadas ainda tenham a pagar cerca de € 20.000,00, numa conta provisória que não merece censura por se não vislumbrar qualquer erro grosseiro de cálculo.
V – Portanto, deve concluir-se que a quantia de €:116.919,41, correspondente à caução prestada nos autos pelas Executadas, sempre será inequivocamente insuficiente para o pagamento da quantia exequenda, acrescida dos juros de mora vencidos, pelo menos, e ainda das despesas previsíveis da execução.
VI – Não se vislumbra qualquer ilegalidade objectiva relativamente à penhora das contas bancárias concretizada nos autos, na justa medida em que, in casu, não consubstanciam qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
VII – Por conseguinte, não merece qualquer censura a Sentença recorrida.»

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar se as penhoras de saldos bancários no valor de €13.084,86 violam os princípios da proporcionalidade e da adequação, considerando que já tinham sido prestadas cauções no valor de €116.919,41.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. “Condomínio do Prédio sito na Rua ...” veio propor, em 24 de Julho de 2018, acção executiva contra “Cogimol - Construções e Gestão Imobiliária, Lda.” e “Porta da Vila Apartamentos, Lda.”, com vista à cobrança coerciva da quantia de €111.351,00.
2. Deduzida que foi oposição à execução mediante embargos das Executadas, e sendo estes julgados parcialmente procedentes, foi feita nova liquidação provisória do julgado.

3. O Exequente, em 10 de Maio de 2021, liquidou a dívida global das Executadas em €98.803,04, sem oposição destas.

4. As Executadas prestaram caução no valor global de €116.919,41.

5. Esse valor foi transferido para a conta do Sr. Agente de Execução nos dias 03 e 04 de Março de 2022.

6. Em 06 de Julho de 2022, o Sr. Agente de Execução apresentou nota provisória no processo, dando conta que de ainda era devida pelas Executadas a quantia de €20.623,32.

7. Em 15 de Julho de 2022, foram penhoradas contas bancárias das Executadas, com o saldo global de €13.084,86.»

C- DO Conhecimento das questões suscitadas no recurso

Como supra referido a questão decidenda consiste em aferir se penhoras de saldos bancários no valor de €13.084,86 violam os princípios da proporcionalidade e da adequação considerando que já tinham sido prestadas cauções no valor de €116.919,41.
Começam as apelantes por alegar a ilegalidade das penhoras, invocando que a quantia exequenda foi reduzida para €98.803,04 após sentença proferida nos embargos de executado, transitada em julgado em 31-03-2021, e que prestaram caução no valor global de €116.919,41, em janeiro de 2018, tendo sido contabilizadas as despesas prováveis da execução no valor de 5% como decorre do artigo 753.º, n.º 3, do CPC.
O valor das cauções foi acolhido na sentença proferida, em 14-01-2019, no respetivo apenso, e teve como efeito a suspensão da execução, sem qualquer oposição da exequente, que só agora vem invocar que as despesas prováveis devem ser contabilizadas em 10% e não em 5%.
No que concerne a esta questão, que no fundo se traduz na reação das opoentes, ora apelantes, à invocação por parte do exequente que as despesas prováveis da execução aquando da prestação de caução deveriam ser contabilizadas em 10% e não em 5%, cumpre referir que a sentença validou a idoneidade da prestação da caução nos valores em que foi prestada pelas executadas, ou seja, «(…) nos valores de €106.969,44 e €4.382,38, para cada uma; acrescendo ainda a tal valor as despesas prováveis da execução, que liquidaram em 5% (…)».
Ora, esta decisão transitou em julgado e, como tal, faz caso julgado nos termos dos artigos 619.º a 621.º do CPC, pelo que não está em causa, neste recurso, sindicar o teor da mesma, mormente, se o valor das despesas prováveis deveria ter contabilizadas em 5% ou 10%.
O que se nos afigura ser relevante de sublinhar é que o artigo 735.º do CPC, ao reger sobre o objeto da execução, estipula no seu n.º 1, que os valores penhorados devem ser os necessários para pagamento da dívida exequenda e despesas prováveis da execução, sem prejuízo de ulterior liquidação, estabelecendo de seguida as percentagens que devem ser tidas em conta no juízo de prognose dessas despesas. Ou seja, a penhora poderá, posteriormente, vir a revelar-se de valor insuficiente para a liquidação total da responsabilidade dos executados, quando ocorrer o momento da elaboração da liquidação, sendo necessário proceder a novas penhoras, pois como decorre do artigo 849.º, n.º 1, alínea b), do CPC, a extinção da execução verifica-se «Depois de efetuada a liquidação e os pagamentos, pelo agente de execução, nos termos do Regulamento da Custas Processuais, (…) quando se mostre satisfeita pelo pagamento coercivo a obrigação exequenda.»
O que significa que o valor da caução fixado numa fase inicial da execução pode vir supervenientemente a revelar-se insuficiente, uma vez que o valor total da responsabilidade do executado só é apurado aquando da elaboração da liquidação.
A caução para que seja eficaz tem de ser idónea (prestada por meio adequado) e suficiente (apta a cobrir o crédito exequendo e demais acréscimos que resultem da suspensão do processo executivo), impendendo sobre quem pretende prestar a caução, o ónus de indicar o valor da mesma, podendo a contraparte impugnar a idoneidade da caução e, não o fazendo, sendo a revelia operante, como sucedeu no caso em apreço, a caução oferecida é logo julgada idónea (artigos 906.º, 909.º e 913.º, n.º 3, do CPC).
Ora, como é sabido, a prestação de caução é uma garantia especial das obrigações e quando prestada no âmbito da dedução de embargos de executado em ordem à suspensão da execução (artigos 733.º, n.º 1, alínea a), e n.º 6, do CPC), mantêm a sua função genérica de proteção do interesse do credor, mas também tem uma função específica que é a de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva, obviando a que, por via de tal demora, o embargante/executado empreenda manobras que delapidem o seu património durante o tempo da suspensão.[1]
Contudo, para que estas funções atinjam a sua finalidade é necessário que o valor da caução seja adequado e suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos.[2]
A suspensão da execução por via da dedução de embargos de executado ocorre enquanto estiverem pendentes os embargos de executado e sendo os mesmos julgados improcedentes (ou parcialmente procedentes) deverá a execução prosseguir penhorando-se outros bens caso o valor da caução seja insuficiente para pagamento integral da quantia exequenda e legais acréscimos.
A mora do executado para efeitos de liquidação de juros só cessa na data em que a quantia depositada a título de caução passa a estar na disponibilidade do agente de execução, pois só a partir desse momento pode o agente de execução encetar os procedimentos tendentes à extinção da execução.
Sendo que a demora entre esta data do trânsito em julgado da decisão proferida nos embargos de executado e a transferência da quantia para o património do exequente é uma contingência do processo que, em princípio, não é imputável ao executado.[3]
Todavia, a execução só se extingue depois de efetuada a liquidação, paga a quantia exequenda, juros vencidos e vincendos, bem como os honorários e despesas do agente (artigo 849.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Se o valor da caução se vier a revelar insuficiente, a caução que era idónea quando foi prestada deixa de ter essa característica, impondo-se o seu reforço, frisando-se que este é apenas admissível se, após a prestação inicial de caução suficiente, a mesma veio a revelar-se insuficiente por circunstâncias supervenientes[4], mormente, em razão dos juros que venceram entretanto, a que acrescerão as custas devidas, incluindo as custas de parte, bem como as despesas e honorários do agente de execução.
Caso esse reforço não seja requerido e prestado pelo executado após ter sido julgada improcedente ou parcialmente procedente a oposição que tenha deduzido, podendo o executado pedir que a conta fosse atualizada a fim de serem liquidados os valores em dívida, se o agente de execução verificar que o valor da caução é insuficiente para cobrir o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos, oficiosamente deve prosseguir com as diligências prévias à penhora e proceder à penhora de bens suficientes para cobrir a diferença da quantia exequenda e valores ainda em dívida, com observância do disposto no artigo 751.º,n.º 1, do CPC (artigo 748.º, n.º 1, alínea d) e 4, do CPC).
Em suma, em face deste regime, quando as apelantes invocam a ilegalidade da penhora em novos bens em função da sua extensão, por terem aquando da dedução de embargos de executado prestado caução de valor superior ao do crédito exequendo, só por si, não indica que a penhora efetuada em 15-07-2022, tenha violado a regra da adequação e proporcionalidade subjacente à previsão do n.º 1, alínea a), do artigo 784.º do CPC.
Tudo depende do valor da liquidação que vier a ser apurado nos autos.
Ora, no caso, e como consta da factualidade dada como provada, sem reparo das ora apelantes, a liquidação provisória revela que, para além do valor das cauções, ainda era na data da elaboração da mesma, em 06-07-2022, devida a quantia de €20.623,32.
Donde a penhora de saldos bancários, em 15-07-2022, no valor de €13.084,86 não é manifestamente excessiva, desadequada ou desproporcional em relação ao valor ainda em dívida.
Esta mesma conclusão alcançou a sentença recorrida com base no seguinte raciocínio:
«Repare-se o valor devido consolidado após trânsito em julgado da sentença proferida no apenso de oposição à execução - € 98.803,04.
Sobre os valores de capital devidos por cada uma das Executadas/Opoentes continuaram a vencer-se juros de mora, pelo menos, até à data da entrega dos valores de caução ao Sr. Agente de Execução para pagamento.
De custas de parte, para já, a Exequente liquidou €1.397,00 – sem olvidar que em cada apenso e incidente a intentar em que as Opoentes fiquem vencidas, como o presente, incidirão mais custas de parte, a pagar por si a favor do Exequente/Oposto.
Os juros de mora vencidos foram calculados em €14.309,20.
E que dizer dos encargos com o processo, mormente honorários do Sr. Agente de Execução? Se atentarmos na nota provisória, verificamos, desde logo, que ascendem a €7.652,17.
Portanto, a dívida previsível das Executadas/Opoentes ultrapassa largamente os €98.803,04 liquidados – e continua a vencer despesas.
E isto sem olvidar que o Sr. Agente de Execução estima que as Executadas ainda tenham a pagar cerca de €20.000,00, numa conta provisória que não nos merece censura por se não vislumbrar qualquer erro grosseiro de cálculo.
O que as Executadas/Opoentes olvidam é que ao protelamento do desfecho da acção e a permanente litigância, em detrimento duma resolução definitiva e conciliatória do litígio, originam, isso sim, o vencimento de mais encargos e despesas – e, consequente, novas penhoras.
Portanto, a penhora de saldos bancários no valor global de €13.084,86, quando se estima uma dívida de ainda €20.623,32 não é nem indevida, nem desproporcional.»

Contrapõem as apelantes que as penhoras foram efetuadas sem que o agente de execução tenha apresentado a conta final de honorários e despesas.
Contudo, tal argumento não procede, por o valor das cauções já ser insuficiente para pagar a dívida à data da liquidação provisória, o que implica o prosseguimento da execução.
Também invocam que a conta deveria ter sido elaborada após 31-03-2021, data do trânsito em julgado do Acórdão desta Relação proferido nos embargos de executado e não apenas em 29-06-2022, continuando a serem contados juros que não lhe são imputáveis.
Em relação a esta questão, o que se constata da análise da tramitação da execução é que feita a liquidação pelo exequente das quantia em dívida de acordo com o decidido naquele aresto, apenas em 03 e 04 e março de 2022 o valor das cauções foi transferido para o agente de execução (cfr. facto provado 5), pelo que antes dessa data não se pode ter como cessada a situação de mora.
Este entendimento é o único que se compatibiliza com outras situações previstas na lei em que a cessação da mora ocorre com o depósito, como sucede, por exemplo, quando a execução cessa pelo pagamento voluntário (artigo 846.º, n.º 4, do CPC), quando há consignação de rendimentos (artigo 805.º, n.º 1, do CPC) ou quando há venda com depósito do preço ou caução (artigo 824.º, n.º 2, do CPC).
Deste modo, o que se pode inferir da lei é que o legislador considerou o momento do depósito como o momento processual relevante para a paragem da contagem dos juros de mora, ou seja, o da disponibilização em termos processuais para pagamento ao exequente, independentemente da necessidade de posterior liquidação. Como se refere num Acórdão da Relação de Lisboa, «(…) a necessidade de liquidação não retira ao depósito efectuado o carácter de pagamento».[5]
É certo que existe uma dilação temporal significativa entre a data do trânsito em julgado do Acórdão da Relação proferido em sede de embargos de executado e o momento da entrega do valor das cauções ao agente de execução.
Porém, se as executadas se sentem lesadas com essa delonga processual terão de lançar mão das competentes vias judiciais para obter a reparação do alegado dano, pois não lhes assiste o direito de serem ressarcidas à conta do exequente, quando não há elementos nos autos que indiquem que a referida demora lhes seja imputável.
Finalmente, invocam as apelantes o artigo 721.º, n.º 1, do CPC e o artigo 45.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08, para defenderem que os honorários e as despesas devidas ao agente de execução têm de ser suportadas pelo exequente, podendo este posteriormente reclamar o seu reembolso junto das executadas.
Embora esta afirmação encontre apoio no artigo 721.º, n.º 1, do CPC, que prescreve que o pagamento de quantias devidas ao agente de execução é suportado pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado, esquecem-se as apelantes que o normativo acrescenta «(...) nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 451.º».
Estipulando este preceito que «As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidas ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados», é mister concluir que o n.º 1 do artigo 721.º do CPC só se aplica quando o valor apurado na execução não for suficiente para pagar as custas da execução, incluindo os honorários e despesas do agente de execução.
Regime que o artigo 45.º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29-09, vem reiterar ao estipular: «1 - Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado.»
Na situação dos autos, não estando demonstrado que não é possível aplicar o princípio da precipuidade previsto no artigo 541.º do CPC, não tem fundamento a alegação das apelantes ao pretenderem que seja a exequente a pagar os honorários e despesas do agente de execução mediante posterior reembolso das executadas.
Em face do exposto, a sentença recorrida não violou as normas mencionadas pelas Apelantes, nem outras, não merecendo qualquer censura, improcedendo a apelação.
Dado o decaimento, as custas do recurso ficam a cargo das apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 11-05-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] Cfr,, entre outros, Ac. RC, de 05-11-2019, proc. n.º 3141/18.4T8PBL-B.C1 e Ac. RC, de 17-01-2017, proc. n.º 5211/13.1T8PBL-B.E1, em www.dgsi.pt
[2] Cfr, AC.STJ, de 04-03-2004, proc. 04B211, em www.dgsi.pt
[3] Cfr., neste sentido, Ac. RL, de 12-11-2020, proc. n.º 1388/07.8TBCSC-E.L1-8, em www.dgsi.pt
[4] Cfr. Ac. 29-01-2003, proc. n.º 1579/02-1, e Ac. RC, de 09-11-2021, proc. n.º 704/20.1T8SRE-B.C1, em www.dgsi.pt
[5] Ac. RL, de 21-04-2009, proc. n.º 648/1995.L1-1, em www.dgsi.pt