Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
384/18.4T8ORM.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO
REPARAÇÃO DO PREJUÍZO
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A responsabilidade de reparar os danos causados pela quebra de vidros, por terceiros não identificados, num edifício arrendado para comércio, cabe ao comerciante-inquilino e não ao proprietário-senhorio.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 384/18.4T8ORM.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…), residente na Praça (…), n.º 41, em Ourém, instaurou contra (…), residente na Rua (…), n.º 22, em Ourém, (…), residente na Rua (…), n.º 22, em Ourém e (…), residente na Rua (…), n.º 69, 4º-esq., Carnaxide, ação declarativa com processo comum.

Alegou, em síntese, que é arrendatário, desde Maio de 1969, de um imóvel destinado a comércio e que os RR são os senhorios.

Em Dezembro de 2013 ocorreu uma infiltração de águas na cave do estabelecimento ocasionando a destruição de vários produtos do comércio do A., altura em que informou o então senhorio do sucedido e solicitou a realização de obras.

O senhorio mandou substituir as grades dos respiradouros da cave mas as infiltrações continuaram e no início de Abril de 2017 os senhorios realizaram obras no prédio, as quais se prologaram por dois meses, mas não solucionaram o problema das infiltrações, o que impede o A. de utilizar integralmente o locado.

Durante as obras o A. viu-se forçado a encerrar o estabelecimento comercial durante 15 dias, o que lhe causou um prejuízo diário de, pelo menos, € 30,00, na realização das obras, os operários, gastaram eletricidade no valor de € 30,00, as infiltrações inutilizaram produtos do seu comércio no valor de € 16.678,80 e pela privação do uso da cave considera ser-lhe devido um valor mensal correspondente a 30% da renda, bem como, a título de reembolso, a quantia de € 587,90 que despendeu na colocação de dois vidros das montras quebrados por terceiros.

Concluiu pedindo a condenação dos RR a realizar as obras necessárias a impedir as infiltrações de águas e a pagar-lhe a quantia de € 19.813,70, acrescida de juros a contar da citação, bem como a quantia mensal de € 39,00, desde junho de 2018 e até á concretização das obras que eliminem as infiltrações.

Os RR contestaram excecionando a ilegitimidade da ré (…) e a prescrição do direito que o A. pretende fazer valer e impugnaram os prejuízos alegados pelo A.

Concluíram pela absolvição da instância da referida R. e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

O A. respondeu por forma a considerar improcedentes as exceções.

2. Foi proferido despacho que julgou improcedente a suscitada exceção da ilegitimidade, relegou para a decisão final o conhecimento da exceção da prescrição, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão o julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação.

Consequentemente, condena-se os RR. no pagamento ao A.:

a-) Do valor de 30 euros, referente ao custo da eletricidade que forneceu para alimentar os aparelhos elétricos usados na obra de impermeabilização das paredes interiores da cave, referidas supra.

b-) Dos juros que entretanto se venceram sobre o valor referido em a), desde a data em que os RR. foram citados para a presente ação, e nos que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal que vigorar na altura para os juros civis, que é de 4% desde 1 de Maio de 2003, por força da Portaria nº 291/2003, de 8-4.

Por outro lado, decide-se declarar improcedente, por não provada, a restante parte da presente ação e em relação aos outros pedidos formulados pelo A. nos presentes autos.

Consequentemente, absolvem-se os RR. de todos os outros pedidos formulados pelo A. nos presentes autos.


3. O A. interpõe recurso da sentença assim concluído:
“1. Da reapreciação da prova produzida nos autos, nomeadamente os depoimentos de parte dos RR. (…) e (…) e das testemunhas (…), (…) e (…), bem como o Relatório Pericial e respetivos esclarecimentos e as fotografias oportunamente juntas aos autos, resulta claro que os factos considerados não provados sob as alíneas A, B, C, D, J, L, M e N devem ser eliminados desta lista, e

2. Devem ser aditados, ao rol de factos provados, os números 26 a 32, com a seguinte redação:

“26 – No interior das caixas referidas em 5) encontrava-se calçado variado, em número não concretamente apurado

27 – O A. armazenava na cave referida em 1), além do mais, sapatos, malas e sacos desportivos, para venda.

28 – Os artigos que se encontravam nas estantes e no chão da cave referida em 1) foram danificados pelas águas pluviais infiltradas e pela humidade que se acumulou.

29 – Na ocasião referida em 9), o A. apresentou aos RR. (…) e (…) as mercadorias danificadas e estes últimos constataram que eram visíveis os sinais de infiltrações a partir das paredes da cave.

30 – Desde Dezembro de 2013 que se registam infiltrações e humidades na cave.

31 – As infiltrações e humidades existentes na cave danificam os produtos que nela se armazenam.

32 - As infiltrações e humidades existentes na cave inutilizaram diversos sapatos e outros produtos que o A. aí tinha armazenado, em número e valores não concretamente apurados.”

3. Verificando-se a existência de infiltrações de águas pluviais pelas paredes da cave arrendada, e a existência de humidades, desde Dezembro do ano de 2013 até, pelo menos, à data do julgamento, de forma continuada e ainda não resolvida,

4. Deverão ser os RR. senhorios ser condenados a realizar no imóvel arrendado as obras necessárias para impedir, de forma efetiva e permanente, que as águas pluviais se continuem a infiltrar para o interior da respetiva cave, 5. Dado serem responsáveis pela realização das obras de conservação ordinárias e extraordinárias necessárias a assegurar o gozo efetivo e integral do imóvel arrendado.

6. Gozo esse que não foi, assim, assegurado ao A. recorrente, desde Dezembro de 2013 até agora,

7. Uma vez que a cave, dadas as infiltrações referidas, não reúne condições para ser utilizada na sua totalidade,

8. O que impõe também a condenação dos RR. recorridos a pagarem ao A. recorrente a quantia de € 2.067,00 pela privação do uso da cave do imóvel arrendado desde Dezembro de 2013 até Maio de 2018 e € 39,00 por cada mês, desde Junho de 2018 até à concretização das obras necessárias à eliminação definitiva das infiltrações de águas pluviais na cave do imóvel arrendado.

9. Também os danos causados pelas infiltrações nos produtos armazenados pelo A. na cave do imóvel arrendado, sobretudo nos sapatos, pela humidade, bolor e encharcamento, deverão ser reparados,

10. Condenando-se os RR. a pagar ao A. o respetivo valor, a apurar em incidente de liquidação em execução de sentença, até ao montante máximo de € 16.678,80.

11. Mais deverão ser os RR. condenados a pagar ao A. o valor correspondente à reposição do vidro de uma montra, quebrado por terceiros, que o A. mandou reparar, valor esse também a apurar em incidente de liquidação de sentença, até ao valor máximo de € 587,90.

12. Todas as quantias acrescidas dos respetivos juros moratórios desde a citação até integral e efetivo pagamento.

13. Da análise dos factos provados resultam efetivamente preenchidos todos os requisitos de que depende a responsabilidade contratual dos RR.: o incumprimento, a culpa, os danos e o nexo causal entre estes e o primeiro.

14. A manter-se a decisão recorrida, estará o tribunal a legitimar os RR. senhorios a absterem-se de realizar as obras que lhes são legalmente impostas, necessárias e adequadas a impedir a infiltração na cave das águas pluviais, de forma a assegurar o gozo efetivo do imóvel arrendado pelo inquilino, que paga integral e mensalmente a respetiva renda.

15. O que resulta numa clamorosa injustiça!

16. Em conformidade com o supra exposto, mostram-se, assim, violados, na douta decisão em recurso, todos os artigos em que se baseou e, em especial, o disposto nos artigos 563º, 799º, 1031º, al. b), 1036º, 1040º, 1044º, a contrario, 1074º e 1111º, todos do Código Civil, e 609º, nº 2, do Código do Processo Civil.

Termos em que, e nos mais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., do muito que há a suprir, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

- Alterar-se a matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos supra expostos, e

- Revogar-se a decisão proferida na parte em que absolveu os RR., substituindo-se por outra que, julgando a ação procedente, por provada, condene os RR a:

- Realizar no imóvel arrendado as obras necessárias para impedir que as águas pluviais se continuem a infiltrar para o interior da respetiva cave;

- Pagar ao A. a quantia de € 2.067,00 pela privação do uso da cave do imóvel arrendado desde Dezembro de 2013 até Maio de 2018 e € 39,00 por cada mês, desde Junho de 2018 até à concretização das obras necessárias à eliminação definitiva das infiltrações de águas pluviais na cave do imóvel arrendado;

- Pagar ao A. A quantia a apurar em liquidação de sentença correspondente ao valor dos produtos inutilizados pela humidade e pelas águas pluviais que se infiltraram através das paredes da cave do imóvel arrendado, onde se encontravam armazenados, bem como o valor despendido pelo A. na substituição de um vidro da montra quebrado por terceiros, até ao valor máximo de € 16.678,80 e € 587,90, respetivamente;

- Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação dos RR. até integral e efetivo pagamento; em conformidade com o supra exposto, como é de Direito e de JUSTIÇA!”

Responderam os RR. por forma a defender a confirmação da sentença recorrida.


II - Objeto do recurso.
Tendo em conta que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº 4 e 608º, nº 2 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, reclamam pronúncia: (i) a impugnação da decisão de facto, (ii) se os RR deverão ser condenados a realizar obras no imóvel que impeçam as infiltrações de águas pluviais na cave, (iii) se os RR deverão ser condenados a pagarem ao A. uma indemnização pela privação do uso da cave do imóvel desde dezembro de 2013, (iv) se os RR deverão a indemnizar o A. por danos causados em produtos armazenados na cave, (v) se os RR deverão ser condenados a pagar ao A. o valor correspondente à reposição de um vidro na montra do estabelecimento.

III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos provados
1- Em Maio de 1969, o A. tomou de arrendamento, destinado a comércio, um imóvel composto por rés-do-chão e cave, sito na Rua (…), nº 41, em Ourém, ao então proprietário, (…), mediante o pagamento de uma renda mensal, que, após aumentos entretanto ocorridos, se cifra atualmente na quantia de 130 euros.

2- O Autor instalou um estabelecimento de comércio de calçado, malas, marroquinaria e artigos desportivos no imóvel referido em 1).

3- Em Dezembro de 2013, durante uma noite que choveu com intensidade, ocorreu uma infiltração de águas pluviais na cave do imóvel referido em 1).

4- Na sequência as águas pluviais escorreram pelas paredes da cave do imóvel referido em 1), do lado da Praça (…) e da Rua Dr. (…), acumulando-se no chão da cave.

5- Encontravam-se encostadas à parede da cave várias estantes, onde estavam colocadas caixas de cartão.

6- O A. enviou ao referido (…), não tendo a mesma sido recebida por este, a carta datada de 27-12-2013, cuja cópia se encontra junta a fls. 6, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, onde contou o sucedido e referido em 3), e solicitou a tomada de providências.

7- O referido (…) faleceu no início do ano de 2014.

8- A R. (…), na qualidade de cabeça de casal da herança do referido (…) enviou ao A., tendo este recebido a mesma, a carta datada de 17-2-2014, cuja cópia se encontra junta a fls. 7, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual solicitava que passasse a dirigir todos os assuntos referentes ao locado de que é inquilino para a morada da residência desta R.

9- No dia 21 de Março de 2014, os RR. (…) e (…), deslocaram-se ao imóvel referido em 1), e verificaram o estado em que se encontrava a cave do mesmo, tendo-lhe sido mostradas as paredes onde tinham ocorrido as escorrências das águas pluviais e ainda uma caixa de cartão com vários sapatos velhos.

10- Na ocasião referida em 9), os RR. (…) e (…) comprometeram-se com o A. em proceder às reparações que se mostrassem necessárias de forma a evitar futuras entradas de águas na cave, e solicitaram a este último que elaborasse e lhes enviasse uma listagem dos produtos inutilizados, indicando o respetivo valor.

11- Na sequência dos factos referidos em 9) e 10), os RR. mandaram substituir as grades dos respiradouros da cave.

12- Após serem realizadas as obras referidas em 11), por vezes, quando chovia, as águas pluviais continuaram a entrar na cave do imóvel referido em 1) e a escorrer pelas paredes.

13- O A. enviou à R. (…), tendo esta recebido a mesma, a carta datada de 22-12-2014, cuja cópia se encontra junta a fls. 7, verso, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, na qual consta, designadamente, que: “…a cave da loja continua igual a meter água, de nada resultou substituir-se os respiradouros…”.

14- Em Setembro de 2016, o A. enviou à R. (…), a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 8 verso, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e à qual anexou a listagem cuja cópia se encontra junta a fls. 9 e 10, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

15- Os RR. (…) e (…) enviaram ao A., tendo este recebido a mesma, a carta datada de 20 de Outubro de 2016, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 11, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde consta, designadamente, que: “Na qualidade de arrendatário do prédio sito na Praça (…), nº 41, r/c, Ourém, vimos notificar Vª. Exª. Que, desde 28 de Julho de 2016, são os legais proprietários do locado arrendado: (…) e (…), assumindo a posição de senhorios”.

16- Os RR. (…) e (…) enviaram ao A., tendo este recebido a mesma, a carta datada de 24 de Março de 2017, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 11, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde consta, designadamente, que: “No seguimento da visita realizada ao locado, juntamente com o dr. (…), responsável da empresa que irá efetuar as obras de reparação, e uma vez que as mesmas irão decorrer no período de funcionamento da loja, vimos pelo presente informar que as obras terão uma duração estimada de 3 semanas e iniciar-se-ão no dia 4 de Abril de 2017…”.

17- Em data não concretamente apurada foi partido por terceiros um vidro da montra do estabelecimento referido em 2), que foi mandado substituir pelo A.

18- Há cerca de 15 anos, a Câmara Municipal de Ourém efetuou obras de requalificação das Praças (…) e Dr. (…), sitas na cidade de Ourém, tendo o pavimento sido subido em relação ao arruamento, e ficado ao nível do r/c do imóvel referido em 1).

19- Em data não concretamente apurada no 1º semestre do ano de 2017, uma empresa ao serviço dos RR., procedeu à impermeabilização, ao reboco e à pintura das paredes interiores da cave que faz parte do imóvel referido em 1), que tiveram a duração de 15 dias.

20- Durante o período temporal que duraram as obras referidas em 19), a empresa que realizou essas obras utilizou eletricidade do estabelecimento do A., quer para iluminação da cave com os meios nela existentes, quer para ligação de um projetor, mantendo um cabo elétrico estendido no chão da loja.

21- A eletricidade gasta nos termos referidos em 20) teve o valor diário de 2 euros.

22- Após as obras referidas em 19), as águas pluviais continuaram a entrar na cave do prédio referido em 1) e a escorrer pelas paredes.

23- Na sequência das obras referidas em 18), passou a existir uma confluência de inclinações afastada do edifício juntamente com sumidouros na interceção de planos, entre o prédio referido em 1) e a Praça (…).

24- No exterior do canto interior da esquina nordeste do prédio referido em 1) existe um tubo de queda de águas pluviais a drenar as mesmas para a calçada e não para uma caixa de visita que encaminhe as águas pluviais para o respetivo coletor público, ocorrendo maiores infiltrações de águas nesse local da cave do imóvel referido em 1).

25- Os RR. (…), (…) e (…) são os sucessores do referido (…).

Não provado:

A- No interior das caixas referidas em 5) encontravam-se calçado variado e artigos de desporto.

B- O A. armazenava na cave referida em 1), mantendo em estoque, sapatos, malas e outros produtos de marroquinaria e desporto, destinado ao seu comércio no estabelecimento referido em 2).

C- Na ocasião referida em 3), os artigos que se encontravam nas estantes e no chão da cave referida em 1) ficaram completamente inutilizados pelas águas pluviais infiltradas que os encharcaram e pela humidade que se acumulou.

D- Na ocasião referida em 9), o A. apresentou aos RR. (…) e (…) as mercadorias danificadas, e estes últimos constaram que eram visíveis os sinais de infiltrações a partir das paredes da cave.

E- As águas referidas em 12) estragaram outros produtos que o A. tinha armazenado na cave do imóvel referido em 1).

F- Para além do referido em 17), foram partidos dois outros vidros da montra do estabelecimento referido em 2).

G- As obras referidas em 19) prolongaram-se por dois meses.

H- O A. encerrou o estabelecimento referido em 2) durante 15 dias, durante o período temporal que duraram as obras, designadamente nos dias 5, 6, 10, 11, 13, 17, 20 e 21 de Abril, 4, 6, 24 e 31 de Maio, 2, 5 e 6 de Junho de 2017.

I- O A. teve uma perda de rendimento pelo encerramento do estabelecimento nos termos referido em H), com o valor diário de 30 euros.

J- No Inverno do ano de 2017, quando chove, ocorreram infiltrações de águas pluviais nas paredes da cave do imóvel referido em 1), nos termos que se encontram registados nas fotos juntas de fls. 12 e 13.

K- Durante o período temporal que duraram as infiltrações referidas em J), o A. deixou de utilizar a cave do imóvel referido em 1).

L- As infiltrações referidas em J) e o elevado grau de humidade acumulado danificaram os produtos que o A. armazenou na cave do imóvel referido em 1).

M- Desde Dezembro de 2013, o A. ficou privado do uso integral da cave do imóvel referido em 1).

N- Devido às infiltrações de água pluviais na cave, desde Dezembro de 2013, ficaram inutilizados os seguintes produtos que o A. mantinha aí armazenados, que destinava ao seu comércio: a) 16 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 49 euros; b) 23 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 59 euros; c) 40 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 19 euros; d) 11 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 79 euros; e) 10 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 69 euros; f) 31 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 36 euros; g) 10 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 24 euros; h) 12 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 38 euros; i) 17 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 16 euros; j) 7 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 26 euros; l) 26 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 39 euros; m) 3 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 29 euros; n) 1 par de calçado de senhora, com o valor unitário de 96 euros; o) 2 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 88 euros; p) 8 pares de calçado de senhora, de desporto, no valor unitário de 69 euros; q) 16 pares de calçado de senhora, de corda, no valor unitário de 5 euros; r) 9 pares de calçado de homem, no valor unitário de 48 euros; s) 7 pares de calçado de homem, de desporto, no valor unitário de 46 euros; t) 5 pares de calçado de homem, de desporto, no valor unitário de 130 euros; u) 14 pares de calçado de homem, de desporto, no valor unitário de 59 euros; v) 6 pares de calçado de homem, de desporto, no valor unitário de 26 euros; x) 10 pares de calçado de rapaz, de desporto, no valor unitário de 39 euros; z) 3 pares de calçado de rapaz, de desporto, no valor unitário de 19 euros; aa) 1 bola de futebol, no valor de 19 euros; bb) 3 bolas de futebol, no valor unitário de 19 euros; cc) 2 pares de luvas de futebol, no valor unitário de 24 euros; dd) 5 pares de luvas de futebol, no valor unitário de 28 euros; ee) 1 par de joelheiras, no valor de 27 euros; ff) 11 pares de botins, no valor unitário de 18 euros; gg) 5 pares de botinas, no valor unitário de 22 euros; hh) 23 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 13 euros; ii) 12 pares de calçado de senhora, no valor unitário de 30,60 euros; jj) 2 pares de calçado de homem, no valor unitário de 42,90 euros; ll) 17 palmilhas de criança, no valor unitário de 1,30 euros; mm) 2 palmilhas de senhora, no valor unitário de 1,85 euros; nn) 13 pares de calçado de criança, no valor unitário de 26 euros; oo) 8 pares de calçado de criança, no valor unitário de 22 euros; pp) 10 pares de calçado de criança, no valor unitário de 29 euros; qq) 10 pares de calçado de criança, no valor unitário de 39 euros; rr) 2 pares de calçado de criança, no valor unitário de 35 euros; ss) 13 pares de calçado de criança, no valor unitário de 33 euros; tt) 13 pares de calçado de criança, no valor unitário de 16 euros; uu) 17 pares de calçado de criança, no valor unitário de 13 euros; vv) 9 pares de calçado de criança, no valor unitário de 19 euros; xx) 8 pares de calçado de criança, no valor unitário de 21 euros; zz) 22 pares de calçado de criança, no valor unitário de 36 euros; aaa) 1 par de calçado de criança, no valor de 46 euros; bbb) 1 par de calçado de criança no valor de 56 euros; ccc) 1 saco de viagem no valor de 23 euros; ddd) 1 saco de viagem, no valor de 39 euros; eee) um mochila, no valor de 110 euros; fff) 1 mala de roupa no valor de 4 euros; ggg) 1 placa de platex, no valor de 12 euros; hhh) 1 prateleira em madeira, no valor de 20 euros; iii) 1 prateleira em madeira, no valor de 30 euros; jjj) 1 prateleira no valor de 60 euros.

O- A substituição dos vidros referidos em 17) e F) teve o custo total de 587,90 euros, que foi arcado pelo A.

P- Na sequência de participações realizadas pelo A. e pelo R. (…), a Câmara Municipal de Ourém aceitou que as águas pluviais que entravam na cave do imóvel referido em 1), nos termos referidos supra, resultavam das obras mencionadas em 18).

Q- A Câmara Municipal de Ourém tem limpado de forma deficiente os sumidouros existentes nas Praças (…) e Dr. (…), para onde confluem as águas pluviais.

R- Foi efetuada a partilha dos bens deixados por óbito do referido (…), tendo sido adjudicado o imóvel referido em 1), em comum e partes iguais, aos RR. (…) e (…).


2. Direito

2.1. Se os RR deverão ser condenados a realizar obras no imóvel que impeçam as infiltrações de águas pluviais na cave

A decisão recorrida declinou a pretensão do A. de condenação dos RR a “realizarem, no imóvel arrendado, as obras necessárias para impedir que a água das chuvas se infiltre para o interior da cave” considerando essencialmente que os RR já levaram a efeito, no imóvel, obras destinadas a impedir tais infiltrações e que o A. não demonstra que as infiltrações de águas que ainda subsistem na cave resultem da falta de obras no imóvel.

O A diverge argumentando que os RR estão obrigados a proporcionar-lhe o gozo do imóvel, que se presume a culpa dos RR no incumprimento desta obrigação, presunção que não ilidiram uma vez que não demonstram (sequer) que as infiltrações se devem a caso fortuito ou força maior e não a deficiências de isolamento e impermeabilização do edifício.

O ponto central da divergência, se bem o apreendemos, consiste em determinar se realizadas obras, pelo senhorio, destinadas a impedir uma determinada infiltração de águas na cave do prédio arrendado e mantendo-se as infiltrações incumbe ao senhorio demonstrar que estas não resultam de deficiências de isolamento e impermeabilização do edifício (posição do A) ou ao inquilino demonstrar o oposto, ou seja, que as obras não foram adequados a impermeabilizar o edifício por forma a evitar as infiltrações (posição suposta pela decisão recorrida).

A obrigação principal do locador consiste em proporcionar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina (artº 1031º, al. b) do Código Civil, doravante CC) obrigação que envolve uma prestação negativa – não praticar atos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário (artº 1037º, nº 1, do CC) – e prestações positivas do locador como a realização de reparações e outras despesas necessárias ao gozo da coisa (artº 1036º do CC).

Nos contratos habitacionais cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, salvo estipulação em contrário e igual obrigação lhe resulta, na ausência de convenção em contrário, nos contratos não habitacionais (artºs 1074º, nº 1 e 1111º, nº 2, do CC).

A realização de obras necessárias a assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina, na falta de convenção em contrário, constitui uma prestação que incumbe ao senhorio e, enquanto tal, mostra-se sujeita aos princípios gerais de cumprimento e não cumprimento das obrigações.

Segundo o artº 799º, nº 1, do CC, “[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”

Ao contrário do que se estabelece em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, em que, em princípio, o lesado tem que provar a culpa do autor da lesão (artº 487º do CC), para efeitos de responsabilidade contratual a lei presume a culpa do devedor, cabendo a este demonstrar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso não lhe é imputável (artº 344º, nº 1, do CC).

A presunção, porém, mostra-se circunscrita à culpa, ou seja, a falta de cumprimento do devedor ou o cumprimento defeituoso não se presumem e terão que ser demonstrados por aquele que os invoca, de acordo com a regra geral do ónus da prova (artº 342º, nº 1, do CC).

“É, todavia, ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento. Se, em lugar de não cumprimento da obrigação, houver cumprimento defeituoso, ao credor competirá fazer prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do seu direito à indemnização ou de qualquer dos outros meios de reação contra a falta registada.”[1]

No caso dos autos, o arrendamento de um rés-do-chão e cave, destinado a comércio, vem do ano de 1969 e em Dezembro de 2013, durante uma noite que choveu com intensidade, verificaram-se infiltrações de águas pluviais que escorreram pelas paredes da cave e se acumularam no chão, o A comunicou o facto aos senhorios, estes, depois de se deslocaram ao local e se comprometerem a fazer as reparações necessárias para evitar futuras infiltrações, mandaram substituir as grades dos respiradouros da cave e, como as infiltrações continuaram, mandaram proceder à impermeabilização, reboco e pintura das paredes interiores da cave, obras estas que não impediram as águas pluviais de escorrer pelas paredes e de entrar na cave (pontos 1, 3, 6 a 9, 10, 11, 12, 19, 22 dos factos provados), pretendendo agora o A a condenação dos RR a realizarem obras no imóvel que impeçam as infiltrações de águas pluviais na cave, sem indicar a natureza ou alcance de tais obras.

Vista esta sinopse dos factos provados à luz das considerações antes enunciadas, resulta que os RR cumpriram a obrigação de realizar obras destinadas a evitar as infiltrações de águas e se é certo que, apesar das obras, as infiltrações se mantêm tal não configura necessariamente uma execução defeituosa da sua prestação, pois pode muito bem acontecer que as infiltrações permaneçam independentemente da envergadura e natureza de quaisquer obras que os RR venham a realizar no locado, por resultarem, como efeito colateral, das obras de requalificação que a Câmara Municipal de Ourém levou efeito no local, subindo o pavimento da rua até ao nível do rés-do-chão do prédio arrendado (ponto 18 dos factos provados).

O A. não prova, assim e a nosso ver, nem o incumprimento da prestação que aos RR incumbia – a realização de obras – nem sua execução defeituosa, ou seja, a desconformidade entre as obras que, por adequadas a obstar às infiltrações, incumbia aos RR realizar e as obras, em concreto, realizadas e, como tal, o recurso à presunção de culpa no cumprimento defeituoso da prestação não se configura, nem se vê que obras se possam impor aos RR senhorios para obstar às infiltrações.

Por isto que a decisão recorrida ao ajuizar, a propósito, designadamente que “(,..) não ficou demonstrado nos autos que os RR., na qualidade de senhorios do bem locado, tivessem qualquer responsabilidade nessa manutenção parcial da situação. Designadamente, não ficou demonstrado nos autos que a continuação da situação de continuarem as águas pluviais na cave, se devesse a algum defeito estrutural na construção do edifício onde se situa o imóvel locado ou em algum defeito na estrutura da cave que faz parte desse imóvel. Mais especificamente não ficou demonstrado que as infiltrações das águas pluviais ocorressem a partir das paredes interiores da cave. Também não ficou demonstrado que ocorressem essas infiltrações de água por deficiente impermeabilização das paredes interiores da cave”, decidiu, a nosso ver, bem e, como tal, deve manter-se.

O recurso improcede quanto a esta questão.

2.2 Se os RR deverão a indemnizar o A. por danos causados em produtos armazenados na cave e por privação do uso da cave

A decisão recorrida julgou improcedentes os pedidos de indemnização por danos emergentes da inutilização de produtos armazenados na cave, comercializados pelo A. e pela privação do uso da cave; considerou não se reunirem os pressupostos da obrigação de indemnizar: (i) a ilicitude do facto e a culpa, porquanto o A. não demonstra o incumprimento do contrato por parte dos RR, (ii) os danos, porquanto o A. não os provou.

O A. diverge com argumentos de facto e direito; argumentando de facto defende que deverão ser julgados provados os factos discriminados nas als. A a D, J e L a N dos factos não provados e considera, de direito, que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil designadamente o incumprimento do contrato e a culpa dos RR causal dos prejuízos cuja prova defende.

Segundo o artº 798º do CC, “[o] devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

Omitindo o devedor o cumprimento da obrigação por razões que lhe sejam imputáveis incorre na obrigação de indemnizar o credor e idêntico raciocínio é, em princípio, válido para os casos em que o devedor executa materialmente a prestação mas a executa mal, também neste caso se pode falar em inexecução da obrigação.

“A execução defeituosa reconduz-se em si mesma, na grandíssima maioria dos casos, a uma situação de incumprimento definitivo.”[2]

Na responsabilidade contratual o facto ilícito consiste no incumprimento da obrigação, isto é, na inexecução da prestação a que o devedor está vinculado ou na execução defeituosa dessa mesma prestação e este constitui a par de outros (culpa, danos, nexo de causalidade entre o facto e os danos) um pressuposto da obrigação de indemnizar e sem ele a obrigação não existe.

O A., já se afirmou, não demonstrou o incumprimento (ou a execução defeituosa) da obrigação dos RR realizarem obras no arrendado, ou seja, não prova a ilicitude do facto e, assim, independentemente da verificação dos prejuízos que alega, os RR não se mostram incursos na obrigação de indemnizar.

Acresce dizer que, em qualquer caso, os RR não se mostrariam obrigados a indemnizar o A pelos danos alegadamente resultantes da inutilização de artigos do seu comércio armazenados na cave, à data das infiltrações, pela dificuldade ou impossibilidade que resultaria de estabelecer um nexo de causalidade entre o facto e os danos.

Durante 44 anos (1969 a 2013) de vigência do contrato não há notícia nos autos de infiltrações de águas na cave, não se estranhando, pois, que durante todo esse período o A. não tenha informado o senhorio da necessidade de realizar obras de impermeabilização da cave como, sendo necessárias, era sua obrigação [artº 1038º, al. h), do CC], assim em 2013, data da verificação das primeiras infiltrações, não se pode concluir que estas tiveram causa na falta de obras de conservação do prédio, até aí tidas por desnecessárias, por isto que ocorrendo os prejuízos da inutilização de artigos de comércio na referida data [o A., segundo alega, deixou a partir de 2013 de usar a cave] os mesmos não resultam – não foram causados – por facto imputável aos RR ou, mais próximo da terminologia legal, os RR, enquanto senhorios, não respondem por danos causados pela omissão de obras cuja necessidade não lhes foi comunicada pelo arrendatário [artº 1033º, al. d), do CC].

O A. não demonstra, a nosso ver, a ilicitude do facto – a falta de cumprimento ou a execução defeituosa da prestação – e, como tal, não se vê como lhe dar razão.

Improcede o recurso quanto a esta questão.

Solução que prejudica o conhecimento da impugnação da decisão de facto – destinada a introduzir os alegados prejuízos na base factual do litígio – pois seja qual for o resultado deste conhecimento a decisão final não se altera.

2.2 Se os RR deverão ser condenados a pagar ao A. o valor correspondente à reposição de um vidro na montra do estabelecimento

Diverge, por último, o A do segmento da sentença que não lhe reconheceu o direito de ser reembolsado da quantia que despendeu na colocação de três vidros nas montras; argumenta que não teve qualquer responsabilidade na quebra dos vidros, uma vez que esta foi concretizada por terceiros não identificados e que de acordo com a disciplina do artº 1044º, a contrario, só responde por perdas ou deterioração da coisa quando resultem de causa que lhe seja imputável.

Segundo o artigo 1043º, nº 1, do CC, “na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.”

A salvaguarda da coisa, como se afirma na decisão recorrida com recurso à lição de Menezes Cordeiro, “está a cargo do locatário (…) uma vez que, na generalidade das locações, o locatário fica com o controlo material da coisa, só ele pode protege-la e usá-la de modo adequado. (…) Os riscos inerentes ao gozo da coisa situam-se na esfera do locatário. Assim, a responsabilidade de reparar os danos, causados por assalto, num edifício arrendado para comércio, cabe ao comerciante-inquilino e não ao proprietário-senhorio.”[3]

Ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, incumbe ao locatário manter a coisa no estado em que a recebeu o que implica, para si, não só o dever de fazer dela um uso prudente em vista dos fins a que se destina, como a guardá-la e vigiá-la, por forma a zelar pela sua manutenção a fim de a restituir no estado em que a recebeu.

As deteriorações da coisa inerentes ao risco da sua utilização, como é o caso da quebra por terceiros dos vidros da montra de um imóvel destinado a comércio, inserem-se no âmbito dos deveres de manutenção da coisa que incumbem ao locatário e, assim, é ele o responsável pela reparação.

Argumenta o A. que a destruição dos vidros da montra, causada por terceiros não identificados, não lhe é imputável e, por tal razão, a reposição dos vidros deve correr por conta dos RR-senhorios e não por sua conta, por ser assim que resulta do artº 1044º, do CC, segundo o qual o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não excetuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.

À semelhança do que se estabelece para o devedor inadimplente (artº 799 do CC) a norma estabelece uma presunção de culpa do locatário por perdas e deteriorações da coisa que, objetivamente, não resultem de deteriorações inerentes a uma prudente utilização, o que significa que incumbe ao locatário demonstrar, nas configuradas situações, que a perda ou deterioração da coisa não procede de culpa sua (nem de terceiro a quem tenha permitido a utilização desta).

Por isso que não basta afirmar que uma determinada deterioração da coisa foi causada por terceiros desconhecidos para necessariamente se concluir que não é imputável ao locatário (posição do A); o que a norma tem em vista, a nosso ver, é a causalidade normativa, não a causalidade natural, a deterioração da coisa é imputável ao locatário quando resulte de ação ou omissão sua, ou seja, é-lhe imputável quando diretamente causada por ele mas também quando resulte de violação de deveres inerentes à sua posição jurídica, como ocorre, v.g., com a inobservância dos deveres de vigilância da coisa; defender o oposto implicaria, a nosso ver, esvaziar de conteúdo a obrigação de manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, uma vez que, deixando de vigiar a coisa ou, no limite, abandonando-a nunca seria responsável por deterioração dela, necessariamente, causadas por terceiros.

A salvaguarda da coisa, repete-se, constitui encargo do locatário, o que significa que a vandalização da coisa, por terceiros, representa uma (presumida) violação dos seus deveres de vigilância que lhe incumbe ilidir, por forma a afastar a sua responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa que não resultem de uma prudente utilização, sem prejuízo do direito de ação contra os terceiros responsáveis.

Improcede o recurso, restando confirmar a sentença recorrida.


3. Custas:
Vencido no recurso, incumbe ao A./apelante o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Apelante.

Évora, 19/11/2020
Francisco Matos
José Manuel Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho

__________________________________________________
[1] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 3ª ed. pág. 98
[2] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 282.
[3] Leis do Arrendamento Urbano anotadas, 2014, pág. 78.