Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8952/18.8T8STB-A.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: DELIBERAÇÃO
COMPROPRIEDADE
PAGAMENTO
DESPESAS
IMPUGNAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Nos termos previstos no n. º5 do art.º 10.º, da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 64/2003, de 23 de agosto, a fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.
2. É da responsabilidade dos respetivos proprietários ou comproprietários de prédios abrangidos pela AUGI a comparticipação nos encargos com a operação de reconversão.
3. A impugnação da deliberação tomada nessa assembleia é o meio processual adequado para suscitar qualquer invalidade relativa à sua convocação ou para manifestar a sua discordância pelo critério fixado, sendo irrelevante essa invocação em sede de embargos à execução, já que a deveriam ter impugnado no prazo de 60 dias após a publicação prevista no n.º 5 do art.º 12.º l Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, ou, na ausência dessa publicação, no prazo de 60 dias a partir da data em que dela tiveram conhecimento.
4. E enquanto não for impugnada judicialmente e declarada inválida, vincula os recorrentes, ainda que não estivessem presentes nem assinassem a respetiva ata. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I- Relatório.
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, instaurada por Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do … contra J… e Ju…, em que a exequente pediu o pagamento da quantia de € 23.942,53, acrescida de juros vencidos nos últimos cinco anos, no valor de € 4.791,13, contados entre 10.12.2013 e 10.12.2018, assim como os juros vincendos até pagamento, vieram os executados deduzir oposição à execução, pedindo a procedência dos embargos, ordenando-se a remessa dos autos para o Tribunal competente, julgando-se procedentes as exceções alegadas e extinguindo-se execução.
Alegaram, em resumo, residirem na freguesia de …, concelho de Castelo Branco, sendo competente o tribunal do domicílio dos executados; Nunca foram convocados para as assembleias de 23.03.2002 e de 27.03.2004, desconhecendo se o aviso da convocatória foi afixado na sede da Junta de Freguesia, ou se foi feita publicação da convocatória num dos jornais de divulgação nacional, pelo que são nulas todas as deliberações adotadas nas referidas assembleias; a ata de 27.03.2004 não constitui título executivo por ter sido aprovada apenas a fórmula de cálculo do valor a pagar, que só pode ser complementada pelo alvará de loteamento, pois não basta a junção do edital; desconhecem as assembleias gerais, e só após a aprovação do instrumento de reconversão é que se pode exigir aos comproprietários o pagamento da sua comparticipação nas despesas de reconversão para execução das obras, obras essas que ainda não tiveram o seu início.
A exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, alegando, em síntese, os executados foram convocados para as assembleias através de carta enviada para a sua morada, tendo as convocatórias sido afixadas na sede da Junta de Freguesia e publicadas no jornal “Correio da Manhã”, o mesmo tendo sucedido com os extratos das deliberações adotadas; a alteração da ordem de trabalhos foi efetuada por deliberação dos comproprietários presentes, inexistindo qualquer irregularidade na referida alteração e as atas não foram impugnadas judicialmente.
Foi proferido saneador-sentença, que julgou os embargos parcialmente procedentes e, consequentemente, determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 23.942,53, acrescida de juros à taxa legal contados desde 1 de novembro de 2018 até pagamento.
Desta sentença vieram os embargantes interpor o presente recurso, formulando, após alegações, as seguintes conclusões:
1º - Sob os números 11º e 12º dos factos provados, o tribunal a quo deu como assente que a exequente ao efetuar o cálculo aplicando a fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 23-03-2004 chegou ao montante de €24.561,87, valor da comparticipação dos embargantes nos custos de reconversão.
2º - Com este fundamento, o tribunal a quo fez improceder a alegação dos embargantes segundo a qual estaríamos na presença de um erro no cálculo dos custos da reconversão.
- O tribunal ao quo ao proferir despacho saneador sentença, sem julgamento, não permitiu aos recorrentes demonstrar a existência desse erro de cálculo.
- Porque o tribunal deixou de apurar sobre factos relevantes alegados pelos recorrentes, vista a sua importância para a decisão da causa a matéria dada como provada é insuficiente para sustentar a decisão recorrida o que, nos termos do art.º 662 n.º 2 al. c) do C.P.C. se invoca com as legais consequências.
Impugnação ou correcção da matéria de facto
- Na fundamentação jurídica da Douta Sentença consta no subtítulo “Validade da ata da assembleia geral de 27.03-2004” escreveu-se: “No que respeita à questão da convocatória para a assembleia de comproprietários realizada em março de 2004, não existe prova de que o respetivo aviso foi enviado, mediante registo postal para a residência dos embargantes constante da inscrição registral do respetivo direito, nos termos do nº 2 do artº. 11º da citada Lei nº 91/95.”
- No nº 12.º do articulado de contestação a exequente alega que “os executados foram convocados para as Assembleias Gerais de comproprietários da AUGI através de carta registada dirigida para a morada dos mesmos”.
7º - Por ser relevante para a boa decisão da causa, impõe-se a correção daquele nº 1 de Factos não provados que deverá passar a ter a seguinte redação: 2. Os executados foram convocados para as Assembleias Gerais de comproprietários da AUGI através de carta registada para a morada dos mesmos e as convocatórias foram afixadas na sede da Junta de Freguesia e publicadas no jornal “Correio da Manhã”.
8º - Por ser elemento constitutivo da invocada preclusão/caducidade do direito de os embargantes impugnar as deliberações da assembleia de 2004 impõe-se, em factos não provados, acrescentar o seguinte item:
Não se provou que: 3- “Os executados foram devidamente informados da existência das assembleias gerais e das deliberações proferidas nas mesmas”.
Da matéria de direito
- Por ser elemento constitutivo da regularidade da convocatória, recaía sob embargada o ónus de provar que convocou a assembleia de 23-03-2004 de forma regular, observando as formalidades prescritas no artigo 11º da Lei 91/95.
10º - Provam, negativamente, os autos que a embargada não deu cumprimento aos formalismos estabelecidos naquele artigo 11º:
- Não foi provado que enviou carta registada para a morada dos recorrentes constante da inscrição registral do respetivo direito;
- Não foi provado que o aviso convocatório da Assembleia foi afixado na sede da Junta de Freguesia;
- Não foi provado que o aviso convocatório foi publicado num jornal de divulgação nacional
11º - O artigo 11º n.º 3 da Lei 91/95 obriga a afixação na sede da junta de freguesia e à sua publicação num jornal de divulgação nacional do aviso convocatório.
12º- É uma norma imperativa, e o incumprimento deste comando normativo gera a invalidade da convocatória.
13º - O que resulta dos autos é a ausência absoluta de convocatória.
14º - À falta de solução legal expressa, pois que a lei 91/95 regula tão somente a impugnação das deliberações sociais eivadas de alguma irregularidade formal que não a falta absoluta de convocatória, em termos análogos ao estabelecido no artigo 56º n.º 1 al. a) do C.S.C. , aquela reunião de comproprietários de 27-03-2004 é nula com as legais consequências, máxime, a nulidade das deliberações aí tomadas, não produzindo qualquer efeito na esfera jurídica dos recorrentes e, inelutavelmente, a inexistência de título executivo.
15º - Como resulta dos autos, a reunião de 27-03-2004 não teve a participação de todos os comproprietários, pelo que a falta absoluta de convocatória da assembleia não poderia ser nem foi sanada.
16º -Foram violados os artºs 11º, 12º n.º 5 da Lei 91/95, 56º n.º 1 al. a) do C.S.C e 703º do C.P.C.
Nestes termos deve a douta sentença ser substituída por douto Acórdão que, julgando procedente os fundamentos invocados, declare inexistente o título executivo dado à execução, e em consequência julgue os embargos procedentes.
Sem prescindir ….
Verificada a insuficiência da matéria de facto provada nos termos alegados, deve V. Exas anular a decisão proferida na primeira instância, nos termos do artigo 662º n.º 2 al. c) do C.P.C. ou ordenar a produção de novos meios de prova nos termos do artigo 662º n.º 2 al. b) do C.P.C.
***
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir consistem em saber:
a) Se os autos contém todos os elementos de facto essenciais à decisão de mérito dos embargos no saneador;
b) Se a matéria de facto deve ser alterada no sentido pretendido pelos recorrentes;
c) Se a ata dada á execução constitui título executivo válido.
***
III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A matéria de facto considerada pela 1.ª instância, que se mantém, é a seguinte:
1. A exequente tem, entre outras, a atribuição de praticar os atos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI de Pinheiro Ramudo.
2. A favor dos executados encontra-se registada, pela Ap. 4 de 04.09.1995, a aquisição da comparticipação de 522,75/230000 avos indivisos do prédio rústico descrito na CRP de Palmela sob o n.º 452, integrado no perímetro classificado como AUGI do …, sito da freguesia da …, concelho de Palmela.
3. O referido prédio faz parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de ….
4. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de … realizada em 23.03.2002 fez aprovar a comissão de administração.
5. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de …, realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49.
6. A assembleia geral deliberou ainda sobre a seguinte proposta:
«1 - Que seja adotada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:
CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:
CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;
P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projetos), no montante de € 762,66 (…), com IVA incluído;
G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 (…), com IVA incluído, por cada mês, desde julho de 2000 até à aprovação das contas finais;
GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 (…), a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;
T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infraestruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas;
IE = Custo de todas as infraestruturas a realizar;
STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respetivo alvará;
STPL = Área máxima de construção atribuída ao respetivo lote no alvará de loteamento;
K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo.
2 - Que seja estabelecido o dia 30 de abril do corrente ano como data limite para o pagamento dos custos adicionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta assembleia, sem qualquer encargo adicional;
3 - Que seja estabelecido um prazo máximo de 30 dias meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% (…) ao ano.»
7. Consta o seguinte da ata da assembleia geral, logo após o texto da proposta referida no ponto anterior: «Apresentada esta proposta (…), face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área (s) de construção do (s) seu (s) lote (s) findo o qual se considerará a área prevista no atual projeto aprovado, atribuindo-se então o respetivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação».
8. As aludidas propostas foram aprovadas por maioria absoluta.
9. Da tabela em anexo à ata, referente ao fator “K”, consta a menção de que os coeficientes indicados correspondem à proporção da área do lote na área total do loteamento.
10. A deliberação aprovada na assembleia geral de comproprietários de 27.03.2004 foi publicada no dia 05.04.2004, no jornal “Correio da Manhã”.
11. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efetuou, em 20.09.2018, o cálculo relativo ao lote a atribuir aos embargantes, que terá o número 1041, com a área de 539,00 m2 e com a STPL de 257,80, pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital Nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
12. Do referido cálculo resulta que a comparticipação dos embargantes, com os custos de reconversão, ascende a € 24.561,87.
13. Foi enviada ao embargante, pela exequente, uma missiva datada de 24.09.2018, na qual a primeira solicitou o pagamento da quantia de € 23.942,53, no prazo máximo de 15 dias, referindo que já tinha sido entregue a quantia de € 619,34.
14. Por edital de 30.07.2010, foi tornada pública a aprovação pela edilidade camarária da licença de loteamento, e respetivas alterações, referente à Reconversão da AUGI da Quinta do …, por deliberação da Câmara tomada em reuniões de públicas de 13.12.2000, 18.10.2006 e 19.08.2009.
15. Por deliberação da Câmara Municipal de Palmela de 19.08.2009, foi aprovada a licença de loteamento e respetivas alterações, referentes à reconversão da AUGI da Quinta do ….
16. Por despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro em 19.07.2009, no uso da competência subdelegada pela Sra. Presidente da Câmara (através do despacho nº. 20/2009 de 23.11), foi deferido o licenciamento de obras de urbanização.
***
Factos não provados.
Com relevância para a decisão a proferir, nenhum outro facto ficou provado. Nomeadamente, não se provou que:
1. Os executados foram convocados para as Assembleias Gerais de comproprietários da AUGI através de carta registada para a morada dos mesmos e as convocatórias foram afixadas na sede da Junta de Freguesia e publicadas no jornal “Correio da Manhã”. As convocatórias foram afixadas na sede da Junta de Freguesia e publicadas no jornal “Correio da Manhã.
2. O extrato das deliberações foi afixado na sede da Junta de Freguesia.
***
2. O Direito.
1. Suficiência da matéria de facto.
Sustentam os recorrentes que o tribunal a quo deu como assente que a exequente ao efetuar o cálculo aplicando a fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 23-03-2004 chegou ao montante de €24.561,87, valor da comparticipação dos embargantes nos custos de reconversão, fazendo improceder a alegação dos embargantes na sua oposição de que havia um erro no cálculo dos custos da reconversão.
Entendem, por isso, que o tribunal deixou de apurar factos relevantes alegados pelos recorrentes e relevantes para a decisão da causa, o que invocam nos termos e para os efeitos do art.º 662.º n.º 2 al. c) do C.P.C.
Vejamos, pois, se a razão está do seu lado.
Na petição inicial os embargantes alegam (art.ºs 31.º a 35.º):
“- Mais uma vez, o documento nº 4, identificado como “Apuramento dos custos de reconversão”, de onde consta a área do lote que irá ser atribuído aos oponentes, não constitui um documento complementar do título executivo, e só o alvará constitui um documento que poderá completar tal e provar a área máxima de construção atribuída à totalidade do loteamento e a área máxima de construção atribuída ao lote dos oponentes.
- Alvará esse cuja existência os oponentes desconhecem e que não se encontra junto ao requerimento executivo, por forma a complementa-lo.
- Acresce que, o documento nº 4, identificado como “Apuramento dos custos de reconversão”, está ferido de um erro crasso nos elementos essenciais para cálculo do valor da comparticipação.
- Veja-se que os custos de reconversão do lote dos oponentes é calculado tendo por base uma comparticipação destes de 825,98 avos a que corresponde o coeficiente de 2,00 quanto ao índice relativo à dimensão dos lotes (K), conforme tabela anexa à ata de 27/03/2004.
- Quando na realidade, e conforme resulta da certidão da descrição predial, os oponentes são titulares de uma comparticipação de 522,75 avos a que corresponde o coeficiente de 1,47 quanto ao índice relativo à dimensão dos lotes (K), conforme tabela anexa à ata de 27/03/2004, e não de 2,00 como pretende a exequente.
- Ou seja, para além da falta do documento essencial que é o alvará de loteamento,
o cálculo das despesas apresentado é erróneo e não tem qualquer correspondência com a
realidade, pelo que a quantia em dívida, ainda que existisse, não está certa, não podendo assim ser exigida aos oponentes”.
Assim, perante a posição assumida oposição pelos embargantes, essa pretensa factologia (e só esta, ou seja, os factos concretos e objetivos) não é controvertida, estando apenas em causa, segundo os recorrentes, um erro de cálculo, cujo suporte fáctico não é controvertido, razão pela qual não devem os autos prosseguir para julgamento.
Como sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, págs. 696/697, “o juiz só deve conhecer do pedido ou dos pedidos formulados sempre que não exista matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização da audiência final. Assim acontecerá, nomeadamente quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe interesse na enunciação dos temas da prova”.
No mesmo sentido se pronunciam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado “, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 667, salientando que o juiz não se deve limitar aos factos que interessam à sua visão jurídica, mas também àqueles factos que interessam a outras vias de solução possível do litígio, tendo em conta as posições assumidas pelas partes quanto à sua fundamentação jurídica e correntes doutrinais e jurisprudenciais.
A este propósito, escreve Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declarativo”, 2.ª edição, Almedina, 2017, pág. 287, que quando a questão de direito possa ter mais que uma solução, implicando que o relevo dos referidos factos (ainda controvertidos) varie em função desta ou daquela possível solução jurídica, “justifica-se que o juiz só conheça do mérito da causa no despacho saneador quando “possa emitir uma decisão segura que, em princípio, não seja afetada pela evolução posterior”.
Ora, a verdade é que o estado dos autos permite, sem necessidade de outras provas, a apreciação total da oposição, face à inexistência de factos alegados controvertidos, cuja prova pudesse conduzir a outra solução jurídica plausível.
Resumindo, a factualidade alegada e dada como provada por acordo das partes e documentos juntos nos autos impõe a decisão de mérito no saneador (art.º 595.º/1, al. b) do CPC.
Aliás, a própria recorrente não invoca que factos controvertidos importam apurar e que justifiquem qualquer outra decisão de mérito.
Soçobram, pois, as conclusões 1.ª a 4.ª.
2. Da alteração da matéria de facto.
Pretendem os recorrentes que seja alterada a redação do n. º1 dos factos não provados para a seguinte:
“Os executados foram convocados para as Assembleias Gerais de comproprietários da AUGI através de carta registada para a morada dos mesmos e as convocatórias foram afixadas na sede da Junta de Freguesia e publicadas no jornal “Correio da Manhã”.
Trata-se de matéria de facto alegada pela embargada na sua contestação, onde sustenta (art.ºs 12.º a 16.º):
“- Efetivamente, tal afirmação não corresponde à verdade, pois os executados foram convocados para as Assembleias Gerais de comproprietários da AUGI através de carta registada dirigida para a morada dos mesmos.
- Bem como as mencionadas convocatórias foram afixadas na sede da Junta de Freguesia da … e publicadas no jornal “Correio da Manhã”.
- De igual modo, os respetivos extratos de ata das deliberações das Assembleias Gerais foram igualmente afixados na sede da Junta de Freguesia e publicados no jornal “Correio da Manhã”.
- Deste modo, o extrato da ata da Assembleia Geral de 27/03/2004 foi igualmente publicado no jornal “Correio da Manhã”, conforme cópia do anuncia que se anexa – Doc. 1.
- Pelo que os executados foram devidamente informados da existência das assembleias gerais e das deliberações proferidas nas mesmas”.
Ora, como sustentam os recorrentes, na fundamentação jurídica da Sentença recorrida, no que respeita á “Validade da ata da assembleia geral de 27.03-2004” , escreveu-se: “No que respeita à questão da convocatória para a assembleia de comproprietários realizada em março de 2004, não existe prova de que o respetivo aviso foi enviado, mediante registo postal para a residência dos embargantes constante da inscrição registral do respetivo direito, nos termos do nº 2 do artº. 11º da citada Lei nº 91/95.”
Efetivamente, competia à embargada, fazer prova dessa factualidade, juntando prova documental bastante na sua contestação.
Não o tendo feito, não está demonstrado esse facto, ou seja, que “os executados foram convocados para as Assembleias Gerais de comproprietários da AUGI através de carta registada para a morada dos mesmos”.
Todavia, aditar aos factos dados como não provados essa realidade é de todo irrelevante para a boa decisão da causa, pelo que não se vê qualquer utilidade em aditar essa factualidade, pois é insuscetível de influenciar a decisão de mérito.
Por isso, inútil se torna realizar o seu julgamento para a dar como não provada a referida “factologia”, a qual não foi dada como provada, sendo que no processo não é lícito realizar atos inúteis (art.º 130º, do CPC).
Aplicando o referido princípio à pretendida reapreciação da matéria de facto, deve entender-se que «o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa.
Os poderes de controlo da Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1ª instância não devem ser atuados se os factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhum dos enquadramentos jurídicos possíveis do objeto do recurso» [1]..
Assim também se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 17/05/2017, afirmando: “O princípio da limitação dos atos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os atos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de atos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir” [2].
É precisamente o que acontece no caso dos autos, pois a decisão de mérito há de ter por fundamento os factos provados, é com base nestes que deve ser feito o enquadramento jurídico da questão submetida à apreciação do tribunal, e não nos factos não provados, que inexistem para esse efeito, pois a circunstância de não se ter provado determinada realidade não acarreta a prova do contrário.
Nesse sentido, não se vê qual a utilidade de se acrescentar à factualidade não provada a identificada pelos recorrentes, assim como acrescentar o ponto n. º3 a essa factologia não provada.
Assim, mantém-se a matéria de facto.
3. Do título executivo.
Sustentam os recorrentes que competia à recorrida, por ser elemento constitutivo da regularidade da convocatória da assembleia geral, o ónus de provar que convocou a assembleia de 23-03-2004 de forma regular, observando as formalidades prescritas no artigo 11º da Lei 91/95. E não o tendo feito, essa violação gera a invalidade da convocatória, resultando dos autos a ausência absoluta de convocatória.
E, assim sendo, adiantam, à falta de solução legal expressa, à absoluta de convocatória é aplicável o regime do artigo 56º n.º 1 al. a) do C.S.C., ou seja, a reunião de comproprietários de 27-03-2004 é nula com as legais consequências, “máxime, a nulidade das deliberações aí tomadas, não produzindo qualquer efeito na esfera jurídica dos recorrentes e, inelutavelmente, a inexistência de título executivo”.
Porém, é manifesta a sua falta de razão, como se tentará demonstrar.
A exequente pretende obter o pagamento da quantia de € 24.561,87, relativa à comparticipação dos recorrentes com os custos de reconversão, comparticipações devidas pelos proprietários que foram validamente aprovadas em assembleia geral ordinária realizada em 23-03-2004.
Dito de outro modo, a exequente/recorrida reclama o pagamento dos custos de reconversão relativamente a um lote de terreno pertencente aos executados/embargantes.
Esta matéria está regulada na Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 64/2003, de 23 de agosto, a qual veio estabelecer regras para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal, impondo o dever de reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI [3] aos respetivos proprietários ou comproprietários, esclarecendo que nesse dever se inclui o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição ( seu artigo 3.º).
Com efeito, estabelece o n. º4 do seu art.º 3.º:
Os encargos com a operação de reconversão impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa”.
E prescreve o n.º 2, do seu art.º 3.º, que o dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela Câmara Municipal.
Este diploma legal estabelece, ainda, o regime da administração conjunta, assegurada pelos respetivos proprietários ou comproprietários dos prédios integrados na AUGI, através da assembleia de proprietários ou comproprietários, competindo-lhe, entre outros, nos termos da alínea f) do n. º2 do art.º 10.º, aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º – seus artigos 8.º a 17.º.
A alínea c) do n. º1 do art.º 15.º prevê que compete à comissão de administração “Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projetos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização”.
Cada lote comparticipa na totalidade dos custos de execução das obras de reconversão na proporção da área de construção que lhe é atribuída no estudo de loteamento em relação à área total de construção de uso privado aprovada, como decorre do seu art.º 26.º/3.
E assim é porque com a conclusão da reconversão urbanística todos os proprietários ou comproprietários beneficiarão, visto que em lugar de prédios clandestinos ou de lotes ilegais acabam por possuir lotes urbanos legalizados ou construções licenciadas e, consequentemente serão substancialmente valorizados.
Por outro lado, a reconversão urbanística implica a existência de áreas de terreno destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos, que podem ser inferiores às que resultam da aplicação dos parâmetros definidos pelo regime jurídico aplicável aos loteamentos quando o cumprimento estrito daqueles parâmetros possa inviabilizar a operação de reconversão – art.º 6.º, n. º1, do apontado diploma legal.
E acrescenta o n. º4 deste normativo legal que “quando as parcelas que devam integrar gratuitamente o domínio público de acordo com a operação de reconversão forem inferiores às que resultam do regime jurídico aplicável, há lugar à compensação prevista no n.º 4 do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, a qual deve, sempre que possível, ser realizada em espécie e no território das freguesias onde se situa a AUGI”.
Importa ainda referir o regime previsto no n.º5 do seu art.º 10.º, ao conferir força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, ao estatuir:
“A fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo”.
Urge, assim, apurar se a ata dada à execução tem força executiva.
Como é consabido, toda a execução tem por base um título, sendo este que determina o “fim e os limites da ação executiva”, e como fim possível, o n.º 6 do art.º 10.º do C. P. Civil, indica o “pagamento de quantia certa”, a “entrega de coisa certa” ou a “prestação de facto, “quer positivo, quer negativo” – Eurico Lopes Cardoso, in “Manual da Ação Executiva”, pág. 31.
O título, nas palavras de Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª Edição, pág. 43, “constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da ação executiva, isto é, o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade, ativa e passiva”.
Como refere Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, pág. 142/143, “deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos”.
Neste sentido se escreveu no Acórdão do STJ de 15/3/2007, Proc. N.º 07B683 (Salvador da Costa): “A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.
O fundamento substantivo da ação executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da ação executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas (…)”.
Como já ensinava José Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, Vol. I. 3.ª Edição, pág. 147, a propósito dos requisitos substanciais do título executivo, “O segundo requisito não está expressamente previsto na lei, mas é uma exigência da própria natureza e função do título executivo. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.”
Ora, está assente que a favor dos executados/oponentes encontra-se registada, pela Ap. 4 de 04.09.1995, a aquisição da comparticipação de 522,75/230000 avos indivisos do prédio rústico descrito na CRP de Palmela sob o n.º 452, integrado no perímetro classificado como AUGI do …, sito da freguesia da …, concelho de Palmela, sendo que o referido prédio faz parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de ….
E na assembleia geral de comproprietários da AUGI de …, realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49, deliberando ainda a adoção da seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:
CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:
CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;
P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projetos), no montante de € 762,66 (…), com IVA incluído;
G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 (…), com IVA incluído, por cada mês, desde julho de 2000 até à aprovação das contas finais;
GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 (…), a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;
T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infraestruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas;
IE = Custo de todas as infraestruturas a realizar;
STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respetivo alvará;
STPL = Área máxima de construção atribuída ao respetivo lote no alvará de loteamento;
K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo.
Mais foi fixado nessa deliberação o dia 30 de Abril desse ano (2004) como data limite para pagamento dos custos provisionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado pela Assembleia, e foi estabelecido o prazo máximo de 30 dias meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% (…) ao ano.
E em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efetuou, em 20.09.2018, o cálculo relativo ao lote a atribuir aos embargantes, que terá o número 1041, com a área de 539,00 m2 e com a STPL de 257,80, pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital Nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela, resultando desse cálculo que a comparticipação dos embargantes, com os custos de reconversão, ascende a € 24.561,87.
Assim, a lei obriga os proprietários ou comproprietários dos lotes de terreno a suportar o encargo com os custos de reconversão, podendo, o atual proprietário, se esses encargos já eram devidos pelo anterior proprietário à data da sua aquisição, obter, por via de regresso, as importâncias que lhe sejam exigidas e que venha a liquidar.
Por isso, urge concluir que sendo os executados/embargantes proprietários do lote de terreno em causa (presunção decorrente do art.º 7.º do C. Registo Predial), estão obrigados a suportar esses custos de reconversão.
Daí poder afirmar-se que a cópia certificada da ata número 35, acompanhada dos referidos anexos, servindo de base à execução, constitua título executivo, por respeitar a previsão do n. º5 do art.º 10.º, do citado diploma legal, ou seja, estamos em presença de “fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”, a qual reveste natureza de título executivo.
É manifesto que o legislador veio atribuir força executiva à ata da assembleia de proprietários e comproprietários, permitindo à comissão de administração a instauração de ação executiva contra o proprietário de lotes de terreno, relativamente à sua contribuição para as despesas de reconversão devidas pelos respetivos prédios, na proporção fixada de acordo com os métodos e fórmulas de cálculo aprovadas em assembleia, dispensando o recurso ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento desses créditos.
Donde, conferir-se eficácia executiva à ata onde foi fixada a obrigação a pagar no futuro. O não pagamento dentro do prazo fixado, apenas torna exigível essa obrigação através da ação executiva, tendo por base esse título, ou seja, a referida ata.
E compete ao devedor/executado demonstrar que a dívida não é devida, nomeadamente porque efetuou o seu pagamento, ou outro facto extintivo do direito de crédito invocado – art.º 342.º/2 do C. Civil.
É certo que nem toda a ata é considerada título executivo, pois que a lei só o reconhece àquela que “contém a deliberação da assembleia que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”.
Donde, tornar-se necessário que o valor em causa esteja relacionado com a comparticipação nas despesas de conversão que devam ser suportadas pelos proprietários ou comproprietários dos lotes de terreno.
E é justamente o que sucede no caso dos autos, em que consta da referida ata uma deliberação da assembleia de proprietários que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, fixando o prazo para esse pagamento e os critérios e método para a sua quantificação, complementada pelos anexos a essa ata.
E não colhe o fundamento invocado pelos recorrentes de que não foram convocados para essa assembleia e que a falta de convocação gera a sua nulidade.
É certo que a assembleia é convocada por escrito, mediante registo postal enviado para a morada dos membros que nela podem ter assento, presumindo-se, na falta de outra indicação, que a morada é a constante da inscrição registral do respetivo direito.
O aviso convocatório é obrigatoriamente afixado na sede da junta de freguesia e publicado num dos jornais de divulgação nacional.
A convocatória é enviada com a antecedência mínima de 15 dias e deve indicar a data, hora e local da reunião, bem como a respetiva ordem de trabalhos, e especificar que é realizada ao abrigo do presente diploma (n. º2 a 5 do art.º 11.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro).
E nos termos do n.º 5, do seu art.º 12.º, “É obrigatória a publicação das deliberações produzidas, em forma de extrato, no prazo de 15 dias, mediante aviso a afixar na sede da junta de freguesia e por anúncio no jornal onde foi publicado o aviso convocatório da assembleia, quando na mesma não tenham estado presentes ou representadas todas as pessoas que nela podem ter assento”.
De acordo com o disposto nos seus n.ºs 7 e 8 do art.º 12.º, estas deliberações podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 5 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião, sendo que a ação de impugnação deve ser intentada contra a administração conjunta, representada pela comissão de administração.
Ora, a deliberação que foi aprovada na assembleia geral de comproprietários de 27.03.2004 foi publicada no dia 05.04.2004, no jornal “Correio da Manhã”.
Portanto, podiam os recorrentes impugnar essa deliberação no prazo de 60 dias contados da data dessa publicação. Não o tendo feito, não podem agora suscitar qualquer irregularidade ou invalidade decorrente da sua não convocação ou preterição de qualquer outra formalidade, bem como por discordância dos critérios aí fixados para o apuramento dos custos devidos pela reconversão.
É que a deliberação em causa, enquanto não for impugnada judicialmente e declarada inválida, vincula os recorrentes, ainda que não estivessem presentes nem assinassem a respetiva ata (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/1072004, proc. N.º 7680/2004-6, disponível em www.dgsi.pt).
Na realidade, a impugnação da deliberação tomada nessa assembleia é o meio processual adequado para suscitar a respetiva invalidade ou manifestar a sua discordância pelo critério adequado, como tem vindo a ser decidido por esta Relação (cf. Acs. de 27/6/2019, proc. 4733/16.1T8STB-A.E1 e de 12/09/2019, proc. N.º 7755/17.1T8STB-A.E1(Ana Margarida Leite).
Dito de outro modo, é irrelevante a invocação pelos recorrentes, em sede de embargos à execução, da pretensa nulidade da deliberação por omissão total da sua convocação, ou por discordarem do critério fixado, já que a deveriam ter impugnado no prazo de 60 dias após citada publicação, ou, na ausência desta, no prazo de 60 dias a partir da data em que dela tiveram conhecimento.
A sentença recorrida não merece, pois, censura.
Improcede a apelação.
Vencidos no recurso, suportarão os recorrentes as respetivas custas – Art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
***
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos recorrentes.
Évora, 2020/01/16
Tomé Ramião (relator)
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
__________________________________________________
[1] ) Cf. Acórdão do TRL de 10-02-2011, proferido no processo n.º 334/10.6TVLSB-C.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[2] ) Proferido no processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] ) Nos termos do art.º 1.º, n.º2 deste diploma legal, “Consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.o 400/84, de 31 de Dezembro, e que, nos respetivos planos municipais de ordenamento do território (PMOT), estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º”.