Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
250/18.3T8FAR-A.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: VALOR DA CAUSA
OPORTUNIDADE DA DECISÃO
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não é admissível a dedução de um incidente de fixação do valor da causa posteriormente à prolação de sentença que fixou esse mesmo valor.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 250/18.3T8FAR-A.E1

(…) impugnou judicialmente o despacho de sustentação lavrado em sede de recurso hierárquico do despacho de qualificação da Ap. (…) de 2017/10/02 (recusa de registo) e do consequente despacho de indeferimento de 15.12.2017, do superior hierárquico que recaiu sobre o recurso hierárquico. O Tribunal Judicial da Comarca de Faro proferiu sentença julgando tal impugnação improcedente. Nessa sentença, o valor da causa foi fixado em € 4.050.000,00. Notificado da sentença, o recorrente deduziu “incidente processual de fixação judicial do valor da causa”, no qual requereu que esse valor fosse fixado em € 250,00 ou em € 425,00. O requerimento de dedução do referido incidente foi liminarmente indeferido com fundamento no facto de já ter sido proferida sentença que pôs termo à causa e na qual foi fixado o valor desta. Do despacho de indeferimento liminar, o recorrente interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – À causa deve ser fixado o valor de € 250,00 ou € 450,00, pois trata-se de valores objectivos cujo benefício se retira da presente lide.

2 – Contrariamente, o tribunal a quo entendeu já ter sido proferida decisão final quanto ao valor da causa e, em consequência, entendeu que não existe fundamento para o incidente processual proposto pelo recorrente – neste raciocínio, o tribunal a quo indeferiu liminarmente o incidente processual proposto pelo recorrente.

3 – O tribunal a quo errou na interpretação que fez sobre as regras de fixação do valor da causa, nomeadamente as normas jurídico-processuais constantes dos artigos 296.º a 310.º do CPC, omitindo a respectiva pronúncia sobre o incidente proposto – embora o valor da causa tenha sido fixado em decisão anterior, a verdade é que o valor fixado para a causa não corresponde ao valor concreto e objectivo que a mesma deve ter nos termos dos critérios indicados anteriormente.

4 – O valor da causa nunca poderá exceder os valores dos emolumentos pagos pelo recorrente e muito menos ser fixado o valor da causa como aquele correspondente ao contrato de compra e venda negociado pelas partes na acção do processo 2868/17.2T8FAR – e isto porque, naquela outra acção, o que está em causa é determinar a existência de um negócio jurídico celebrado entre as partes, sendo que, nessa acção, o valor corresponde à quantia em dinheiro equivalente a esse benefício, ou seja, € 4.050.000,00.

5 – Na presente acção não está em causa qualquer determinação sobre a validade e consequência do negócio jurídico, mas sim um mero acto de publicidade à situação jurídica do prédio em causa tendo em conta a defesa dos legítimos interesses de terceiros de boa-fé – e neste entendimento apenas se pode compreender que à causa se deva fixar o valor correspondente a esse acto de registo, nomeadamente o valor pago em termos de emolumentos.

6 – E sendo fixado o valor à presente acção de € 250,00 ou € 450,00, verifica-se que o tribunal é incompetente para a presente causa, nos termos do artigo 410.º, n.º 1, do CPC – todavia, atendendo ao objectivo e natureza da presente acção, somos em crer que o valor da causa apenas poderá corresponder à quantia paga pelo recorrente no acto do registo da acção e eventualmente agregado ao acto de recurso da recusa desse registo.

O recurso foi admitido.

A única questão a resolver é a de saber se é admissível a dedução de incidente de fixação do valor da causa nos termos em que o recorrente o fez e em momento posterior à prolação da sentença que fixou esse valor.

Os factos relevantes para a decisão do recurso são apenas aqueles que acima foram descritos. Em resumo, na sequência da prolação de sentença que fixou o valor da causa em € 4.050.000,00, o recorrente deduziu “incidente processual de fixação judicial do valor da causa”, no qual requereu que tal valor seja fixado em € 250,00 ou em € 425,00. Esse incidente foi liminarmente indeferido com fundamento no facto de já ter sido proferida sentença em que foi fixado o valor da causa.

O Código de Processo Civil (ao qual pertencem todas as normas adiante referidas) regula a fixação do valor da causa no título dedicado aos incidentes da instância. Fá-lo, mais precisamente, nos artigos 296.º a 310.º. Não obstante, estamos perante um incidente que não é deduzido com autonomia. Com efeito, nos termos do artigo 552.º, n.º 1, al. f), o autor deve indicar o valor da causa na petição inicial, sob pena de esta última ser recusada pela secretaria ao abrigo do disposto no artigo 558.º, al. e). Quando a petição inicial não contenha a indicação do valor da causa e, apesar disso, haja sido recebida, o autor deve ser convidado, logo que a falta seja notada e sob cominação de a instância se extinguir, a declarar esse valor (artigo 305.º, n.º 3). O réu, por seu turno, pode, na contestação e sob pena de se considerar que aceita o valor indicado pelo autor, impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição, nos termos do artigo 305.º, n.ºs 1 e 4. Se o autor tiver indicado o valor da causa apenas na sequência do convite acima referido, o réu será disso notificado e, se já tiverem findado os articulados, poderá impugnar o valor indicado, nos termos e sob a cominação anteriormente descritos (artigo 305.º, n.º 3). As partes podem acordar em qualquer valor nos articulados seguintes à contestação, podendo o autor vir declarar que aceita o valor oferecido pelo réu através de peça autónoma na hipótese de o processo só admitir dois articulados (artigo 305.º, n.ºs 1 e 2). Trata-se, portanto, de um incidente que, em regra, se desenrola nos próprios articulados, constituindo excepções as hipóteses previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 305.º. Não tem, pois, cabimento a dedução de um incidente de fixação do valor da causa através de requerimento autónomo, como o recorrente fez.

Importa considerar, por outro lado, que, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, nos termos descritos, compete ao juiz fixar o valor da causa, o que este fará, em regra, no despacho saneador e, excepcionalmente, nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não houver lugar àquele despacho, na sentença (artigo 306.º, n.ºs 1 e 2). Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, este deve fixá-lo no despacho em que aprecia o requerimento de interposição (artigo 306.º, n.º 3). Resulta destas normas que, ainda que constituísse forma admissível de suscitar a fixação do valor da causa, o requerimento apresentado pelo recorrente, porque posterior à prolação da sentença que procedeu àquela fixação, sempre seria extemporâneo. Foi com este fundamento que o tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento em causa e, nas suas alegações, o recorrente não apresenta argumentação tendente a demonstrar a tempestividade do mesmo requerimento. Em vez disso, o recorrente insiste em tentar demonstrar que o valor da causa fixado na sentença não é o correcto, mas sem tocar na questão prévia, que é aquela que está verdadeiramente em causa neste recurso, da admissibilidade dessa discussão em momento posterior à sentença. Se discordava do valor da causa fixado na sentença, aquilo que o recorrente devia ter feito era interpor recurso desta em devido tempo, em vez de suscitar um incidente de verificação do valor da causa perante o tribunal a quo, que já havia esgotado o seu poder jurisdicional relativamente a essa matéria (artigo 613.º, n.º 1).

Resulta do exposto que o tribunal a quo decidiu bem ao indeferir liminarmente o incidente deduzido pelo recorrente, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente.

Sumário:

Não é admissível a dedução de um incidente de fixação do valor da causa posteriormente à prolação de sentença que fixou esse mesmo valor.

Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

Évora, 14 de Março de 2019

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

José Manuel Barata

Conceição Ferreira