Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
253/11.9TBLGS.E2
Relator: MÀRIO SERRANO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
RELATÓRIO PERICIAL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não dispondo os juízes de conhecimentos técnicos na matéria, é inevitável que, sem prejuízo dos seus poderes de censura do juízo pericial, tomem em especial consideração as valorações técnicas dos peritos e, em particular, daqueles que são nomeados pelo tribunal, que oferecem, à partida, a garantia de um maior grau de imparcialidade e isenção.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 253/11.9TBLGS.E2-2ª (2017)
Apelação-1ª
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC)


ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO:

No presente processo de expropriação, tramitado ao abrigo do Código das Expropriações (CE) de 1999 (aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro), em que é expropriante «Rotas do Algarve (…), SA» e é expropriada «(…) – Investimentos Turísticos, Lda.» (que sucedeu à originária titular dessa posição, «… – Sociedade Imobiliária, Lda.», por efeito de escritura de fusão de várias sociedades, documentada a fls. 253-261), e no âmbito do recurso da decisão arbitral proferida em sede de processo de expropriação litigiosa, a decorrer no tribunal de 1ª instância, respeitante a uma parcela de terreno pertencente a esta última (identificada sob o nº 012, com a área de 3.364,55 m2, e a destacar de prédio rústico descrito sob o nº …/20021218, na Conservatória do Registo Predial de Lagos, da freguesia de S. Sebastião – Lagos), e que foi objecto de declaração de utilidade pública de expropriação, com vista à construção do «Lanço 2.1 g), Variante a Lagos, da Subconcessão da Auto-Estrada do Algarve Litoral», vem a expropriante interpor recurso da decisão do tribunal de 1ª instância sobre o recurso da decisão arbitral proferida em sede de processo de expropriação litigiosa.

A decisão arbitral proferida nos autos, ao abrigo do artº 49º do Código das Expropriações de 1999, fixou a indemnização a atribuir à expropriada em 60.020,00 € (v. acórdão arbitral de fls. 62). Nessa decisão, tomada por unanimidade, a parcela foi equiparada a «solo apto para construção», o que determinou o valor obtido.

Por não se conformar com a decisão dos árbitros, a expropriada interpôs recurso dela para o tribunal da comarca da situação do bem expropriado (cfr. fls. 91-102), discordando do valor de expropriação e sustentando a fixação desse valor em 158.133,00 €, «acrescido do valor que se vier a apurar (…) relativamente a desvalorização das parcelas sobrantes».

Igualmente a expropriante interpôs recurso da decisão arbitral (cfr. fls. 115-134), opondo-se à classificação da parcela expropriada como «solo apto para construção» e concluindo pela atribuição de um valor de indemnização a fixar em 18.639,57 €.

Efectuada a avaliação obrigatória, prevista nos artos 61º e 62º do Código das Expropriações de 1999, concluíram os peritos, por maioria, em classificar a parcela expropriada como «solo para outros fins» e fixar o valor da justa indemnização devida pela expropriação em causa no montante de 26.599,53 € (cfr. fls. 277-288). O perito vencido (indicado pela expropriada) considerou a parcela classificável como «solo apto para construção» e sustentou a atribuição de um valor de indemnização a fixar em 64.653,00 € (cfr. fls. 291-303).

Depois de várias vicissitudes processuais, e realizado o julgamento, pronunciou-se o tribunal sobre os aludidos recursos, proferindo sentença (a fls. 479-485), que julgou improcedente o recurso da expropriada e parcialmente procedente o recurso da expropriante, fixando como valor da indemnização a atribuir a favor da expropriada o montante de 26.599,53 €, por referência à data da DUP (de 17/8/2010), e a actualizar de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, nos termos do artº 24º do CE.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: à data da DUP (17/8/2010) o concelho de Lagos não dispunha de PDM eficaz, porque a essa data estava suspenso, nem a parcela em causa estava abrangida pelo Plano Geral de Urbanização de Lagos, uma vez que se lhe aplicava ainda o Plano aprovado pela Portaria nº 96/86, de 22/3, e não o PGU actual (que incluía a parcela em «UOPG 4 – … de Lagos»), o qual, apesar de já então aprovado, ainda não havia sido publicado (o que só ocorreu em 2012); nessa medida, e porque não se verificam quaisquer das circunstâncias que permitem a qualificação do terreno como «solo apto para construção», deve o mesmo integrar a categoria de «solo para outros fins», conforme foi entendido maioritariamente pelos peritos intervenientes na avaliação efectuada na fase contenciosa do processo; em particular, quanto à parcela em si, foi considerada, atenta a exploração agrícola existente, uma taxa de capitalização de 4%, em função da produção média da cultura de sequeiro, encargos de exploração de 60% e uma valorização de 50% do preço unitário dos produtos, dada a proximidade a Lagos, permitindo escoamento fácil desses produtos; inexiste, assim, razão para pôr em crise os critérios utilizados por esses peritos, que determinaram um quantum indemnizatório de 26.599,53 €, correspondente à soma de 18.168,57 € pela parcela em si, de 500,00 € pelas árvores implantadas na parcela e de 7.930,96 € pela depreciação das áreas sobrantes resultantes da divisão do prédio (atenta a depreciação de 10% pela parcela sobrante a norte e de 20% pela parcela, mais pequena, sobrante a sul).

Dessa sentença foi interposto recurso de apelação pela expropriante, cujas alegações culminam nas seguintes conclusões:

«1ª Atenta a reduzida percentagem de encargos considerados pelos Senhores Peritos e a taxa de capitalização utilizada apenas se pode concluir que a questão das acessibilidades já tinha necessariamente sido ponderada, pelo que a atribuição simultânea de um quociente de majoração de 50%, para além de não encontrar previsão legal, traduz também uma duplicação de montantes indemnizatórios, aspetos claramente atentatórios do princípio da igualdade e do princípio da justa indemnização.

2ª Mal andou o tribunal a quo, aderindo sem mais ao laudo pericial maioritário, ao aplicar ao valor do solo expropriado uma majoração de 50%, com fundamento numa alegada localização privilegiada da parcela, que não encontra qualquer apoio nos preceitos legais aplicáveis e redunda numa violação do princípio da justa indemnização.

3ª As condições de acesso favoráveis encontram-se já necessariamente refletidas nos encargos com as culturas, pelo que a sua consideração em separado afigura-se como especulativa, consubstanciando uma sobrevalorização do solo manifestamente atentatória do princípio da igualdade e do princípio da justa indemnização.

4ª “Em processo de expropriação, a força probatória do laudo pericial só abrange a percepção e a valoração técnica dos factos, não se estendendo aos juízos jurídicos que a lei reserva ao julgador” – Ac. RG de 4/10/2007, proferido no Proc. n.º 1565/07-1.

5ª O cumprimento ou não do disposto nos artigos 3.º, n.º 2, 23.º, n.º 1, e 27.º, n.º 3, do CE implica a ponderação de conceitos que, embora assentes em pressupostos que são também técnicos, reconduz-se a uma reflexão eminentemente jurídica que, como tal, pode e deve ser sindicada pelo tribunal, sob pena de violação do princípio da justa indemnização.

6ª Ao ignorar a errada aplicação dos artigos 3.º, n.º 2, 23.º, n.º 1, e 27.º, n.º 3, do CE propugnada no relatório pericial, o tribunal a quo incorre em manifesto erro de julgamento, que determinou a fixação de uma indemnização desfasada das características da parcela expropriada, em clara violação do princípio da legalidade e, consequentemente, da justa indemnização.

7ª À indemnização apurada no acórdão recorrido para a expropriação da parcela 21G-012 deverá ser subtraído o valor correspondente ao quociente majorativo do solo (€ 6.056,19), fixando-se a indemnização final, em consequência, em não mais do que € 20.543,34.»


A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida (cfr. fls. 509-515).

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações da expropriante apelante resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar da conformidade à lei do relatório pericial maioritário, acolhido na decisão recorrida, enquanto nele se atendeu a um quociente de majoração de 50% devido a favoráveis condições de acesso à parcela, o que se traduziria numa duplicação de valores (por já consideradas na avaliação dos encargos com as culturas), a ser corrigida através da subtracção de 6.056,19 € ao montante indemnizatório arbitrado (assim reduzindo o seu valor a 20.543,34 €).

Cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO:

O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir:

«1. Por despacho do senhor Secretário Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações nº …/2010, de 17 de Agosto de 2010 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 163, de 23 de Agosto de 2010) foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à obra "Lanço 2.1 g) – EN125 Variante de Lagos", entre as quais se contava a parcela referida sob o n.º (…) no «mapa de áreas» e na «planta parcelar», a páginas (…) e (…) do referido D.R., a confrontar de norte e de sul com restante prédio, e de nascente e poente com “(…) – Investimentos Turísticos, Lda.” (fls. 18, 30 e 37), com a área de 3.364,55 m2, a destacar do prédio misto situado em Lagos, freguesia de Lagos (São Sebastião), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n.º (…), e inscrito na matriz predial rústica sob o art. (…), secção P, e na matriz predial urbana sob os arts. (…) e (…) – fls. 5/7.

2. O prédio referido em 1. encontra-se registado a favor de (…), então expropriada, na Conservatória do Registo Predial de Lagos, pela inscrição a que deu origem a apresentação …, de 4 de outubro de 2007 – fls. 5.

3. No dia 28 de Setembro de 2010 foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela identificada – fls. 36.

4. A 12 de Novembro de 2010, “Rotas do Algarve” tomou posse administrativa da parcela em causa – fls. 49.

5. O prédio referido em 1. tinha uma área total de 20.000 m2, e segundo o registo predial confrontava de norte com caminho, de sul e nascente com herdeiros de (…) e de poente com (…) e (…) – fls. 5.

6. O prédio era servido por caminho não pavimentado, rede de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais – fls. 44.

7. A parcela expropriada tinha forma trapezoidal, com a área de 3.364,55 m2 – fls. 37.

8. Era constituída por terreno com ligeiros declives, cambissolos crómicos calcários; é classificada segundo a Carta de Capacidade de uso do solo na classe C, com aptidão para culturas arvense de sequeiro e/ou pastorícia – fls. 37; também tinha aptidão para culturas hortícolas, normalmente praticadas na zona e cujos produtos teriam escoamento na cidade de Lagos – fls. 329/330.

9. Era ocupada do seguinte modo:

a. Pastagens espontâneas;

b. Árvores: 2 figueiras com um DAP de 0,08 m, 6 oliveiras com um DAP de 0,08 m e 1 oliveira com um DAP de 0,40 m – fls. 37.

10. A parcela não tinha quaisquer construções ou benfeitorias nem era servida por quaisquer infraestruturas – fls. 37.

11. A parcela estava a 800 m da estrada nacional n.º 125 e a 200 m da A22 – fls. 6.

12. Nos terrenos contíguos à parcela encontravam-se construções em ruínas – fls. 70.

13. À data da DUP o concelho de Lagos não dispunha de PDM eficaz, estando suspenso – fls. 40.

14. Segundo o PGU aprovado pela Portaria n.º 96/86, de 22 de Março, em vigor então, o prédio localizava-se fora do limite do Plano Geral de Urbanização de Lagos – fls. 278.

15. No actual Plano de Urbanização de Lagos, aprovado pela Câmara Municipal de Lagos, em 21 de julho de 2010, cujo Regulamento foi publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 188, em 27 de Setembro de 2012, a parcela em questão está inserida em UOPG 4 – … de Lagos, em que os objetivos, parâmetros urbanísticos e de execução são os previstos nos artigos 70.º e ss. do referido diploma.

16. A parcela referida em 1. atravessava a propriedade no sentido NE/SO, dividindo a propriedade perfeita em duas parcelas sobrantes independentes entre si e com acessos autónomos por caminhos de terra batida: uma a sul, com 5.395 m2, e outra a norte, com uma área de 11.240 m2 – fls. 240.

17. Para efeitos do disposto no art. 27.º, n.º 2, do Código das Expropriações, a Autoridade Tributária informou de que “não há dados que permitam elaborar uma lista de transações com avaliações a corrigir os valores declarados de prédios mistos (…) na área do concelho de Lagos, nos últimos cinco anos, com referência a 2010 – fls. 239.

18. No dia 18 de Janeiro de 2011, a CGD declarou a existência de depósito caução a favor da expropriada no valor de € 15.005,86 – fls. 10.

19. No dia 4 de Março de 2011, a expropriante procedeu ao depósito de € 45.014,14 – fls. 79.»


B) DE DIREITO:

1. Como vimos, pretende a expropriante questionar a justeza da indemnização devida pela expropriação e arbitrada pelo tribunal recorrido, sendo certo que o valor considerado se fundou no relatório pericial maioritário decorrente da avaliação efectuada na fase contenciosa do processo. Em concreto, aceita a recorrente um valor de indemnização a fixar no montante de 20.543,34 € – pelo que o objecto do presente recurso, atento o montante indemnizatório de 26.599,53 € fixado na decisão recorrida, é quantificável no valor de, apenas, 6.056,19 €. A esta diferença de valor se confina actualmente o presente litígio, estando assim descartadas as anteriores pretensões (expressas noutros momentos processuais, como vimos supra) de esse montante indemnizatório ser fixado em 18.639,57 € (como indicou a expropriante no seu recurso da decisão arbitral) ou de tal montante ser fixado em 158.133,00 € (como indicou a expropriada no seu recurso da decisão arbitral, pretensão que não retomou, na medida em que nas conclusões das suas contra-alegações de recurso apenas pede que seja mantida a decisão recorrida – cfr. fls. 514-515).

Delimitado assim o objecto do presente recurso, verifiquemos, pois, se assistirá razão à recorrente na sua pretensão de redução do valor indemnizatório a fixar em favor da expropriada – e tendo em conta a suscitada argumentação no sentido de uma duplicação de valores pela consideração de uma majoração de 50% fundada numa alegada localização privilegiada da parcela expropriada.

2. Quanto à apreciação dos critérios utilizados para o apuramento da indemnização devida, importa, preliminarmente, ter presentes alguns princípios gerais a considerar neste domínio.

Em matéria de fixação da indemnização devida pela expropriação, rege o princípio geral de que a expropriação implica sempre o pagamento de “justa indemnização” ou de “indemnização adequada”. No âmbito da tutela constitucional do direito de propriedade privada, estabelece o nº 2 do artº 62º da Constituição que «a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização». E o artº 1310º do Código Civil afirma que «havendo expropriação por utilidade pública (…), é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados». Esses dois conceitos equivalem-se, como reconhecem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pp. 110-111), mas trata-se de conceitos indeterminados, que as normas constitucionais e legais não definem de forma muito precisa, deixando ao aplicador da lei a sua concretização, caso a caso, eventualmente em função de critérios aproximativos desenhados pelo legislador ordinário.

O conceito de justa indemnização está desde logo negativamente delimitado pela ideia de que a expropriação não pode constituir um confisco. Por sua vez, o legislador do Código das Expropriações procurou construir critérios operativos no sentido de encontrar a justiça da indemnização.

Assim, de acordo com o nº 1 do artº 23º do CE de 1999, «A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data». E diz o artº 24º, nº 1, do mesmo diploma que «O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação».

Sendo assim, a base da indemnização é o valor efectivo do bem no momento da declaração de utilidade pública. Estão, pois, excluídas indemnizações fundadas em meras expectativas de vantagens futuras ou em hipotéticos prejuízos. Mas a aferição desse valor real implica um juízo técnico e exige a intervenção de especialistas conhecedores do mercado imobiliário e do meio económico-social em que se integra o bem expropriado. E por isso a lei prevê a intervenção de árbitros, na fase da arbitragem, e de peritos, na fase subsequente, como base essencial da decisão judicial e factor relevante para a prolação de decisão justa. Não dispondo os juízes, por regra, de conhecimentos técnicos na matéria, é inevitável que, sem prejuízo dos seus poderes de censura do juízo pericial, aqueles que decidem tomem em especial consideração as valorações técnicas dos peritos e, em particular, daqueles que são nomeados pelo tribunal, que oferecem, à partida – e como se tem entendido habitualmente na jurisprudência – a garantia de um maior grau de imparcialidade e isenção (neste sentido, v., por todos, Ac. RE de 23/3/1995, in CJ, ano XX, tomo II, pp. 88 ss.). Acresce que existe um domínio de discricionariedade técnica dos próprios peritos que torna irrefragáveis certas dimensões do juízo pericial por aqueles emitido, escapando à discussão dos juízes e dos juristas que representam as partes, para quem ficam reservados apenas juízos jurídico-normativos (sobre este ponto, v., entre outros, Acs. RE de 12/10/2006, Proc. 1134/06-3, e RG de 4/10/2007, Proc. 1565/07-1, in www.dgsi.pt).

Atentos estes parâmetros, passemos a ajuizar do acerto da indemnização fixada na decisão recorrida.

Comece-se por referir que o conceito de justa indemnização é um conceito indeterminado, concretizável caso a caso, pela aplicação dos critérios legais de avaliação do bem expropriado, que nunca permitem, por muito objectivos que sejam, a afirmação de um montante rigorosamente exacto e justo. Os próprios critérios legais são critérios referenciais, i.e., que servem como simples pontos de referência, como padrão de cálculo e de aproximação a um valor o mais possível justo (sobre este ponto, v., por todos, os Acs. RP de 15/10/2007, Proc. 0732452, e de 23/10/2008, Proc. 0833842, idem) – e daí, apesar da objectividade desses critérios, as disparidades inevitáveis nos valores obtidos por diferentes peritos perante o mesmo bem.

No caso concreto, existe notória divergência entre os diferentes juízos periciais em presença (decisão arbitral, relatório pericial maioritário e relatório pericial minoritário). É, no entanto, a avaliação obrigatória, efectuada em sede judicial, ao abrigo dos artos 61º e 62º do CE de 1999, o momento nobre do processo, em que estão presentes, com maior incidência, todos os parâmetros constitucionais e legais de aferição do valor da indemnização devida, que se presume devidamente assimilados pelos peritos intervenientes. Daqui decorre que só em situações-limite (de manifesta disfuncionalidade do respectivo juízo pericial) se justificará recusar a adesão ao parecer dos peritos maioritários, designadamente quando destes façam parte a totalidade dos peritos nomeados pelo tribunal.

No caso concreto, é de assinalar que todos os peritos maioritários (o que incluiu o perito indicado pela expropriante, e ora recorrente) consensualizaram na classificação da parcela em causa como «solo para outros fins» e na atribuição de um valor indemnizatório de 26.599,53 €.

Além disso, ponderaram esses peritos o seguinte: «O terreno em avaliação encontra-se próximo de zona urbana, o que lhe introduz uma mais-valia por facilidade de escoamento dos produtos resultantes da exploração, pelo que os peritos, considerando o previsto no nº 3 do artº 27º do Código das Expropriações, que refere haver necessidade de se atender a “outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”, atribuem ao valor unitário calculado uma valorização de 50% a incidir sobre o preço unitário». Trata-se de um juízo que se afigura perfeitamente compreensível e razoável, conforme à letra da lei, e sem que nele se detecte a pretensa duplicação de ponderação que a recorrente sustenta ter existido. Aliás, antes é notório que carece de suficiente consistência a afirmação dessa duplicação: não está minimamente demonstrado pela recorrente que as «condições de acesso favoráveis» já haviam sido «reflectidas nos encargos com as culturas»; e é indiscutível, quer a invocada localização privilegiada da parcela expropriada, quer a possibilidade da ponderação de tal localização, à luz dos critérios de avaliação aludidos no artº 27º, nº 3, do CE (em particular, no seu segmento final, conforme foi entendido pelos peritos maioritários, como supra referido).

Nesta conformidade, está por demonstrar que os peritos maioritários (tanto os designados pelo tribunal como o indicado pela expropriante) tenham desatendido à aplicação dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade, bem como dos critérios legais emergentes da aplicação do artº 25º do CE de 1991 – e sem que nada permita abalar a confiança que deve merecer, à partida, por parte do tribunal, o juízo pericial maioritário expresso na respectiva avaliação judicial.

Tendo em conta o juízo avaliativo produzido pelos peritos maioritários – que permitiu alcançar um valor indemnizatório de 26.599,53 € –, e não se vislumbrando quaisquer motivos para pôr em crise o concernente juízo pericial, entendemos aderir, pelas razões técnicas a que já antes aludimos, ao valor de indemnização assim proposto.

Quanto à actualização da indemnização devida, deve adoptar-se a fórmula já usada na sentença recorrida, e não impugnada pela recorrente (ou seja, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à do trânsito em julgado desta decisão, de acordo com a evolução dos índices de preços do consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE relativamente ao local da situação do bem objecto da expropriação) – fórmula, aliás, que resulta inequivocamente do disposto no artº 24º do CE.

3. Acolhem-se, assim, os fundamentos da decisão recorrida (quanto à matéria impugnada no presente recurso) e não se vislumbra, pois, qualquer razão para alterar o que foi decidido na 1ª instância. E, como tal, deverá improceder integralmente a presente apelação.

Em suma: o tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, pelo que não merece censura o juízo decisório formulado na sentença recorrida, assim devendo improceder o presente recurso.


III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela expropriante apelante (artº 527º do NCPC).

Évora, 28 / 09 / 2017

Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)