Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
268/21.9GCBNV.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CARTA DE CONDUÇÃO
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O facto de o arguido não ser titular de carta de condução à data da sua condenação pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez não afasta a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Abreviado n.º 268/21.9GCBNV, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1, submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido NAR condenado pela prática, como autor material e em concurso real de:
1.1. Um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.°, n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei 2/98, de 3 de janeiro, na pena de dez meses de prisão.
1.2. Um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.° n.º 1 do CP, na pena de seis meses de prisão.
1.3. Operando o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de catorze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de diligenciar pela obtenção da sua carta de condução no período da suspensão, juntando comprovativo nos autos.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do Ministério Público
Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em epígrafe que condenou o arguido NAR pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro e de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° n.º 1 do Código Penal, na pena única de 14 ( catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de o arguido diligenciar pela obtenção da sua carta de condução no período da suspensão, juntando comprovativo nos autos.
2. Não obstante o arguido não ser titular de carta ou licença de condução, deveria ter sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.°, n.º 1, do mesmo diploma legal.
3. Resulta do normativo em menção que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, não fazendo a lei depender tal condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.
4. O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 12-03-2003 (processo 03P505, disponível em www.dgsi.pt) e expressando o entendimento preponderante, concluiu que deverá proceder-se à aplicação desta pena acessória ao condutor que, conduzindo veículo em estado de embriaguez, não é titular de carta de condução.
5. Este é o entendimento da jurisprudência largamente maioritária, perfilhado, entre outros, nos arestos da Relação de Évora, datados de 24-10-2017, proferido no processo n.º 25117.7GDSRP.E1, de 20-03-2018, proferido no processo n..º 47117.8GDSRP.E1, de 5-06-2018, proferido no processo n.º 241/14.3GTSTB.E3, da Relação de Lisboa, datado de 15-01-2019, proferido no processo n.º 217/04.9GDMTJ.Ll-5, da Relação de Coimbra, datado de 11-09-2013, no processo n.º 12/13.4GELSB.C1, da Relação do Porto de 17-04-2002, no processo n.º 0111526, da Relação de Guimarães de 11.06.2012, no processo n.º 272110.2GCVCT.G1 todos disponíveis em www.dgsi.pt.
6. A imposição de tal pena acessória justifica-se pela necessidade de evitar um tratamento desigual entre os agentes do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e a concessão de um injustificado privilégio a quem praticou um comportamento mais grave (por conduzir em estado de embriaguez e sem título de condução).
7. Cremos, pois, que o Tribunal interpretou, em termos manifestamente restritos e em violação do princípio da igualdade, a norma ínsita no artigo 69°, n.º l , alínea a) do Código Penal que prevê expressamente a condenação na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos do agente que incorre na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.° do mesmo diploma legal, dela excluindo os casos em que aquele não é titular de carta de condução válida que o habilite a conduzir veículos motorizados em vias públicas em território nacional.
8. Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 69°, n.º l , alínea a) do Código Penal, que encerra a obrigatoriedade de condenação do agente na pena acessória de proibição de veículos com motor nas situações aí descritas, conjugado com o referido artigo 292° do mesmo diploma legal (para o qual aquele expressamente remete), que prevê e pune a condução de veículo, ainda que por negligência, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l e, ainda, o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.
9. Ao invés, na esteira da jurisprudência maioritária dos tribunais superiores, o Tribunal deveria ter interpretado os referidos normativos ínsitos no artigo 69°, n.º 1 , alínea a) e 292°, n.º l , ambos do Código Penal nos seguintes termos: A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é aplicável ao agente que cometa qualquer dos crimes mencionados nas diversas alíneas do artigo 69.°, n." I do Código Penal, ainda que não seja titular de carta de condução ou documento bastante que o habilite a conduzir.
Por tudo o exposto, deve ser parcialmente revogada a sentença proferida, determinando-se também a condenação do arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados - tendo-se em consideração os antecedentes criminais do arguido e a elevada TAS por si apresentada -, contado do trânsito em julgado da sentença, nos termos dos artigos 292.°, nº 1, e 69.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.(…)”.

2.2. Das contra-alegações do arguido
Notificado o arguido não contra-alegou.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer aderindo aos argumentos avançados pelo recorrente e concluindo no sentido de ser julgada a procedência total do recurso interposto pelo MP em 1.ª instância.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
Analisada as conclusões de recurso, a questão a conhecer é a de saber se a pena acessória de proibição de condução de veículos pode ser aplicada a quem na altura da aplicação não era titular de carta de condução e foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos provados na 1.ª Instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1. No dia 3 de julho de 2021, pelas 19h27m, o arguido conduzia o ciclomotor com a matrícula (…), na Avenida (…), após ter ingerido bebidas alcoólicas.
2. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,82 gramas/litro, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor de 2,679 gramas/litro.
3. O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia e sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas, que por isso podia vir a apresentar uma taxa de álcool igualou superior a 1,20 gramas por litro e que não se encontrava em condições de conduzir.
4. Todavia, agiu com o propósito concretizado de conduzir nessas condições.
5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
6. Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. O arguido é tractorista a tempo parcial auferindo a quantia de 420€ mensais, encontrando-se na perspectiva de passar brevemente a tempo inteiro passando a auferir 650€ mensais.
8. Vive com o pai, em casa arrendada por este, pelo valor de 500€.
9. O arguido contribui com cerca de 200€ a 300€ para as despesas domésticas. 10. Tem o 4.0 ano de escolaridade.
11. O arguido encontra-se inscrito na Escola de Condução (…), Lda. desde 15.07.2021.
12. Do certificado de registo criminal do arguido consta que:
- Nos autos de processo sumário com o n.º 24…, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, por sentença proferida em 20.08.2001, transitada em julgado em 29.09.2001, foi o arguido condenado pela prática em 18.08.2001 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 800$00, o que perfaz o montante global de 40.000$00;
- Nos autos de processo abreviado com o n.º 57…, que correu termos no 3.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, por sentença proferida em 29.03.2004, transitada em julgado em 16.03.2007, foi o arguido condenado pela prática em 24.02.2003 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de 5€, o que perfaz o montante global de 750€, a qual foi declarada extinta por despacho de 16.03.2011;
- Nos autos de processo sumário com o n.º 18…, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, por sentença proferida em 11.04.2014, transitada em julgado em 23.05.2014, foi o arguido condenado pela prática em 6.4.2014 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 6 meses de prisão suspensa por 12 meses com regime de prova e na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 6€, o que perfaz o montante global de 480€, as quais foram declarada extintas por despachos de 25.01.2016 e 21.09.2016, respectivamente [o arguido foi, ainda, condenado, numa pena acessória de proibição de conduzir por quatro meses][1];
- Nos autos de processo sumário com o n.º 11…, que correu termos no Juízo Local Criminal de Benavente, por sentença proferida em 15.07.2017, transitada em julgado em 21.06.2017, foi o arguido condenado pela prática em 13.03.2017 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, a qual foi declarada extinta por despacho de 14.04.2018.”.

3.1.2. Factos não provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou que não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada pela seguinte forma:
“No apuramento da factualidade provada o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do arguido que confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, o qual esclareceu ainda o tribunal no que concerne à sua situação familiar, social profissional, no certificado de registo criminal e na declaração da escola de condução juntos aos autos.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma:
“Vem o arguido acusado da prática, como autor material, de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.° n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei 2/98, de 3 de Janeiro e de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.° n.º 1 e 69.° n.º 1 do CP.
Do CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL.
Estabelece o art. 3.° do Dec. Lei 2/98, de 3 de Janeiro que,
«l . Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias»
O tipo objetivo do supracitado crime é constituído pelo acto da condução de um automóvel, na via pública, sem que o agente esteja legalmente habilitado para exercer tal actividade. Estamos, pois, na presença de um crime de perigo abstracto, cuja consumação se basta com o preenchimento do facto típico, não pressupondo a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos.
O tipo subjetivo deste ilícito criminal pressupõe por parte do agente uma conduta dolosa, em qualquer das modalidades de dolo previstas no art. 14.° do C. Penal.
Da discussão da causa resultou provado que o arguido não é titular de documento que o habilite a conduzir veículos motorizados.
Mais resulta que o arguido sabia que para conduzir veículos na via pública era necessário possuir carta de condução ou qualquer outro documento equivalente, tendo agido voluntária, livre e conscientemente, sabendo ser o seu comportamento proibido por lei.
Da leitura dos factos provados em audiência resulta inequivocamente que a conduta do arguido é subsumível à previsão normativa em referência - o arguido conduziu em duas situações distintas um veículo automóvel sem se mostrar habilitado com a respectiva carta de condução.
Constatada a existência dos elementos do tipo objectivo do crime de condução de veículo sem habilitação legal, verifica-se igualmente que o arguido agiu livre e conscientemente, e que sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei. Actuou, pois, com dolo directo (cfr. art. 14.° n.º 1 do CP).
Sabia ainda que a sua conduta não era permitida por lei, estando, assim, provada a ilicitude daquela.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
Do CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
O arguido vem ainda acusado da prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 69.° n.º 1 e 292.° n.º 1 do CP.
Dispõe o preceito legal que,
(Quem) pelo menos por negligência) conduzir veículo) com ou sem motor, em via pública ou equiparada) com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias) se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal).
Provou-se que no dia 3 de Julho de 2021, cerca das 19.27 horas, na Av. (...), o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula (…) e ao ser submetido ao teste de álcool o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,679 g/l.
Mais se provou que ao conduzir o veículo nas condições supra referidas o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
Estão, pois, preenchidos os elementos, objectivo e subjectivo, tipificadores do crime em causa.
O arguido sabia ainda que a sua conduta não era permitida por lei, estando, assim, provada a ilicitude daquela.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
III. DETERMINAÇÃO DA PENA
Subsumidos os factos ao direito, importa agora aquilatar da pena a aplicar ao arguido caso sub judice.
Dispõe o art. 70.º do CP que,
«Se forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Temos, pois, que quando haja de se escolher entre uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, estabelece o art. 70.º que se dê prevalência à segunda, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
De acordo com o artigo 40.º n.º 1 do CP essas finalidades consistirão na prevenção geral, ou seja, a estabilização das expectativas comunitárias da validade da norma violada, e na prevenção especial, ou seja, a necessidade de socialização que o arguido demonstra.
A pena mais do que um castigo para quem prevarica, deve servir de motivação a que o arguido não volte a prevaricar.
Ponderando, em conjunto, o tipo de ilícitos cometido, a existência de antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza (praticados entre 2001 e 2017) e pese embora o facto de estar social, familiar e profissionalmente inserido, entendemos que não realiza de forma adequada e suficiente as necessidades da punição a aplicação de uma pena não detentiva da liberdade, razão pela qual se opta pela aplicação de uma pena de prisão.
A determinação da medida da pena obedece ao critério geral que consta do art. 71.° n.º 1 do CP, onde se lê,
«A determinação da medida da pena) dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.° n.ºs 1 e 2 do CP).
Segundo o princípio da culpa "não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa", a verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside numa incondicional proibição de excesso. A culpa não é fundamento da pena mas constitui o seu limite inultrapassável, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas. A função da culpa é a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito Democrático.
A defesa da ordem jurídico penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Como refere Figueiredo Dias) (IN «CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME», EDITORIAL NOTÍCIAS, PÁG. 215), «através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção) dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e) consequentemente) à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente) dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção».
Na determinação da medida concreta da pena ter-se-á ainda em conta o disposto no art. 71.º n.º 2, CP, ou seja, o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido (salvo nos casos em que a sua intensidade concreta supere aquela que foi considerada pelo legislador para determinação da moldura aplicável).
Temos, pois de apreciar, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, que se entende ser de grau médio, porquanto a gravidade objectiva do crime em apreço da perigosidade abstracta de veículos automóveis, agravada pelo efeito inibidor do álcool.
A intensidade do dolo, na forma grave, dolo directo.
A conduta anterior ao crime, sendo que tem antecedentes criminais desta natureza. Está social, familiar e profissionalmente inserido.
Adoptou uma postura processualmente colaborante, confessando os factos e demonstrando-se arrependido, tendo inclusive diligenciado pela sua inscrição em escola de condução ainda no mês de Julho de 2021, logo após a ocorrência dos factos.
Assim, o crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal é punido com pena de multa até 240 dias e pena de prisão até dois anos.
O crime de condução em estado de embriaguez, por sua vez, é punido com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.
Tendo em consideração que já se optou por uma pena detentiva da liberdade, será dentro desta moldura penal que deverá fixar-se a pena a aplicar concretamente ao arguido.
Nesta conformidade e atento o que atrás foi exposto considera-se adequada a pena de 10 (DEZ) MESES DE PRISÃO PARA O CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL E 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO PARA O CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ.
*
Operando o cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto no art. 77.º do CP, atenta a personalidade do arguido e as circunstâncias do ilícito em apreço, condeno o arguido na pena única de 14 (CATORZE) MESES DE PRISÃO.
*
Dispõe o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que,
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente,) às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
A suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto formal a pena de prisão aplicada não ser superior a 5 anos.
A este pressuposto acresce ainda um pressuposto material que implica, nas palavras de Figueiredo Dias (lN «CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME», AEQUITAS, 1993, P. 242 E 243), que « ... 0 tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do Facto) conclua por um prognóstico Favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena (. . .) bastarão para afastar o delinquente da criminalidade. Para a formulação de tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só a personalidade) ou só das circunstâncias de facto - o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto»
Assim e pese embora o arguido tenha já um rol de antecedentes criminais por ilícitos da mesma natureza, o que faz com que as necessidades de prevenção especial sejam muito elevadas, tendo em consideração que os últimos factos praticados datam de Março de 2017 tendo já decorrido quatro anos, que o arguido já se inscreveu numa escola de condução, está socialmente, profissional e familiarmente inserido, entende-se que a censura do facto, a ameaça da pena de prisão e a obrigação de diligenciar no sentido da obtenção da carta de condução no período da suspensão bastarão como advertência para que não mais incorra neste tipo de ilícitos.
Pelo que fica exposto, DECIDE-SE SUSPENDER A PENA DE PRISÃO APLICADA AO ARGUIDO, PELO PERÍODO DE 14 (CATORZE) MESES, COM A CONDIÇÃO DE O ARGUIDO DILIGENCIAR PELA OBTENÇÃO DA SUA CARTA DE CONDUÇÃO NO PERÍODO DA SUSPENSÃO, juntando comprovativo nos autos.
IV. DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO DE VEÍCULOS COM MOTOR
Cumpre, ainda, determinar ainda se, nos termos do art. 69.° n.º 1, al. a), é ou não de aplicar ao arguido a pena acessória de inibição de condução de veículos com motor.
Lê-se no art. 69.° n.º 1 do CP que
«É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crime previsto no art. 291.º ou 292.º».
Ora, sendo certo que o art. 65.° do CP, no seu n.º 1, estabelece que «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos», foi fixada jurisprudência no sentido de que «o agente de crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo art. 292.º do CP, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.º n.º 1, al. a) do Código Penais[2],
Jurisprudência com a qual se concorda inteiramente e consequentemente se segue, atentas as especiais razões de prevenção geral que se colocam no crime em apreço, dada a elevada sinistralidade que vem assolando nossas estradas, à qual não será certamente estranho o facto de muitos condutores conduzirem com taxas de álcool no sangue superiores às permitidas por lei.
Sucede que, o arguido não é detentor de carta de condução, razão pela qual já impende sobre o mesmo a proibição de conduzir veículos automóveis na via pública, afigurando-se redundante a condenação do mesmo na proibição de o fazer durante um determinado período de tempo.
Nesta conformidade e atendendo ao que atrás ficou dito, não se considera adequada a condenação do arguido na referida pena acessória.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público
Seguindo de perto as bem fundamentadas motivações de recurso apresentadas pelo MP em 1.ª instância, apreciemos, então, a questão suscitada pelo recorrente que consiste em saber se um arguido não detentor de carta de condução, mas condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez deverá também sê-lo na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados (artigo 69.º, n.º 1 do CP).
Na sentença proferida o Tribunal a quo expressou-se no sentido de que não sendo o arguido titular de carta de condução "já impende sobre o mesmo a proibição de conduzir veículos automóveis na via pública, afigurando-se redundante a condenação do mesmo na proibição de o fazer durante um determinado período de tempo".
O Ministério Público recorreu salientando que a sentença se encontra afetada de um erro de interpretação na aplicação do direito e daí dever ser revogada. Para o recorrente o Tribunal a quo interpretou em termos manifestamente restritos a norma ínsita no artigo 69.°, n.º l, alínea a) do CP, em violação do princípio da igualdade.
É realmente correto que o artigo 69.°, n.º l, alínea a) do CP prevê expressamente a condenação na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos do agente quando este incorre na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.° do mesmo diploma legal. Nesse normativo, ou em qualquer outro, não se afasta a aplicação da pena acessória aos casos em que o agente não seja titular de carta de condução válida que o habilite a conduzir veículos motorizados em vias públicas em território nacional, nele se estabelecendo o seguinte:
1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes (…) previstos nos artigos 291.º e 292.º”.
No caso em apreciação o arguido foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto no artigo 292.º do CP.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem interpretado os artigos 69.°, n.º l, alínea a) e 292.°, n.º l do CP no sentido de que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é aplicável ao agente que cometa qualquer dos crimes mencionados nas diversas alíneas do artigo 69.°, n.º 1 do CP, ainda que não seja titular de carta de condução ou documento bastante que o habilite a conduzir.
Para sustentar esta tese a referida jurisprudência avançou com inúmeros argumentos, a saber:
1. A não aplicação da pena acessória a quem não seja titular de licença de condução traduzir-se-ia num privilégio injustificado, violador do princípio constitucional da igualdade, privilégio concedido a quem teve um comportamento globalmente mais grave do que a mera condução em estado de embriaguez;
2. Após a publicação da Lei n.° 77/2001 o Código da Estrada foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28-09, e este diploma manteve como um dos requisitos para a obtenção do título de condução a circunstância de o requerente não se encontrar a cumprir decisão que lhe tenha imposto a proibição de conduzir[3]. Tal requisito pressupõe, naturalmente, que a proibição de conduzir pode ser aplicada mesmo a quem não for titular de título de condução e tem por fundamento ser considerado insensato que o condutor não habilitado a conduzir, podendo vir a obter licença ou carta de condução logo pouco depois da sentença condenatória, não se visse inibido de conduzir, quando o já habilitado fica sujeito a tal sanção;
3. O facto de o conteúdo material da sanção em causa ser o da imposição de uma proibição de conduzir e não o da previsão de uma suspensão dos direitos conferidos pela titularidade da carta de condução, reforça a ideia de que os não habilitados com carta de condução também estão sujeitos àquela proibição;
4. O efeito da proibição é universal, ou seja, também vale para outros veículos motorizados, mesmo que não careçam de licença para conduzir, conforme resulta do teor do artigo 69.º, n.º 2 do CP (“A proibição (…) pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.”). Daí ser relevante a condenação na pena acessória mesmo do condutor sem carta[4].
5. A aplicação da proibição de conduzir visa não só assegurar de uma forma reforçada a tutela dos bens jurídicos como também evitar que o agente de tal crime volte a praticar factos semelhantes, o que é válido quer esteja ou não habilitado a conduzir;
6. O artigo 353.° do CP[5] que criminaliza a violação de proibições impostas por sentença criminal a título de pena acessória não privativa da liberdade, reforça esta ideia, pois da violação dessa proibição pode resultar para o agente, ainda que não seja titular de carta de condução, a responsabilização pela prática, em concurso efetivo, de um crime de “condução sem habilitação legal” (artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01) e de um crime de “violação de imposições, proibições ou interdições” (artigo 353.° do CP), pois que aquele tipo legal visa tutelar a segurança da circulação rodoviária[6] e este último o interesse público da garantia da autoridade pública.
7. Do confronto do artigo 69.°, n.ºs 1 e 7 com o artigo 101.°, n.º 4 do CP[7], resulta que, ao estabelecer a pena acessória, o artigo 69.° prevê a sua exclusão quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a interdição da concessão do título de condução. Como esta interdição pressupõe que o agente não é titular de título de condução (artigo 101.°, n.º 4 do CP[8]), conclui-se que é possível a condenação naquela pena acessória em relação ao condutor não habilitado;
8. O artigo 4.°, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 98/2006, de 6 de junho, que regula o registo de infrações de não condutores (infratores não habilitados) enumera vários elementos que deverão constar no registo de infrações do não condutor e um dos elementos é a pena acessória aplicada pelo tribunal relativa a crimes praticados no exercício da condução (este diploma surgiu na sequência do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, que alterou o Código da Estrada e previa no seu artigo 10.° que a Direção-Geral de Viação devia assegurar a existência de registos nacionais de condutores, de infratores e de matrículas, organizados em sistema informático, nos termos fixados em diploma próprio, com o conteúdo previsto nos artigo 144.° e 149.° do Código da Estrada no que se refere ao registo dos condutores).
9. Também do n.° 3, do artigo 69.º do CP, na redação inicial[9], quando nele se aludia que "... condenado que for titular de licença de condução... ", tal referência fazia pressupor contemplar também quem o não fosse. Por outro lado, resultava do n.º 5, do artigo 69.º do CP, naquela redação original, que a inibição não era aplicada quando houvesse lugar a "interdição da concessão de licença", o que pressupunha a possibilidade de existência de falta de habilitação para conduzir.
Acresce que sobre esta mesma questão já o STJ se pronunciou, no longínquo ano de 1999, fixando jurisprudência no sentido de que "o agente de crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º do CP, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º n.º 1, alínea a) do Código Penal" - cf. Acórdão do Pleno das secções criminais do STJ n.º 5/99 de 17 de junho, DR I-A de 20 de julho de 1999[10].
É, assim, pacífico na jurisprudência que o facto de o arguido não ser titular de carta de condução à data da sua condenação pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez não afasta a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor[11].
A nível doutrinário idêntica solução foi preconizada por:
1. Simas Santos e Leal Henriques[12] ao mencionarem que "essa necessidade, mesmo para os não titulares de licença de condução, foi justificada para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição, tendo-se procurado abranger essa hipótese com a redação dada ao n.º 3".
2. Germano Marques da Silva[13] que discorrendo sobre esta temática considerou que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados podia ser aplicada a agente não titular de licença para o exercício legal da condução, referindo que o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que, entretanto, obtenha licença.
3. Paulo Pinto de Albuquerque[14] aludindo inclusive às “Actas CP de Figueiredo Dias” (1993: 75 e 76) afirma que “No caso de pessoas sem habilitação legal para conduzir, a proibição tem o efeito de vedar a sua obtenção durante o período fixado pelo Tribunal”.
Em face do exposto, resulta ter sido intenção do legislador que a aplicação da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor corresponde a uma necessidade de política criminal quando o agente também não seja titular de carta de condução.
Posto tudo o que fica dito, soçobra o argumento do Tribunal a quo de que a pena acessória em causa seria de aplicação inútil, porquanto, como se disse, o arguido condenado nessa pena acessória sempre a podia cumprir se, no decurso do período de proibição da faculdade de conduzir, obtivesse (ou melhor tentasse obter) a habilitação legal para conduzir. Também o arguido não habilitado que seja condenado terá sempre de cumprir proibição de conduzir decorrente da condenação por conduzir em estado de embriaguez se for titular de documento que o habilite a conduzir outra categoria de veículos, como por exemplo, um motociclo ou um ciclomotor.
Com a solução avançada pela jurisprudência e doutrina referenciada não se geram situações de injustiça relativa entre quem seja condenado apenas por crime de condução sob efeito do álcool (arguido titular de carta) e quem seja condenado por esse ilícito e também por crime de condução sem habilitação legal (arguido não titular de carta).
De outro modo, se a aludida restrição não abrangesse os cidadãos não titulares de documento habilitante da condução estes, sem a mínima justificação legal, seriam beneficiados relativamente aos que, tendo tal título, cometessem um delito contra a segurança rodoviária e tivessem um título habilitante para conduzir. A proibição de conduzir terá, assim, de compreender quem tem e quem não possui título de condução, ocorrendo em ambas as situações a privação do direito de conduzir.
A proibição do exercício do direito a adquirir no futuro licença de condução funciona, pois, como forma de não dar tratamento mais favorável a quem não tem o direito e o venha a adquirir no futuro, em confronto com alguém que tem o direito no momento da sanção ser aplicada.
Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 69.°, n.º 1, alínea a) do CP, que encerra a obrigatoriedade de condenação do agente na referida pena acessória.
Tendo ocorrido erro de julgamento quanto ao direito aplicável (artigo 412.º, n.º 2 do CPP) importa revogar, nesta parte, a sentença sob recurso e condenar o arguido na pena acessória que o Tribunal a quo não lhe aplicou, pelo que se passa a determinar a medida dessa pena acessória.

3.2.2. Determinação concreta da pena acessória
Como já atrás se mencionou o artigo 69.°, n.º 1 do CP prevê uma pena de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos a quem for punido pelo crime previsto no artigo 292.º do CP.
No caso o arguido foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.º do CP) na pena de seis meses de prisão, dentro de uma moldura penal abstrata de um mês a doze meses.
Tendo em consideração que às penas acessórias são aplicados “os critérios legais de determinação das penas principais o que vale dizer que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória sem esquecer, todavia, que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente[15], é de aplicar o artigo 71.º[16] e 40.º do CP[17].
A pena acessória é uma censura adicional pelo facto que o agente praticou, visando sempre, como se referiu, prevenir a perigosidade do agente e corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos conexionados com a elevada sinistralidade rodoviária verificada em Portugal.
No caso para determinação concreta da medida da pena acessória há a considerar o seguinte:
- Os crimes de condução automóvel suscitam fortes imperativos de prevenção geral, sobretudo em razão da dificilmente interiorização pela sociedade da regra comportamental segundo a qual a condução de veículos e o consumo de bebidas alcoólicas não são conciliáveis;
- As exigências de prevenção especial são significativas, tendo em atenção os antecedentes criminais do arguido (um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 18.08.2001; um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, praticado em 24.02.2003; um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, praticado em 6.4.2014; um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 13.03.2017);
- O grau de censurabilidade da conduta é elevado dado o valor apurado de taxa de álcool no sangue (2,679 gramas/litro muito acima do mínimo legal fixado em 1,2 g/l no sangue);
- O crime foi cometido com dolo direto, ou seja, no grau mais elevado.
- O arguido já por uma vez foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir, por condução sob o efeito do álcool, pelo período de quatro meses.
Ponderada a culpa do arguido e valorada na sua globalidade todos os fatores indicados, entende-se que a medida da pena acessória pelo período de oito meses é proporcional e justa.
Assim, procedendo a pretensão constante da motivação do recurso interposto pelo MP revoga-se nesta parte a sentença recorrida e condena-se o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de oito meses, nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 alínea a) do CP.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1- Dá-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e embora se mantenha a condenação do arguido na pena principal pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação e de um crime de condução em estado de embriaguez, condena-se, ainda, o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, nos termos dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 alínea a) do CP pelo período de oito meses.
2- Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 10 de maio de 2022.
Beatriz Marques Borges - Relatora
Maria Clara Figueiredo
Gilberto da Cunha

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[1] Por resultar do CRC de fls. 131 verso ter o arguido sido condenado numa pena acessória de proibição de conduzir por quatro meses, pela prática, em 6.4.2014, de um crime de condução em estado de embriaguez, acrescentou-se nos factos provados essa factualidade, relevante para a determinação concreta da pena acessória.
[2] Ac. do Pleno das secções criminais do STJ n.º 5/99 de 17 de Junho, DR I-A de 20 de julho de 1999.
[3] Cf. antigo artigo 126.°, n.° 1, alínea d) do Código da Estrada e atual artigo 18.º do DL n.º 138/2012, de 5 de julho (Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir) que sob a epígrafe “Condições de obtenção do título” estabelece no n.º 1, alínea e) o seguinte: “1 - A obtenção de título de condução está condicionada ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (…) e) Não se encontrar a cumprir sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução determinada por autoridade judicial ou administrativa portuguesa”.
[4] Cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 12-10-2016, proferido no processo 4/15.0GANLS-A.C1, relatado por Luís Teixeira, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrc.
[5] O artigo 353.º do CP sob a epígrafe “Violação de imposições, proibições ou interdições” estabelece que “Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.”.
[6] Embora indiretamente também tutele os bens jurídicos que se prendem com a segurança, a vida, a integridade física e os bens patrimoniais (cf. neste sentido Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 5.4.2017, proferido no processo 42/16.4GECVL.C1 relatado por Orlando Gonçalves, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtrc).
[7] Este número 4 estabelece: “Se o agente relativamente ao qual se verificarem os pressupostos dos n.ºs 1 e 2 não for titular de título de condução, o tribunal limita-se a decretar a interdição de concessão de título, nos termos do número anterior, sendo a sentença comunicada à Direcção-Geral de Viação. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 69.º” (sublinhado nosso).
[8] O artigo 100.º do CP na parte que para aqui interessa estabelece que “1 - Em caso de condenação por crime praticado na condução de veículo com motor ou com ela relacionado (…),o tribunal decreta a cassação do título de condução quando, em face do facto praticado e da personalidade do agente: a) Houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie; ou b) Dever ser considerado inapto para a condução de veículo com motor. 2 - É susceptível de revelar a inaptidão referida na alínea b) do número anterior a prática, de entre outros, de factos que integrem os crimes de (…) c) Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, nos termos do artigo 292.º; ou 4 - Se o agente relativamente ao qual se verificarem os pressupostos dos n.ºs 1 e 2 não for titular de título de condução, o tribunal limita-se a decretar a interdição de concessão de título, nos termos do número anterior, sendo a sentença comunicada à Direcção-Geral de Viação. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 69.º (…)”.
[9] O artigo 69.º na redação inicial do CP estabelecia designadamente “1 - É condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido: a) Por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; ou b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante. (…) 3 - A proibição de conduzir é comunicada aos serviços competentes e implica, para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela. (…) 5 - Cessa o disposto no n.º 1 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação da cassação ou da interdição da concessão de licença, nos termos dos artigos 101.º e 102.º”. (sublinhado nosso).
[10] Assento n.º 5/99 de 17.06.1999 proferido no Proc. n.º 1420/98, relatado pelo Juiz Conselheiro Luís Flores Ribeiro e publicado no DR 167/99 SÉRIE I-A, de 1999-07-20, sujeito à Retificação n.º 17/1999, de 27 de setembro de 1999, a qual consignou a data em que o mesmo foi proferido. DR 239/99 SÉRIE I-A, de 1999-10-13.
[11] Cf. designadamente os Acórdão da Relação de Évora datados de 24-10-2017, proferido no processo n." 25/17.7GDSRP.E1, de 20-03-2018, proferido no processo n.º 47/17.8GDSRP.E1 e de 5-06-2018, proferido no processo n.º 241/14.3GTSTB.E3; O Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 15-01-2019, proferido no processo n.º 217/04.9GDMTJ.L1-5; O da Relação de Coimbra, datado de 11-09-2013, no processo n." 12/13.4GELSB.C1; O Acórdão da Relação do Porto de 17-04-2002, no processo n.º 0111526.
[12] Cf. Código Penal Anotado, 1.º Vol., págs. 796.
[13] Cf. Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 32 e nota 54.
[14] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – “Comentário do Código Processo Penal: À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. 4.ª edição atualizada. Universidade Católica Editora. P. 350. ISBN 978-972-54-0295-5.
[15] Cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 28-02-2018, proferido no processo 211/17.0GAMIR.C1, relatado por VASQUES OSÓRIO.
[16] O artigo 71.º estabelece que “1- A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
[17] O n.º 1 do artigo 40.º do CP, estabelece como finalidade da aplicação de penas a proteção de bens jurídicos, que se concretiza, em síntese, na prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade e o n.º 2 estatui que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.