Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6081/08.1TBSTB.E1
Relator: ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
DESCONTO EM PROCESSO EXECUTIVO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não se enquadra na previsão do nº 5 do artº 281º do CPC, a situação da execução em que, tendo sido efectuada a penhora no vencimento do executado, os autos aguardam o início dos descontos.
Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: APEL. Nº 6081/08.1TBSTB.E1 (2ª SECÇÃO)


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


Nos presentes autos de execução comum que o “CONDOMÍNIO DO PRÉDIO sito na Praceta (…), 1, 2 e 3, (…)” move contra (…), para pagamento da quantia de € 1.675,68, realizada que foi a penhora do imóvel identificado nos autos, conforme auto de fls. 103/104, foi determinada em 5/09/2011, a sua venda mediante propostas em carta fechada, de acordo com a decisão de fls. 119.
Por decisão de fls. 169, em 25/10/2011, foi admitida a cumulação sucessiva de execuções requerida pela exequente a fls. 126 e segs., para pagamento da quantia de € 4.028,86 e determinado o prosseguimento dos autos.
Efectuada a venda do imóvel penhorado nos autos, em face da insuficiência do seu produto para pagamento do crédito exequendo, o processo prosseguiu com a averiguação da existência de outros bens, vindo, em 14/04/2013, a ser ordenada a penhora do vencimento do executado, por notificação efectuada à sua entidade patronal, a Câmara Municipal de Palmela.
Em 05/11/2014, veio o exequente nos termos constantes do seu requerimento de fls. 202/203, alegando ter “tido conhecimento da notificação feita à Exma Sr.ª Agente de Execução para proceder à extinção da execução nos termos do nº 5 do artº 281º do CPC, requerer se digne dar a mesma sem efeito”, e se “considere não haver lugar à deserção da instância (…) e se digne mandar prosseguir o processo com vista a manter a penhora já efectuada sobre o salário do executado, para pagamento da dívida exequenda”.
Datado de 4/11/2014, a Sr.ª A.E. dirigiu a Exmº Juiz o requerimento de fls. 206, requerendo o prosseguimento dos autos, entendendo, pelas razões dele constantes que não havia ainda decorrido o prazo de deserção da instância.
Sobre tais requerimentos recaiu o despacho de fls. 207, datado de 20/11/2014, do seguinte teor:
“A instância encontra-se efectivamente, extinta por deserção, por terem decorrido mais de seis meses desde o momento em que a Agente de Execução notificou o Exequente através da Ilustre Mandatária, de que as diligências executivas aguardariam o seu impulso processual, nada tendo o exequente, face a tal notificação, requerido com vista a impulsionar a execução.
Por outro lado, não tem que ser descontado qualquer período de férias judiciais para a contagem do prazo previsto no artº 281º, nº 5, do C.P.C., a que acresce a evidência de que a afirmação, pelo exequente, de que pretende aguardar pelo decurso de outras penhoras, não se destina a impulsionar os termos da execução, pois que nenhum acto executivo concreto requereu.
Por conseguinte, constatada a extinção da instância, por ausência negligente de impulso processual do Exequente há mais de seis meses, indefiro os requerimentos que antecedem”.

Foi desta decisão que, inconformado, apelou o Exequente alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 – Em 31/10/2014 a agente de execução foi notificada pela secretaria judicial para proceder à extinção da execução nos termos do nº 5 do artº 281º do CPC.
2 – Em 05/11/2014, o exequente e a agente de execução requereram o prosseguimento do processo com vista a manter a penhora já efectuada sobre o salário do executado, atenta a movimentação do processo.
3 – No dia 20/11/2014, foi proferido o despacho ora recorrido que indeferiu os requerimentos apresentados, declarando a instância extinta por deserção.
4 – A presente acção executiva foi instaurada em 15/10/2008, ao abrigo do DL 38/2003, de 8 de Março.
5 – Após a penhora de um imóvel, sem ter sido liquidada a dívida do exequente, o processo continuou para averiguação de outros bens aptos ao seu pagamento, tendo sido notificada a entidade patronal do executado para a penhora de salários em 14/04/2013.
6 – Em 27/02/2014 a exequente foi notificada pela agente de execução para informar se pretendia manter a penhora em espera, tendo aquela informado, por telefonema, em meados de Junho, de que pretendia manter a penhora em espera por não conhecer outros bens do executado.
7 – No dia 21/06/2014 a Secretaria Judicial notificou a agente de execução para informar sobre o estado da diligência.
8 – Em 02/08/2014 a agente de execução informou o Tribunal recorrido que a entidade empregadora do executado tinha sido notificada para penhora do salário mas que existiam outras penhoras anteriores, acrescentando que o processo estava a aguardar informação do exequente desde 02/08/2014, sobre se queria manter a penhora do salário.
9 – No dia 02/08/2014 a agente de execução notificou a exequente, solicitando se esta pretendia manter a penhora do salário em espera, ou que outras diligências esperava que se realizassem.
10 – O processo ficou a aguardar o impulso processual do exequente a partir de 02/08/2014.
11 – No dia 10 de Outubro de 2014, a exequente comunicou à agente de execução, por fax, e não pelo Citius por este estar inoperacional, que desconhecia outros bens do executado e que pretendia manter em espera a penhora do salário auferido pelo executado na Câmara Municipal de Palmela para pagamento da quantia exequenda por desconhecer outros bens.
12 – Tendo havido impulso processual por parte da exequente, e tendo esta identificado o bem que queria ver penhorado. Contudo, sempre se dirá:
13 – A penhora em curso sobre o salário do executado só se iria concretizar com o último desconto, e o exequente desconhecia outros bens do executado.
14 – Por uma questão de economia processual e porque o Código proíbe os actos inúteis, o presente processo ficou a aguardar o final dos descontos na execução anterior.
15 – Não é aplicável neste caso o artº 281º do CPC, por falta de impulso processual, por o mesmo não ser imputável ao exequente.
16 – Tendo-se então concretizado a penhora anterior, a entidade patronal iniciou de imediato os descontos no salário do executado para o pagamento da dívida exequenda, à ordem do presente processo.
17 – Em 18/11/2014 a entidade patronal do executado transferiu para a agente de execução, o valor de € 177,76, correspondente ao primeiro desconto no seu salário.
18 – De acordo com o artº 719º do CPC em vigor, é o agente de execução quem tem competência genérica para todas as diligências de execução.
19 – O Tribunal recorrido não tem competência para proferir despacho a ordenar a extinção da execução.
20 – Todas as comunicações sobre a execução e a manutenção da penhora foram feitas para a agente de execução.
21 – Era a agente de execução quem tinha conhecimento dos factos para decidir se havia ou não motivos para a extinção da execução e não o fez.
22 – O despacho recorrido que manda extinguir a execução é, pelo exposto, ilegal.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), verifica-se que a única questão a decidir consiste em saber se, in casu, ocorreu ou não o decurso do prazo de deserção da instância nos termos do artº 281º, nº 5, do CPC.
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A factualidade a considerar no conhecimento do recurso é a que consta já do relatório supra e ainda:
1 – Em 2/04/2013 a Sr.ª Agente de Execução notificou a Câmara Municipal de Palmela para proceder à penhora no vencimento do executado, nos termos do artº 861º do CPC para garantia da quantia de € 2.525,00, conforme fls. 233/234.
2 – Pelo ofício datado de 17/04/2013 o Departamento de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Palmela informou a Sr.ª Agente de Execução nos seguintes termos: “Na sequência da notificação enviada a esta Câmara no sentido de se proceder ao desconto na proporção de 1/3 no vencimento mensal do nosso trabalhador (…) até perfazer o montante de € 2.525,00, informamos V. Exa que não poderemos dar início ao despacho, doutamente ordenado uma vez que sobre o seu vencimento já incide um desconto no âmbito do processo 3178/10.1TBSTB, notificado pela Srª Agente de Execução (…)”.
3 – Em 09/01/2014 a Srª Agente de Execução remeteu à Câmara Municipal de Palmela o ofício de que é cópia fls. 235 informando que relativamente àquele executado apenas tem o processo 6081/08 a que se refere a notificação da penhora do salário, desconhecendo o processo nº 3178/10.1TBSTB, indicado na resposta à comunicação, solicitando ainda “que informe a que se refere a penhora que decorre no vencimento do executado, nomeadamente identificação do processo e a previsão de término da mesma”.
4 – Em 21/06/2014 a Secretaria Judicial de Setúbal notificou a Sr.ª Agente de Execução para informar o Tribunal “qual o estado da diligência” referente ao executado (cfr. fls. 239).
5 – Em 02/08/2014 a Srª Agente de Execução informou o Tribunal que “A A.E. notificou a entidade empregadora do executado da penhora do salário mas existem outras penhoras anteriores à da A.E.. Notificou a I. Mandatária da exequente para informar se pretende manter a penhora em lista de espera e/ou que outras diligências pretende ver realizadas no processo.
O processo fica a partir desta data a aguardar o impulso processual da exequente” (cfr. fls. 240).
6 – Nessa mesma data (02/08/2014), a Sr.ª Agente de Execução dirigiu à exequente e-mail dando conta da resposta do empregador e solicitou “que informe se pretende manter esta penhora em espera ou que outras diligências espera que se realizem.
Mais informo que o processo fica, a partir desta data, a aguardar impulso processual do exequente” (cfr. fls. 241).
7 – Em 10/10/2014 a exequente informou a Sr.ª Agente de Execução de que “não tem conhecimento de quaisquer bens do executado, para além do rendimento do trabalho auferido na entidade empregadora Câmara Municipal de Palmela. Mais informa que pretende manter em espera a penhora do salário auferido pelo executado para pagamento da quantia exequenda” (cfr. fls. 226).
8 – Em 31/10/2014 a Secretaria do Tribunal, dirigiu à Sr.ª Agente de Execução ofício do seguinte teor:
Encontrando-se os presentes autos sem qualquer impulso processual há mais de seis meses, nos termos do nº 5 do artº 281º do CPC, fica deste modo V. Exa notificado relativamente ao processo supra identificado, para proceder à extinção da execução comprovando nos autos a respectiva notificação (…)” (cfr. fls. 222).

Vejamos.
Nos termos do disposto no nº 5 do artº 281º do NCPC (aplicável às execuções pendentes à data da sua entrada em vigor, por força do artº 6º, nº 1, da Lei 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo C.P.C.), “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Assim, para ser considerada deserta a instância executiva é necessário que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar impulso processual da parte, mas também que tal se verifique por negligência da mesma em promover o seu andamento.

Ora, conforme resulta da factualidade disponível nos autos e acima elencada, na sequência da venda do imóvel penhorado, cujo produto não chegou para o pagamento da quantia exequenda, a Sr.ª Agente de Execução, apurando a existência de outro bem penhorável do executado – o seu salário – determinou a penhora do mesmo em 02/04/2013, notificando a sua entidade patronal nos termos do artº 861º do CPC (vigente à data) e acima referidos.
Em 27/04/2013 a Câmara Municipal de Palmela respondendo àquela notificação, não negando a existência do crédito, limitou-se a informar a Srª Agente de Execução de que não poderia dar início aos descontos ordenados, uma vez que sobre o seu vencimento já incidia um desconto no âmbito de outro processo.
Posteriormente, em 09/01/2014 a Srª Agente de Execução remeteu à Câmara Municipal de Palmela o ofício de que constitui cópia fls. 235, no que ao caso interessa solicitando “que informe a que se refere a penhora que decorre no vencimento do executado, nomeadamente identificação do processo e a previsão de término da mesma”.
Não se vislumbra dos autos qual foi a resposta da entidade patronal do executado, mas certo é que a penhora estava efectuada.
Com efeito, nos termos do artº 856º, nº 1, do CPC então vigente, (actual artº 773º nº 1 que mantém a mesma redacção) “a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução”, dispondo o seu nº 2 que “cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução” e “Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação nos termos da indicação do crédito à penhora” (nº 4 dos mesmos normativos).
Regulando o procedimento posterior na penhora dos vencimentos ou salários do executado, dispõe o artº 861º, nº 1 (actual 779º, nº 1) que nesse caso é notificado o empregador ou entidade que os deva pagar para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao depósito em instituição de crédito, sendo que as quantias depositadas ficam à ordem do agente de execução (nº 2).
Ora, conforme resulta dos autos, a Câmara Municipal de Palmela, entidade patronal do executado foi notificada, com o cumprimento das formalidades legais, da penhora ordenada pela Srª Agente de Execução no vencimento do executado. E não negou a existência do crédito, limitando-se a informar que encontrando-se o vencimento do executado já sujeito ao desconto máximo de 1/3, não poderia iniciar imediatamente os descontos determinados por via da penhora ordenada.
Assim sendo, a penhora estava efectuada e aguardava apenas o momento do início dos descontos.
E tanto assim é que em resposta à informação da Câmara Municipal de Palmela, a Srª Agente de Execução apenas se limitou a pedir informação sobre a penhora efectuada no âmbito da qual aquela entidade procedia aos descontos e a data do seu termo.
E tanto assim é também que, verificadas as condições (cessação dos descontos da penhora pendente) a Câmara Municipal de Palmela iniciou os descontos em 18/11/2014, por via da penhora ordenada nestes autos, conforme se verifica de fls. 244.
Conforme se colhe do exposto, o processo não esteve parado por negligência da exequente em promover os seus termos, não obstante os ofícios da Srª Agente de Execução dirigidos à exequente em 27/02/2014 e 02/08/2014, pois havia um bem penhorado (a penhora do vencimento estava efectuada) e o prosseguimento do processo (com o início dos descontos) não estava dependente de qualquer conduta da exequente.
Na verdade, uma vez efectuada a penhora do vencimento, a omissão da resposta às notificações da Srª A.E. apenas poderia relevar para efeitos da exequente desistir da penhora efectuada, o que não sucedeu. Aliás, em resposta à notificação de 02/08/2014, o exequente informou desconhecer a existência de quaisquer outros bens e pretender manter a penhora do salário.
Assim, o facto de nada dizer na sequência da notificação de 27/02/2014 quanto a esperar ou não pelo início dos descontos, em nada afectou a penhora efectuada nem o andamento do processo.
O processo não estava, pois, a aguardar impulso processual da parte, mas sim o início dos descontos determinados no âmbito da penhora efectuada.
Não se verifica, in casu, a situação a que se refere o artº 281º, nº 5, do CPC pelo que impõe-se a revogação da decisão recorrida devendo os autos prosseguirem os seus ulteriores termos.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.

Évora, 09 de Julho de 2015
Maria Alexandra Moura Santos
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves