Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
394/22.7GDFAR-B.E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O julgador não está obrigado a rebater, um por um, todos os argumentos do recorrente, mas deve, outrossim, circunscrever-se ao objeto processual, na medida em que é este que baliza o alcance do seu poder cognitivo.
Ou seja, se de um lado o juiz não pode ignorar as questões que lhe são colocadas, mesmo que as considere improcedentes, devendo pronunciar-se sobre elas em concreto, por outro, está também impedido de, a coberto de lhe ser submetida uma questão concreta em sede de recurso, alterar a decisão recorrida quanto a outros pontos cuja análise não foi suscitada, e que não sejam de conhecimento oficioso, caso em que ocorreria excesso de pronúncia.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No âmbito dos autos com o n.º 394/22.7GDFAR-B-E1 foi proferido acórdão, neste Tribunal, publicado em 18-04-2023, que negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA e confirmou na íntegra a decisão recorrida, proferida pelo Mmo. Juiz de Instrução.

Notificado de tal aresto, veio o recorrente AA arguir que o mesmo enferma de nulidade, por omissão e excesso de pronúncia, porquanto, por um lado, este Tribunal não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo Recorrente, e por outro lado apresenta fundamento diverso do acolhido no despacho recorrido para concluir pela verificação dos perigos justificativos da aplicação da prisão preventiva, nos termos do artigo 379.º, n.º1, alínea c), ex vi do artigo 425.º, n.º4, do Código de Processo Penal.

Propugna pela substituição do acórdão proferido por este Tribunal em 18-04-2023, por outro que conclua pela não verificação dos perigos elencados no artigo 204.º, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, pela revogação do despacho recorrido e consequentemente, pela libertação do arguido.

Colhidos os necessários vistos, cumpre apreciar e decidir:

Em primeiro lugar, impõe-se salientar que, nos termos do Art.º 379°, n.º 1, alínea c), ex vi do Art.º 425°, n.º 4, ambos do C. P. Penal, é nulo o acórdão quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Assim, para que existisse a pretendida nulidade de omissão de pronúncia, tornava-se necessário que este Tribunal tivesse deixado de se pronunciar sobre qualquer questão suscitada.

Ora, de imediato, se constata que este Tribunal, conheceu de todas as questões suscitadas pelo arguido/recorrente nas conclusões da sua motivação de recurso, sendo certo que a necessária análise foi feita de forma fundamentada, quer relativamente à matéria de facto indiciada, quer no que se reporta ao direito.

Na verdade, este Tribunal expôs de forma que se procurou clara e completa o raciocínio subjacente à decisão que se proferiu, com integral respeito pelo estabelecido no Art.º 374º, nº 2 do C. P. Penal.

Da simples leitura do requerimento apresentado pelo Arguido ressalta à evidência, que toda a argumentação expendida ao longo do mesmo, mais do que apontar a existência do vício de nulidade, visa demonstrar que o Arguido/Recorrente discorda do teor decisório de tal acórdão.

Ora, tal discordância, mesmo que legítima, não fere de nulidade o acórdão proferido por este Tribunal.

Como certeiramente notou a Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, “ ….Essencial para a compreensão do alcance da norma em análise é a definição do conceito de “questões”, o qual se reporta aos problemas concretos, de facto e de direito, sobre os quais o julgador deve decidir, o que não se confunde com os vários argumentos invocados pelo recorrente.

Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ proferido no processo n.º 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, de 05/05/2021: “É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que omissão de pronúncia – e, consequentemente a correspondente nulidade -, somente se verifica quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas, expendidos pela acusação e pela defesa ou, na fase seguinte, pelos recorrentes em amparo das teses em presença. A questão do arrependimento não foi suscitada pelo arguido em sede de contestação, nem é matéria de conhecimento oficioso. (…)

E sobre o excesso de pronuncia veja-se o Ac. do TRG de 11/06/2019, proferido no processo n.º 375/17.2GAVVD.G1: (…)“Nos termos do supra citado art. 379º, n.º 1, c), o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conheça de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não compreendida no objecto do recurso, com o concretizado conceito, prendendo-se esse vício com o conhecimento pelo tribunal de questões que não tenham sido colocadas pelos sujeitos processuais nem sejam de conhecimento oficioso, i. é, com o incumprimento do dever de resolver apenas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, não se confundindo esta expressão com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que os sujeitos processuais fundam a sua posição na controvérsia.”

Daqui decorre, desde logo, que o julgador não está obrigado a rebater, um por um, todos os argumentos do recorrente, mas deve, outrossim, circunscrever-se ao objeto processual, na medida em que é este que baliza o alcance do seu poder cognitivo.

Ou seja, se de um lado o juiz não pode ignorar as questões que lhe são colocadas, mesmo que as considere improcedentes, devendo pronunciar-se sobre elas em concreto, por outro, está também impedido de, a coberto de lhe ser submetida uma questão concreta em sede de recurso, alterar a decisão recorrida quanto a outros pontos cuja análise não foi suscitada, e que não sejam de conhecimento oficioso, caso em que ocorreria excesso de pronúncia.

Em matéria de recurso, é absolutamente pacífico na nossa jurisprudência, de que é exemplo o acórdão do STJ de 06/06/2018, proferido no processo n.º 4691/16.2T8LSB.L1.S1, que o objeto do processo é fixado pelas conclusões do recorrente.

Baixando ao caso concreto, e tendo presente que por questões se entendem os problemas concretos suscitados e não os argumentos utilizados, terá de se concluir que o acórdão em análise identificou corretamente as duas questões a decidir 1, que extraiu das conclusões do recurso interposto, e sobre as mesmas se pronunciou, não estando o Tribunal obrigado a pronunciar-se sobre os concretos argumentos invocados pelo recorrente, nem tão pouco circunscrito à repetição do argumentário da decisão recorrida.”

Por outro lado, também não se detecta que o acórdão em crise esteja ferido de nulidade, por, alegadamente, ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento.

Sustenta o recorrente ora requerente que no acórdão proferido por este Tribunal ad quem, forma aditados fundamentos para a verificação do perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, em violação do duplo grau de jurisdição exigido pelo artº 32º, n.ºs 1 da C.R.P.

Mas sem razão.

Atentos os elementos constantes nos autos, designadamente os relativos à personalidade do recorrente, este Tribunal limitou-se a fazer a sua subsunção jurídica para aferir da verificação ou não, dos perigos enunciados pelo Tribunal a quo, tendo concluído pela verificação em concreto do perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, já que, este Tribunal é livre de utilizar argumentos diversos dos usados pela 1ª Instância para concluir o motivo pelo qual se encontra verificado in casu o perigo da al. c) do artº 204º, do C.P.P., não estando minimamente condicionado pelo argumentário utilizado pela 1ª Instância.

Nesta perspectiva, impõe-se consignar o entendimento de que, na situação concreta, não se verificou qualquer violação dos direitos do arguido, designadamente no que se reporta aos princípios e garantias constitucionais consagrados no Art.º 32º da C.R.P.

Daí que, em nosso entender, careça de fundamento a existência do vício de nulidade por omissão e excesso de pronúncia, nos termos ora arguidos.

E, como tal, não poderá deixar de ser indeferida a pretensão do requerente.

Pelo exposto, acordam os juízes nesta secção em indeferir o pedido formulado pelo recorrente AA que pelo incidente suportará 3 UC de taxa de justiça.

Évora. 25/05/2023