Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1649/15.2T8TMR-A.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 04/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – A alínea g) do artigo 729.º do Código de Processo Civil impõe dois requisitos para a oposição à execução fundada em transacção judicial: (i) que os factos sejam posteriores à situação factual que conduziu à transacção; (b) que esses factos se encontrem provados por documento;
II – Todavia, em relação a este último requisito, tratando-se de uma formalidade “ad probationem”, pode ser substituído por confissão expressa;
III – Por isso, pode a oposição ser deduzida com tal fundamento, sem que seja junto o documento, contando que o oponente no seu decurso obtenha a confissão do exequente;
IV – Tendo na acção declarativa as partes acordado em transacção que a empregadora pagaria ao trabalhador a quantia de € 30.000,00, em 6 prestações de € 5.000,00 cada, a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho, e sem consignar se tal quantia era líquida ou ilíquida, tendo o Autor/exequente instaurado execução com fundamento que a 1.ª prestação não foi paga pela totalidade do valor de € 5.000,00, é de admitir a oposição à execução, não podendo considerar-se manifestamente improcedente tal oposição deduzida pela executada, com fundamento que a quantia em causa era ilíquida e, por isso, que pagou a prestação em montante inferior por à mesma ter deduzido o devido a título de IRS e descontos para a segurança social.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1649/15.2T8TMR-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB instaurou acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra CC, S.A., com vista a obter deste o pagamento da quantia total de € 27.871,36 acrescida de juros de mora até integral pagamento.
Entretanto a executada veio deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, pedindo, no que ora releva, a procedência destes e a correspondente extinção do processo executivo.
Alegou para o efeito, em síntese, que por força da transacção efectuada no proc. n.º 1649/15.2T8TMR se obrigou a pagar à exequente a quantia de € 30.000,00, a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, quantia essa a ser pagar em seis prestações iguais e sucessivas de € 5.000,00 cada, vencendo-se a primeira em 15 de Fevereiro de 2016 e as restantes até ao último dia dos meses subsequentes com inicio em Março.
Os valores em causa foram considerados pelas partes como “brutos”, ou seja, ilíquidos, já que se configuravam como rendimentos passíveis de tributação: por isso, naquela quantia, objecto de transacção e a pagar ao exequente, procedeu às retenções – quer ao nível da tributação em sede de IRS, quer ao nível de descontos para a segurança social – a que (a executada) se encontrava obrigada, donde resultou a importância líquida a entregar ao exequente de € 12.901,00, que repartiu pelas seis prestações acordadas em juízo, daí resultando um valor líquido de € 2.150,17 por cada prestação.
Acrescentou que à data da instauração da execução a única prestação vencida encontrava-se paga, pela referida quantia de € 2.150,17, pelo que inexistia fundamento para a instauração da execução, e daí a instauração dos presentes embargos.

O exequente contestou os embargos, alegando que na transacção judicial efectuada a Executada/embargante se comprometeu a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00 a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho, quantia essa a pagar em 6 prestações mensais e iguais, no valor de € 5.000,00 cada, mas que em 15-02-2016, aquando do vencimento da 1.ª prestação, apenas pagou a quantia de € 2.150,17, assim incumprindo o acordado.
Em conformidade concluiu pela improcedência dos embargos.

Respondeu a embargante, a reafirmar o constante do requerimento inicial.

Em 27 de Junho de 2016 foi proferido despacho que recusou o recebimento dos embargos, tendo o mesmo o seguinte teor:
«Com o requerimento inicial veio a CC, S.A. deduzir embargos de executado, requerendo além do mais a substituição da penhora por caução mediante prestação de garantia bancária, alegando em resumo que o exequente instaurou a execução com base num alegado incumprimento por parte da executada, do acordo efetuado em 3/02/2016 no âmbito dos autos principais. No âmbito de tal acordo a executada comprometeu-se a liquidar ao exequente 30.000,00 a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, em seis prestações iguais e sucessivas de €5.000,00, cada, vencendo-se a 1ª em 15 de fevereiro de 2016 e as restantes no último dia dos meses subsequentes com início em março.
A executada entendeu que tais valores eram ilíquidos e previamente ao seu pagamento procedeu ao cálculo dos respetivos montantes para apurar a quantia líquida a entregar ao exequente procedendo assim às retenções e descontos para a segurança social e IRS, tendo apurado que a quantia liquida a entregar ao exequente era apenas de €12.901,00, a qual repartiu pelas seis prestações, razão pela qual não percebe nem aceita a instauração da execução, uma vez que o título executivo não contempla qualquer obrigação suscetível de ser dada à execução, não existindo qualquer incumprimento por parte da embargante.
Cumpre apreciar:
De acordo com o disposto no art. 732º do C.P.C. “1 – Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando: b) o fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729º a 731º; c) forem manifestamente improcedentes…”.
Tendo é atenção o teor do citado preceito legal é evidente a conclusão de que o fundamento da oposição à execução não se ajusta ao disposto nos artigos 729º a 731º do C.P.C., sendo os embargos manifestamente improcedentes, já que a embargante pretende com o seu requerimento de oposição alterar, por sua iniciativa, o que ficou acordado e foi certificado pelo juiz e que é equiparada a uma sentença, uma vez que tal decisão certifica a validade do acordo e põe termo ao litígio.
O título executivo oferecido à execução é uma decisão equiparada à sentença transitada em julgado, razão pela qual os fundamentos da oposição à execução teriam de ser os que constam das alíneas do artigo 729º do C.P.C. a saber:
“a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do translado ou infidelidade deste, quando uma ou outra se influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário não se vislumbra que qualquer um dos factos invocados pela embargante preencha qualquer uma das mencionadas alíneas. O acordo a que as partes chegaram é claro e do mesmo não resulta, de forma alguma, que a quantia encontrada tenha sido fixada em termos ilíquidos. A executada é que de forma unilateral resolveu reformular o acordo e encontrou uns outros valores muito diferentes daqueles que constam do acordo celebrado entre as partes.
Ao contrário do por si alegado o título executivo oferecido à execução contempla obrigação suscetível de ser dada à execução, pois corresponde ao que resulta da transação efetuada.
Em face do exposto e sem necessidade de proceder a quaisquer outras considerações, ao abrigo do disposto no art. 732º n.º 1 al. b) do C.P.C., recuso o recebimento do requerimento de oposição à execução, porque o seu fundamento não se ajusta ao disposto nos artigos 729º do C.P.C.
Custas pela embargante».

Inconformada com o assim decidido, a embargante veio interpor recurso para este Tribunal da Relação, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões:
«1. Salvo o devido respeito que é muito, os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para não admitir os embargos de executado apresentados contrariam frontalmente a legislação vigente, nomeadamente o disposto nas alíneas a) e g) do artigo 729º do C.P.C.
2. A Meritíssima Juíz a quo considerou existir, nos presentes autos, um incumprimento por parte da Executada, na medida em que entende que o fundamento da oposição à execução não se ajusta ao disposto nos artigos 729º a 731º do CPC, sendo os embargos manifestamente improcedentes, por entender que a embargante pretendeu com o seu requerimento de oposição alterar, por sua iniciativa, o que ficou acordado e foi certificado por juiz e que é equiparada a uma sentença, uma vez que tal decisão certifica a validade do acordo e põe termo ao litigio.
3. O título executivo oferecido à execução é uma decisão equiparada à sentença transitada em julgado, razão pela qual os fundamentos da oposição à execução teriam de ser os que constam das alíneas do artigo 729º do C.P.C. a saber: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do translado ou infidelidade deste, quando uma ou outra se influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos. Ora,
4. A Recorrente, confrontada com o Requerimento Executivo, veio deduzir oposição à execução mediante EMBARGOS DE EXECUTADO, nos termos dos artigos 728º, 729º e 731º do CPC, requerendo ainda a SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA POR CAUÇÃO IDÓNEA nos termos do artigo 856º nº 5 CPC, tendo invocado e junto comprovativo do pagamento das prestações acordadas vencidas à data da interposição do respetivo requerimento executivo, abatidas das retenções legais a que está obrigada por força da natureza do rendimento disponibilizado ao Recorrido. Ou seja,
5. A Executada/Recorrente alegou na sua Oposição à Execução a Inexistência/Inexequibilidade do título dado à execução prevista no artigo 729º, alínea a), uma vez que dentro dos prazos estabelecidos efectuou os pagamentos referentes à quantia ilíquida que havia sido acordada, inexistindo por isso à data do respetivo requerimento executivo, qualquer obrigação suscetível de fundamentar a execução intentada. Acresce que,
6. O pagamento das quantias a que a Recorrente faz alusão nos embargos de executado apresentados, configura igualmente, a previsão da alínea g) do artigo 729º do C.P.C., na medida em que os pagamentos efetuados fazem extinguir as correspondentes obrigações previstas na transação dada à execução e vencidas à data da sua interposição.
7. Não se compreende, pois, a razão pela qual a Meritíssima Juíz a quo não atendeu à fundamentação aduzida em sede de embargos, tendo optado pela sua rejeição liminar, porquanto, para além de subsumível às citadas alíneas a) e g) do artigo 729º do C.P.C., a respetiva factualidade é essencial para se averiguar da existência, ou não, de um alegado incumprimento da transação em causa sucetível de legitimar o recurso ao processo executivo de que o Recorrido lançou mão. De facto,
8. Na transação judicial operada estipulou-se que,“ I -O Autor reduz o pedido para a quantia de 30.000,00 €, a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho”; II – A Ré aceita a redução do pedido e compromete-se a liquidar a referida quantia em 6 prestações mensais e iguais, no montante de 5.000€, cada, vencendo-se a primeira ao dia 15 do correntes mês de fevereiro, e as restantes até ao ultimo dia dos meses subsequentes com início em março.”
9. Na estipulação desta quantia, não houve qualquer menção quanto à liquidez da obrigação, pelo que se impõe o recurso aos princípios gerais de tributação do trabalho dependente, sendo obrigação das entidades devedoras dos rendimentos de trabalho (Recorrente) procederem à retenção na fonte de IRS, e,
10. Na eventualidade de se suscitarem dúvidas sobre a interpretação da transação, deve prevalecer aquela que favorece um equilíbrio das prestações e esse equilíbrio, como decorre do que acima se deixou explanado, só pode ser o que conduza à interpretação no sentido de que a quantia a pagar pela ré ao autor era ilíquida.
11. Assim, e reduzindo o problema à questão que nos parece essencial -saber se a quantia estipulada na transação judicial é líquida ou ilíquida -não poderão restar dúvidas de que a mesma é ilíquida, pois
12. Na esteira do já decidido a este propósito no acórdão STJ nº 08P2057 de 25-02-2009, “nada tendo as partes mencionado quanto à natureza, líquida ou ilíquida, da quantia acordada, se deva entender, de acordo com aqueles princípios ou regras gerais (de tributação de trabalho dependente), que a quantia em questão é ilíquida, pois, se as partes pretendessem que a mesma fosse líquida deveriam tê-lo mencionado expressamente “.
13. Entendimento que aquele douto Tribunal sustenta no facto das normas vigentes imporem, “… como princípio geral, a sujeição a IRS dos rendimentos de trabalho dependente e a necessidade de as entidades devedoras desse rendimento cumprirem as obrigações fiscais, no caso através de retenção do imposto”.
14. Acrescenta o mesmo acórdão que “ … não poderá deixar de se ter presente que se, porventura, as partes tivessem acordado, quanto à forma e prazo de pagamento da quantia, não o pagamento através de cheque e no prazo de 10 dias, mas através de depósito em tribunal, não poderia o contador deixar de proceder aos descontos legais, máxime ao IRS, pelo que sempre haveria de ter-se a quantia acordada como ilíquida”.
15. Considera a douta decisão em causa que, na eventualidade de ser colocada na mesmíssima posição (de entregar ao A. o valor acordado) da Recorrente, o tribunal não poderia deixar de adotar o mesmíssimo procedimento que a referida Recorrente assumiu, ou seja, o de entregar ao Estado, em nome e em substituição do trabalhador, uma determinada quantia (legalmente determinada) por conta dos impostos e outras contribuições devidas pelo beneficiário do rendimento disponibilizado pela entidade patronal. Acresce referir que,
16. O Recorrido não está impedido de junto das respetivas entidades beneficiárias (Autoridade Tributária e Segurança Social) reclamar a restituição das verbas que a Recorrente, no cumprimento das obrigações legais que sobre si impendem, reteve e entregou às referidas entidades, ou até, de as ver oficiosamente restituídas (parcial ou totalmente) caso as mesmas concluam pela sua inexibilidade (parcial ou total), pois
17. Como refere o douto acórdão do STJ “O que se deixa assinalado não visa decidir a questão fiscal, mais concretamente, não visa determinar se sobre a quantia acordada incide ou não IRS. Essa é uma questão a dirimir entre o sujeito passivo (autor/exequente) e administração fiscal. O que se pretendeu foi tão somente deixar realçado que, face aos princípios gerais de tributação do trabalho dependente, é obrigação das entidades devedoras dos rendimentos de trabalho procederam à retenção na fonte de IRS, e, suscitando-se dúvidas sobre a interpretação da transacção, deve prevalecer aquela que favorece um equilíbrio das prestações e esse equilíbrio, como decorre do que se deixou explanado, só pode ser o que conduza à interpretação no sentido de que a quantia a pagar pela ré ao autor era ilíquida. (relevo nosso)
18. Face ao exposto, dúvidas inexistem que a oposição deduzida mostra-se sustentada nas previsões das alíneas a) e g) do artigo 729º do C.P.C. impondo-se, por isso, a revogação da douta decisão recorrida e consequente substituição por novo despacho que admitindo o articulado em causa ordene o prosseguimento dos presentes autos de embargos.
19. A douta decisão recorrida violou, por errada interpretação, o disposto nas alíneas a) e g) do artigo 729º do C.P.C..
NESTES TERMOS E MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS QUE V. EXªS. MELHOR DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, REVOGANDO A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE ADMITINDO OS EMBARGOS DE EXECUTADO DEDUZIDOS ORDENE O NORMAL PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS».

O embargado/recorrido respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência, para o que formulou as seguintes conclusões:
«A) Das circunstâncias dos presentes autos, não restam dúvidas que a Recorrente com o seu requerimento de oposição pretendeu alterar, por sua iniciativa, o que ficou acordado e foi certificado pelo juiz e que é equiparado a uma sentença;
B) A Recorrente não logrou provar o contrário e cabia-lhe essa prova;
C) Os argumentos utilizados pela Recorrente são contrários aos factos e são desprovidos de fundamentação idónea, o que só confirma que com a interposição do presente recurso pretende a Recorrente protelar o desfecho da ação, adiando uma decisão perfeitamente justa;
D) Pelo que os embargos apenas poderão ser considerados manifestamente improcedentes, por não se ajustarem ao disposto nos artigos 729º a 731º do C.P.C.
E) Não merecendo o douto despacho objeto de recurso que recusou o recebimento do requerimento de oposição à execução apresentado pela ora Recorrente qualquer reparo.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos os efeitos legais.».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir imediatamente nos autos e com efeito meramente devolutivo.
Subidos os autos a este tribunal, neles a Exma.ª Procuradora-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronunciou pela procedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com remessa de projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso e factos
Como flui das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto deste (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), a questão a decidir centra-se em saber se existia/existe fundamento para a rejeição liminar dos embargos, o que envolve a sub-questão de saber se tendo a recorrente, no pagamento da acordada 1.ª prestação ao recorrido deduzido as (alegadas) quantias devidas por retenção de IRS e por descontos para a segurança social, alterou a transacção acordada, o mesmo é dizer o título executivo.
Com vista à decisão, importa atender à seguinte factualidade:
1. Em 03-02-2016, no processo n.º 1649/15.2T8TMR, em que foi Autor o aqui embargado e Ré a aqui embargante as partes conciliaram-se mediante a seguinte transacção:
«I O Autor reduz o pedido para a quantia de 30.000,00€, a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho;
II A Ré aceita a redução do pedido e compromete-se a liquidar a referida quantia em 6 prestações mensais e iguais, no montante de 5.000,00 €, cada, vencendo-se a primeira até ao dia 15 do corrente mês de fevereiro, e as restantes até ao último dia dos meses subsequentes com início em março;
III O pagamento das referidas quantias será efetuado, por transferência bancária, para a conta de que o Autor é titular no BCP, cujo IBAN é do conhecimento da Ré e que é o seguinte (…)
IV Pagos estes montantes o Autor e a Ré declaram nada mais ter a haver um do outro, seja a que título for, resultante da relação laboral;
(…)
2. Em 15 de Fevereiro de 2016 a Ré/embargante procedeu ao pagamento ao Autor da importância € 2.150,17, referente à 1.ª prestação, e não da importância de € 5.000,00 constante da transacção, por entender esta quantia objecto de transacção era ilíquida e, por isso, reteve a restante importância (até aos € 5.000,00), por considerar ser devida por IRS e descontos para a segurança social;
3. No seguimento, e por considerar encontrar-se em dívida o montante de € 2.850,00 referente à 1.ª prestação, e assim, incumprida a transacção, ter-se vencido a totalidade da dívida, o Autor/embargado instaurou acção executiva, de que os presentes embargos são dependentes.

III. Fundamentação
1. A acção executiva foi instaurada, tendo por base o pretenso incumprimento por parte da Ré/executada do acordado.
Conforme resulta do n.º 1 dos factos provados, e não vem posto em causa no recurso, as partes acordaram no pagamento por parte da Ré ao Autor da quantia de € 30.000,00 – a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho –, a ser paga em 6 prestações mensais de € 5.000,00 cada, vencendo-se a 1.ª em 15 de Fevereiro de 2016, e as restantes até ao último dia dos meses subsequentes com inicio no mês de Março seguinte.
Porém, na data de vencimento da 1.ª prestação a Ré apenas entregou, efectivamente, ao Autor a quantia de € 2.150,17, o que desencadeou a instauração da acção executiva.
No entendimento da Ré, aqui embargante, a importância acordada a pagar era ilíquida e, por isso, à prestação de € 5.000,00 deduziu aquela devida a título de IRS e de descontos para a segurança social; já de acordo com o Autor, aqui embargado, a prestação acordada era líquida, por isso a embargante encontrava-se obrigada a pagar-lhe, efectivamente, € 5.000,00 no vencimento da 1.ª prestação.
A 1.ª instância indeferiu os embargos, invocando que os mesmos não se ajustavam a qualquer dos fundamentos previstos no artigo 729.º do Código de Processo Civil.
A embargante/recorrente rebela-se contra tal entendimento, sustentando que os embargos encontram acolhimento quer no disposto na alínea a), quer no disposto na alínea g) do referido preceito legal.
Será assim?
É o que se passa a analisar.

A execução baseia-se no título executivo constituído pela transacção judicial proferida na acção principal (cfr. artigos 703.º e 705.º do Código de Processo Civil).
Como se sabe, é o título executivo que determina o conteúdo e o alcance da execução.
O artigo 729.º, do Código de Processo Civil estabelece taxativamente (no corpo do artigo consta o advérbio «só») os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença.
Entre tais fundamentos encontra-se, no que aqui importa analisar, a «[i]nexistência ou inexequibilidade do título [alínea a)] e «[q]ualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento» [alínea g)].
Alberto dos Reis (Processo de Execução, I, Coimbra Editora, 1985, pág. 197-201) sustentava, em relação a antecedente norma que corresponde à actual alínea a), que se devia adoptar um «conceito maleável» de inexequibilidade do título, no sentido de «(…) conceito relativo e acomodado às circunstâncias práticas (…)», porquanto «[o] título apresentado pelo exequente é exequível em abstracto, mas não o é em concreto, quer dizer, não pode servir de base àquela execução, que de facto, o exequente promoveu».
Transpondo tal ensinamento para o caso em apreço poder-se-á sustentar que que embora em abstracto o exequente tivesse o título equivalente a uma 1.ª prestação de € 5.000,00, já em concreto não teria esse título porquanto no entendimento da executada aquela importância era ilíquida e estava sujeita aos descontos em sede de IRS e para a segurança social, pelo que o título, em concreto, apenas corresponderá ao valor da prestação que pagou.

Assinale-se, em breve parêntesis, que com tal argumentação não pretendemos, aqui e agora, tomar posição sobre a interpretação da transacção judicial, designadamente se o valor acordado estava sujeito a retenção em sede de IRS e descontos para a segurança social, e até sobre qual o montante desses descontos: (i) desde logo, porque o que está em apreciação é o despacho liminar que indeferiu os embargos; (ii) além disso, quanto ao clausulado, sempre dependerá da prova a produzir e da interpretação daquele; (iii) finalmente, porque o saber se sobre a quantia objecto de transacção incidem ou não descontos em sede de IRS e para a segurança social é uma questão a dirimir noutra sede, entre o sujeito passivo (autor/exequente) e administração fiscal e/ou entre aquele e a segurança social.
O que se pretende deixar realçado com tal argumentação é tão só que face aos princípios gerais de tributação do trabalho dependente, constitui obrigação geral das entidades devedoras dos rendimentos de trabalho procederem à retenção na fonte de IRS e para a segurança social [cfr. artigo 2.º, n.º 4 e 99.º) do Código do IRS].

Fechado o parêntesis, e retomando o caso em apreço, sendo o valor da prestação acordada e que constituía o título executivo, em abstracto, de € 5.000,00, mas não se precisando se esse valor era líquido ou ilíquido, poder-se-á sustentar que o título dado à execução é inexequível, e daí que a embargante tenha procedido ao pagamento dessa prestação, através da entrega ao embargado/exequente de uma parte da quantia e o restante por descontos legais até completar aquele valor.
Contudo, tal interpretação – maleável – de inexequibilidade do título não se afigura consensual, suscitando dúvidas na sua aceitação, porquanto, como já se afirmou, o artigo 729.º é taxativo quanto aos fundamentos da oposição à execução, não permitindo uma interpretação extensiva, o que implicará que a oposição à execução terá que se basear num dos fundamentos ali expressamente previstos.
Assim, como decorrência lógica, admite-se que se conclua que o fundamento da oposição não se ajusta ao preceituado na analisada alínea a) do artigo 729.º.
Mas já se aceita que o fundamento invocado pela embargante para deduzir os embargos se subsuma à citada alínea g) do artigo 729.º.
Com efeito, são dois os requisitos que esta alínea impõe para que os factos modificativos ou extintivos da obrigação constituam fundamento de oposição à obrigação:
i) que esses factos seja posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, o que vale por dizer que esses factos sejam posteriores à situação factual que conduziu à transacção judicial, supervenientes;
ii) que esses factos se encontrem provados por documento.
Não pode olvidar-se que, por um lado, a sentença, ou a transacção judicial que lhe é equiparada, decide a relação material e tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e, por outro, a sentença condenatória constitui inequivocamente título executivo, sendo, aliás, o título executivo por excelência (cfr. artigos 619.º e 705.º), ambos do Código de Processo Civil).
Por isso, em nome da certeza e segurança jurídica justifica-se que se imponham restrições quanto à admissibilidade de oposição à execução tendo por base factos modificativos ou extintivos da obrigação titulada pela sentença, assim se evitando que, de forma generalizada, através da oposição à execução se destrua a força de caso julgado, como ainda que através da oposição à oposição se renove o litígio já decidido na sentença dada à execução.
Isto sem prejuízo de verificados, obviamente, os respectivos pressupostos, através de um recurso de revisão se poder modificar a decisão transitada em julgado, e, obtida a mesma, se promover subsequentemente a extinção da execução ou da venda que tenha sido efectuada (cfr. artigos 696.º e 839.º, n.º 1, a), ambos do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, é pacífico que os factos alegados pela recorrente/embargante para extinguir a obrigação – a alegada dedução que fez na prestação para efeitos de pagamento de IRS e de desconto para a segurança social –, são posteriores à transacção judicial, pelo que se mostra preenchido o primeiro dos requisitos mencionados.
Quanto ao 2.º requisito, de acordo com o disposto no artigo 364.º, n.º 1, do Código Civil, quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior; porém, se resultar que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, desde que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (n.º 2 do mesmo artigo).
Como escreve Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1999, págs. 436-437), o n.º 1 do referido artigo consagra o princípio geral, segundo o qual os documentos autênticos, autenticados ou particulares são formalidade “ad substantiam”; já do n.º 2 infere-se que «(…) quaisquer documentos (autênticos ou particulares) serão formalidades «ad probationem», nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei que a finalidade tida em vista ao ser formulada certa exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do acto e não qualquer das outras finalidades possíveis do formalismo negocial (…). Admite-se nestes casos, como meio de suprimento da falta do documento, a confissão expressa».
Ou seja, quando a exigência do documento for exclusivamente determinada por uma estrita intenção probatória – no dizer da lei “apenas para prova da declaração” – o mesmo pode ser substituído por confissão expressa.
É o que se verifica no caso em presença: a exigência de documento quanto à modificação ou extinção do acordo judicial não constitui em si mesma condição de validade dessa modificação ou extinção, sendo apenas necessária à prova dessa modificação ou extinção.
Assim, o que está em causa com a específica exigência do documento é uma razão de ordem processual, de protecção à própria execução, de forma a que esta não seja afectada com uma oposição baseada em factos que, normalmente, sem serem acompanhados de prova documental se revelam não credíveis.
No ensinamento de Anselmo de Castro (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª Edição, 1977, Coimbra Editora, pág. 292), que embora no domínio de anterior legislação se afigura manter-se actual, «o requisito está ligado ao efeito da admitida suspensão da execução em consequência da oposição, tendo por fim evitar que a acção executiva seja paralisada por oposições com base em factos que normalmente na circunstância se provam por documento e que dele desacompanhados se apresentam como não dignos de credibilidade».
Ora, voltando ao caso em apreciação, a embargante/executada não juntou prova dos alegados descontos feitos na prestação que pagou ao embargado/exequente referentes a IRS e segurança social: no entanto, importa ter presente, por um lado, que o próprio embargado não parece pôr em causa que a embargante tenha feito os descontos em causa (embora os considere indevidos) e, por outro, como já resulta do que se deixou afirmado, por o documento poder ser substituído por confissão – já que se trata uma formalidade ad probationem – ainda que não possuísse o necessário(s) documento(s) comprovativo(s) do(s) descontos(s) efectuado(s), sempre a oposição poderia ser deduzida e no seu decurso obter a confissão do exequente.
Assim, entende-se verificar-se fundamento de oposição à execução. Isto tendo em conta, volta-se a sublinhar, que não cumpre, aqui e agora, tomar posição sobre a interpretação da transacção judicial.
Refira-se ainda que a decisão recorrida invoca também o disposto no artigo 732.º, alínea c) do Código de Processo Civil – de acordo com o qual os embargos devem ser liminarmente indeferidos se «[f]orem manifestamente improcedentes» -, se bem que a finalizar recuse a oposição à execução apenas ao abrigo do disposto na alínea b) do referido artigo, ou seja, por o fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º.
Seja como for, o certo é que como decorrência lógica do que se deixou afirmado, não se detecta que na fase liminar se possa afirmar que a oposição é destituída de qualquer fundamento, o mesmo é dizer que é manifesta a sua improcedência; para reforçar este entendimento basta atentar no que se deixou expresso no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-02-2009 (Recurso n.º 2057/08, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt), também convocado pela recorrente, que concluiu nos seguintes termos:
«I - Tendo a acção declarativa (em que o autor tinha pedido o pagamento da quantia de € 345.761,64, a título de trabalho suplementar e a quantia de € 230.000, a título de danos não patrimoniais, terminado por transacção judicial que englobou, para além daqueles pedido, a cessação do próprio contrato de trabalho) terminado por transacção judicial, na qual a ré se obrigou a pagar ao autor “a quantia de € 285.000,00 a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho”, sendo que nesse valor “já está incluído o valor do pedido de danos não patrimoniais”, deve entender-se que a compensação global a pagar ao autor era ilíquida e que a mesma não incluía a discriminação dos danos.
II - Assim, tendo a ré pago ao autor a quantia de € 222.049,48 e retido na fonte a quantia de € 62.950,52, a título de IRS, que entregou nas Finanças, mostra-se cumprida a obrigação que a ré tinha sido assumido na aludida transacção, o que implica a procedência da oposição por ela deduzida à execução que o autor lhe havia instaurado, para obter o pagamento da quantia que lhe fora retida a título de IRS».
Concluiu-se, por isso e mais uma vez, que não existe fundamento para, nesta fase processual, recusar a oposição apresentada pela recorrente.
Procedem, pois, a conclusões das alegações de recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida, para ser substituída por outra que, se fundamento não objecto do recurso a tal não obste, determine o prosseguimento dos autos.

2. As custas do recurso são suportadas pelo exequente/recorrido, atenta a oposição deduzida (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto por CC, S.A., e, em consequência, revogam a decisão recorrida, que recusou a oposição à execução, a qual deverá ser substituída por outra que, se fundamento não objecto do recurso a tal não obstar, determine o prosseguimento dos autos.
Custas pelo recorrido.
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Évora, 20 de Abril de 2017
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Moisés Pereira da Silva

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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Baptista Coelho, (2) Moisés Silva.