Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
78/16.5YREVR
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
PRISÃO POR DIAS LIVRES
LIQUIDAÇÃO DA PENA
DESCONTO DA DETENÇÃO
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DEFERIDA A ATRIBUIÇÃO
Sumário:
I - Compete ao tribunal da condenação o desconto na pena de prisão por dias livres do tempo de privação de liberdade sofrido pelo condenado nesse mesmo processo em momento anterior à condenação, sendo o momento adequado para o efeito o da prolação da sentença condenatória. Ultrapassado esse momento, não poderá deixar de ser feito ainda em momento ulterior, com pleno respeito pela dignidade constitucional do direito à liberdade.

II – Sendo aplicada pena de prisão por dias livres, não há lugar à liquidação da pena, nos termos do art.477.º do CPP, impondo-se apenas que o tribunal da condenação faça constar da sentença condenatória os elementos referidos no n.º1 do artigo 487.º do CPP.
Decisão Texto Integral:
A Meritíssima Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Évora, no âmbito do processo supletivo n.º 52/16.1TXEVR-A que ali corre termos, denunciou o presente conflito negativo de competência, face à divergência surgida entre a decisão proferida pela mesma neste processo, em 14-04-2016 (v.fls.28 a 30) e as decisões proferidas em 26-02-2016 e 21-04-2016, pelo Meritíssimo Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Évora, no âmbito do processo n.º115/15.0GDEVR, quanto à competência para operar a liquidação da pena de prisão por dias livres aplicada ao arguido A-, no âmbito deste último processo.

Na Instância Local de Évora, foi entendido que neste tipo de pena, nos termos do artigo 487.º do CPP, não há lugar a liquidação pelo tribunal da condenação e que o dia de detenção que o condenado sofreu terá na pena de prisão por dias livres e na duração dos respetivos períodos a repercussão que o TEP entender dar-lhe, já que é ao TEP que cabe a competência material para executar tal pena, conforme resulta do artigo 138.º, n.º2 do CEPMPL.

Por sua vez, a Meritíssima Juíza do TEP de Évora entende caber ao tribunal da condenação indicar a data concreta para o termo da pena de prisão por dias livres, ponderando-se o desconto de um dia de prisão sofrido pelo condenado, não competindo ao TEP a liquidação da pena de prisão por dias livres. Refere ainda que, atenta a especificidade da forma de cumprimento desta pena, e as possíveis faltas de apresentação que no decurso da mesma, mesmo que justificadas, possam acontecer, mais do que a indicação da data prevista para o termo da pena, e tomando por referência os dias de privação da liberdade eventualmente sofridos pelo condenado, será necessária a indicação do número de apresentações ou da duração da última apresentação a cumprir. (…) Mas não lhe compete, ab initio, determinar os termos da própria pena aplicada, nem proceder à sua contagem (designadamente a descontos de dias de privação de liberdade sofridos no processo de condenação.

Posteriormente, o Meritíssimo Juiz da referida instância local veio dizer que não vislumbra a existência de qualquer conflito de competência, pois em momento algum o tribunal se declarou materialmente incompetente para proceder à liquidação e também, em nenhum momento, atribuiu tal competência ao TEP e que no despacho de fls.101 limitou-se a dizer que nas prisões por dias livres não há lugar a liquidações de penas. Cita, em abono da sua posição, o acórdão deste Tribunal de 3 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 482/13.0TXEVR-A. Acrescenta que a liquidação de uma prisão por dias livres nos termos pretendidos pelo TEP (indicação da data prevista para o seu termo), para além de não se encontrar prevista na lei, constitui acto completamente inútil, não só porque o condenado pode faltar nalguns dos períodos intermédios (nomeadamente de forma justificada), o que sempre alteraria o período final, mas também porque as liquidações da pena apenas fazem sentido em relação às penas de prisão que admitem liberdade condicional, o que manifestamente não é o caso da prisão por dias livres. E sendo o acto não previsto e completamente desnecessário, não cabe quer na competência do tribunal da condenação, quer na competência do TEP, praticá-lo.

As decisões supra referidas transitaram em julgado.

Foi cumprido o disposto no art.º 36.º do Código de Processo Penal e os autos mostram-se instruídos com documentação pertinente.

O Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto, nesta sede, emitiu o respetivo Parecer, destacando o amplo poder discricionário atribuído ao tribunal da condenação para a fixação da duração dos períodos de cumprimento da pena, bem como o seu número, embora dentro de limites precisos, o que resulta directamente do n,º3 do artº 45º do CP. Esse poder discricionário significa o não estabelecimento de uma correspondência de tipo matemático em abstracto entre o tempo da pena de prisão da condenação e o tempo de cumprimento efectivo nos dias livres. Dada essa não correspondência abstracta, resulta a impossibilidade de proceder a uma contagem de pena, unicamente através de regras matemáticas, pelo que, nestes casos, não há verdadeiramente lugar a uma liquidação da pena nos termos previstos no art. 477.º do CPP, parecendo artificiosa a argumentação que defende a aplicação desta norma aos casos de prisão por dias livres. Contudo, a questão colocada nos autos tem implicações legais óbvias. Trata-se de saber se a existência de dias de prisão cumpridos pelo arguido, a serem contabilizados na pena de prisão em que foi condenado, mas apenas conhecidos após a fixação do número de períodos e da sua duração (segundo o regime de prisão por dias livres), de saber, portanto, se esse conhecimento posterior implica a necessidade de alteração do plano de cumprimento da prisão por dias livres decidido e, essa decisão, só pode ser tomada pelo tribunal da condenação.

Cumpre decidir.

De acordo com o art.140.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o CEPMPL, «À definição, denúncia e resolução do conflito de competência aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas correspondentes do Código de Processo Penal.

Tais normas constam dos artigos 34.º a 36.º do CPP.

O que essencialmente caracteriza um conflito de competência é a situação de impasse processual em que se cai decorrente da prolação de duas decisões, de igual força, e de sentido contrário, que se anulam e que nenhuma delas produz os seus efeitos.

Face ao teor dos despachos em confronto e aos normativos aplicáveis, é nosso entendimento que não estamos perante um real conflito negativo de competência, pois tal pressupunha, no caso, pelo menos, a existência de consenso quanto à necessidade da liquidação da pena e a atribuição recíproca da competência, declinando a própria.

Há, contudo, um impasse que se impõe resolver sem demora, sob pena de se manter uma situação eventualmente prejudicial para o arguido.

Em primeiro lugar, impõe-se dizer que não se sufraga o entendimento do TEP quanto à aplicação, no caso concreto, do regime previsto no artigo 477.º do CPP.

Conforme realça o Senhor Procurador Geral Adjunto, parece-nos artificiosa a argumentação que defende a aplicação desta norma aos casos de prisão por dias livres.

Com efeito, esta norma está talhada para as execuções de penas de prisão, em regime contínuo e em que é admissível a liberdade condicional.

Da leitura do artigo 487.º do CPP, inserido em Capítulo intitulado “Da execução da prisão por dias livres e em regime de semidetenção ou de permanência na habitação” e epigrafado “Conteúdo da decisão e início do cumprimento”, resulta com meridiana clareza que estabelece qual deve ser o conteúdo da decisão que as aplicar e quais as diligências subsequentes a adotar quer pelo tribunal quer pelos serviços prisionais (competentes no caso da prisão por dias livres e em regime de semidetenção) e de reinserção social (competentes no caso da permanência na habitação), não sendo confundíveis as respectivas formas de as executar.

Este preceito constitui uma norma específica para os casos aí previstos e do n.º1 resulta que a sentença que imponha o cumprimento de pena de prisão por dias livres deve especificar os elementos necessários à sua execução, indicando a data de início desta.

Ora, os elementos relevantes para a execução desta pena, em regime descontinuado, prendem-se com a delimitação dos períodos de privação de liberdade, correspondentes a fins-de-semana, no máximo 72 períodos, e na duração de cada período, que podem ir de 36 a 48 horas, cada um deles equivalendo a 5 dias de prisão efetiva.

Se o condenado sofreu detenção à ordem do processo, essa privação de liberdade há-de ser descontada por inteiro no cumprimento da pena de prisão por dias livres e o momento adequado para o desconto é o da prolação da sentença condenatória. Ultrapassado esse momento, não poderá deixar de ser feito ainda em momento ulterior, com pleno respeito pela dignidade constitucional do direito à liberdade.

E o tribunal competente para operar o desconto da detenção na pena aplicada, assim definindo o conteúdo da execução, é o tribunal da condenação e não o TEP.

Na verdade, o Código de Execução de penas consagra no artigo 125.º sobre a epígrafe,” execução, faltas e termo do cumprimento”, regras especiais que afastam parte do regime referente às penas de prisão cumpridas em regime contínuo (e que antes constava do artigo 488.º do CPP.

“1 - A execução da prisão por dias livres e da prisão em regime de semidetenção obedece ao disposto no presente Código e no Regulamento Geral[1], com as especificações fixadas neste capítulo.

2 - As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas no processo individual do condenado.

3 - Não são passados mandados de condução nem de libertação.

4 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura.

5 - As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo diretor do estabelecimento prisional, ouvido o condenado.”

Em face deste regime e das competências do TEP não vemos fundamento legal para o tribunal da condenação ter de indicar o termo previsível para a execução da pena de prisão por dias livres.

Assim, e em resumo, compete ao tribunal da condenação o desconto na pena de prisão por dias livres do tempo de privação de liberdade sofrido pelo condenado nesse mesmo processo (1 dia); não há lugar à liquidação da pena, nos termos do art.477.º do CPP, impondo-se apenas que o tribunal da condenação faça constar da sentença condenatória os elementos referidos no n.º1 do artigo 487.º do CPP.

DECISÃO:

Em face do exposto, decido o presente conflito atribuindo ao Meritíssimo Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Évora a competência material para operar o desconto de um dia de privação da liberdade na pena aplicada ao arguido supra identificado, no âmbito do processo sumário n.º115/15.0GDEVR, que poderá ser deduzido no último período a cumprir.

Comunique aos tribunais em conflito e notifique nos termos do art.º 36.º, n.º 3, do CPP.

Remeta cópia da decisão ao Exmo. Juiz Presidente da Comarca de Évora.

Sem tributação.
(Texto processado informaticamente e integralmente revisto pelo relator que assina)

Évora, 5 Julho de 2016

Fernando Ribeiro Cardoso
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[1] - Aprovado pelo DL n.º51/2011, de 11 de Abril - artigos 226.º a 228.º