Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
104/18.3T8PSR.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
RECURSO
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida posteriormente ao momento em que a referida omissão ocorreu.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 104/18.3T8PSR.E1

(…) STC instaurou o presente processo de insolvência contra (…), pedindo que seja decretada a insolvência deste último.

Frustrada a citação do requerido devido ao facto de o mesmo residir em Angola, foi, nos termos do artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE, dispensada a sua audição e determinada a dos seus progenitores.

Iniciada a audiência de discussão e julgamento, foi, de imediato, proferida a seguinte sentença:

“Compulsados os autos, constata-se não se encontrar junta qualquer procuração que confira poderes de representação da sociedade requerente à ilustre Advogada presente nesta audiência.

Constata-se, ainda, ter sido a requerente devidamente notificada da data designada para julgamento com menção expressa ao referido no artigo 35.º do CIRE, isto é, para comparecer na presente data pessoalmente, ou para se fazer representar por quem tenha os poderes para transigir.

De acordo com o disposto no citado artigo 35.º, nº 3, do CIRE, a não comparência do requerente por si, ou através de um representante, vale como desistência do pedido.

Em face do exposto, verificando-se a não comparência da requerente (e tendo a audição do devedor sido dispensada), considero verificar-se uma situação de desistência do pedido.

Em face do supra exposto, com fundamento na disposição legal citada, bem como do que resulta do n.º 4, do artigo 35.º do CIRE, homologo, por sentença, a desistência do pedido, declarando, consequentemente, extinta a presente instância (artigo 277.º, d), do NCPC, aplicável por força do artigo 17.º, do CIRE).

Custas pela requerente.

Registe e notifique.”

A requerente recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) Por sentença proferida nos autos em epígrafe, o Tribunal a quo decidiu que:

“Compulsados os autos, constata-se não se encontrar junta qualquer procuração que confira poderes de representação da sociedade requerente à ilustre Advogada presente nesta audiência. Constata-se, ainda, ter sido a requerente devidamente notificada da data designada para julgamento com menção expressa ao referido no artigo 35.º do CIRE, isto é, para comparecer na presente data pessoalmente, ou para se fazer representar por quem tenha os poderes para transigir.

De acordo com o disposto no citado artigo 35.º, nº 3, do CIRE, a não comparência do requerente por si, ou através de um representante, vale como desistência do pedido.

Em face do exposto, verificando-se a não comparência da requerente (e tendo a audição do devedor sido dispensada), considero verificar-se uma situação de desistência do pedido.

Em face do supra exposto, com fundamento na disposição legal citada, bem como do que resulta do n.º 4, do artigo 35.º do CIRE, homologo, por sentença, a desistência do pedido, declarando, consequentemente, extinta a presente instância (artigo 277.º, d), do NCPC, aplicável por força do artigo 17.º, do CIRE).”

b) Ora, pese embora o teor literal da supra citada norma do CIRE (art. 35.º, n.º 2, CIRE), e considerando que não foi, por mero lapso, junta à petição inicial a procuração forense nela mencionada.

c) Tendo, apesar disso, sido junto substabelecimento com reserva através do Citius, acto que pressuporia a existência de procuração previamente outorgada (cfr. requerimento de 28-06-2018, com a ref. Citius n.º 1164140).

d) Não tendo o Tribunal notificado a requerente para juntar aos autos a competente procuração forense, tendo tido oportunidade processual para o efeito.

e) O que, s. m. o., justificar-se-ia face ao disposto no art. 41.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ex vi do art. 17.º do CIRE.

f) Cremos que, não obstante o teor literal do art. 35.º CIRE, deveria o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no art. 41.º CPC e do princípio da cooperação entre os intervenientes processuais, convidado a requerente a juntar aos autos a procuração que de resto vem de resto mencionada na petição inicial.

Nestes termos e nos melhores de Direito, com o mui douto suprimento de V. Ex.ª, deverá a presente apelação ser julgada procedente e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, com os legais efeitos.

O recurso foi admitido.

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a resolver consiste em saber se a interposição de recurso da sentença constitui o meio processual adequado para invocar a nulidade processual eventualmente resultante da omissão de prévia notificação da requerente/recorrente para juntar aos autos a procuração que declarou juntar no requerimento inicial.

Além dos factos anteriormente descritos, são ainda relevantes para a decisão do presente recurso os seguintes:

1 – Na petição inicial, subscrita pela Sra. Advogada (…), a requerente declarou que ia junta à mesma uma procuração forense;

2 – Porém, não foi junta à petição inicial qualquer procuração forense;

3 – No dia 28.05.2018, a Sra. Advogada (…) juntou ao processo um documento mediante o qual declarou que “substabelece com reserva na Exma. Sra. Dra. (…), advogada (…) os poderes forenses e especiais que lhe foram concedidos por Procuração, pela (…) STC S.A., incluindo os de comparecer na Audiência de Discussão e Julgamento a realizar no juízo de competência genérica de Ponte de Sor – Juiz 2, no âmbito do Processo 104/18.3T8PSR”;

4 – Não compareceram na audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 29.05.2018, o requerido e os progenitores deste (cfr. acta da audiência);

5 – Esteve presente na audiência de discussão e julgamento a Sra. Advogada … (cfr. acta da audiência);

6 – A Sra. Advogada (…) nada declarou ou requereu, quer antes, quer depois da prolação da sentença recorrida (cfr. acta da audiência).

Apreciando:

De acordo com a acta da audiência de discussão e julgamento, não se encontravam presentes o requerido e os progenitores deste. Encontrava-se presente a Sra. Advogada (…), na qual a Sra. Advogada (…) substabeleceu, com reserva, “os poderes forenses e especiais que lhe foram concedidos por Procuração, pela (…) STC S.A., incluindo os de comparecer na Audiência de Discussão e Julgamento a realizar no juízo de competência genérica de Ponte de Sor – Juiz 2, no âmbito do Processo 104/18.3T8PSR”.

O problema que se colocou ao tribunal a quo no início da audiência de discussão e julgamento foi o de não constar dos autos a procuração forense que a requerente e ora recorrente declarou juntar ao requerimento inicial mas, afinal, não juntou. Foi com base nessa procuração que foi feito o substabelecimento acima referido.

Nas circunstâncias descritas, o tribunal a quo considerou, sem mais, que se verificava a falta de comparência da requerente e ora recorrente à audiência de discussão e julgamento e, em consequência disso, uma desistência do pedido, nos termos do n.º 3 do artigo 35.º do CIRE. Com base nesse entendimento, o tribunal a quo homologou a desistência do pedido, declarando extinta a instância.

A recorrente pretende a revogação da sentença recorrida invocando, como fundamento, que, ao omitir a sua notificação para juntar aos autos a procuração em falta, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 41.º do CPC e o princípio da cooperação processual.

Em bom rigor, a recorrente insurge-se, não directamente contra o conteúdo da sentença, mas sim contra a prévia omissão, pelo tribunal a quo, de um acto processual que, no seu entendimento, a lei impunha. Logo, a recorrente está a invocar uma pretensa nulidade processual, como decorre do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, segundo o qual, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Note-se que a sentença recorrida nada decidiu sobre essa pretensa nulidade processual, o que é natural dado que a mesma não foi arguida antes da sua prolação.

Sendo assim, o meio processual próprio para a recorrente reagir contra a omissão de convite, por parte do tribunal a quo, à junção da procuração forense, não é o recurso da sentença proferida após a referida omissão, mas sim a reclamação perante aquele tribunal, nos termos do artigo 199.º do CPC. Uma vez que se tratou de uma nulidade processual secundária alegadamente cometida no decurso da audiência de discussão e julgamento e aí estava presente uma Sra. Advogada que se propunha representar a recorrente, tal nulidade apenas podia ter sido arguida, através de reclamação, até ao final daquela audiência, nos termos do n.º 1 do referido artigo 199.º. Tal reclamação teria de ser apreciada imediatamente pelo tribunal a quo, nos termos do n.º 3 do artigo 200.º do CPC, e apenas dessa decisão, caso fosse desfavorável à ora recorrente, caberia recurso.

É este o sistema estabelecido pela nossa lei processual civil em matéria de articulação entre a reclamação por nulidade processual e o recurso, usualmente expresso através do aforismo “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Sistema esse que se harmoniza, aliás, com a regra, básica em matéria de recursos ordinários, segundo a qual estes têm como função o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, não suscitadas neste último, embora sem prejuízo do conhecimento, pelo tribunal ad quem, das questões que o devam ser oficiosamente – cfr. o disposto nos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º do CPC.

No caso dos autos, a Sra. Advogada que se propunha representar a recorrente assumiu uma atitude passiva ao longo de toda a audiência de discussão e julgamento, nada declarando nem requerendo, quer antes, quer depois da prolação da sentença recorrida. Nomeadamente, não arguiu a nulidade processual que posteriormente foi invocada como fundamento do recurso. Consequentemente, ficou precludido o direito de arguição da mesma nulidade e, em face da consequente ausência de decisão sobre tal matéria por parte do tribunal a quo, é inadmissível o recurso com esse fundamento, por se tratar de matéria de que o tribunal ad quem não pode conhecer.

Flui do exposto que o recurso deverá improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

Sumário:

1 – O meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida posteriormente ao momento em que a referida omissão ocorreu.

2 – Só depois de, através da arguição da nulidade, determinar a prolação de decisão sobre tal matéria pelo tribunal de primeira instância, a parte pode suscitar a questão perante o tribunal de segunda instância, através de recurso interposto da mesma decisão, se para tal tiver legitimidade.

Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

Évora, 13 de Setembro de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura