Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
705/14.9TBABF.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: O acordo dos condóminos destinado a estabelecer administrações autónomas (assembleia restrita e administrador) de partes (torres, blocos ou conjunto de fracções) de um edifício constituído em propriedade horizontal, só é válido se levado ao título constitutivo.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 705/14.9TBABF.E1


Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…), solteira, maior, residente na Urbanização (…), lote SH, Montechoro, Albufeira, (…), casado, residente na Urbanização (…), lote 36, Gambelas, Faro e (…), casado, residente na Rua (…), nº 17-1º, B, Faro, instauram contra Administração do Condomínio do (…), representada por (…), com domicílio no Edifício Jardim (…), em Albufeira e contra este último na qualidade de condómino, ação declarativa com processo comum.

Alegaram, em resumo, que são condóminos do Edifício Jardim (…), com frações destinadas a habitação e comércio, destinando-se as suas frações a comércio e que o réu (…), proprietário de seis frações também destinadas a comércio, contrariando as disposições do título constitutivo da propriedade horizontal, vem pretendendo administrar só por si a parte do edifício destinada a comércio, realizando para o efeito assembleias parciais, com a presença apenas de titulares das frações destinadas a comércio, nelas atuando com uma permilagem que o título constitutivo da propriedade horizontal lhe não confere, para impor e exigir aos AA. a obrigação de pagamento de quantias que não são devidas, nem tem legitimidade para reclamar.

Concluíram pedindo a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia (parcelar) de Condóminos realizada no passado dia 17 de Fevereiro de 2014.

Contestou o Condomínio do (…), excecionando a sua ilegitimidade para a causa e a caducidade do direito que os AA pretendem fazer valer e argumentando que de acordo com regulamento de condomínio aprovado em assembleia geral de condóminos o edifício Jardim (…) tem duas administrações distintas, uma para as zonas comerciais e outra para as zonas habitacionais, que as deliberações do passado dia 17 de Fevereiro de 2014 são válidas e que os AA visam furtar-se ao pagamento de despesas que lhes incumbem.

Concluiu pela procedência das exceções e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

Os Autores responderam à matéria das exceções por forma a concluir pela sua improcedência.

2. Findos os articulados foi designado dia para a realização da audiência final, seguiu-se a prolação de saneador sentença o qual, depois de julgar improcedente a exceção da ilegitimidade do R. e afirmar, em tudo o mais, a validade e regularidade da instância, dispôs designadamente a final:
«(…) julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, declara-se, em relação aos Autores, a ineficácia das declarações levadas ao documento junto a fls. 19 a 23 dos presentes autos, intitulado de "ACTA NÚMERO DEZ" datado de 17 de Fevereiro de 2014, absolvendo os Réus do demais peticionado.»


3. O recurso.
O réu Condomínio recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“A) Título constitutivo é a especificação das partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas e será fixado o valor relativo de cada fração expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio.

O Título constitutivo, a partir das alterações legislativas de 1994, Decreto-Lei nº 267/94, de 25/10, pode ainda conter, designadamente, o regulamento do condomínio, quando anteriormente à constituição do prédio “sub judice”, a lei nem sequer mencionava o regulamento.

B) Regulamento do Condomínio, disciplina o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer da relação do condomínio, vide artigo 1418º, nº 2, al. b), do C. Civil. Para, no artigo 1429º-A do C.C. referir consequentemente que, havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso a fruição e a conservação das partes comuns, para, no número seguinte, explicitar que, a feitura do regulamento compete à assembleia de condóminos, vide os números 1 e 2 do art. 1429º-A do C.C.

C) No caso “sub judice”, nunca fez parte do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em questão, exarado a 13/02/1986, o regulamento do condomínio que foi, conforme preceitua a lei, aprovado em assembleia geral de condóminos de 17 de Março de 1998 e que, não tem de ser registado.

D) O título constitutivo do prédio em questão não foi alterado, estando especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, para que estas fiquem devidamente individualizadas e fixado o valor relativo de cada fração expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio.

E) No regulamento aprovado em assembleia de 17 de Março de 1998, refere-se no art. 24º que “... serão elaborados dois orçamentos e nomeadas duas administrações para as zonas habitacionais e comerciais, reunindo em assembleias gerais separadas, sendo esta constituída pelas frações da listagem anexa a este regulamento. As despesas que forem comuns a todas as frações do prédio serão aprovadas em assembleia geral conjunta e repartidas na proporção do valor relativo de cada fração”, vide nº 3 dos factos dados como provados.

F) O que está em causa é saber se se aplica, o disposto no artigo 1438º-A do C. Civil, nos termos do qual o regime da propriedade horizontal, “pode ser aplicado com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetos ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem”. G) No caso “sub judice” existem várias frações que se destinam ao uso comercial, com uma entrada própria, com zonas comuns próprias e que constituem há muito, o denominado “Centro Comercial (…)”, vide fls. 3 do documento complementar à escritura de constituição da propriedade horizontal exarado a 13/02/1986. E por essa razão os condóminos do prédio em questão, em assembleia de condóminos realizada em 17 de Março de 1998, do prédio constituído em propriedade horizontal referido em 1 dos factos dados como provados, por unanimidade, aprovaram um documento escrito, intitulado de “Regulamento do Condomínio do Prédio Jardim (…)”, junto pelos Autores.

H) No Capítulo XI do dito Regulamento, no art. 24º, ficou consignado que serão elaborados dois orçamentos e nomeadas duas administrações para as zonas comerciais e habitacionais, reunindo em assembleias gerais separadas.

I) Existindo um centro comercial há bastantes anos, denominado “Centro Comercial (…)” e constituindo um espaço perfeitamente delimitado com funcionalidade própria, com frações autónomas e partes comuns próprias, é legítimo e legal a existência de um condomínio específico do tal centro comercial, deliberando os condóminos a constituição de autónomos órgãos de administração e despesas próprias.

J) A jurisprudência, tanto dos Tribunais da Relação como do Supremo Tribunal de Justiça, conclui que “é indubitável que estamos perante um espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, com frações autónomas e partes comuns próprias, pelo que não há fundamento legal para que a globalidade dos condóminos não possam deliberar a constituição de autónomos órgãos de administração” – Vide Ac. da Relação do Porto de 16 de Outubro de 2012 e do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2011.

K) A Jurisprudência também é unânime no sentido de que “em face do disposto no artigo 1438º-A do CC e do entendimento que a jurisprudência vem fazendo desse preceito, é de admitir a constituição de mais do que um condomínio, com administração própria, para gerir as partes comuns que só servem uma zona do edifício, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal, e ainda que /I prescrevendo o citado artigo 1429º-A do C C, o direito dos condóminos elaborarem o regulamento do condomínio, desde que sejam mais de quatro ...” Foi o que aconteceu em assembleia dos condóminos do prédio em questão em 17 de Março de 1998, que aprovaram um “Regulamento do Condomínio do Prédio Jardim (…)” e, no artº 24º, fixaram duas administrações, uma para a zona comercial e outra para a zona habitacional com as regras aí fixadas, já anteriormente referidas citadas.

L) É, pois, legal a constituição de um condomínio denominado do “Centro Comercial (…)”, por duas razões; uma que o dito regulamento no caso “sub judice”, não tem de fazer parte nem tinha de fazer parte, vide artigos 1438º-A e 1429º-A, ambos do CCivil do título constitutivo do prédio denominado por “Edifício (…)”, sito em (…), Montechoro, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (…) e, pela segunda razão o dito regulamento foi aprovado em assembleia de condóminos do dito prédio, realizada em 17 de Março de 1998 e estabelecido no seu art. 24º do Capítulo XI, duas administrações, sendo uma constituída pelas frações da listagem anexa e pertencentes à zona comercial e outra das frações da zona habitacional, conforme preceitua no artigo 1429º-A do CC.

M) Sendo legal o condomínio, as deliberações e a ata em questão.

N) Vejamos, finalmente, se o direito dos autores se encontrava já caducado quando o exerceram na presente ação.

O) A assembleia cujas deliberações se pretendem ver impugnadas pelos Autores, ora Apelados, realizou-se no dia 17 de Fevereiro de 2014, vide art. 1º da petição.

P) Foi lavrada a ata número dez junta como doc. nº 1 com a p.i..

Q) Os Autores não estiveram presentes, nem se fizeram representar na dita Assembleia.

R) A presente ação ora em recurso, foi intentada em vinte e três de Abril de dois mil e catorze, conforme se verifica pela última folha da p.i., assinatura eletrónica.

S) O art. 1433º, nº 4, do CC que refere o direito de propor a ação de anulação caduca, contados no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.

Quando a ação foi intentada, já há muito os sessenta dias sobre a data da deliberação tinham sido ultrapassados, ou seja, tinha terminado no dia 17 de Abril de 2014.

T) Assim sendo deverá ser declarada a caducidade do direito de intentar a presente ação, importando assim a absolvição total do pedido, que foi o já requerido.

U) Nestes termos e nos melhores de Direito foram violados os seguintes preceitos legais, os arts. 1418º, nº 2, al. b; 1429º-A, 1438º-A, 1433º, nº 4, todos do Código Civil.

Requer-se que seja anulada a sentença, e substituída por outra que reconhece a legalidade do Condomínio do Prédio Jardim (…)e, em consequência a existência de duas administrações, uma para a zona comercial e outra para a zona habitacional, conforme preceitua o art. 24º do dito Regulamento. E, por consequência, há uma administração para a parte comercial que pode convocar e realizar assembleias de condomínio para a zona comercial respeitante às frações descritas no regulamento, de que resultou a ata em questão. E que, o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação, art. 1433º, nº 4, do C.C. Tendo a deliberação sido tomada no dia 17 de Fevereiro de 2014, o direito terminou em 17 de Abril de 2014, tendo a ação sido intentada em vinte e quatro de Abril de 2014, já há muito caducou o direito. Deve em consequência ser a Ré e ora Recorrente, ser absolvida totalmente do pedido, tudo com as legais consequências.

Assim sendo, Seja feita a costumeira Justiça.

Responderam os AA por forma a defenderem a confirmação da decisão recorrida.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da motivação do recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões suscitadas ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.
Vistas as conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões nele colocadas: (i) se são validas as deliberações da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio do Centro Comercial (…), constituído pelas frações da Zona Comercial, na ala sul, do prédio, do passado dia no dia 17.2.2014, (ii) se o direito de propor a ação de anulação de tais deliberações caducou.

III. Fundamentação.
1. Factos.
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública celebrada a 13 de Fevereiro de 1986 no extinto Cartório Notarial de Albufeira, a cargo no notário licenciado Adolfo Armando Jorge Batalha, foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano denominado Edifício (…), situado em (…), Montechoro, freguesia e concelho de Albufeira (agora Albufeira e Olhos de Água), descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob n.º (…), edificado sobre a totalidade do terreno para construção, abrangendo os lotes 128, 129 e 130, que assim ficou dividido em 102 frações autónomas constantes de documento complementar anexo à referida escritura, destinadas a habitação, comércio e indústria.

2. Em assembleia de condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal referido em 1, realizada em 17 de Março de 1998, na qual estavam presentes, ou se fizeram representar, os condóminos correspondentes à permilagem de 550,9 do valor total do prédio, foi, por unanimidade dos presentes, aprovado um documento escrito particular intitulado de “Regulamento do Condomínio do Prédio Jardim (…)”.

3. Consta do "Capítulo XI" do documento particular referido em 2, os seguintes dizeres: "Art.º 24º. Serão elaborados dois orçamentos e nomeadas duas administrações para as zonas comerciais e habitacionais, reunindo em assembleias gerais separadas, sendo esta constituída pelas frações da listagem anexa a este regulamento. As despesas que forem comuns a todas as frações do prédio serão aprovadas em assembleia geral conjunta e repartidas na proporção do valor relativo de cada fração."

4. Consta de documento particular intitulado de “Condomínio do Centro Comercial (…)”, “ata número dez”, assinada apenas pelo Réu (…), entre o mais que aqui se dá também por reproduzido, que no dia 17.2.2014, pelas 20.30h, se reuniu a “Assembleia Geral Ordinária do Condomínio do Centro Comercial (…), constituído pelas frações da Zona Comercial, na ala sul, do prédio” constituído em propriedade horizontal referido em 1..

5. Nesse documento particular fez-se constar, entre o demais que também aqui se dá por reproduzido, que: se aprovavam as despesas do exercício do ano de 2013 no valor de € 5.172,34; foi eleito (…) para administrador do condomínio do Centro Comercial (…) para o Biénio 2015/2016; a aprovação, por unanimidade, da proposta de orçamento no valor de € 7.863,80 e que: "Posto à votação, foi votado favoravelmente pela totalidade dos condóminos presentes ou representados com 27,80 por mil, ou seja 51,10% do capital do Centro Comercial, que constituiu esta ata, poderes executivos contra o proprietário ou proprietários e ainda ex-proprietários que deixarem de pagar no prazo estabelecido as suas quotas partes e ainda, que dão todos os poderes ao Administrador (…), para representar o Condomínio, na respetiva ação judicial a instaurar, destinada a cobrar as quotas partes em dívida, cujos devedores e respetivas quantias são as seguinte: (...) "A senhora D. (...) proprietária da fração 1, com a permilagem de 0,46% deve o condomínio do ano de 2004 (...) totalizando uma dívida até 31 de Dezembro de 2013 na quantia de € 4.396,31. Os senhores (…) e (...) são proprietários das frações K, com a permilagem de 0,46% e devem o condomínio do ano 2000 (...) totalizando a quantia de € 8.579,39 (...)".

2. Direito

2.1. Se são validas as deliberações da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio do Centro Comercial (…), constituído pelas frações da Zona Comercial, na ala sul, do prédio, do passado dia no dia 17.2.2014.
A decisão recorrida declarou ineficazes as “declarações levadas ao documento (…) intitulado de «ata numero dez», datado de 17/2/2014”, essencialmente por haver considerado que a designada “Assembleia Geral Ordinária do Condomínio do Centro Comercial (…), constituído pela frações da Zona Comercial, na ala sul, do prédio”, enquanto assembleia parcial de condóminos que deu lugar às referidas declarações, ocorreu à margem do título constitutivo da propriedade horizontal, não têm a natureza de assembleia de condóminos e as suas deliberações não obrigam os condóminos que nelas não participaram, como foi o caso dos AA.
O R. diverge deste juízo asseverando a regularidade da assembleia parcial e a validade das deliberações que nela tiveram lugar por duas ordens de razões: (i) ao caso é aplicável o disposto no artigo 1438º-A, do CC, (ii) o Regulamento do condomínio, aprovado em assembleia geral de condóminos, prevê a elaboração de dois orçamentos, um para as zonas habitacionais e outro para as zonas comerciais, assim como a nomeação de duas administrações e a reunião dos respetivos condóminos em assembleias gerais separadas.

O primeiro dos argumentos não tem, a nosso ver, aplicação ao caso dos autos.
O modelo propriedade horizontal tem como estrutura básica um único edifício – as frações de que um edifício se compõe podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal (artº 1414º do CC).
A alteração introduzida pelo D.L. nº 267/94, de 25/10, vigente desde o dia 1/1/1995, abriu a possibilidade de aplicação do regime da propriedade horizontal a conjuntos de edifícios – o regime pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios (artº 1438º-A do CC).
A situação posta nos autos respeita a um único edifício constituído em propriedade horizontal (cfr. ponto 1 dos factos provados) e a circunstância de coexistirem, no edifício, frações com fins diferentes – uma zona destinada a habitação e uma zona destinada a comércio – não altera a unidade de edificação.
Abrangendo um único edifício a propriedade horizontal posta nos autos não se insere na previsão do artº 1438º-A do CC.
Prosseguindo com a análise do segundo argumento, a possibilidade de coexistirem vários condomínios num mesmo edifício não encontra previsão na lei mas a jurisprudência tem vindo a interpretar o regime por forma a admitir esta fragmentação.
Em propriedades horizontais caraterizadas por um extenso número de frações, ou blocos, ou em que as frações se destinem a fins diferentes, regra geral agrupadas por zonas, como é o caso dos autos em que existe uma zona de frações destinadas a habitação e uma outra destinada a comércio, os condóminos podem ter interesse em fragmentar a administração por forma a dotá-la de maior eficiência e racionalidade, caso em que os órgãos de administração – a assembleia de condóminos e administrador – constituídos para administrar partes ou zonas dos prédio tratarão dos assuntos que respectivamente lhes respeitam.
Mas existem assináveis divergências na jurisprudência das Relações quanto à forma que a fragmentação da administração deve revestir; para uns, a quebra da regra da unidade de administrações e assim a existência de vários condomínios no mesmo prédio, tem que resultar do título constitutivo da propriedade horizontal, ab initio ou da sua modificação por escritura pública (v.g. Acs. RP de 24/2/2005[1] e da R.E. de 30/10/2008[2]); para outros, maioritários, tanto quanto averiguámos, a validade do acordo dos condóminos destinado a estabelecer administrações autónomas (assembleia restrita e administrador) de partes (torres, blocos ou conjunto de frações) de um edifício constituído em propriedade horizontal, não está condicionado à especificação no título constitutivo da propriedade horizontal (v.g. Acs. RP de 30/11/2015 e de 16/10/2012 e da RG de 2/5/2016[3]).
Esta última orientação encontra apoio no Ac. do STJ de 16/10/2008[4] e este coletivo, fazendo uso dos seus ensinamentos, também a perfilhou no Ac. desta Relação de 7/12/2017 (Proc. nº 815/14.2TBABF-A.E1).
Reponderando, porém, os pressupostos da questão, estamos em crer que a razão está com aqueles que consideram que a quebra da regra da unidade de administrações, e assim a existência de vários condomínios no mesmo prédio, tem que resultar do título constitutivo da propriedade horizontal e se este não comporta ab initio tal possibilidade, só a sua modificação, por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos (artº 1419º, nº 1, do CC), permite que num único edifício constituído em propriedade horizontal possam existir órgãos administrativos – assembleia de condóminos e administrador – diferentes para várias partes ou blocos do prédio.
A solução está, se bem vemos, na apreensão da natureza jurídica de uma tal cisão, ou seja, em averiguar se ela contende com o título constitutivo da propriedade horizontal, como estamos em crer, ou representa tão só uma regulação do uso, fruição e conservação das partes comuns, caso em que, não constando do título, bastaria a sua aprovação pela assembleia de condóminos (artº 1429º-A do CC).
Entre outras especificações o título constitutivo da propriedade horizontal deverá individualizar as várias frações que compõem o edifício e fixar o valor de cada uma das frações relativamente ao valor total de prédio, expresso em percentagem ou permilagem (artº 1418º, nº 1, do CC).
O valor da fração em relação ao valor total do prédio é essencial ao fracionamento jurídico do edifício e, assim, uma especificação sem a qual “não é possível sequer efetuar o registo de divisão do prédio”[5]
Esta relação, expressa em percentagem ou permilagem, funciona com regra supletiva de repartição das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns e do pagamento de serviços de interesse comum (artº 1424º do CC) e exprime a medida no exercício dos direitos de cada condómino relativamente à administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artº 1430º do CC).
A constituição de mais do que uma assembleia de condóminos, no âmbito de uma só propriedade horizontal, não prevista no título constitutivo, implicará necessariamente que os direitos de voto dos respetivos condóminos, resultante do valor relativo das frações, sejam contabilizados por referência ao valor da parte do prédio que a administração (parcelar) tem em vista e não por referência à totalidade do prédio.
E dizemos necessariamente por excluirmos a possibilidade da formação da vontade da assembleia parcelar respeitar o valor relativo de cada fração face o valor total do prédio, regra que poderia determinar que uma tal assembleia estivesse ab initio impedida de deliberar, por não reunir condóminos que representassem um quarto do valor total do prédio (artº 1432º, nº 4, do CC).
A assembleia parcelar, não prevista no título, envolve assim, por natureza, uma alteração da “relação de forças” dos condóminos, no exercício dos seus direitos e assunção de obrigações, tal como resulta do título e foi esta, aliás, a razão que justificou a procedência parcial da ação na 1ª instância.
Acresce dizer que incumbe aos condóminos o dever de conservar as partes comuns do edifício (artº 1430º do CC) e de indemnizar, nos termos gerais e na proporção do capital investido, os danos ocasionados causados pelo edifício que designadamente resultem de defeito de conservação das partes comuns (artigos 483º e 492º, ambos do CC).
A fragmentação da administração do condomínio, sem menção no título, colocará necessariamente dificuldades na repartição deste dever de reparação de danos ocorridos pela falta de conservação da coisa comum e em caso de sinistro suscetível de indemnização num dos condomínios autónomos deparam-se, se bem vemos, duas possibilidades: (i) circunscrever a responsabilidade aos condóminos (parcelares) que administram as partes comuns do prédio onde se verificou o sinistro, caso em que a deliberação de constituição de administrações autónomas envolve mais que a mera regulação de uso, fruição e conservação das partes comuns e, como tal, extravasa o poder regulamentar da assembleia de condóminos e as matérias que, por lei, constituem sua atribuição; (ii) alargar a responsabilidade a todos os condóminos, na proporção que resulta do título, caso em que a obrigação de reparar os danos incumbiria a condóminos que não os podiam evitar (por falta de assento na assembleia parcelar), impondo-lhes deveres sem correspondência em qualquer direito, desacerto conclusivo que revela o erro do raciocínio.
A contender a fragmentação das administrações com os princípios da repartição da responsabilidade civil entre os condóminos, em caso de sinistro indemnizável nas partes comuns, como cremos, não se atém à mera disciplina dos domínios de uso, fruição e conservação das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal o que significa, creditando o nosso argumento, que não se inclui nos poderes regulamentares da assembleia de condóminos.
Em conclusão, o acordo dos condóminos destinado a estabelecer administrações autónomas (assembleia restrita e administrador) de partes (torres, blocos ou conjunto de frações) de um edifício constituído em propriedade horizontal só é válido se levado ao título constitutivo.
A deliberação da assembleia geral de condóminos do prédio denominado Jardim (…), de 17 de Março de 1988, que aprovou, em regulamento, a elaboração de dois orçamentos e a nomeação de duas administrações, respectivamente, para as zonas comerciais e habitacionais do referido prédio é inepta, por falta de forma (artº 1419º do CC), para modificar o título constitutivo da propriedade horizontal e, assim, as deliberações do passado dia 17.2.2014, da denominada Assembleia Geral Ordinária do Condomínio do Centro Comercial (…), constituído pela frações da Zona Comercial, na ala sul, do prédio, não vinculam os condóminos que nelas não participaram, tal como se decidiu em 1ª instância.
Juízo que prejudica o conhecimento da remanescente questão colocada no recurso, uma vez que, independentemente do seu resultado, a decisão final não se altera.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

2.2. Custas
Vencido no recurso, incumbe ao Apelante o pagamento das custas (artº 557º, nºs 1 e 2, do CPC).

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a sentença recorrida
Custas pelo Apelante.
Évora, 28/2/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho

«Vencido:

Na sequência da posição que este Coletivo tomou no Acórdão de 07.12.2017 – Proc. 815/14.2TBABF-A.E1 – decidindo pela validade da mesma deliberação de 17 de Março de 1988 que autonomizou a administração da zona comercial do edifício igualmente em causa nestes autos, julgaria a ação totalmente improcedente, assim concedendo provimento ao recurso.

De resto, a posição da validade da autonomização da administração de partes de edifícios tem sido seguida por jurisprudência recente, onde avultam os Acórdãos da Relação do Porto de 30.11.2015 e da Relação de Guimarães de 02.05.2016, a cuja fundamentação se adere.

Anoto, ainda, que a deliberação de 17 de Março de 1988 não constituiu dois condomínios diferentes, meramente determinou administrações específicas para a área habitacional e para a área comercial.

Ora, são meramente anuláveis as deliberações que a assembleia de condóminos tome dentro da área da sua competência, isto é, respeitantes às partes comuns do edifício, apenas devendo considerar-se nulas ou ineficazes as que violem preceitos de natureza imperativa e as que exorbitem da esfera de competência daquela assembleia – Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, 2001, págs. 176-177.

No caso, a deliberação de 17 de Março de 1988 não violou preceitos de natureza imperativa (cfr. os exemplos de normas imperativas mencionados pelo citado autor, a págs. 177, que não ocorrem no caso dos autos), ou sequer exorbitou a esfera de competência da assembleia, pelo que seria meramente anulável.

Não tendo sido anulada, impõe-se a todos os condóminos, com eficácia erga omnes.»

Mário Branco Coelho
__________________________________________________
[1] CJ, 2005, tomo I, págs. 196 e 197
[2] Disponível em www.dgsi.pt
[3] Todos disponíveis em www.dgsi.pt
[4] Disponível em www.dgsi.pt
[5] P. Lima e A. Varela, CC anotado, 1972, vol. 3º, pág. 357.