Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ASSUNÇÃO RAIMUNDO | ||
Descritores: | DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ | ||
Data do Acordão: | 11/05/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O direito de regresso da seguradora contra o condutor responsável pressupõe a responsabilidade civil subjectiva fundada em culpa deste; logo, exclui-se naturalmente a responsabilidade objectiva ou pelo risco. Sumário da Relatora | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1604/13.7TBSTR.E1 ACÓRDÃO Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Instância Local de Santarém, Secção Cível, Juiz 2, a (…) Seguros S.A. moveu a presente ação contra o réu (…) pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 6.477, 82. Alegou, em síntese, que aquele foi interveniente em acidente de viação com veículo segurado na autora tendo sido o responsável pelo embate. (…) Seguros S.A. assumiu as despesas em consequência do sinistro, verificando que o réu, seu segurado, era portador de uma TAS de 0,70 g/l, razão que a leva a exercer o seu direito de regresso. O réu contestou alegando, em resumo, que o sinistro se deveu ao seu encadeamento momentâneo pelo Sol face às circunstâncias de tempo, modo e lugar do acidente. No mais, impugnou a matéria alegada pela autora por desconhecer a veracidade da mesma. Decorridos os normais trâmites processuais, foi levada a efeito a audiência de julgamento e a sentença proferida concluiu da seguinte forma: “Face ao supra exposto, na improcedência da acção: - Absolvo o Réu (…) do pedido formulado nestes autos pela autora (…) Seguros SA; Custas a cargo da autora”. A autora inconformada com a decisão veio dela recorrer, apresentando as seguintes conclusões de recurso: 1. O que está em causa no presente processo é a absolvição do Réu (…) por entender o tribunal a quo que não se encontra verificado o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e o acidente. 2. Ora, o tribunal a quo vem advogar uma exigência de atuação com culpa na ocorrência do acidente, por qualquer violação das regras estradais, quando, na verdade, não existe fundamento legal para a mesma. 3. Dispõe a al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007 que a seguradora tem direito de regresso “Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”. 4. Depende, assim, o direito de regresso da seguradora que se verifiquem dois pressupostos: 1) Ser o condutor o culpado pela eclosão do acidente (tenha dado causa ao acidente); e 2) Estar o condutor do veículo etilizado em medida superior ao legalmente permitido (conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida). 5. Ou seja, a “culpa” que o tribunal a quo retira do normativo legal supra não corresponde à culpa nos termos da responsabilidade civil subjetiva, mas, sim, ao facto de o acidente resultar da condução do condutor etilizado. 6. Ora, no que toca ao caso dos presentes autos, ainda que o Tribunal a quo tenha considerado não provado o facto “- o réu, nas circunstâncias de tempo e lugar do sinistro não tivesse guardado a distância de segurança do veículo de matrícula (…), por falta de noção e perceção da mesma;”, sempre se teria de considerar como facto provado que o réu não guardou a distância de segurança do veículo de matrícula (…). 7. Se o Réu o tivesse feito, teria tido tempo de reacção para imobilizar o veículo por si conduzido e evitado a ocorrência do sinistro. 8. Pelo exposto, deverá considerar-se provado que o réu não guardou a distância de segurança do veículo (…). 9. Sem prejuízo, sempre se dirá que ficou comprovado que o acidente ocorreu porque o Réu embateu na traseira do veículo (…). 10. Significa isto que foi o Réu quem deu azo ao sinistro, por ter embatido na traseira do veículo que circulava à sua frente. 11. Ora, este facto, acrescido do facto de o Réu conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, resulta no preenchimento dos pressupostos previstos na al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007. 12. Em face do exposto, deverão considerar-se preenchidos os requisitos legais para que a ora Recorrente seja ressarcida nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007 e ser o Réu condenado no pagamento das quantias despendidas com a regularização do sinistro. 13. No que à apreciação da al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007 se refere igualmente se dirá que não andou bem o douto tribunal a quo ao entender que “não basta o condutor etilizado ter dado causa ao acidente, sendo necessário que esta causa tenha emergido da própria etilização”, pois parece querer escusar-se à alteração legislativa operada pelo DL 291/2007 e à mais recente jurisprudência sobre esta questão. 14. Na redação da presente lei, o Legislador abandonou o elemento subjetivo e substituiu-o por um elemento objetivo, substituindo a expressão "tiver agido sob a influência do álcool" (do anterior diploma), pela expressão "conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida". 15. Contrariamente à lei anterior, agora, não se exige essa relação causa/efeito, sendo suficiente a constatação objetiva e concreta que o condutor causador e culpado no acidente, seja, no momento da sua eclosão, portador de taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida. 16. Nesse sentido veja-se Acórdão do STJ de 28-11-2013 (Processo n.º995/10.6TVPRT.P1.S1) cuja conclusão é: “O artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.” 17. Por tudo o exposto, deve ser revogada a decisão sub judice, por incorrecta interpretação do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007, e substituída por outra que condene o Réu no pedido. Com o que, concedendo provimento ao recurso, e declarando o Tribunal a quo competente para apreciação do litígio em causa, farão V. Exas. a costumada justiça. Não houve contra alegações. Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657 nº4 do Código de Processo Civil. Cumpre apreciar e decidir: De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava dos arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2 e 639º do N. Cód. Proc. Civil. Nesta conformidade, a recorrente coloca à apreciação deste tribunal as seguintes questões: A - O Tribunal a quo ao considerar não provado o facto “- o réu, nas circunstancias de tempo e lugar do sinistro não tivesse guardado a distância de segurança do veículo de matrícula (…), por falta de noção e perceção da mesma;”, sempre se teria de considerar como facto provado que o réu não guardou a distância de segurança do veículo de matrícula … (?) B - Este facto, acrescido do facto de o Réu conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, resulta no preenchimento dos pressupostos previstos na al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007 e ser o Réu condenado no pagamento das quantias despendidas com a regularização do sinistro (?) A sentença recorrida assentou na seguinte factualidade: A) A Autora dedica-se à actividade seguradora; B) No exercício da sua actividade comercial, a Autora celebrou com (…) Vigilância Electrónica, Lda. um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel; C) Tal contrato teve início em 01 de Junho de 2010, foi celebrado pelo prazo de um ano e seguintes, e veio a ser titulado pela apólice n.º (…); D) No âmbito deste contrato, foi transferida para a autora a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo, marca Peugeot 206, com a matrícula (…); E) No dia 19 de Agosto de 2010, pelas 16h20m, o Réu, conduzia o veículo referido em D), na Autoestrada n.º 1 (A1); F) A faixa de rodagem da autoestrada em que circulava o veículo seguro apresenta dois sentidos de circulação, com três vias destinadas a cada sentido, separadas por um separador central; G) O veículo (…) circulava no sentido Norte/Sul; H) Na via mais à direita, atendendo ao seu sentido de marcha; I) Na sua dianteira, circulava o veículo pesado de mercadorias de matrícula (…); J) Ao km 62,200, no concelho e distrito de Santarém, o Réu ficou encadeado pelo Sol ficando momentaneamente sem ver e embateu na traseira do veículo (…); K) Em resultado direto do embate, o veículo de matrícula (…) sofreu diversos danos, nomeadamente, na parte traseira e lateral esquerda; L) Também em consequência direta do sinistro, o passageiro que seguia no veículo (…), (…) necessitou de assistência hospitalar, tendo sido transportado do local do acidente pelos Bombeiros Voluntários de Santarém para o Hospital de Santarém; M) A Autora procedeu ao pagamento das despesas necessárias à reparação dos danos referidos em K) tendo despendido até à presente data, o montante € 6.477,82 (seis mil, quatrocentos e setenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos) e que se discrimina: € 216,00 (duzentos e dezasseis euros), relativos a despesas com assistência hospitalar, € 105,60 (cento e cinco euros e sessenta cêntimos), relativos a despesas de transporte, € 4.405,13 (quatro mil, quatrocentos e cinco euros e treze cêntimos), relativos à reparação do veículo de matrícula (…), € 1.611,94 (mil, seiscentos e onze euros e noventa e quatro cêntimos), relativos ao período de imobilização do veículo de matrícula (…); € 139,15 (centos e trinta e nove euros e quinze cêntimos), relativos a despesas de peritagem; N) O Réu foi submetido ao teste quantitativo de álcool no sangue, tendo acusado em contraprova, uma T.A.S. de 0,70 g/l. Apreciemos: -A- Em modo de impugnação de facto a recorrente alega na conclusão 6ª: No que toca ao caso dos presentes autos, ainda que o Tribunal a quo tenha considerado não provado o facto “- o réu, nas circunstâncias de tempo e lugar do sinistro não tivesse guardado a distância de segurança do veículo de matrícula (…), por falta de noção e percepção da mesma;”, sempre se teria de considerar como facto provado que o réu não guardou a distância de segurança do veículo de matrícula (…). Com o devido respeito, um facto não provado não pode induzir à verificação do seu contrário. A recorrente não apoia em qualquer depoimento ou passagem do julgamento ou dos autos a afirmação que pretende retirar da não verificação do alegado facto não provado – art. 640º, nº 1, do Código de Processo Civil –, nesta conformidade tal conclusão terá de improceder. -B- Nesta parte alega a recorrente: 9. (…) ficou comprovado que o acidente ocorreu porque o Réu embateu na traseira do veículo (…). 10. Significa isto que foi o Réu quem deu azo ao sinistro, por ter embatido na traseira do veículo que circulava à sua frente. 11. Ora, este facto, acrescido do facto de o Réu conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, resulta no preenchimento dos pressupostos previstos na al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007. 12. Em face do exposto, deverão considerar-se preenchidos os requisitos legais para que a ora Recorrente seja ressarcida nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 27.º do DL 291/2007 e ser o Réu condenado no pagamento das quantias despendidas com a regularização do sinistro. A sentença recorrida fez a seguinte análise: “ … Como se sabe, o acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência n.º6/2002, de 28 de Maio de 2002, publicado no DR, I-A, nº164, de 18 de Julho de 2002, fixou o seguinte: a alínea c) do art.19º do DL 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente. No entanto, aquele diploma foi revogado pelo DL 291/2007, de 21.08, em cujo art. 27 se regula o que era anteriormente regulado pelo art. 19.º do DL 522/85. A redação do mencionado artigo do diploma em vigor é algo diferente. … Em 21.8.2007, veio a lume o Decreto-Lei n.º 291/2007, estatuindo, na parte que agora interessa do artigo 27º em que o requisito da alcoolemia foi enunciado em termos diversos, desconsiderando-se agora a influência (isto é, a relação de causa e efeito) do álcool na condução. Independentemente dessa influência – que o art. 81º nº2 do Cód. Estrada presume absolutamente quando igual ou superior a 0,5g/l – o direito de regresso basta-se agora – para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva e do cumprimento da respetiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida. Deixou de relevar para o direito de regresso a questão de saber se em concreto a impregnação de álcool no sangue do condutor medida pela TAS influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da atuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente: basta que o condutor acuse, no momento do acidente, uma TAS superior à legalmente admitida, para que, se tiver atuado com culpa – e obviamente se se verificarem os demais requisitos da responsabilidade civil subjetiva – possa ser demandado em ação de regresso pela seguradora que satisfez a indemnização ao lesado. Escreveu-se a propósito deste preceito no Acórdão do STJ de 28-11-2013 (Proc. nº 995/10.6TVPRT.P1.S1): “O elemento filológico de exegese tirado do teor das locuções que integram o texto do preceituado no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 – apenas tem direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de superior à legalmente admitida (…) - cinge o intérprete a discorrer que, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil, o direito de regresso conferido à seguradora ser-lhe-á irrestritamente concedido sempre que o condutor, julgado culpado pela eclosão do acidente, conduza a viatura com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”. … Seguimos este entendimento, porquanto sem a exigência do nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e o acidente, pode cair-se no extremo de um sinistro em que interveio um condutor alcoolizado, mas cujo estado não foi a causa do acidente, que ocorreu meramente por violação de uma qualquer norma estradal, implicar sempre o direito de regresso, com a desvalorização inerente do contrato de seguro. Assim, também nós consideramos exigível a alegação e prova pela seguradora que exerce o direito de regresso do nexo de causalidade entre o estado de etilização e o acidente de que resultaram os danos de terceiro indemnizados por ela, isto é, que o álcool foi causa real, efetiva e adequada ao desencadear do acidente. … À seguradora basta alegar e demonstrar a taxa de alcoolemia do condutor na altura do acidente, sendo irrelevante a relação de causa e efeito entre essa alcoolemia e o acidente, ou seja, os factos em que se materializava a influência do álcool na condução e que, como se disse, eram relevantes na vigência do DL nº 522/85 na interpretação do AUJ nº 6/2002. Como escreve Maria Manuela Ramalho Sousa Chichorro, a propósito desta alteração legislativa: “o legislador não exige qualquer relação entre os dois requisitos, bastando-se com a sua verificação objetiva para fundamentar o direito de regresso do Segurador, favorecendo o seu exercício” (cfr. O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 2010, p. 212). A “desconsideração” do nexo de causalidade no art. 27º do DL nº 291/2007 deve ser compreendida, perspetivando o direito de regresso da seguradora como de natureza contratual e não extra contratual; quer dizer, a previsão legal do direito de regresso integra o chamado estatuto legal imperativo do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. O risco assumido pela seguradora em tal contrato não cobre nem poderia cobrir os perigos acrescidos que a condução sob a influência do álcool envolve. … No nosso caso, o Réu tinha 0,70 g/l. O n.º 2 do art. 81.º do Cód. Est. considera sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa igual ou superior a 0,5 g/l. E, finalizando, quanto à causalidade, pese embora a autora tenha alegado factos estruturais que, provando-se, estabeleceriam um nexo entre o sinistro e a TAS, recorde-se que um facto é causal se faz acrescer, de maneira considerável, a possibilidade objetiva de realização do resultado ocorrido – para se considerar assim determinado facto da vida material, é necessário levar em conta as máximas da experiência, da razoabilidade - Vaz Serra, in Obrigação de Indemnização, Bol. 84º/nº5. Não estamos, pois, perante uma etilização a justificar, numa pessoa normal, a perda da noção de que deve cumprir as regras estradais, nem isso resulta dos factos provados, por forma a permitir concluir que o acidente foi determinado pelo álcool apresentado pelo responsável pelo acidente. Temos, pois, como inverificado o ónus que impendia sobre a Autora de alegação e prova do nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e o acidente.” Pelo que se acaba de transcrever, a sentença recorrida prendeu-se essencialmente pela interpretação do art. 27º do DL. 291/2007, de 21 de Agosto, mas descuidou de alguma forma o nexo causal do acidente com a culpa do condutor, elemento sem o qual, em nosso entendimento, não é possível enquadrar a interpretação de tal norma. Dispõe o art. 27º, nº 1, al c), do Decreto-lei 291/2007, sob a epígrafe "Direito de regresso da empresa de seguros" que: "Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: … c) contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos" Da interpretação do aludido preceito decorre, pois, que a Seguradora terá direito de regresso quando se preencham dois pressupostos cumulativos: i. O condutor tenha dado causa ao acidente, e ii. Conduza com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida. Fazendo aqui eco de todo o historial relatado na sentença recorrida, a jurisprudência contraditória que então foi produzida na vigência do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro deu azo a um acórdão uniformizador sobre a interpretação a dar ao art. 19º, nº1-c) daquele diploma legal, segundo o qual satisfeita a indemnização, o segurador tem direito de regresso e/ou reembolso, conforme os casos, nos termos da lei geral e ainda contra o condutor se este tiver agido sob a influência do álcool. Segundo o referido acórdão uniformizador, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2002, de 28-5, a descrita alínea “exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”, com a alteração legislativa entretanto verificada, parece ter voltado à ordem do dia o dilema sobre a necessidade de verificação, ou não, daquele nexo de causalidade. Na vigência do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro tal interpretação assentava na expressão da lei “condução sob a influência do álcool” que fazia depreender que a ingestão de bebidas alcoólicas afetava a capacidade de condução e que, por isso e como consequência dessa influência, a dita condução se tornou perigosa, a ponto de causar o acidente. O álcool seria, pois, nesta perspetiva, a causa (remota) do acidente porque teria provocado atuações, atitudes, comportamentos, condutas (agir sob a influência do álcool) inadequadas para a condução e determinantes do sinistro. Acontece que o Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12, foi entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto que, como consta do seu preâmbulo, entrou em vigor em virtude da “transposição da Diretiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Diretivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Diretiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (“5.ª Diretiva sobre o Seguro Automóvel”), constitui ensejo para proceder à atualização e substituição codificadora do diploma relativo ao sistema de proteção dos lesados por acidentes de viação baseado nesse seguro, que se justifica desde há muito”. Tipificando este último diploma legal o regime jurídico referente ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, com diretrizes anteriormente consagradas no Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12, seguimos a tese de que o legislador, atento à dissonância que motivou o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2002, redigiu a norma do art. 27º, nº 1, al. c), de forma a que a sua interpretação não criasse dúvidas já que a força vinculadora que advinha do referido acórdão deixou de existir. Atentemos, de novo, no preceito do art. 27º, nº 1-c), do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto: “1 — Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: a) b) c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos” O elemento filológico de exegese tirado do teor das locuções que integram o texto do preceituado no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 – apenas tem direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de superior à legalmente admitida (…) – cinge o intérprete a discorrer que, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil, o direito de regresso conferido à seguradora ser-lhe-á irrestritamente concedido sempre que o condutor, julgado culpado pela eclosão do acidente, conduza a viatura com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-2013, Proc. nº 995/10.6TVPRT.P1S1, em www.dgsi.pt . O sujeito passivo da ação de regresso fundada em alcoolemia é, portanto, o condutor “que tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”. Da expressão “com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida” o que deve retirar-se é o sentido de que, circulando o condutor com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e tiver dado causa ao acidente, a seguradora tem o direito de regresso contra o seu segurado. A expressão “que tenha dado causa ao acidente” restringe o destinatário do exercício do direito de regresso ao condutor culpado na eclosão do acidente. Quer dizer: o direito de regresso da seguradora contra o condutor responsável pressupõe a responsabilidade civil subjetiva fundada em culpa deste; logo, exclui-se naturalmente a responsabilidade objetiva ou pelo risco. E, para além da culpa, o direito de regresso exige também que o condutor “culpado” conduzisse com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, que nos termos do art. 81º, nº 2, do Cód. Estrada é de 0,5g/litro no sangue. Voltando aos autos nada se provou que tivesse colocado o condutor, ora réu, na situação de culpado. Culpa subjetiva por ter infringido uma qualquer norma estradal – art. 483º do Código Civil. No caso em apreço o que se constatou foi que o acidente se verificou porque o Réu foi momentaneamente encadeado pelo sol e, sem visão, embateu na traseira do veículo (…), sendo certo que tendo a via três faixas de rodagem, o réu circulava na via mais à direita, atento o seu sentido de marcha. Nada em desabono do réu de provou para a perpetração do acidente devido a culpa subjectiva do mesmo, pelo que a responsabilidade do acidente tem de ser integrada na responsabilidade pelo risco – art. 506º do Código Civil. Sendo assim, embora se concorde com a sentença recorrida quando sugere que 0,70g/l de alcoolemia não permitiria – com base em meras presunções judiciais – concluir pela necessária influência no comportamento ou forma de agir do respetivo portador, em termos de poder ter-se como certo que o acidente em que teve intervenção resultou do seu estado de alcoolemia, a verdade é que nos termos do nº 2 do art. 81º do Código da Estrada o réu conduzia sob a influência do álcool. Só que, e para terminar, conduzindo embora sob a influência do álcool, o acidente não se verificou por culpa do réu pelo que a situação dos autos não cabe na norma do art. 27º, al. c), do DL nº 291/2007, nada tendo a autora a receber. Decisão: Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente. (Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas) Évora, 5-11-2015 Assunção Raimundo Sérgio Abrantes Mendes Luís Mata Ribeiro Sumário da Relatora I - Da interpretação do art. 27º, nº 1, al c), do Decreto-lei 291/2007 decorre que a Seguradora terá direito de regresso quando se preencham dois pressupostos cumulativos: a. O condutor tenha dado causa ao acidente, e b. Conduza com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida II - A expressão “que tenha dado causa ao acidente” restringe o destinatário do exercício do direito de regresso ao condutor culpado na eclosão do acidente. III - O direito de regresso da seguradora contra o condutor responsável pressupõe a responsabilidade civil subjectiva fundada em culpa deste; logo, exclui-se naturalmente a responsabilidade objectiva ou pelo risco. IV - Para além da culpa, o direito de regresso exige também que o condutor “culpado” conduzisse com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, que nos termos do art. 81º, nº 2, do Cód. Estrada é de 0,5g/litro no sangue. V - Conduzindo embora sob a influência do álcool, o acidente não se verificou por culpa do réu pelo que a situação dos autos não cabe na norma do art. 27º, al. c), do DL nº 291/2007, nada tendo a autora a receber. |