Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
981/14.7TAFAR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: PREVARICAÇÃO
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME
Data do Acordão: 10/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Para o cometimento do crime de prevaricação não é necessária a existência de prejuízo para a entidade adjudicante, mas que o agente, conscientemente, conduza - ou decida - “contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém”;
II – Comete o referido crime, o arguido, presidente de uma junta de freguesia, que, tendo esta deliberado que a adjudicação da obra de alteração das suas instalações seria efectuada por concurso, conjuntamente com um terceiro, construtor civil, orquestraram e levaram a cabo, de comum acordo e em conjugação de esforços, um plano que visava que a adjudicação da obra fosse feita por esse terceiro, plano esse que consistia, basicamente, em criar as condições necessárias e adequadas a dar a aparência - a quem tinha a competência para decidir - de que haviam sido convidadas outras empresas para apresentarem propostas e que a proposta desse terceiro, construtor civil, era a mais vantajosa, garantindo que outras propostas não seriam admitidas por conterem um valor acima do valor base definido pela autarquia.
Decisão Texto Integral: Proc. 981/14.7TAFAR.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Criminal de Faro, J5) correu termos o Processo Comum Coletivo n.º 981/14.7TAFAR, no qual foi julgado o arguido BB – (…) - pela prática de um crime de prevaricação, em coautoria, previsto e punido pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho (factos descritos na acusação que constitui folhas 923 e seguintes, para a qual remete integralmente o despacho de pronúncia de folhas 1040 e seguintes).
A final veio a ser condenado, pela prática, como coautor material de um crime de prevaricação, previsto e punido pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na pena de 3 (três) anos de prisão (não se aplicando a pena acessória de perda de mandato a que alude o artigo 29 do mesmo diploma legal), suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos (artigo 50 n.ºs 1 e 5 do Código Penal, na redação em vigor na data da prática dos factos).
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2. Inconformado com tal acórdão, recorreu o arguido do mesmo, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - As decisões foram da Junta de Freguesia, embora, como sucede na generalidade destes órgãos, seja o presidente quem faz quase todo o trabalho; embora a iniciativa e o contacto sejam do presidente, são feitos em nome da Junta de Freguesia.
2 - A decisão de contratar foi tomada pela Junta de Freguesia e refletida em ata, e em convites da Junta de Freguesia, pelo que é uma decisão a Junta e não do seu presidente.
3 - Quanto aos princípios da transparência, igualdade e concorrência, o tribunal efetua manifestamente uma errada interpretação da finalidade e natureza do ajuste direto.
4 - A escolha do ajuste direto pelo arguido está de acordo com a lei, a decisão de contratar uma ou mais entidades é uma decisão discricionária da entidade adjudicante.
5 - É constitucionalmente inadmissível a interpretação do art.º 112 do CCP no sentido em que viola a lei a consulta a apenas uma entidade, por violação do princípio da separação de poderes e da subordinação dos tribunais à lei (art.º 203 da CRP).
6 - Não se verifica uma decisão contra direito de um processo por parte do agente.
7 - O tribunal concluiu que o valor da obra era de 117.079,00 euros e a Junta de Freguesia pagou pela obra 97.875,85 euros, não existiu prejuízo para a Junta de Freguesia nem esta foi prejudicada, não existiu benefício económico para o empreiteiro.
8 - Concedendo a lei a possibilidade do arguido escolher o CC, não tendo qualquer outro elemento que permita concluir que esta escolha prejudicou a Junta de Freguesia, não pode o tribunal concluir que esta é a prova do benefício ilegítimo do CC.
9 - Ao considerar que tal constitui o elemento do crime, a atividade jurisdicional modifica o sentido normativo fixado na lei e, portanto, constitui uma violação do princípio da separação de poderes e da subordinação dos tribunais à lei (art.º 203 da CRP).
10 - Não devendo ser dados como provados os pontos 28 e 29 dos factos provados, pelos argumentos supra expostos.
11 - Deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, absolvido o arguido do crime de peculato.
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3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 - Por acórdão de 14/12/2017, proferido a fls. 1311 a 1348 dos autos à margem supra referenciados, foi decidido, pelo Tribunal Coletivo, condenar o arguido BB, pela prática de um crime de prevaricação (p. e p. pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16.07), na pena de 3 anos de prisão, suspensa na execução por idêntico período.
2 - A matéria de facto dada como assente pelo tribunal a quo - nomeadamente, os pontos 1 a 29 - integra, relativamente à conduta do arguido ora recorrente, os elementos objetivos e subjetivos do mesmo crime de prevaricação.
3 - Nomeadamente, decorre da mesma matéria de facto dada como provada que o arguido ora recorrente era, à data, o Presidente da Junta de Freguesia de … e que interveio, nessa mesma qualidade, num processo relacionado com a instrução e adjudicação de uma empreitada de obras públicas.
4 - Decorrendo igualmente da mesma matéria de facto que o ora recorrente conduziu o procedimento tendente à adjudicação da obra em questão - de alteração do edifício do mercado e da Junta de Freguesia de … - sem respeitar as normas legais disciplinadoras dos procedimentos do ajuste direto, nomeadamente, os artigos 16, 17, 18, 19 al.ª a), 40 n.º 1 al.ª a), 112 e 115 do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12.07.
5 – E que conduziu o mesmo procedimento em clara violação das regras da transparência, da igualdade e da concorrência, previstas no artigo 1 n.º 4 do Código dos Contratos Públicos.
6 – Além de que o arguido agiu com o claro propósito de beneficiar CC, sendo evidente que todo o processo foi conduzido pelo ora recorrente BB no sentido de atribuir a adjudicação da mesma obra àquele construtor civil em particular.
7 – Pelo que o douto acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura quando condenou o ora recorrente pela prática de um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16.07.
8 - Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, confirmando-se o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 1387 e 1388).
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1. O arguido BB exerceu, no período compreendido entre 2009 e 2013, o mandato, para que fora eleito, de Presidente da Junta de Freguesia de ….
2. O arguido CC era, à data dos mesmos factos, empresário em nome individual de construção civil.
3. No dia 10 de dezembro de 2010 a Junta de Freguesia de … efetuou uma candidatura junto do PRODER para financiamento da “alteração do edifício do mercado e Junta de Freguesia de …”.
4. No dia 11 de julho de 2012 foi aprovado, pelo PRODER, o financiamento de € 104.739,95 para a referida obra.
5. Era ao Presidente da Junta de Freguesia que competia conduzir o processo de adjudicação, submetendo, a final, a escolha da melhor proposta (de entre os candidatos convidados) e a adjudicação da obra a deliberação da Junta de Freguesia.
6. Facto que era do conhecimento do arguido BB e de CC.
7. O arguido BB, ao tomar conhecimento de que havia sido aprovado o aludido financiamento, estabeleceu com CC um plano de modo a que, aproveitando-se das funções que o BB exercia na Junta de Freguesia, conseguissem fazer com que a obra fosse adjudicada a CC.
8. Plano esse que consistia em o CC, na sequência de convite que lhe seria endereçado pelo Presidente da Junta de Freguesia para indicar uma proposta para realização da obra, apresentaria um orçamento com um valor próximo do preço máximo da obra estabelecido pela Junta de Freguesia (na circunstância € 100.000,00). O CC contactaria duas empresas (que sabia não estarem interessadas naquela obra) de modo a que apresentassem orçamentos com condições menos vantajosas para a Junta de Freguesia que as suas. Posteriormente daria conta desses contactos ao arguido BB, que simularia o envio de convites para a empreitada às empresas contactadas por CC.
9. Em execução do plano supra referido, no dia 10 de setembro de 2012, em reunião do executivo da Junta de Freguesia de…, o arguido BB, na qualidade de presidente da mesma Junta, “explicou o interesse urgente na concretização da abertura de concurso para as obras” de alterações do mercado e Junta de Freguesia, “dado o facto da Freguesia ter a candidatura aprovada no âmbito do PRODER, já ter sido obtido um adiantamento dos apoios aprovados e os projetos de engenharia, especialidades, já se encontrarem aprovados pelo Município”, tendo a proposta de abertura de concurso sido aprovada pelo executivo da Junta de Freguesia.
10. Entretanto, conforme havia combinado com o arguido BB, CC contactou os empreiteiros, por si escolhidos, DD, gerente da sociedade sob a denominação EE, Ld.ª (que detém uma empresa de construção civil), e FF, sócios e gerentes da sociedade sob a denominação GG, Ld.ª (sociedade que também detém uma empresa de construção civil), que não estavam interessados em que a mencionada obra lhes fosse adjudicada, a quem solicitou que elaborassem orçamentos relativos à mesma, dirigidos ao presidente da Junta de Freguesia de …, referindo-lhes que os orçamentos eram só para cumprir formalidades da Junta de Freguesia, visto a obra já lhe ter sido adjudicada a si.
11. Como os citados empreiteiros aceitaram o que CC lhes propôs, este entregou-lhes um esboço de orçamento, por si elaborado, em que indicava como valor da obra preços superiores ao preço máximo fixado pela Junta de Freguesia, para que eles o copiassem para folhas timbradas das suas firmas, os assinassem e lhos entregassem de seguida.
12. Assim, no esboço de orçamento que entregou ao DD, CC indicou como valor total da obra a importância de € 110.000,00 e no esboço que entregou ao FF indicou como valor total da empreitada a importância de € 105.500,00.
13. Com base no citado esboço o FF elaboraram, em nome da sociedade de que eram sócios, o “orçamento para alteração do edifício do mercado e Junta de Freguesia de …”, em documento endereçado ao Presidente da Junta de Freguesia de …, constante do documento que constitui folhas 61 do Apenso 1-B, aqui dado por reproduzido, onde consta, como valor da obra, o que lhes foi indicado por CC. Por seu lado, DD elaborou, em nome da sociedade de que é gerente, o “orçamento de alteração do edifício do mercado e junta de freguesia de …i” em carta constante do documento que constitui folhas 59 e 60 do Apenso 1-B, aqui dado por reproduzido, onde consta, como valor da obra, aquele que lhe foi indicado por CC.
14. Documentos que, posteriormente, entregaram a CC e que nunca enviaram para a Junta de Freguesia de ….
15. Após, e em cumprimento do plano supra referido, CC deu conhecimento dos factos acima descritos ao arguido BB.
16. No dia 26 de setembro de 2012, em reunião do executivo da Junta de Freguesia de…, o arguido BB, na qualidade de presidente da referida Junta de Freguesia, referiu que “os três empreiteiros a quem se haviam pedido orçamentos para concretização das obras” de alteração do mercado e Junta de Freguesia “responderam todos ao nosso convite. Apresentando essas propostas especificou: 1 - CC, com proposta de valor de 97.875,85€; 2 - GG, Ld.ª - 105 500,00 €; 3 - EE, Ld.ª - 110 000,00 €”. Após votação, a Junta de Freguesia deliberou adjudicar a empreitada ao arguido CC.
17. De seguida, para fazer crer que no procedimento de adjudicação da referida obra por ajuste direto tinham sido convidados três empreiteiros para apresentarem os respetivos orçamentos e que estes foram efetivamente apresentados, o arguido BB elaborou os convites da Junta de Freguesia de … para a “empreitada por ajuste directo (alínea a) do artigo 19 do CCP” de “alteração do edifício do mercado e Junta de Freguesia de …”, onde fez constar que “o preço base do concurso é 100.000,00 €, com exclusão do IVA”. O arguido BB assinou, na qualidade de “Presidente da Freguesia”, os convites cujas cópias constituem folhas 50 a 51 do Apenso 1-B, aqui dados por reproduzidos, em que constam como destinatários CC, EE, Lda e GG, Ld.ª.
18. Após, juntou os aludidos convites ao processo de adjudicação da citada obra existente na Junta de Freguesia.
19. Contudo, nunca expediu ou mandou expedir os referidos convites nem nunca os mencionados destinatários (com exceção de CC) deles tiveram conhecimento.
20. O arguido BB juntou ainda ao mesmo processo os orçamentos mencionados supra sob os números 13 e 14, que, entretanto, o arguido CC lhe entregara.
21. Era ao arguido BB que competia, enquanto Presidente da Junta de Freguesia de …, conduzir o citado processo até à deliberação de adjudicação da empreitada pelo executivo da Junta de Freguesia, no âmbito das suas atribuições.
22. O arguido BB e CC atuaram sempre em conjugação de esforços e intentos, na execução do plano supra referido, o primeiro na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia de …, como era do conhecimento e foi querido pelo segundo.
23. Enquanto Presidente da Junta de Freguesia, e no exercício das suas funções, o arguido BB conduziu o processo de adjudicação da empreitada de modo descrito, designadamente, não endereçando convites para a adjudicação da obra por ajuste direto a outras pessoas que não ao CC.
24. Com a vontade consciente de assim proceder, no intuito de beneficiar o arguido CC na adjudicação da referida obra.
25. Factos que eram do conhecimento e foram queridos pelo arguido CC, que atuou no intuito de ser beneficiado com a adjudicação da obra.
26. Bem sabiam, BB e CC, que o primeiro atuou sempre na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia de … e no exercício dessas funções.
27. Bem sabiam, igualmente, que ao atuarem do modo descrito, o arguido BB violava, como violou, os deveres inerentes ao cargo político que desempenhava, designadamente, o Estatuto dos Eleitos Locais e as normas que regem a adjudicação de obras por ajuste direto por parte de entidades públicas e, designadamente, da Junta de Freguesia de ….
28. Atuaram, ambos, com o propósito de beneficiar o arguido CC.
29. Agiram CC e o arguido BB deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
(…)
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7. E, no que respeita à matéria de facto não provada, consta do acórdão recorrido:
Não se demonstraram os demais factos constantes da acusação, sendo certo que aqui não interessa considerar as alegações de direito, conclusivas, argumentativas, probatórias nem as que são absolutamente irrelevantes para a decisão.
Neste último caso estão os factos constantes da acusação e que, em virtude da extinção do procedimento criminal relativamente aos arguidos CC e HH, deixaram de fazer parte do objeto deste processo.
São alegações de direito, meramente probatórias ou argumentativas as seguintes alegações constantes da acusação:
- O Tribunal de Contas tem manifestado o entendimento que na adjudicação de obras públicas, por ajuste direto, a entidade pública deve convidar diversos operadores, no mínimo três, a apresentar propostas - cf. a título de exemplo, ponto 27, do acórdão n.° 21, de 18 de julho de 2013/1.ª S/SS, e acórdão n.º 26, de 23 de outubro de 2013/1.ª S/SS, disponíveis em www.tcontas.pt - sob pena de não observância dos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência, consagrados no n.º 4 do artigo 1 do CCP (Código dos Contratos Públicos - DL 18/2008, de 29 de janeiro) e da não concessão de visto por parte do tribunal (artigo 1 da acusação);
- Todas as demais alegações que remetam para a alegação que se acaba de reproduzir;
- A Junta de Freguesia de …, seguindo o entendimento referido no artigo 1 [da acusação], costumava adjudicar este tipo de obras, através do procedimento de ajuste direto, endereçando convites, para apresentarem propostas, a três empresas de construção civil distintas;
(…)
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8. O tribunal formou a sua convicção - escreve-se na fundamentação (…).

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9. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Tais conclusões - enquanto resumo da motivação - devem ser claras e concisas, de modo a permitir ao tribunal superior perceber, sem margem para dúvidas, as questões que o recorrente pretende que sejam conhecidas, sendo que são estas - as questões aí sintetizadas - que delimitam o âmbito do recurso (art.ºs 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do CPP, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ. 458, 98, que mantém atualidade).

Feitas estas considerações, e atentas as conclusões da motivação do recurso interposto pelo arguido, são as seguintes as questões colocadas à apreciação deste tribunal:

1.ª - Se, em face das provas produzidas:

- não podia o tribunal dar como provada a factualidade descrita nos pontos 28 e 29 da matéria de facto dada como provada;

- não podia o tribunal concluir que a conduta do arguido - em síntese, a escolha de CC, por ajuste direto, para a realização do obra - foi “contra direito”;

2.ª - Se é inconstitucional a interpretação do art.º 112 do CCP no sentido de que viola a lei a consulta de apenas uma entidade, por violação do princípio da separação de poderes e de subordinação dos tribunais à lei.

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9.1. - 1.ª questão

O arguido foi condenado pela prática de um crime de prevaricação (art.º 11 da Lei 34/97, de 16.07), em síntese, por se considerar:

- que “o arguido conduziu o processo tendente à adjudicação da obra de alteração do edifício do mercado e Junta de Freguesia de …i sem respeitar as… regras legais, tendo antes estabelecido com um construtor civil (CC) um acordo no sentido de, a final, vir a ser ele a entidade a quem o contrato de empreitada de obras públicas seria adjudicado”, acordo que, por si só, constitui “um desvirtuamento da transparência, igualdade e concorrência”;

- que o arguido, “não só… definiu, antes de contactar qualquer empresa de construção civil, a quem a obra iria ser adjudicada, como criou condições para dar a aparência de que foram convidadas outras entidades para apresentarem propostas, garantindo, porém, que tais propostas não poderiam ser admitidas por conterem um valor acima do valor base definido pela autarquia”;

- que “a escolha das entidades convidadas a apresentar proposta no procedimento de ajuste direto cabe ao órgão competente para a decisão de contratar” (art.º 113 n.º 1 do Código dos Contratos Públicos), no caso, à junta de freguesia, quando “o arguido assumiu tal tarefa, em clara violação do citado preceito legal e em violação dos deveres que a ele se impõe pelo estatuído no artigo 4 alíneas a) iii) e b) iii) da Lei n.º 27/87, de 30 de junho”;

- que “não se provou que o arguido quis prejudicar a junta de freguesia nem que esta haja sido, efetivamente prejudicada… não se provou que o custo da obra ficou acima do que poderia ser praticado caso outros operadores tivessem sido chamados a formular propostas orçamentais. Todavia, a matéria de facto julgada provada é clara de que o arguido atuou com intenção de beneficiar CC. Desde a aprovação do financiamento da obra pelo PRODER que o arguido e o falado CC combinaram em atuar de modo a que o contrato fosse adjudicado a este, tendo o processo sido conduzido de modo a que tal desiderato fosse efetivamente alcançado, como foi…”:

- que, em consequência, demonstrado está que “o arguido atuou de modo deliberado, livre e consciente…”.

Para chegar a estas conclusões, escreveu-se na decisão recorrida:

«Dispõe o artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho:

O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos.
São elementos objetivos do tipo de ilícito que acaba de se reproduzir:
- O agente ser titular de cargo político;
- O agente ter tido intervenção em processo no exercício das suas funções, e
- O agente conduzir ou decidir esse processo contra direito.
Para os efeitos da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, são cargos políticos, tal como se refere no seu artigo 3 n.º 1 alínea i), “o de membro de órgão representativo de autarquia local.
Ora, as freguesias são uma autarquia local (artigo 236 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa). Os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia (artigo 244 da Constituição da República Portuguesa). A junta de freguesia é o órgão executivo colegial da freguesia (artigo 246 da Constituição da República Portuguesa). A junta é constituída por um presidente e por vogais (artigo 23 n.º 2 da Lei 169/99, de 18 de setembro, em vigor durante a data da prática dos factos. Por via da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, a referida disposição legal passou a ser o número único do citado preceito). Ora, sendo o arguido… na data da prática dos factos, presidente da junta de freguesia, era, pelo exposto, membro de órgão representativo da respetiva autarquia local e, por isso, titular de cargo político relevante para o efeito da incriminação constante do artigo 11 que acima se deixou reproduzido. Está, pois, preenchido o primeiro dos elementos objetivos do tipo de ilícito de que o arguido vem pronunciado.
Resulta dos factos provados que o arguido interveio, na qualidade de presidente da junta de freguesia, em processo relacionado com a instrução e adjudicação de uma empreitada de obras públicas, sendo certo que tal processo era da competência da junta de freguesia (artigo 16 n.º 1 alíneas f) e ii) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro ou, na data da prática dos factos, artigo 14 n.º 1 alínea a) da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, e artigos 34 n.º 1 alínea e), n.º 3 alínea f) e 38 n.º 1 alíneas g) e n) da Lei 169/99, de 18 de setembro).
Conclui-se que está também preenchido o segundo elemento objetivo do tipo de ilícito imputado ao arguido.
Quanto ao terceiro elemento objetivo, cumpre ter em consideração que o valor da empreitada em causa nos autos era de valor máximo de € 100 000,00.
O procedimento de contratação de empreitadas de obras públicas está regulado no Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro. Tal diploma legal já sofreu várias alterações (a última das quais pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto). Interessa-nos, porém, considerar a versão em vigor na data da prática dos factos descritos na factualidade apurada. Nessa altura vigorava o Código dos Contratos Públicos com a redação que lhe foi dada Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho, que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação – cf. artigo 5 n.º 1 do referido diploma legal, sendo certo que, nos termos do Código dos Contratos Públicos, se estabelece que o procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar – cf. artigo 36 n.º 1). Será esta a versão a considerar de ora em diante.
Relativamente aos procedimentos para a formação de contratos, dispõe o artigo 16 do Código dos Contratos Públicos, na parte que aqui interessa considerar:
1 - Para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de procedimentos:
a) Ajuste direto;
b) Concurso público;
(…)
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza:
a) Empreitada de obras públicas;
(…)
A escolha dos procedimentos de ajuste direto deve ser feita tendo por base o valor do contrato a celebrar (determinado nos termos do disposto no artigo 17) e condiciona o valor do mesmo (artigo 18).
O ajuste direto só permite a celebração de contratos de valor inferior a € 150 000,00 (artigo 19 alínea a).
No ajuste direto, as peças dos procedimentos de formação de contratos são o convite à apresentação das propostas e o caderno de encargos (artigo 40 n.º 1 alínea a) do Código dos Contratos Públicos).
Nos termos do disposto no artigo 112 do mesmo código, o ajuste direto é o procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar aspetos da execução do contrato a celebrar. Decorre do disposto no artigo 115 que o convite à apresentação de proposta a ajuste direto deve ser feito pela forma escrita e deve conter as menções aplicáveis nele previstas.
À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência (artigo 1 n.º 4 do Código dos Contratos Públicos).
A regra da transparência pressupõe que em todo o procedimento tendente à contratação devem ser seguidas regras que permitam a todos os concorrentes conhecer os termos do contrato a empreender e bem assim as demais propostas apresentadas, devendo haver registo documentado de todos os contactos.
Os princípios da igualdade e da concorrência impõem que a entidade adjudicante não dê preferência a um determinado operador económico nem deve dirigir convites a operadores económicos com manifesta diferença ao nível da capacidade instalada. Por outro lado, deve o procedimento tendente à contratação favorecer a concorrência de operadores económicos. Tal implica, pois, que, nos contratos que impliquem a afetação de recursos financeiros mais avultados, a entidade adjudicante deve contactar vários prestadores de serviços com idênticas capacidades instaladas e com eles estabelecer contactos idênticos no se refere à informação relevante para a apresentação das propostas. Só assim não será em situações muito específicos, como aqueles em que o fornecedor de bens ou o prestador de serviços seja o único capaz de corresponder às exigências do contrato a celebrar (como, por exemplo, no fornecimento de medicamentos que são fabricados apenas por uma empresa farmacêutica ou a prestação de serviços que é assegurada apenas por um determinado agente económico).
Isto mesmo tem sido afirmado pelo Tribunal de Contas. Assim, no acórdão n.º 21, de 18 de julho de 2013, tirado na 1.ª Secção (publicado em www.tcontas.pt) pode ler-se “é verdade que o CCP, no seu artigo 112, admite que a entidade adjudicante proceda ao convite a uma só entidade. Contudo, tal admissão tem de ser enquadrada face a todos os demais valores em presença. Note-se que a realização de uma consulta a várias entidades não poria em perigo as urgências invocadas. Note-se que é um contrato com um valor financeiro significativo: 500 mil euros! (…). Tudo militaria a favor de se introduzir um mínimo de concorrência para melhor satisfação das necessidades públicas! A haver fundamentos para um ajuste direto, é evidentíssimo que deveria ter sido feito convite a várias entidades. Houve pois desrespeito claro de princípios básicos da contratação pública - o da concorrência, o da igualdade, o da transparência, todos expressamente consagrados no n.º 4 do artigo 1 do CCP – merecedor de um juízo desfavorável”. Decisão semelhante foi proferida pelo mesmo Tribunal e Secção, no acórdão n.º 26, de 23 de outubro de 2013, e bem assim acórdão n.º 6/14, de 29de abril de 2014, proferido no recurso n.º 19/13 (ambos publicados no mesmo sítio da internet).
…».
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Alega o arguido que, em face das provas produzidas:

- não podia o tribunal dar como provada a factualidade descrita nos pontos 28 e 29 da matéria de facto dada como provada;

- não podia o tribunal concluir que a conduta do arguido - em síntese, a escolha de CC, por ajuste direto, para a realização do obra - foi “contra direito”.

1) Consta da factualidade descrita nos pontos 28 e 29 da matéria de facto dada como provada:

28. Atuaram, ambos, com o propósito de beneficiar o arguido CC.
29. Agiram CC e o arguido BB deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei”.
Vejamos.
O arguido era, à data dos factos, titular de um cargo político (porque Presidente da Junta de Freguesia de …) - como, aliás, bem se evidenciou na decisão recorrida - e teve intervenção/conduziu o processo (de ajuste direto) “tendente à adjudicação da obra de alteração do edifício do mercado e Junta de Freguesia de ……”, sendo que era si que competia “conduzir o processo de adjudicação, submetendo, a final, a escolha da melhor proposta (de entre aos candidatos convidados) e a adjudicação da obra a deliberação da Junta de Freguesia” (facto provado no ponto 5 da matéria de facto, que não vem impugnado).
Nessa qualidade, “estabeleceu com CC um plano de modo a que, aproveitando-se das funções que… exercia na Junta de Freguesia, conseguissem fazer com que a obra fosse adjudicada a CC” (facto dado como provado no ponto 7), plano esse que consistia “em o CC, na sequência de convite que lhe seria endereçado pelo presidente da Junta de Freguesia para indicar uma proposta para a realização da obra, apresentaria um orçamento com o valor próximo do preço máximo da obra estabelecido pela Junta de Freguesia… contactaria duas empresas (que sabia não estarem interessadas naquela obra) de modo a que apresentassem orçamentos com condições menos vantajosas para a Junta de Freguesia que as suas… daria conta desses contactos ao arguido… que simularia o envio de convites para a empreitada às empresas contractadas por CC” (facto dado como provado no ponto 8, que não vem impugnado).
Ou seja, o arguido e CC orquestraram e levaram a cabo, de comum acordo e em conjugação de esforços, um plano que visava que a adjudicação da obra fosse feita - pelo executivo da Junta de Freguesia - a CC, plano esse que consistia, basicamente, em criar as condições necessárias e adequadas a dar a aparência - a quem tinha a competência para decidir - de que haviam sido convidadas outras empresas para apresentarem propostas e que a proposta do arguido CC era a mais vantajosa, garantindo que tais propostas não seriam admitidas por conterem um valor acima do valor base definido pela autarquia (esta conduta dos arguidos, tal como resulta da factualidade objetiva dada como provada, não podia ter outro propósito, que não o de beneficiar CC, que desse modo, sem qualquer concorrência, obteria, como obteve, a adjudicação da obra e o correspondente preço).
Por outro lado, que os arguidos (ambos) atuaram de forma “deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei”, resulta como consequência lógica e necessária da demais factualidade objetiva dada como provada, apreciada de acordo com as regras da experiência e os critérios da normalidade, sendo certo que nenhumas razões existem para questionar a capacidade de discernimento e decisão dos mesmos, designadamente, do recorrente, e tal factualidade é confirmada:
- quer pelo modo como o arguido, após a adjudicação pelo executivo, para dar a aparência do respeito pelos princípios da concorrência e da transparência de procedimentos, “elaborou os convites da Junta de Freguesia de … para «a empreitada por ajuste direto…», onde fez constar que «o preço base do concurso é de 100.000,00 euros, com exclusão do IVA», que assinou e juntou ao processo de adjudicação, mas que nunca expediu ou mandou expedir aos respetivos destinatários”, matéria de facto dada como provada e que não vem questionada;
- quer pela factualidade dada como provada nos pontos 22 a 27, que não vem impugnada e da qual resulta que ambos os arguidos atuaram “sempre em conjugação de esforços e intentos”, que o arguido assim agiu “no intuito de beneficiar o arguido CC na adjudicação da referida obra”, “sabendo que violava, como violou, os deveres inerentes ao cargo político que desempenhava… e as normas que regem a adjudicação de obras por ajuste direto…”.
Não faz qualquer sentido, pois, e colide com as mais elementares regras a experiência questionar que os arguidos “atuaram, ambos, com o propósito de beneficiar o arguido CC” e que “agiram… deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei”.
2) E a escolha de CC, por ajuste direto, para a realização da obra foi, de facto, “contra direito”.

Alega o arguido que “não existiu prejuízo para a Junta de Freguesia nem esta foi prejudicada, não existiu benefício económico para o empreiteiro…”.
Relativamente a esta questão deve dizer-se, por um lado, que não consta da matéria de facto dada como provada que tenha resultado qualquer prejuízo da conduta do arguido recorrente para a Junta de Freguesia - o que é irrelevante para a verificação dos elementos objetivos do tipo, pois que a lei não faz depender a incriminação da existência de prejuízo para a entidade adjudicante, mas que o agente, conscientemente, conduza - ou decida - “contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém”) - por outro, demonstrado ficou:
- que o arguido assim procedeu, “em conjugação de esforços e intentos”, na execução de um plano previamente delineado com CC, com “vontade consciente de assim proceder, no intuito de beneficiar… CC na adjudicação da referida obra”;
- que o arguido, ao conduzir o processo de adjudicação da obra - nos termos dados como provados (vejam-se, concretamente, os factos dados como provados nos pontos 8, 10, 11, 12 a 20, 2 22 a 29 da matéria de facto dada como provada) - de forma a que a mesma fosse adjudicada a CC (como foi), beneficiou este, como quis, que veio a ser escolhido para a realizar a mesma, recebendo a correspondente contrapartida, sem os riscos da concorrência.
Acresce que a atuação do agente será contra direito quando seja contrária ao conjunto das normas ou princípios que devem presidir à atuação do agente, no exercício da sua função, no respeito pelos princípios da concorrência, da imparcialidade e da transparência, em suma, uma atuação no interesse do bem comum, no respeito pelas normas e princípios que devem nortear toda a atuação dos agentes administrativos, com objetividade, no respeito pela lei, sem compadrios, o que resulta, aliás, do texto constitucional, quando aí se estabelece que “os órgãos e agentes administrativos… devem atuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções” (art.º 266 n.º 2 da CRP).

E sem questionar que o ajuste direto até pode – podia à data dos factos – ser feito por convite a uma única entidade, não foi isso que se passou:

1) O Executivo não deliberou que a adjudicação fosse feita por ajuste direto, mas por concurso (facto dado como provado, ponto 9), o que não é a mesma coisa (veja-se o disposto no art.º 16 n.º 1 do CCP), depois, no ajuste direto “a escolha das entidades convidadas a apresentar proposta… cabe ao órgão competente para a decisão de contratar”, no caso, à Junta de Freguesia (art.º 113 n.º 1 do CCP), quer seja a uma única entidade, quer seja a várias, o que não aconteceu.

2) Foi o arguido que assumiu essa tarefa, numa clara e deliberada intenção de beneficiar CC (não enviando quaisquer convites, mas acordando com CC, ainda antes do Executivo ter aprovado a proposta de abertura da concurso, os tramites a seguir para que a obra lhe fosse adjudicada, como foi, simulando, depois da adjudicação, o envio de convites “para fazer crer que… tinham sido convidados três empreiteiros para apresentarem os respetivos orçamentos e que estes foram efetivamente apresentados…”, o que não correspondia à verdade), em clara violação dos deveres de transparência, imparcialidade e de não patrocinar interesses particulares a que se encontrava vinculado, ex vi art.º 4 da Lei 27/87, de 30.06, em suma, arranjando um esquema artificioso para dar a aparência do respeito pelo princípio da concorrência, através de propostas fictícias, de modo a que a proposta do arguido CC se apresentasse ao Executivo, quando comparada com as demais, como a mais vantajosa e a obra lhe fosse, necessariamente, adjudicada a si.

Por outras palavras, o arguido decidiu que a obra teria que ser adjudicada a CC e, na sequência do decidido, em clara violação dos princípios da imparcialidade, da concorrência e da transparência que devem nortear os agentes da administração no exercício das funções públicas – e note-se que o respeito pelo princípio da concorrência nem sequer estava afastado pela urgência da obra, como se conclui dos orçamentos que pediu - assumiu o controlo do processo e conduziu-o de modo a que o Executivo viesse a deliberar a adjudicar a obra a este arguido, em face às demais propostas – fictícias/forjadas - que encomendou ao próprio CC, para dar a aparência que haviam sido enviados convites a outras entidades e que a proposta apresentada pelo arguido CC era a mais vantajosa.

Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada.

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9.2. – 2.ª questão

Alega o arguido que é inconstitucional a interpretação do art.º 112 do CCP no sentido de que viola a lei a consulta de apenas uma entidade, por violação do princípio da separação de poderes e de subordinação dos tribunais à lei.

Esta questão, tal como se apresenta, e face à posição que se deixa expressa, está prejudicada, pois que admitimos que o convite a uma só entidade, em face do Código de Contratos Públicos então em vigor, não sendo prática aconselhada, designadamente, nos contratos de empreitada, em que, tendencialmente, deve ser respeitado o princípio da concorrência (art.º 16 n.º 2 do CCP), é admitida.

Todavia, não foi isso o que aconteceu, o que está em causa não é apenas e só se o ajuste direto pode ser feito por convite apenas a uma entidade – o que, por princípio, até se aceita – mas os procedimentos que o arguido seguiu na condução do processo, fazendo crer ao Executivo (que era a entidade competente para formular os/o convite) que haviam sido feitos convites a três entidades para apresentarem orçamento (que não haviam) e que a proposta apresentada pelo arguido CC era a mais vantajosa.

Consequentemente, independentemente de se considerar se a entidade adjudicante poderia ou não proceder a ajuste direto, através do convite a uma única entidade, não foi isso que se passou.

Não deixará de se anotar que não há qualquer violação do princípio da separação de poderes, pois o tribunal não se intrometeu nas competências do Executivo, limitando-se a analisar/conhecer – no âmbito das suas competências – os factos que lhe foram submetidos a julgamento, em suma, a aferir se a conduta do agente/arguido, tal como provada ficou, preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de prevaricação que lhe vinha imputado.

E – note-se – “os tribunais judiciais são os órgãos competentes para decidir as causas penais e aplicar penas e medidas de segurança criminais” (art.º 8 do CPP), em suma, e face à questão que aqui nos ocupa, para conhecer da acusação deduzida contra o arguido e aferir se os factos dados como provados preenchem (ou não) os elementos do crime imputado arguido.

Improcede, por isso, a 2.ª questão supra enunciada.

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10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC`s (art.º 513 e 514 do CPP e 8 n.º 9 e tabela III anexa do RCP).

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)
Évora, 02/10/2018
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma