Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10/19.4PAMTR.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Há omissão de pronúncia quando se verifica ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre questões ou matérias, de direito substantivo ou processual, que conformam o objeto da concreta pretensão de justiça penal, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas “partes” na defesa das teses em presença.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO

1. Os arguidos AA e BB viram arguir, aos 27/03/2023, a nulidade por omissão de pronúncia, invocando o estabelecido no artigo 379º, nº 1, alínea c) e nº 2, do CPP, do acórdão deste Tribunal da Relação lavrado aos 14/03/2023, com os seguintes fundamentos:

O acórdão não se pronunciou no que concerne à questão da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, que foi suscitada nas conclusões da motivação de recurso.

Também não aponta “concretas razões, para o não cumprimento na habitação, modo de execução, ainda não aplicado ao arguido em qualquer processo.”

2. O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação apresentou resposta, pugnando pela improcedência da invocada nulidade.

3. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Consideram os requerentes que o acórdão desta Relação já mencionado padece de nulidade por omissão de pronúncia.

O nº 4, do artigo 425º, do CPP, manda aplicar aos acórdãos proferidos em recurso, além do mais, o disposto no artigo 379º do mesmo diploma, preceito cujo nº 1 contém a enumeração taxativa das nulidades da sentença.

A nulidade por omissão de pronúncia – prevista na alínea c), do nº 1, do mencionado artigo 379º - como é jurisprudência consolidada do nosso Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se quando o tribunal não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, quer porque lhe foram submetidas, quer porque o seu conhecimento é oficioso, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas “partes” na defesa das teses em presença - neste sentido, vd. por todos os Acs. do STJ de 25/05/2006, Proc. nº 06P1389 e de 23/10/2008, Proc. nº 08P2869, consultáveis em www.dgsi.pt.

Alumiando-se ainda, mais recentemente, no Ac. do STJ de 16/02/2022, Proc. nº 333/14.9TELSB.L1-A.S1, disponível no mesmo sítio: “Omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre questões ou matérias, de direito substantivo ou processual, que conformam o objeto da concreta pretensão de justiça penal. A omissão de pronúncia causadora de nulidade de sentença ou acórdão, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, preenche-se com a falta de pronúncia sobre questão ou questões que, suscitadas pelos sujeitos processuais ou de conhecimento oficioso, o tribunal devia ter apreciado. Omitir pronúncia sobre determinada questão é, simplesmente, nada dizer sobre a mesma, não tomar sobre essa concreta questão, substantiva ou processual, qualquer posição, expressa ou implícita, mas claramente entendível, a não ser que resulte claramente prejudicada pela decisão de outras.”

E o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, pelo que são as conclusões a definir as questões que importa apreciar e que, não o sendo, determinam a nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos.

Percorridas as conclusões da motivação de recurso, resulta que as questões suscitadas pelos recorrentes são, como se enuncia na decisão sob censura:

Enquadramento jurídico-penal da conduta dos recorrentes.

Nulidade da sentença por não ponderação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação/verificação dos pressupostos de aplicação do regime.

Na verdade, quanto à pena de substituição de suspensão da execução da pena, podemos ler na conclusão 14:

“E se se poderão considerar como verdadeiras as razões indicadas pelo Tribunal a quo para não aplicar o instituto da suspensão da pena previsto no art.º 50º do Código Penal, também certo é que outros fatores há que ponderar e que o Tribunal a quo não considerou, não tendo sequer equacionado e ponderado a aplicação do regime previsto no art.º 43º, do Código Penal”.

E, logo na conclusão seguinte (a 15), aduz: “em face do exposto, deverão decidir os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Évora, conceder provimento ao recurso interposto, em consequência, decidir que será de aplicar o regime de permanência na habitação, após serem elaborados os competentes relatórios necessários a tal aplicação.”

Em conclusão alguma das enunciadas na peça recursória reclamam os recorrentes a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena (aliás, a indicação do norma contida no artigo 50º, do Código Penal, como violada nem sequer se mostra feita nessas conclusões), afastada que foi pela 1ª instância, antes, como se viu, consideram sem mácula esse afastamento, mas impetram a aplicação do regime de cumprimento na habitação, considerando ter ocorrido omissão de pronúncia por banda do tribunal a quo quanto a ele.

Daí que, no acórdão deste Tribunal da Relação sob censura se refira:

A propósito da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, elucida-se na sentença sob crítica:

Já os dois arguidos não podem beneficiar da suspensão por se encontrarem a cumprir pena de prisão efectiva, sendo que, neste contexto, a suspensão redundaria, na prática, numa autêntica ausência de pena, gerando sentimentos de impunidade. Ademais, uma vez que estão a cumprir pena de prisão efectiva, obviamente a ameaça de pena revela-se manifestamente insuficiente para demover os arguidos da prática de ilícitos. Ora, pese embora esta fundamentação seja bem parca, mesmo no limite da sua suficiência, ainda assim resulta, implicitamente, que a adequação e suficiência do cumprimento da pena no regime de permanência na habitação foram equacionadas pelo tribunal a quo, sendo claro da decisão recorrida que se impõe o cumprimento pelos arguidos da respectiva pena em meio prisional, por estarem já a cumprir pena de prisão efectiva, pelo que o seu afastamento se mostra justificado.

Não padece, assim, a sentença da assinalada nulidade por omissão de pronúncia.

E, não corresponde à realidade a asserção dos recorrentes de que o acórdão não aponta “concretas razões, para o não cumprimento na habitação, modo de execução, ainda não aplicado ao arguido em qualquer processo.”

Com efeito, nele podemos ler:

Mas, entendem ainda os arguidos que estão verificados os pressupostos de aplicação do referido regime.

A pena de prisão em que cada um dos arguidos foi condenado (18 meses e 14 meses, respectivamente) preenche o pressuposto formal.

Mas, necessário ainda se torna que o tribunal conclua que, por via desse regime, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

Pois bem.

O arguido BB sofreu já as seguintes condenações:

Por sentença transitada em julgado aos 01/10/2018, pela prática de dois crimes de furto qualificado e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

Por sentença transitada em julgado a 01/10/2018, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.

Por acórdão transitado em julgado aos 21/02/2019, pela prática de cinco crimes de roubo na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Por sentença transitada em julgado aos 14/05/2019, pela prática de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

Encontra-se em cumprimento de penas sucessivas.

O arguido AA está sob reclusão desde 22/07/2020, tendo para cumprimento sucessivo as penas de 5 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 6 meses de prisão.

Atendendo às elevadas necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir, decorrentes das condenações sofridas pelos arguidos e das penas aplicadas em tais condenações, as quais, como é evidente, se revelaram insuficientes para os ressocializar, aliadas à ausência de hábitos regulares de trabalho, entendemos que o cumprimento da pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação nos termos do artigo 43º, do Código Penal, não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, que são a defesa da sociedade e prevenção da prática de crimes, devendo orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, no dizer do artigo 42º, do mesmo Código ou, de acordo com o artigo 2º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12/10, a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.

Em face do exposto, não se mostra adequada a opção pela aplicação do regime de permanência na habitação aos arguidos/recorrentes.

O que resulta perfeitamente claro e inteligível, sem necessidade de qualquer esforço intelectual acrescido para a sua compreensão.

Claro está que os recorrentes estão no seu direito de discordar da apreciação efectuada e consequente decisão, contudo, esta discordância não conduz a que se verifique a nulidade por omissão de pronúncia.

Face ao que, não enferma o acórdão censurado de nulidade por omissão de pronúncia ou qualquer outra de conhecimento oficioso.

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar improcedente a nulidade arguida pelos recorrentes AA e BB.

Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, para cada um.

Évora, 9 de Maio de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso