Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
411/15.7T8STB.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: CESSÃO DE QUOTA
CLÁUSULA ACESSÓRIA
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
São válidas as cláusulas verbais acessórias, respeitantes à contraprestação pela cedência de quotas de uma sociedade, não só porque não estão “abrangidas pela razão da exigência da forma”, como também não colidem com o conteúdo da escritura de cedência, na parte em que esta tem força “força probatória plena”.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

AA e mulher, BB, moradores na rua dos …, nº …, Tomar, intentaram a presente ação declarativa, contra CC e mulher, DD, com domicílio profissional na avenida …, … travessa, na mesma cidade, pedindo a sua condenação no pagamento da importância de €8.675,00, acrescida de juros moratórios, a contar de 17 de maio de 2013, articulando factos que, em seu critério, conduzem à sua procedência, a qual foi julgada improcedente.


Inconformado com o decidido, apelou o demandante AA, com as seguintes conclusões:

- Suportou-se a sentença que o valor do capital social da sociedade era nulo, até porque estava insolvente;

- Se o valor da sociedade fosse nulo, o Recorrido não teria procedido à aquisição do capital social e, muito menos, a injetar, a título de suprimentos, valor este de que é credor;

- Ora, reza, inequivocamente, a escritura de cessão de quotas que o capital cedido pelo Recorrente era pelo seu valor nominal;

- Assim sendo, o Recorrido, aquando da aquisição do capital social, sabia que teria de pagar ao cedente o valo nominal do capital cedido;

- Deste facto foi alertado pelo documento que outorgou, uma vez que, conforme refere a escritura, esta foi-lhe devidamente explicada.


Contra-alegaram os Recorridos CC e mulher, DD, votando pela manutenção da sentença impugnada.

Face às conclusões antes referidas, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se os recorridos devem ou não a quantia reclamada.

Fundamentação


A - Os factos


Na sentença impugnada, foram considerados os seguintes factos:


1 - O Autor AA foi sócio e gerente da EE, Lda., sociedade por quotas, com sede social na avenida …, … travessa, em Tomar, detentora do NIPC … e com o capital social de €25.000,00;


2 – A sua quota, na referida sociedade, tinha o valor nominal de €16.175,00;


3 - A sociedade foi declarada insolvente, no âmbito do processo nº 782/12.7 TBTMR (Apresentação), que correu termos no 1º. juízo do extinto Tribunal Judicial de Tomar;


4 - No âmbito do referido processo de insolvência, foi aprovado um plano de insolvência, que o administrador de insolvência apresentou, o qual, após aprovação pelos credores, veio a ser homologado, por sentença, em 12 de março de 2013, transitada em julgado, em 30 de abril seguinte;


5 - O referido plano previa, além do pagamento dos créditos reconhecidos - sendo que os valores de salários e subsídios que se encontravam vencidos seriam integralmente liquidados - uma alteração na estrutura do capital social, por forma a ficarem sócios o ora Réu CC, com 70% do capital social e o Autor AA com 30%;


6 - Na sequência da aprovação do plano de insolvência, os Autores AA e mulher, BB, na qualidade de primeiros outorgantes, FF e mulher, GG, na qualidade de segundo outorgantes e o Réu CC, na qualidade de terceiro outorgante, outorgaram, em 17 de maio de 2013, uma escritura pública de cessão de quotas, nomeação de gerente e alteração do pacto social, com, nomeadamente, o seguinte teor:


“ (…)


Disseram o primeiro e segundo outorgantes:


Que são os únicos sócios, além da própria sociedade, da Sociedade Comercial por quotas EE, Lda., com NIPC/matrícula …, da Conservatória do Registo Comercial de Tomar, com o capital social de vinte e cinco mil euros (…)


Que, o requerido capital social de vinte e cinco mil euros, integralmente realizado em dinheiro, corresponde à soma de quatro quotas, uma no valor nominal de quatro mil euros e outra no valor nominal de doze mil cento e setenta e cinco euros, ambas pertencentes ao ora primeiro outorgante, uma no valor nominal de dois mil e cem euros, pertencente ao ora segundo outorgante, e a restante no valor nominal de seis mil setecentos e vinte e cinco, pertencente à própria sociedade, todas devidamente liberadas.


Que, na qualidade de únicos sócios da indicada sociedade, decidem, por unanimidade, constituir-se em Assembleia Geral, com dispensa de formalidades prévias, para deliberar sobre o consentimento para a divisão e cessão de quotas que a seguir efetuarão.


Que, pela presente escritura, na referida qualidade, por unanimidade, deliberam consentir nas citadas divisão e cessões.


Que a sociedade não possui bens imóveis.


Disseram o primeiro e segundo outorgantes:


Que, em execução do plano de insolvência aprovado por deliberação da Assembleia de Credores, nos autos de insolvência de pessoa coletiva (Apresentação) nº 782/12.7 TBTMR, que corre termos no tribunal Judicial de Tomar (…) a sociedade sua representada cede ao terceiro outorgante, pelo preço de seis mil setecentos e vinte cinco euros, a quota de que é titular, de igual valor nominal.


Mais disseram os primeiros outorgantes:


O primeiro, que pela presente escritura, divide a quota de que é titular, no valor nominal de doze mil cento e setenta e cinco euros, em duas novas quotas: uma no valor nominal de sete mil e quinhentos euros e a restante no valor nominal de quatro mil, seiscentos e setenta e cinco euros.


Ambos que, em execução do referido plano de insolvência, pela presente escritura cedem ao terceiro outorgante, pelo valor igual ao seu valor nominal, a quota que o primeiro é titular, no valor nominal de quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros.


O primeiro, que em execução do referido plano de insolvência, pela presente escritura, cede ao terceiro outorgante, por valor igual ao seu valor nominal, a quota que é titular, no valor nominal de quatro mil euros.


A primeira, que presta ao respetivo cônjuge a necessária autorização a esta cessão.


Disseram ainda aos segundos outorgantes:


Que pela presente escritura, em execução do plano de insolvência, cedem ao terceiro outorgante, por valor igual ao seu valor nominal, a quota que o segundo é titular, no valor nominal de dois mil e cem euros.


Disse o terceiro outorgante:


Que aceita a presente cessões, nos termos exarados.


Que, pela presente escritura, unifica as três quotas de que agora é titular, numa única quota no valor global de dezasseis mil e quinhentos euros.


Disseram o primeiro e terceiro outorgantes;


Que, na qualidade de agora únicos sócios da sociedade decidem constituir-se em Assembleia Geral, com dispensa de formalidade prévias, para deliberar, por unanimidade:


a) nomear o agora sócio, CC, gerente da indicada sociedade;


b) eliminar o artigo quinto do pacto social, renumerar os artigos sexto, sétimo e oitavo, que passam ser o quinto, sexto e sétimo respetivamente, e alterar a redação dos artigos primeiro, segundo, terceiro, quarto do pacto social, que passam a ter a seguinte redação:


(…)


Artigo Terceiro


O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de vinte e cinco mil euros e corresponde à soma de duas quotas, uma no valor nominal de sete mil e quinhentos euros, pertencente ao sócio AA, e a restante no valor nominal de dezassete mil e quinhentos euros, pertencente ao sócio CC.


Artigo Quarto


Para obrigar a sociedade são necessárias as assinaturas conjuntas de dois gerentes.





7 - Pela cedência ao Réu CC das quotas no valor nominal de €8.675,00 não foi paga ao Autor AA qualquer quantia;


8 - O Réu CC assumiu, de imediato, a gerência da sociedade;


9 - Com data de 16 de janeiro de 2015, subscrita pelo seu mandatário, o Autor AA remeteu à EE, Lda., que a recebeu, uma carta com, nomeadamente o seguinte teor:


“ (…)


Fui devidamente mandatado pelo Exmo. Sr. AA, no sentido de renunciar à gerência de V. Exas., devido a ocorrência anómalas. Ou seja, desde Maio de 2013, a minha função de gerente na EE, Lda. resume-se a assinar cheques para pagamento a fornecedores, sempre antecedidos de ordens do outro sócio que detém a maioria do capital social. Portanto, só para cumprimento do estipulado no pacto social, que exige duas assinaturas para obrigar a sociedade, é que tenho intervenção, sendo que foi retirada, de facto, a minha função de gerente societário desconhecendo, desde a data já referida, o estado da sociedade, assim como os seus compromissos para com terceiros e, principalmente, para com o estado, ou seja, a sua vida. Assim sendo, de acordo com o plasmado no número 1 do artigo 285º. do Código das Sociedades Comerciais, o meu constituinte renuncia à gerência da EE, Lda.


(…)”;


10 - Com data de 16 de janeiro de 2015, subscrita pelo seu mandatário, o Autor AA remeteu ao Réu CC, que recebeu, uma carta, com, nomeadamente o seguinte teor:


“ (…)


Fui devidamente mandatado pelo meu constituinte Sr. AA, no sentido de sanar conflitos, trazidos por V. Exa., desde que faz parte da EE, designadamente quanto a cessão de quotas. Por escritura, lavrada no Cartório Notarial de Tomar, em 17 de Maio de 2013, foi-lhe cedida parte da participação social do meu constituinte, na EE, Lda., no montante de 4.675,00€ (quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros), no entanto, até à presente data V. Exa. não o ressarciu da quantia em causa. Assim sendo, solicito a V. Exa., que se digne, no prazo a que a situação obriga, ou seja, com muita urgência, entregar-me o montante em dívida que, caso não ocorra, nada mais resta do que intentar o consequente procedimento judicial. Mais cumpre trazer à colação o Contrato de Cesão de Quotas que V. Exa. colocou à disposição do meu constituinte a favor da firma HH, onde era cedido o capital correspondente a 7.500,00 €, pela quantia de 1 € (um euro). Naturalmente, para já, o meu constituinte não vai ceder o seu capital social a quem quer que seja, pela quantia em causa, até porque V. Exa. não honrou o seu compromisso de retirar avais bancários do meu cliente, conforme assumiu aquando da cedência já outorgada, o que se aguarda.


(…)”;


11- O Réu CC propôs ao Autor AA a aquisição da quota deste, pelo valor de €1, a favor da sociedade HH, o que sucederia em troca da extinção da dívida existente para com esta sociedade;


12 - Em 2012, a EE encontrava-se num contexto de grande adversidade económica, com um passivo que excedia os €285.000,00 e com um ativo baixo, por referência ao passivo;


13 - A viabilidade da mesma passava pela liquidação dos créditos aos fornecedores, o que se manifestava de impossível de concretização, por falta de liquidez, créditos e ativo;


14- Perante este quadro, o Réu CC, apresentou aos sócios da EE, que eram o ora Autor AA e FF, como sendo um potencial interessado em investir na empresa, propondo a entrada de dinheiro para a sociedade, quer de forma direta, quer por intermédio do pagamento direto aos fornecedores do valor necessário à viabilização da sociedade e em contrapartida os sócios ceder-lhe-iam quotas numa percentagem necessária a que ficasse detentor da maioria do capital social;


15 - Somente com a entrada de dinheiro na sociedade seria possível formular um plano de recuperação viável;


16 - De outra forma, a EE não teria viabilidade e seria liquidada, com a consequente perda das quotas dos sócios;


17 - Os sócios então detentores do capital social da EE, em seu nome e em sua representação, a qual era, igualmente, de detentora de uma quota, aceitaram a proposta apresentada pelo Réu CC;


18 - De acordo com essa proposta, o Réu CC entrava com dinheiro na empresa, pagando os salários em atraso de todos os trabalhadores, liquidava parte das dívidas da sociedade a todos os fornecedores de cujo fornecimento de material a manutenção da EE dependia (o valor a liquidar aos referidos fornecedores seria todo o que se mostrasse por aqueles exigido para desbloquearem o fornecimento de matérias-primas) e a HH, sociedade do referido Réu, com sede em França, tornava-se cliente da EE, permitindo assegurar uma faturação que, por certo, ascenderia aos 80%;


19 - Tal proposta deveria ser executada na medida do necessário para a recuperação e consequente retoma da empresa à atividade, gerando receitas para se manter;


20 - Como contrapartida, pretendia o Réu CC tornar-se sócio maioritário da metalúrgica, sendo que o pagamento das quotas que lhe viessem a ser cedidas seria o cumprimento da proposta;


21- O sócio FF não pretendia mais continuar com qualquer quota na sociedade EE, tendo-a cedido, na sua totalidade, ao Réu CC;


22- O referido plano de insolvência espelha a proposta apresentada pelo Réu CC e aceite;


23 - Na sequência da aprovação do plano de insolvência, o Réu CC procedeu ao pagamento dos salários em atraso de todos os trabalhadores da sociedade EE, relativos ao ano de 2012, incluindo o próprio salário do Autor AA, que desempenhava as funções de gerente;


24 - Procedeu ao pagamento de salários dos trabalhadores, incluindo o do Autor AA, durante alguns meses do ano 2013, uma vez que a sociedade ainda não tinha capacidade para gerar receitas suficientes;


25 - Procedeu ao pagamento a alguns fornecedores, por forma a ser desbloqueado o fornecimento de matérias-primas, nomeadamente: €8.563,90, a II; €12.392,50, a JJ, Lda.; €28.000,00, a LL, tendo ainda procedido a depósito - caução, a favor deste fornecedor, no valor de €60.000,00;


26 - Efetuou encomendas - em representação da sua sociedade em França, HH - à EE, que permitiram a esta começar a gerar receitas, reiniciando a sua atividade, tendo, designadamente, o volume de vendas atingido cerca de €600.000,00;


27 - Por não estar o Sr. Advogado devidamente mandatado para o efeito, a carta datada de 15 de janeiro de 2015, não foi aceite pela Sra. Conservadora do Registo Comercial, para efeitos de registo de renúncia à gerência, pelo que foi convocada assembleia pelo sócio -gerente, aqui Réu, CC, para que viesse o Autor AA esclarecer se se mantinha na gerência ou se mantinha a sua posição de renunciar à mesma, tendo este renunciado;


28 - O Autor AA renunciou à gerência na referida reunião, ocorrida em 5 de fevereiro de 2015.


B - O direito/doutrina/jurisprudência


- Dentro dos limites da lei, os contraentes gozam da (“…) possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos contratos típicos ou paradigmáticos disciplinados na lei (celebrando contratos atípicos) ou de incluírem em qualquer destes contratos paradigmáticos cláusulas divergentes da regulamentação supletiva contida no Código Civil” [1];

- A finalidade do processo de insolvência - a satisfação dos interesses dos credores - “(…) pode ser alcançada por uma de duas alternativas, a saber: a liquidação universal do património do devedor, concretizada de acordo com o modelo supletivo definido na lei, e consequente repartição do produto obtido pelos credores; ou pela forma prevista num plano de insolvência por eles aprovado, o qual (…) pode, nomeadamente, basear-se, ”na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente” [2];

- “O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (…), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas perceções da entidade documentadora” [3];


- “Em princípio, não se consideram queridas pelos declarantes essas cláusulas (cláusulas verbais acessórias). Presume-se que, ao lavrar-se o documento, se quis nele integrar tudo o que se pretendia, e nada mais. Ilidida, porém, esta presunção, uma de duas: ou a razão por que se exige a forma abrange as cláusulas acessórias, e elas são nulas por força da lei, ou não abrange e elas são válidas. O regime das últimas (cláusulas verbais adicionais) é diferente, pois, em princípio, as estipulações posteriores ao documento são válidas, e só não o são, se a razão da exigência da forma as abranger. Não são abrangidas pela razão da exigência da forma as cláusulas como as que fixam o lugar ou o tempo de cumprimento da obrigação, a forma do cumprimento ou a quitação do próprio pagamento” [4];

- É inadmissível a “(…) prova testemunhal contra o conteúdo de documentos autênticos, na parte em que estes têm força probatória plena”, excluindo-se, assim, “(…) a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elemento, como o fim ou o motivo por que a dívida documentada foi contraída” [5];

- “O instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresenta-se como verdadeira “válvula de segurança” vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer ato ilícito” [6]; por outras palavras ainda: existe abuso do direito “(…) quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apoditicamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado” [7].


C - Aplicação do direito aos factos

O recorrente/demandante AA e o recorrido/demandado CC, na sequência da submissão da devedora EE, Lda. a um “plano de insolvência”, não integraram, na escritura de 17 de maio de 2013, toda a “ regulamentação convencional dos seus interesses”. Efetivamente e com relevância para os autos, limitou-se o primeiro a declarar a cedência de duas quotas, “pelo valor igual ao seu valor nominal” - €4.675.00 e €4.000,00 -, cessão que o segundo disse aceitar.

Equivale isto a dizer que cláusulas estipuladas existiram que não foram levadas ao dito documento, nomeadamente, as respeitantes à contrapartida pela cedência das aludidas quotas.

Estas cláusulas verbais acessórias são válidas, não só porque não estão “abrangidas pela razão da exigência da forma”, como também não colidem com o conteúdo da escritura de 17 de maio de 2013, na parte em que esta tem força “força probatória plena”. Acresce, ainda, que correspondem à vontade dos contraentes.

A referida cessão de quotas aconteceu, como se referiu, no âmbito de “um plano de insolvência”, baseado, essencialmente, na recuperação da insolvente EE, Lda., tendo em vista a satisfação dos seus credores.

É, pois, natural que os referenciados, no segmento em causa, tenham acordado um clausulado atípico - em execução do princípio da liberdade contratual -, com, nomeadamente, “a entrada de dinheiro para a sociedade, quer de forma direta, quer por intermédio do pagamento direto aos fornecedores do valor necessário à viabilização da sociedade”, com a contrapartida da cedência das ditas quotas, de modo a que o recorrido/demandado CC “ficasse detentor da maioria do capital social”.

O dinheiro entrou, efetivamente, para a insolvente EE, Lda., sendo, em consequência, pagos os salários em atraso de todos os trabalhadores relativos ao ano de 2012 e alguns meses de 2013, “incluindo o próprio salário do Autor AA, que desempenhava as funções de gerente”, e de alguns fornecedores, a fim de se garantir a “viabilização da sociedade”.

Assim sendo, a contraprestação do recorrido/demandado CC foi cumprida. Como tal e neste âmbito, nada mais lhe pode ser exigido.

Ainda que assim não se entendesse, a satisfação da pretensão do recorrente/demandante AA equivaleria ao exercício de um direito, “ (…) no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apoditicamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante (…)”, razão pela qual importaria acionar, com a consequência da perda do direito, a “válvula de segurança” do abuso de direito.

Não é, pois, de ratificar a pretensão do recorrente/demandante AA.


Em síntese[8]: são válidas as cláusulas verbais acessórias, respeitantes à contraprestação pela cedência de quotas de uma sociedade, não só porque não estão “abrangidas pela razão da exigência da forma”, como também não colidem com o conteúdo da escritura de cedência, na parte em que esta tem força “força probatória plena”.

Decisão


Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando a apelação improcedente, manter a sentença impugnada.


Custas pelo recorrente.





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Évora, 10 de maio de 2018


Sílvio José Teixeira de Sousa


Manuel António do Carmo Bargado


Albertina Maria Gomes Pedroso


__________________________________________________
[1] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 355, e artigo 405º., nºs 1 e 2 do mesmo diploma.
[2] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª adição, págs. 633 e 634, e artigos 1º. e 192º e segs. do mesmo diploma.
[3] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 327.
[4] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, págs. 211 e 212, e artigo 221º., nºs 1 e 2 do mesmo diploma.
[5] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, págs. 343, e artigo 394º., nº1 do mesmo diploma..
[6] Acórdão do STJ de 16 de dezembro de 2010 (processo nº 1584/06.5 TBPRD.P1.S1), in www.dgsi.pt..
[7] Acórdão do STJ de 15 de dezembro de 2011 (processo nº 2/08.9 TTLMG.P1.S1), in www.dgsi.pt. e artigo 334º. do Código Civil.
[8] Artigo 663º., nº 7 do Código de Processo Civil.