Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
27/15.8GACTX.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ROUBO
PROVA POR RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – O reconhecimento de pessoas, feito na fase de inquérito, não é ato repetível na audiência de discussão e julgamento.

II - O “reconhecimento” a que se procedeu, na fase de inquérito, uma fez feito, vale de per si, sendo que os eventuais atos posteriores de reconhecimento (designadamente os efetuados na audiência de discussão e julgamento) já não têm (nem podem ter) a relevância probatória do reconhecimento inicial.

III - Assim, o “reconhecimento” efetuado na fase de inquérito possui um carácter materialmente autónomo, e, consequentemente, pode (e deve), sem mais, ser atendido na sentença final, desde que seja assegurado o contraditório relativamente a essa prova, como sucedeu in casu.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 27/15.8GACTX, da Comarca de Santarém (Juízo Central Criminal de Santarém - Juiz 4), e mediante pertinente acórdão, datado de 12-10-2017, foi decidido nos seguintes termos (na parte aqui relevante):

“Condenam as arguidas J e C, como coautoras materiais de um crime de roubo desqualificado, p. e p. pelos artigos 210º, nº 1, e 204º, nº 1, als. d) e f), e nº 4, do Código Penal, nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, para cada uma delas, absolvendo-as das agravantes modificativas previstas no artigo 204º, nº 1, als. d) e f), ex vi do artigo 210º, nº 2, do Código Penal.

Mais condenam as arguidas nas custas, sendo a taxa de justiça no montante equivalente a 4 UCs, para cada uma delas - artigos 513º e 514º do C. P. Penal, e artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais”.
*
Inconformadas com a decisão, dela interpuseram recurso as arguidas, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A - Arguida C
“i) A prova por reconhecimento constitui prova autónoma, pré-constituída, que deve ser examinada em julgamento.

ii) Para que se verifique um verdadeiro e efetivo exercício dos direitos de defesa e contraditório, mostra-se necessário inquirir o “reconhecedor” acerca das circunstâncias em que avistou a pessoa que reconhece como autora dos factos.

iii) Tal meio de prova assume particular importância relativamente à recorrente, pois é evidente a escassez de outros meios de prova, que acabam por se resumir às declarações da vítima.

iv) Em julgamento, a vítima não reconheceu de forma categórica - diremos, isenta de dúvidas - quem sobre si exerceu violência, tendo prestado um depoimento contraditório e dúbio quanto à identidade da autora dos factos.

v) Mostram-se, aliás, evidentes as semelhanças físicas entre as arguidas J e C, ora recorrente.

vi) Na sessão de julgamento em que a vítima MM prestou declarações e reconheceu a autora dos factos apenas estava presente a recorrente, estando faltosa a coarguida J , sendo que, confrontada com a foto desta, disse não ter a certeza quem tinha sido, pois são muito parecidas.

vii) Naturalmente, a vítima tende a reconhecer a pessoa que está na sua presença e apresenta maiores semelhanças físicas com a pessoa que configura como autora dos factos.

viii) Podia MM ter reconhecido a arguida Juliana, caso apenas esta tivesse comparecido em julgamento? Nunca conseguiremos dar resposta cabal a esta questão!

ix) A diligência de reconhecimento efetuada no decurso da investigação é falível, não oferecendo a certeza e a segurança que se exige para a condenação, na medida em que não é possível sindicar toda a atividade do investigador.

x) Dito de outra forma, nunca poderemos controlar o que é dito e mostrado ao “reconhecedor” antes da diligência.

xi) O problema assume particular relevância quando nos deparamos, como no caso dos autos, com total ausência de prova que corrobore o reconhecimento, para além das declarações inseguras da vítima, prestadas em julgamento.

xii) Neste quadro, justifica-se a formulação de sérias dúvidas acerca da fidedignidade do reconhecimento efetuado na fase de inquérito, concluindo-se pelo seu escassíssimo valor probatório.

xiii) Na ausência de mais e melhor prova, estaremos, assim, perante uma dúvida insanável sobre qual das arguidas (C ou J) teve efetiva participação nos factos relativos a MM.

xiv) Tal dúvida, por força do princípio in dubio pro reo, uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência, não poderá deixar de se resolver a favor da recorrente.

xv) Impondo-se a sua absolvição.

xvi) Mostra-se violado o artigo 32º/2, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa.

xvii) Sem conceder, a pena concretamente aplicada à recorrente sempre pecaria por excesso e desproporcionalidade

xviii) Afigurando-se mais adequada, na improcedência da primeira parte do recurso, a aplicação de uma pena que não exceda os dois anos e seis meses de prisão.

xix) Mostram-se, aqui, violados os artigos 40º/1 e 71º/1 do Código Penal”.

B - Arguida J:
“1º - Foi a ora arguida condenada, nos presentes autos, a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de roubo desqualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nº1 e 204.º nº1 als. d) e f) e nº 4 do Código Penal, absolvendo-se das agravantes modificativas previstas no art. 204.º nº1 als. d) e f), ex vi do art. 210º nº2 do C.P.

2º - É desta sentença condenatória, no que diz respeito à medida concreta da pena diz respeito, que nos permitimos discordar, com o devido respeito pela opinião contrária.

3º - Sempre com o referido respeito, entende a defesa que a Meritíssima Juiz não terá feito, na nossa opinião, uma adequada interpretação e aplicação do Direito aos factos em causa.

4º - A aplicação à arguida de uma pena de quatro anos e seis meses de prisão efetiva mostra-se excessiva, face às finalidades da prevenção geral e especial das normas violadas.

5º - Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 40º do C.P. “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

6º - A Arguida é filha única, o pai faleceu durante a sua infância, tendo poucas recordações do mesmo.

7º - A progenitora voltou a reorganizar a sua vida pessoal, pelo que é neste companheiro que a arguida reconhece a autoridade paterna.

8º - O seu processo de socialização decorreu num ambiente social (família com ascendência cigana, ainda que sem se identificar com as tradições dessa comunidade) e económico modesto (a progenitora vendia roupa nos mercados, enquanto o seu companheiro é camionista), mas sem privações significativas.

9º - A arguida engravidou do filho mais velho quando tinha catorze anos. Não obstante a reprovação parental, contou sempre com o apoio da mãe.

10º - Como consequência da gravidez, interrompeu os estudos, com frequência do 6º ano. Mais tarde, fez uma tentativa para obter a escolaridade mínima obrigatória. No entanto, acabou por desistir, por necessidade de cuidar dos filhos.

11º - O percurso laboral tem sido caracterizado pela instabilidade, com fases prolongadas de inatividade laboral.

12º - A arguida manteve ainda ligação à prostituição. Acompanhou durante algum tempo um grupo de jovens, sem ocupação estruturada, alguns conotados no meio envolvente com práticas desviantes.

13º - Esteve presa preventivamente, tendo a passagem pelo estabelecimento sido sentida como uma experiência negativa e penosa e pelo facto de se encontrar com uma gravidez de risco.

14º - Durante o período de tempo em que esteve em OPHVE, permaneceu em casa da progenitora, que a apoiou sem restrições.

15º - O filho mais velho da arguida encontra-se aos cuidados da avó materna.

16º - Aos dezanove anos de idade, encetou nova ligação, da qual resultou o nascimento de duas crianças.

17º - Em abril de 2014, contraiu matrimónio com LH, cidadão de origem marroquina.

18º - No presente, reside num anexo construído nas traseiras de um quintal de uma vivenda, que tem condições adequadas às suas necessidades.

19º - O filho mais novo permanece com a avó materna, convive diariamente com o mais velho que também está com esta familiar.

20º - Contacta sempre que possível a outra filha que se encontra com o progenitor.

21º - A relação conjugal tem sido marcada por várias adversidades, devido à frieza afetiva e violência demonstrada pelo cônjuge.

22º - Durante alguns meses, foi beneficiária do RSI, que cessou em agosto de 2016 por faltas injustificadas.

23º - Nos últimos meses de 2016, esteve a trabalhar num estabelecimento comercial (café/ bar) por turnos, mas como este local tinha uma conotação social negativa, optou por deixar, estando a trabalhar na apanha da pinha.

24º - O seu círculo de amizades é constituído por elementos que conhece desde a adolescência, também conotados com a prática de ilícitos.

25º - Verificando-se dificuldade na desvinculação e corte relacional com aqueles.

26º - A arguida consegue identificar o risco associado a determinadas pessoas e ambientes, mas nem sempre calcula de forma adequada as consequências da manutenção destas relações sociais.

27º - A arguida detém competências pessoais e sociais, ao nível da comunicação interpessoal, mas com deficits na avaliação do impacto dos seus atos para si e para os outros.

28º - Revela-se vulnerável à influência grupal, posicionando-se num registo de tentar corresponder às solicitações que lhe fazem, mas também por forma a atingir os seus objetivos pessoais.

29º - A arguida reconheceu que a conduta delituosa pode causar danos.

30º - A última condenação que teve foi em 2017, em pena de prisão, de 2 anos e seis meses.

31º - Na fixação da medida da pena é necessário ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades de sanção, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

32º - Entende a recorrente que a medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo nunca a mesma era superior à culpa do agente, atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana - art.º 1º da Constituição da República Portuguesa.

33º - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele - artigo 71º, nº 2, do C.P.

34º - Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar fatores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável. Aliás, “na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas” - cfr. art. 71º, nº 3.

35º - O Tribunal a quo violou, como de seguida se demonstrará, o disposto no artigo 71º, nº 2, do Código Penal, por incorreta e imprecisa avaliação. Salvo melhor opinião, resultam como provados factos que permitem estabelecer considerações quer aos sentimentos manifestados no cometimento das ações e os fins ou motivos que as determinam, quer sobre a conduta posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua possibilidade de integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, que deverão pender a favor da arguida.

36º - O Tribunal a quo não ponderou na fixação da medida da pena todos os fatores relevantes para o efeito que, por imposição legal, deveria ter considerado.

37º - A pena de quatro anos e seis meses de prisão efetiva, a que o Tribunal a quo condenou a arguida, ultrapassa exacerbadamente os limites da sua culpa, revela-se desproporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, desadequada à concreta finalidade da ressocialização do agente, frontalmente violadora do contido no art.º 71 do C.P., porquanto inadmissível e injusta, impondo-se a sua revogação.

38º - Ao não ter sopesado no juízo de prognose, quanto à necessidade da efetividade de uma pena de prisão a aplicar, o efeito reprovador e estimulador de uma futura conduta conforme que a pena de quatro anos e seis meses de prisão efetiva da arguida, violou o disposto nos art.ºs 40.º nº 2, 41.º nº 1, 71.º nºs 1 e 2, al. a), c) e d), 77.º nº 2 e 79.º, todos do C.P., impondo-se assim a revogação da decisão proferida e a realização de um novo juízo para determinação da pena aplicável à arguida.

39º - Tais finalidades estão anunciadas no artigo 40.º, nº 1, do C.P., aí se referindo que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

40º - Segundo o art.º 18.º, nº 2, da C.R.P., “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

41º - Assim, sopesando todas as circunstâncias relevantes (exigências preventivas, grau de ilicitude e da culpa, condição socioeconómica),impõe-se a redução da medida da pena de prisão, apresentando-se a de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, como equilibrada, justa, proporcional e razoável, sem exceder a medida da culpa da arguida/recorrente nem comprometer a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada.

42º - Terá de ser feito, nos termos da lei, um juízo de prognose favorável que leve o tribunal a concluir que a redução da pena de prisão traz vantagens para a reinserção social da recorrente na sociedade.

43º - Assim, ficarão acauteladas as necessidades de prevenção geral e especial das normas violadas.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.Exªs. doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, deverá a sentença ser alterada, sendo reduzida a pena de prisão aplicada para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses”.
*
O Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância apresentou respostas aos recursos, concluindo pela improcedência total dos mesmos.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se também no sentido de ser negado provimento aos recursos.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto dos recursos.

Três questões, em muito breve síntese, são suscitadas nos recursos interpostos pelas arguidas, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto dos recursos e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - Validade e alcance probatório da “prova por reconhecimento” efetuada nestes autos (recurso da arguida C).

2ª - Violação do princípio in dubio pro reo (recurso da arguida C).

3ª - Medida concreta das penas aplicadas (recursos de ambas as arguidas).

2 - A decisão recorrida.
O acórdão revidendo é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):

“ 2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 16 de janeiro de 2015, cerca das 12h25, as arguidas J e C, bem como dois outros indivíduos, cujas identidades não foi possível apurar, dirigiram-se à propriedade de MM, sita na Rua Fonte da Telha, em Pontével, Cartaxo;

2. Fazendo-se transportar num veículo de marca Renault, modelo Clio, de cor branca;

3. Ali chegados, os dois indivíduos de identidades desconhecidas ficaram a aguardar no interior da viatura;

4. Enquanto que a arguida J saiu do veículo automóvel e ficou a conversar com o marido da ofendida, desviando a sua atenção;

5. Ao mesmo tempo que a arguida C entrava na arrecadação anexa à casa de habitação de MM;

6. Do que a ofendida MM se apercebeu;

7. Pelo que se dirigiu à referida divisão, onde encontrou aquela arguida;

8. Perante tal, a arguida disse à ofendida que o marido desta lhe havia dito para lhe dar umas laranjas;

9. Ao que MM respondeu que não;

10. De imediato, a arguida fez menção de pegar numa televisão, de marca e modelo não concretamente apurados, e de valor que também não foi possível apurar;

11. No entanto, porque a ofendida lhe perguntou o que estava a fazer, a arguida abandonou a arrecadação;

12. Dirigindo-se para o exterior;

13. E acabando por deixar a televisão;

14. Após, ambas as arguidas se dirigiram ao interior da habitação de MM;

15. Que esta também logrou alcançar, deparando-se com a presença de ambas dentro da sua residência;

16. De imediato, as arguidas disseram à ofendida que se calasse;

17. E para lhes dar a sua carteira;

18. Ao que esta respondeu que não tinha;

19. Perante tal, as arguidas dirigiram-se ao quarto e retiraram as gavetas das mesas-de-cabeceira, procurando bens que pudessem retirar;

20. Após, dirigiram-se ao guarda-vestidos;

21. Momento em que a ofendida se aproximou;

22. E em que a arguida C, com a finalidade de a calar e impedir que tentasse opor-se à sua atuação, se dirigiu a MM;

23. E lhe apertou o pescoço;

24. Apenas parando quando a ofendida logrou baixar-se e agarrar as pernas da arguida;

25. De imediato, as arguidas, na posse de um telemóvel de marca Nokia, modelo 5310 XPressMusic, de valor que não foi possível apurar (pertencente ao filho da ofendida AC), dirigiram-se para o exterior;

26. Entrando no supra referido veículo;

27. Onde se encontravam os dois supra referidos indivíduos, de identidade não concretamente apurada;

28. Abandonando de imediato o local;

29. E levando com elas o telemóvel identificado em 25;

30. O telemóvel não foi recuperado;

31. A ofendida nasceu a 27 de Abril de 1939, tendo, à data dos factos, 75 anos de idade;

32. E tem dificuldades de locomoção, usando uma bengala para se deslocar;

33. As arguidas agiram em todos os momentos acima descritos voluntária, livre e conscientemente;

34. Com o propósito de se apoderarem dos bens e quantias que encontrassem na residência da ofendida;

35. Como concretizaram, bem sabendo que o telemóvel em causa não lhes pertencia e que, apropriando-se do mesmo, agiam sem a autorização e contra a vontade do seu legítimo detentor e proprietário, causando-lhe o respetivo prejuízo decorrente do seu desapossamento;

36. Para o efeito, decidiram utilizar a força e superioridade física e numérica relativamente à ofendida para a compelir a suportar a privação do aludido bem;

37. Sabiam que a ofendida era pessoa com especial debilidade, atenta a sua idade e dificuldades de locomoção;

38. Assim como sabiam que se introduziam na residência desta sem a sua autorização;

39. Mais sabiam que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal;

40. As arguidas J e C atuaram de comum acordo e em comunhão de esforços, mediante um plano delineado entre ambas, bem como, com dois outros indivíduos cuja identidade não se apurou;

41. E em execução de um plano gizado entre todos e visando a obtenção de bens e quantias monetárias de propriedade alheia, dirigindo-se a pessoas de natureza física debilitada e usando a sua superioridade física e numérica para o efeito;

42. A arguida J sofreu as seguintes condenações:

Por sentença proferida no processo sumaríssimo nº ---/02.7GEALR do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Almeirim, transitada em julgado em 25 de Junho de 2003, pela prática em 26 de Outubro de 2010, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro, numa pena de multa;

Por sentença proferida no processo sumário nº ---/05.9GEBNV do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, transitada em julgado em 9 de Junho de 2005, pela prática em 29 de Abril de 2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro, numa pena de multa;

Por sentença proferida no processo comum singular nº --/03.7GEBNV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, transitada em julgado em 19 de Fevereiro de 2007, pela prática, em 16 de Março de 203, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º nº 1 do CP, pena de multa;

Por sentença no processo singular nº ---/05.0GEALR do Tribunal Judicial de Almeirim, transitada em julgado em 7 de Setembro de 2009, pela prática, em 27 de Abril de 2005, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nºs 1 al. e) e nº 3 do CP, numa pena de multa;

Por sentença proferida no processo comum singular nº ---/04.0GEALR do Tribunal Judicial de Almeirim, transitada em julgado em 8 de Junho de 2009, pela prática, em 4 de Setembro de 2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11º nº 1 do D.L. 454/91 de 28.12., na redação do D.L. 316/97 de 19.11 e de três crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro, numa pena de multa;

Por sentença proferida no processo comum singular nº ---/08.9GEALR do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, transitada em julgado em 14 de Novembro de 2011, pela prática, em 22 de Julho de 2008, de um crime de burla informática e nas comunicações e de um crime de furto simples, p. e p., respetivamente, pelos arts. 221º nº 1 e 203º nº 1 ambos do CP, na pena de treze meses de prião, suspensa por igual período de tempo, com regime de prova;

Por acórdão proferido no processo comum coletivo nº ---/11.3GDMTJ do 3º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, transitado em julgado em 6 de Maio de 2013, pela prática, em 5 de Novembro de 2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na respetiva execução por igual período, com regime de prova;

Por sentença proferida no processo abreviado nº ---/13.9GBBNV do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, transitada em julgado em 31 de Janeiro de 2014, pela prática, em 30 de Julho de 2013, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º nº 1 do CP, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na respetiva execução, pelo período de um ano;

Por acórdão proferido no processo comum coletivo nº ---/11.0GDMTJ do Juiz 6 da 2ª Secção Criminal de Almada da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, transitado em julgado em 4 de Setembro de 2015, pela prática, em 31 de Outubro de 2011, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos arts. 210º nºs 1 e 2 e 204º nº 2 al. f) do CP, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na respetiva execução, pelo mesmo período, com regime de prova;

Por acórdão proferido no processo comum coletivo nº ---/11.9PAMTJ do Juiz 4 da 2ª Secção Criminal de Almada da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, transitado em julgado em 9 de Novembro de 2015, pela prática, em 2 de Novembro de 2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na respetiva execução, pelo mesmo período, com regime de prova;

Por acórdão proferido no processo comum coletivo nº ---/11.1GCSTB do Juiz 3 da Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, transitado em julgado em 22 de Fevereiro de 2016, pela prática, em 27 de Outubro de 2011, de um crime de furto simples, p. e p. pelo arts. 203º nº 1 do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na respetiva execução, pelo mesmo período, com regime de prova;

43. J é filha única;

44. O progenitor faleceu durante a sua infância;

45. A progenitora voltou a reorganizar a sua vida pessoal;

46. Sendo no companheiro da mãe que a arguida reconhece autoridade paterna;

47. O seu processo de socialização decorreu num ambiente social (família com ascendência cigana) e económico modesto (a progenitora vendia roupa nos mercados e trabalha no campo, enquanto que o seu companheiro é camionista);

48. Quando tinha catorze anos, arguida engravidou do filho mais velho;

49. Não obstante, a reprovação parental, contou sempre com o apoio da progenitora;

50. Nessa sequência, interrompeu os estudos, apenas com a frequência do 6º ano;

51. Mais tarde, fez uma tentativa para obter a escolaridade mínima obrigatória, em regime noturno;

52. Mas veio a desistir alegando falta de tempo, por necessitar de cuidar dos filhos;

53. O percurso laboral de J tem sido caracterizado pela instabilidade: a primeira experiência aos 22 anos, em tarefas agrícolas indiferenciadas, como empregada de balcão num café e como operária fabril;

54. Tratou-se de colocações de curta duração, com fases prolongadas de inatividade laboral;

55. Reconheceu a sua ligação à prostituição.

56. Acompanhando um grupo de jovens, sem ocupação estruturada, alguns conotados no meio envolvente com práticas desviantes;

57. Os primeiros contactos com o sistema da justiça surgiram aos 16 anos de idade;

58. Esteve também presa preventivamente;

59. Tendo a medida de coação sido alterada para obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE);

60. A passagem pelo meio prisional foi descrita como uma experiência negativa e penosa, pela privação de liberdade e pelo facto de se encontrar com uma gravidez de risco;

61. Durante o período de tempo em que esteve em OPHVE, permaneceu em casa da progenitora, que a apoiou sem restrições.

62. A medida decorreu sem anomalias e terminou na sequência de condenação em pena de prisão suspensa com regime de prova, com acompanhamento por parte da DGRSP.

63. O filho mais velho da arguida Juliana encontra-se entregue aos cuidados da avó materna;

64. Aos 19 anos de idade, encetou nova ligação, da qual resultou o nascimento de duas crianças: a filha de 7 anos, que vive com o progenitor; o filho de 3 anos, que vive aos cuidados da avó materna;

65. Em abril de 2014, contraiu matrimónio com LH, cidadão de origem marroquina;

66. À data da acusação (2015), J residia em Benavente, com o cônjuge e com o filho mais novo, nascido de uma relação anterior;

67. Este núcleo familiar tinha sido temporariamente acolhido em casa da progenitora da arguida;

68. A arguida trabalhava com irregularidade no campo;

69. E o cônjuge dedicava-se ao desmanche de carros, remetendo depois os motores para Marrocos.

70. Em termos sociais, surgia associada à prática da prostituição;

71. Detendo uma imagem negativa na comunidade envolvente e estando referenciada junto das autoridades policiais por atividade ilícita diversa.

72. Durante alguns meses, J foi beneficiária do rendimento social de inserção;

73. Que cessou em agosto de 2016 por faltas injustificadas a convocatórias na área do emprego, ficando com uma penalização de 12 meses;

74. Nos últimos meses de 2016, esteve a trabalhar num estabelecimento comercial (café/bar), por turnos;

75. Atualmente, trabalha na apanha de pinhas;

76. O seu círculo de amizades é constituído por elementos que conhece desde a adolescência, também conotados com a prática de ilícitos;

77. Verificando-se dificuldade na desvinculação e corte relacional com aqueles, nomeadamente com a coarguida neste processo;

78. Embora consiga identificar o risco associado a determinadas pessoas e ambientes, nem sempre calcula de forma adequada as consequências da manutenção destas relações sociais.

79. J denota deficits na avaliação do impacto dos seus atos para si e para os outros;

80. Perante o problema, identifica-o de forma adequada, enumerando algumas soluções, conseguindo distinguir entre as que dependem de si e as que dependem dos outros;

81. Ainda que nem sempre as coloque em prática, optando pelo seu adiamento, perante o esforço que exigem;

82.Poderá revelar-se vulnerável à influência grupal, posicionando-se num registo de tentar corresponder às solicitações que lhe fazem, mas também como forma de atingir os seus objetivos pessoais;

83. A existência do presente processo não implicou alterações significativas ao modo de vida da arguida;

84. Na abordagem do comportamento criminal em abstrato, reconheceu que a conduta delituosa pode causar danos, adotando uma postura de censurabilidade;

85. J encontra-se em acompanhamento na DGRSP na sequência de várias medidas probatórias;

86. No global e embora apresente um discurso normativamente ajustado e consentâneo com as exigências dos planos de reinserção social, apresenta irregularidade na comparência às entrevistas agendadas;

87. Que justifica com esquecimento ou ausência de recursos financeiros para o pagamento dos transportes para se deslocar à Equipa;

88. As constantes alterações de residência dificultam também a estabilização das rotinas e o cumprimento de orientações como as deslocações ao instituto de emprego e formação profissional;

89. A arguida C sofreu as seguintes condenações:

Por sentença, proferida no âmbito do processo sumário com o n.º ---/05.5GEBNV, e transitada em julgado em 17 de Fevereiro de 2005, pela prática, em 1 de Fevereiro de 2005, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €3,00 (três euros).

Por sentença, proferida no âmbito do processo comum singular com o n.º ---/02.4GEALR, e transitada em julgado em 8 de Junho de 2006, pela prática, em 26 de Outubro de 2002, de um crime de burla e de um crime de falsificação de documento, previstos e punidos pelos artigos 217º e 256.º do Código Penal, na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €2,00 (dois euros).

Por sentença, proferida no âmbito do processo comum singular com o n.º ---/05.0GEALR, e transitada em julgado em 7 de Setembro de 2009, pela prática, em 27 de Abril de 2005, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 217º e 256.º do Código Penal, na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco) euros.

Por sentença proferida no âmbito do processo sumaríssimo com o n.º ---/04.GEBNV, e transitada em julgado em 14 de Maio de 2007, pela prática, em 6 de Abril de 2004, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 180 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 3,50 (três euros e cinquenta cêntimos).

Por sentença, proferida no âmbito do processo sumaríssimo com o n.º ---/04.2GBBNV, e transitada em julgado em 14 de Outubro de 2007, pela prática, em 8 de Setembro de 2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2454/91, de 28 de Dezembro, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 3,50 (três euros e cinquenta cêntimos).

Por sentença, proferida no âmbito do processo comum singular com o n.º ---/05.4TDLSB, e transitada em julgado em 27 de Maio de 2008, pela prática, em 8 de Setembro de 2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2454/91, de 28 de Dezembro, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum coletivo com o n.º ---/06.0GEBNV e transitado em julgado em 19 de Janeiro de 2009, pela prática, em 13 de Fevereiro de 2006, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 254/91, de 28 de Dezembro, de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217º do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, prevista e punido pelo artigo 254.º do Código Penal, na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, (três euros e cinquenta cêntimos), suspensa na sua execução por igual período de sujeita a regime de prova.

Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum coletivo com o n.º ---/04.1GBBNV e transitado em julgado em 10 de Dezembro de 2010, pela prática, em 6 de Outubro de 2004, de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217º do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, prevista e punido pelo artigo 256º do Código Penal, na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.

Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum coletivo com o n.º ---/08.9GEALR e transitado em julgado em 14 de Novembro de 2011, pela prática, em 22 de Julho de 2008, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2454/91, de 28 de Dezembro, de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal, e de um crime de falsificação de documentos, prevista e punido pelo artigo 254.º do Código Penal, na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de sujeita a regime de prova.

Por sentença proferida, no âmbito do processo abreviado com o n.º ---/12.1GEBNV e transitada em julgado em 20 de Setembro de 2013, pela prática, em 14 de Maio de 2012, de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º; 23º 203º e 204º, na pena única de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;

Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular com o n.º ---/12.0GEALR, e transitada em julgado em 24 de Abril de 2015, pela prática, em 23 de Julho de 2013, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena 2 (dois) anos de prisão;

Por sentença proferida no processo comum singular nº ---/11.4GEBNV do Juiz 1 da Instância Local Secção Criminal de Benavente do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, transitada em julgado em 13 de Julho de 2015, pela prática em 15 de Agosto de 2011, de um crime de falsificação de documentos p. e p. pelo art. 256º nº 1 als. a); b) e c) e nº 3 do CP, na pena de dois anos de prisão, suspensa, na respetiva execução, por igual período, com regime de prova;

Por acórdão proferido no processo comum coletivo nº ---/12.9GEBNV do Juiz 2 da Instância Central Secção Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, transitada em julgado em 29 de Fevereiro de 2016, pela prática em 21 de Maio de 2012, de três crimes de roubo p. e p. art. 210º nº 1 do CP, na pena de quatro anos de prisão;

Por sentença proferida no processo comum singular nº ---/12.0GCACB do Juiz 1 da Instância Local Secção Criminal de Alcobaça do Tribunal Judicial de Leiria, transitada em julgado em 22 de Junho de 2016, pela prática em 27 de Junho de 2012, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 1 al. f) do CP, na pena de um ano e dez meses, suspensa por igual período de tempo, com regime de prova;

90. O processo de socialização de C decorreu num contexto familiar numeroso (progenitores e sete irmãos, dois dos quais consanguíneos);

91. Cujos únicos rendimentos provinham do trabalho do progenitor, como pedreiro e mais tarde como operário fabril e da progenitora, trabalhadora agrícola numa propriedade local;

92. Foi sinalizada alguma conflituosidade entre os progenitores, em parte na sequência do consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte de ambas as figuras parentais;

93. Questão confirmada pelas autoridades policiais locais, que por diversas vezes foram chamadas a intervir junto desta família;

94. Ainda que a prática educacional tenha sido tendencialmente permissiva, os progenitores da arguida sempre se apoiaram em todas as suas decisões, relevando as menos acertadas;

95. C abandonou a escola no 4º ano de escolaridade, após várias retenções no 5º ano, justificadas com o desinteresse pelos conteúdos programáticos;

96. Já adulta, concluiu o curso de educação e formação de adultos - jardinagem, com equivalência ao 6º ano;

97. Tendo desistido de uma outra formação que a habilitaria com o 9º ano, referindo ter optado pelo trabalho;

98. Na vertente profissional, e sem competências significativas, o desempenho laboral de C insere-se no âmbito de atividades pouco diferenciadas, destacando-se o trabalho agrícola;

99. Trabalhou ainda numa unidade fabril de transformação de tomate, mas apenas durante a campanha sazonal e num lar local;

100. Cujo horário por turnos colidiu com as suas responsabilidades parentais, pelo que veio a desistir desta colocação;

101. No global, registou períodos de inatividade significativos;

102. Em termos sociais, geriu o seu tempo, sem ocupação estruturada, tendo acompanhado um grupo de jovens, alguns conotados no meio envolvente com práticas desviantes;

103. Os primeiros contactos com o sistema de justiça surgiram aos 20 anos de idade;

104. Esteve em prisão preventiva, à ordem do processo nº ---/12.9GEBNV, Juiz 2 da Instância Central, Secção Criminal da Comarca de Santarém, entre Julho de 2012 e Janeiro de 2013;

105. Na altura, estava grávida;

106. Durante esse período, apresentou um comportamento institucional adaptado;

107. Quando foi colocada em liberdade, a arguida C regressou a Muge;

108. Para a habitação que anteriormente havia arrendado;

109. Situada na mesma rua onde residem os progenitores;

110. Uma vez que estes conseguiram assegurar então o pagamento da renda;

111. À data dos factos, C residia na companhia dos dois filhos (8 anos e 2 anos e meio de idades);

68. Na prática, grande parte do quotidiano continuava a processar-se em casa dos progenitores, que lhe proporcionavam suporte económico e funcional;

112. A arguida mantinha-se tendencialmente desocupada;

113. Verbalizando estar inscrita no Centro de Emprego e ocupar-se pontualmente de trabalhos agrícolas sazonais;

114. A arguida subsistia através da prestação familiar e social dos dois filhos e ainda com o auxílio financeiro do progenitor do filho mais velho;

115. Socorria-se igualmente de pessoas conhecidas para angariar meios financeiros;

116. Mantinha convívio com um grupo restrito de amigos, com vidas organizadas;

117. Dedicando-se essencialmente à educação dos filhos;

118. No contacto então estabelecido com os equipamentos infantis que os menores frequentavam foi descrita como uma mãe participativa e atenta às necessidades dos descendentes;

119. Todavia, no meio envolvente, detinha uma imagem social negativa, associada à prostituição, acompanhando outros elementos com um estilo de vida semelhante;

120. Era também bastante conhecida pelos órgãos de polícia criminal, pelo seu envolvimento em várias atividades ilícitas.

121. Padece de obesidade mórbida;

122. Com problemas associados ao nível cardíaco e respiratório;

123. Estava em vias de colocar uma banda gástrica quando ficou grávida do filho mais novo.

124. Foi novamente presa em 29.05.2015, à ordem do processo ---/12.0GEALR, J1 da Comarca de Santarém, Instância Local de Almeirim, por um crime de roubo, perpetrado a 23.07.2012;

125. No âmbito do qual foi condenada a 2 anos de prisão efetiva;

126. E foi recluída na Casa das Mães, em virtude da sua gravidez;

127. O seu terceiro filho nasceu a 26 de Agosto de 2015;

128. Tendo começado a frequentar a creche do EP há cerca de 7 meses.

129. A arguida integrou, nessa altura, um posto de trabalho na copa do seu pavilhão;

130. Atividade que passou a realizar concomitantemente com a de faxina da messe das guardas;

131. Manteve funções até há pouco mais de um mês, quando foi suspensa;

132. Por suspeita de incumprimento de normas, uma vez que foi encontrado um carregador de telemóvel no seu local de trabalho.

133. A situação foi alvo de averiguação, tendo à reclusa sido aplicada a punição de 12 dias de permanência obrigatória no alojamento.

134. Todavia, a mesma ainda não cumpriu a punição por ter interposto recurso da mesma, uma vez que se demarca da situação.

135. Foi entretanto selecionada para um curso de formação profissional, de equivalência ao 9º ano de escolaridade, na área de cozinha;

136. Cujo início se encontra previsto para o presente mês de Janeiro;
137. C beneficia do apoio e visitas dos progenitores;

138. O companheiro (pai da criança que nasceu), de nacionalidade paquistanesa, reside na zona do Cartaxo;

139. Este reforçou a sua intenção de manter o relacionamento afetivo com a arguida C, aguardando o seu retorno a meio livre para se organizarem como casal;

140. A arguida era acompanhada, em meio livre, no âmbito do processo nº ---/12.1GEBNV, J1 da Secção Criminal, Instância Local da Comarca de Santarém - Benavente;

141. No âmbito do qual havia sido condenada a uma pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova (sentença transitada em julgado em 20.09.2013), cujo termo da pena estava previsto para 20.09.2015;

142. Na sequência da reclusão de C, os progenitores viram-se obrigados a devolver ao senhorio a casa onde aquela vivia com os filhos, por não conseguirem continuar a garantir o pagamento da renda;

143. Assim, o filho mais velho passou a residir com o pai e o outro, de dois anos e meio, foi entregue aos cuidados dos avós maternos;

144. O filho mais novo permanece aos cuidados da reclusa, na Casa das Mães do EP de Tires;

145. Na abordagem do comportamento criminal em abstrato, consegue reconhecer que a conduta delituosa causa danos;

146. Adotando uma postura de censurabilidade;

147. Mas, justificando a sua conduta com base na sua vulnerabilidade à influência de terceiros;

148. Posicionando-se num registo de tentar corresponder às solicitações que lhe fazem;

149. Parece deter algumas competências pessoais e sociais, ao nível da comunicação interpessoal e de descentração;

150. Embora com alguns défices ao nível do pensamento consequencial;

151. Podendo agir de forma impulsiva;

152. Ou adiando a solução de um problema pelo esforço que lhe exige;

153. Verbaliza arrependimento;

154. E lamenta a privação de liberdade;

155. Centrando-se mais nas consequências pessoais e familiares da sua situação atual;

156. E apresentando um discurso superficial e ligeiro no que se refere às vítimas;

157. Relativamente aos presentes autos, demarca-se de responsabilidades, não se revendo na acusação;

158. E imputando a sua responsabilidade exclusiva à coarguida, com quem afirma ter parecenças físicas;

159. Presentemente, a arguida cumpre pena à ordem do processo ---/12.9GEBNV, J2, Comarca de Santarém, Instância Central, por crime de roubo, a que foi condenada a 4 anos de prisão.

160. A arguida tem ainda a cumprir uma pena de 1 ano e 10 meses, por furto, no processo ---/12.0GCACB, J1, Tribunal de Leiria-Alcobaça;

161. E, ainda uma pena de 2 anos, por crime de roubo, no âmbito do processo ---/12.0 GEALR, J1, do Tribunal de Santarém-Almeirim;

162.Além dos presentes autos, aguarda audiência de julgamento/decisão em mais três processos.

2.2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, teve por base os seguintes fundamentos:

No que se refere aos descritos em 1. a 29., a análise conjugada e crítica das declarações da arguida, do depoimento das testemunhas AA, militar da GNR que recebeu a notícia destes factos e MM, que é a proprietária da arrecadação e da casa referidas em 1., tudo conjugado com os autos de reconhecimento pessoal de fls. 10 e de fls. 17;

No que se refere aos descritos em 2., foram ainda ponderados, além dos meios de prova já mencionados, o Print da Conservatória de Registo Automóvel (TMenu), de fls. 31 e o depoimento da testemunha ML, que avistou a referida viatura proveniente da propriedade da testemunha MM;

Ainda em relação às características do telemóvel a que se refere o ponto 25., a informação, de fls. 35;

Em relação ao descrito em 30., o depoimento da testemunha AC, proprietário do telemóvel descrito em 25.;

No que se refere aos descritos em 31., a certidão do assento de nascimento da testemunha MM de fls. 106;

No que que se refere aos descritos em 32., por observação direta do Tribunal;

Em relação aos descritos em 33. a 41., por presunção judicial, resultante da aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos que são os descritos em 1. a 30. e, ainda, a circunstância amplamente ilustrada nos relatórios sociais, de que ambas as arguidas são imputáveis;

Em relação aos descritos em 42., o certificado de registo criminal de fls. 264 a 283;

No que se refere aos descritos em 43. a 88., o relatório social de fls. 193 a 196;

Quanto aos descritos em 89., o certificado de registo criminal de fls.226 a 250;

Em relação aos descritos em 90. a 162., o relatório social de fls. 181 a 186.

AA é militar da GNR a prestar funções no NIC da GNR de Santarém e que foi quem conduziu a investigação dos factos objeto deste processo e que levou a cabo os reconhecimentos pessoais a que se referem os autos de fls. 10 e 17, tendo salientado a forma rápida e espontânea com que a testemunha MM reconheceu as arguidas J e C como as pessoas que praticaram os factos descritos em 1. a 29. da matéria de facto provada;

MM é a pessoa que protagonizou, tal como as arguidas, os factos descritos em 1. a 29. da matéria de facto provada;

AC é filho da testemunha MM e residia à data dos factos, tal como até ao presente, na casa de habitação a que se referem os pontos 1.; 4. e 14. e 15. da matéria de facto provada, embora não tenha assistido aos factos descritos na matéria de facto provada e é o proprietário do telemóvel identificado em 25., tendo esclarecido que esse telemóvel já estava com deficiências de funcionamento e que lhe havia custado € 100,00 ou € 120,00 cerca de 5 anos antes;

ML é filho da testemunha MM, não assistiu aos factos; chegou a casa, poucos minutos após os factos descritos em 1. a 29., ainda se tendo cruzado, no trajeto para casa, nesse dia 6 de Janeiro de 2015, com o Renault Clio de cor branca a que se refere o ponto 2. da matéria de facto provada.

Todas as testemunhas depuseram com clareza, preocupação de rigor e de forma desinteressada, pelo que mereceram a credibilidade do Tribunal.

2.3. FACTOS NÃO PROVADOS
Por falta de produção de meios de prova esclarecedores e convincentes, não se provaram quaisquer outros factos que não tenham sido incluídos na matéria de facto acima considerada prova, designadamente, não se provou que a televisão referida em 10., valesse, pelo menos, € 50,00, já que a única testemunha que poderia ter esclarecido este aspeto, MM, até referiu que tal aparelho estava avariado e estava na arrecadação para ser reparado; do mesmo modo que não se provou que o telemóvel identificado em 25, tivesse o valor de € 120,00, porque do depoimento da testemunha AC apenas resultou que esse foi o preço que pagou pelo telemóvel já há cerca de cinco anos, sendo certo que não forma produzidos quaisquer meios de prova testemunhal, documental, ou de outra natureza que permitissem aferir, ainda que só por aproximação, quais os valores de tais bens”.

3 - Apreciação do mérito dos recursos.

a) Da “prova por reconhecimento”.

Invoca-se, na motivação do recurso da arguida C, em breve resumo, que a diligência de reconhecimento efetuada no decurso da investigação a que se procedeu no presente processo não oferece certeza e segurança (que se exigem para a condenação), porquanto não é possível controlar o que é dito e mostrado ao “reconhecedor” antes da diligência, sendo ainda que, nestes autos, não existe outra prova que corrobore o “reconhecimento”, a não ser o depoimento da própria vítima (prestado na audiência de discussão em julgamento), restando, por tudo isso, uma dúvida insanável sobre qual das arguidas (a C ou a J) teve efetiva participação nos factos relativos à MM (a vítima).

Cabe decidir.
1º - Há que salientar, em primeiro lugar, que as arguidas praticaram os factos delitivos em apreço de comum acordo, em comunhão de esforços e de intentos, e mediante um plano previamente delineado por ambas (cfr. factos tidos como provados no acórdão revidendo sob os nºs 33 a 41).

Ou seja, as arguidas atuaram em coautoria (também com outros dois indivíduos, cuja identidade não se apurou), pelo que, e não se demonstrando, minimamente, que alguma das arguidas tenha excedido (de modo notoriamente imprevisível), na sua concreta e individual atuação, aquilo que fora previsto por todos os coautores, é de pouco relevo saber qual das arguidas atuou diretamente sobre o corpo da ofendida MM (apertando-lhe o pescoço), ou qual das arguidas dirigiu palavras à ofendida.

Acresce que, lendo a motivação do recurso da arguida C, verifica-se (com algum espanto, diga-se) que a mesma não nega ter estado no local dos factos, nem questiona diretamente (como podia e devia - cfr. o disposto no artigo 412º, nº 3, al. a), do C. P. Penal -) a factualidade tida como assente no acórdão sub judice sob os nos nºs 33 a 41, limitando-se a colocar em crise a “prova por reconhecimento”, e, com base nisso, a tentar lançar dúvidas sobre a circunstância de ter sido ela (ou não) a intervir, diretamente, sobre a pessoa da vítima (podendo tal intervenção ter sido operada, em sua opinião, pela outra arguida no processo, com a qual possui muitas semelhanças físicas).

Ora, e repete-se, perante a apontada coautoria (e os factos provados que a consubstanciam), é inconsequente e totalmente inócuo saber qual das arguidas, em execução do plano previamente gizado por ambas (ou, pelo menos, no âmbito previsível - notoriamente - desse plano), atuou diretamente sobre o corpo da vítima (ou dirigiu palavras à vítima, ou ameaçou a vítima, etc.).

Dito de outro modo: ainda que não ficasse demonstrado qual das arguidas praticou os aludidos atos de execução do crime por ambas planeado e levado a cabo (em conjunto com mais dois indivíduos), nunca tal circunstância poderia conduzir à absolvição da arguida C (como é pretendido na respetiva motivação do recurso).

Na verdade, para se ser coautor, ainda que no âmbito de um crime complexo (como é o crimes destes autos - crime de roubo -), basta que o agente tenha conhecimento dos propósitos criminosos do outro autor, e, por isso, plena consciência que esse outro autor pode vir a decidir-se por esse crime (o roubo, quando, por exemplo, o projeto inicial era a prática de um mero crime de furto), isto é, basta que esse outro crime seja notoriamente (e objetivamente) previsível na execução do projeto criminoso base de ambos os autores (é o que decorre, a nosso ver, do disposto no artigo 26º do Código Penal: “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”).

Por isso, a arguida C, ainda que não tivesse tido um papel na execução direta do crime de roubo cometido, mas sim um outro papel, numa execução que podemos denominar de paralela, “submete” o seu dolo, na realização do crime de roubo, à autora principal, no sentido de que, se esta tem pleno domínio desse facto criminoso, que era uma consequência previsível da atuação de ambas, aquela (a arguida C) também não deixa de partilhar esse domínio - note-se que, no caso em apreciação, a recorrente C nem sequer invoca a existência de um qualquer excesso na execução, por parte da coarguida, relativamente ao plano que havia sido traçado por ambas -.

Concluindo: no que respeita ao crime perpetrado, ambas as arguidas são coautoras, mesmo que não se soubesse qual delas era a executora material de determinados atos (praticados diretamente sobre a pessoa da vítima), os quais não configuram - nem isso vem alegado - um excesso, notoriamente imprevisível, ao plano traçado para a atuação delitiva das arguidas.

Face ao predito, e sem mais, carece de qualquer sentido útil toda a argumentação expendida, neste segmento recursivo, pela recorrente C, porquanto é inócuo saber qual das arguidas “exerceu violência” sobre a ofendida (expressão utilizada na conclusão iv extraída da motivação do recurso agora em apreciação).

Por outras palavras: contrariamente ao que subjaz a toda a pretensão recursiva em análise, ambas as arguidas são “autoras” dos factos delitivos objeto da condenação (de todos eles), independentemente de poder não se saber (por hipótese), com rigor e sem dúvida, qual das arguidas “exerceu violência” sobre a ofendida.

2º - Em segundo lugar, constata-se que a prova por reconhecimento em causa nestes autos não padece de qualquer patologia e/ou fragilidade.

Analisando o teor do “auto de reconhecimento de pessoas” constante de fls. 10 a 12 dos autos, verifica-se que o mesmo obedece a todos os formalismos e requisitos previstos no artigo 147º do C. P. Penal (aspeto que não é sequer questionado na motivação do recurso agora em apreciação), e, além disso, dele consta, inequivocamente, que a ofendida identificou, sem hesitações, a ora recorrente C como coautora dos factos delitivos em discussão.

Mais: antes de ser confrontada com a presença das diversas pessoas intervenientes na diligência que conduziu à elaboração do aludido “auto de reconhecimento de pessoas” - diversas pessoas essas de entre as quais a ofendida “reconheceu” a ora recorrente como tendo sido uma das autoras dos factos -, a ofendida descreveu “pormenores” das mulheres que perpetraram tais factos, sendo que, significativamente, a ofendida logo referiu que uma dessas mulheres era “bastante forte” (cfr. fls. 10 dos autos), o que coincide com a factualidade dada como provada no acórdão revidendo sob os nºs 121 a 123 (a ora recorrente padece de “obesidade mórbida”) - factualidade dada como assente, note-se, com base em elementos probatórios não resultantes, minimamente, do depoimento da ofendida ou do “reconhecimento” levado a cabo pela ofendida -.

Em suma: a “prova por reconhecimento” foi devidamente ponderada em primeira instância, em termos inteiramente corretos e adequados, como resulta da motivação da decisão fáctica constante do acórdão revidendo, não ocorrendo, por isso, qualquer erro de julgamento da matéria de facto, nem se impondo, por alguma forma que seja, a absolvição da arguida C.

3º - Alega a recorrente C que a “prova por reconhecimento” é prova pré-constituída, que tem de ser examinada na audiência de discussão e julgamento, sendo certo que, em tal audiência, a ofendida não reconheceu a ora recorrente como sendo a autora dos factos (entenda-se: da “violência” exercida sobre a ofendida), ou, pelo menos, não a reconheceu de forma categórica e isenta de dúvidas.

A este propósito, convém esclarecer que o “reconhecimento” de pessoas, feito na fase de inquérito, não é ato repetível na audiência de discussão e julgamento.

É que, o inquérito, não obstante ter por finalidade essencial a decisão sobre a acusação, também serve (e serve muitas vezes) para fixar uma série de dados que não serão apenas utilizados para a acusação, mas também para a decisão final (para a sentença).

A esta luz, o “reconhecimento” a que se procedeu nestes autos, na fase de inquérito, uma fez feito, vale de per si, sendo que os eventuais atos posteriores de reconhecimento (designadamente os efetuados na audiência de discussão e julgamento) já não têm (nem podem ter, como se nos afigura óbvio) a relevância probatória do reconhecimento inicial.

Assim, o “reconhecimento” efetuado na fase de inquérito possui um carácter materialmente autónomo, e, consequentemente, pode (e deve), sem mais, ser atendido na sentença final, desde que seja assegurado o contraditório relativamente a essa prova, como sucedeu in casu (note-se, além do mais, que a defesa da arguida C, no decurso da audiência de discussão e julgamento, questionou o reconhecimento levado a cabo nos autos pela ofendida, tentando descredibilizar esse elemento probatório, e confrontando, de novo, a ofendida com a pessoa da arguida, de modo a tentar encontrar fragilidades e inconsistências, no depoimento da ofendida, relativamente a tal “reconhecimento”).

Só que, o funcionamento do contraditório em audiência de discussão e julgamento não significa, por um lado, que se tenha de repetir o reconhecimento efetuado em inquérito, nem, por outro lado, que as inconsistências do depoimento agora prestado pela “reconhecedora” afetem, substancialmente, o reconhecimento antes efetuado (logo a seguir ao cometimento dos factos delitivos, com a memória deles - e dos seus autores- totalmente presente).

O reconhecimento, tal como foi efetuado na fase de inquérito, com as formalidades previstas no artigo 147º do C. P. Penal, é irrepetível.

Na audiência de discussão e julgamento, no decurso da produção de prova e com respeito pelo contraditório, pode ser efetuado o reconhecimento de certa pessoa como autora de determinado facto, mas já sem a sujeição às exigências previstas no artigo 147º do C. P. Penal, que apenas se referem à prova por reconhecimento em inquérito ou em instrução.

Por conseguinte, e no presente caso, o reconhecimento efetuado pela ofendida, na audiência de discussão e julgamento, não pode considerar-se uma repetição do levado a cabo no inquérito, nem as alegadas inconsistências daquele afetam, minimamente, este último.

Em face do que se deixa dito, não existe qualquer fundamento válido para declarar inválida e não atendível a prova por reconhecimento, relativamente à recorrente C, efetuada na fase de inquérito.

O que se impunha, se existissem divergências (relevantes) entre o que consta do aludido “auto de reconhecimento” e aquilo que foi dito pela ofendida na audiência de discussão e julgamento - sobre a identificação da arguida C-, é que esses diferentes elementos probatórios fossem valorados, pelo tribunal (quer pelo tribunal a quo, quer por este tribunal ad quem), em conjugação com a demais prova produzida e no uso do preceituado no artigo 127º do C. P. Penal (a livre apreciação da prova).

Ora, e com o devido respeito pelo alegado na motivação do recurso agora em apreciação, tais divergências (relevantes) não ocorrem.

Com efeito, analisando todos os elementos de prova em questão, de acordo com as regras da experiência, com a lógica das coisas e com os critérios de normalidade, não podemos deixar de concluir que a ofendida, sem margem para dúvidas, sempre identificou a ora recorrente como autora (coautora) dos factos delitivos em apreço.

Em consequência, nenhum reparo nos merece a decisão fáctica tomada em primeira instância.

4º - Apenas duas notas finais (neste segmento do recurso interposto pela arguida C):

- A recorrente C distingue, indevidamente (conforme acima já dissemos), a autoria dos factos (que coloca num lado) da autoria da violência exercida sobre a ofendida (que posiciona num outro lado), como se fossem coisas relevantemente diferenciadas, entendendo, bem vistas as coisas, que apenas praticou o crime de roubo em causa quem pressionou, ou ameaçou, ou agrediu a ofendida. Lendo, com atenção, toda a motivação do recurso interposto pela arguida C constata-se, pois, sem dificuldade, que a mesma não questiona a sua participação nos factos em apreço, levantando sempre, isso sim, o problema de sabermos, com certeza e perante os meios de prova disponíveis, quem (qual das arguidas) exerceu violência sobre a ofendida. Ora, esse problema, assim suscitado e por nós acima analisado, carece totalmente de pertinência, de fundamento válido e de sentido útil.

- Não existe, in casu, qualquer elemento de prova que tenha sido mal avaliado, indevidamente sopesado, mal interpretado, ou erradamente validado, e que “imponha” (e não apenas permita ou aconselhe) uma decisão fáctica diferente da recorrida (conforme exigido pelo artigo 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal).

Pelo exposto, é de improceder, nesta primeira vertente, o recurso interposto pela arguida C.

b) Do princípio in dubio pro reo.
Alega-se, na motivação do recurso da arguida C, que existem sérias dúvidas acerca da fidedignidade do reconhecimento efetuado na fase de inquérito, que estamos perante uma dúvida insanável sobre a questão de saber qual das arguidas (C ou J) teve efetiva participação nos factos relativos à ofendida, que tal dúvida, por força do princípio in dubio pro reo, não poderá deixar de se resolver a favor da recorrente, e que tudo isso implica a absolvição da ora recorrente (sob pena de violação do disposto no artigo 32º, nº 2, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa - presunção de inocência dos arguidos -).

Há que decidir.
O princípio in dubio pro reo (um dos princípios básicos do processo penal) significa, em síntese, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que “só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse(Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1981, Vol. I, pág. 205).

Quando o tribunal não forma convicção, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia princípio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção da inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Com efeito, dispõe a C.R.P. (no nº 2 do seu artigo 32º) que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, preceito que se identifica genericamente com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Assim, “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa(Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 3ª ed., pág. 203).

Este princípio tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.

É evidente que as dúvidas do julgador quanto à prova produzida têm de ser racionais, por forma a ilidirem a certeza contrária (cfr. Ac. do S.T.J. de 01-07-2004, Processo nº 4P2791, in www.dgsi.pt), jamais podendo assentar na mera existência de versões contraditórias entre si ou na mera negação dos factos por parte dos arguidos.

Revertendo ao caso em apreço, e apesar das considerações constantes da motivação do recurso interposto pela arguida C, o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida quanto à prática dos factos que foram dados como provados no acórdão revidendo relativamente a tal arguida, bem como também este tribunal de recurso, perante a prova produzida, com nenhuma dúvida fica relativamente à prática dos factos em causa por parte da referida arguida (conforme acima exposto - quando se analisou a validade, o valor probatório e a fidedignidade do “reconhecimento” efetuado na fase de inquérito, em conjugação com o depoimento da ofendida prestado na audiência de discussão e julgamento, e sempre em obediência, na apreciação de tais provas, às regras da experiência e à livre convicção do julgador, conforme estatuído no artigo 127º do C. P. Penal -).

Ou seja, e resumindo o acima já dito, não existe qualquer dúvida sobre a questão de saber qual das arguidas (C ou J) teve efetiva participação nos factos delitivos em apreço, pois tiveram ambas participação, em grau equivalente e sob a mesma forma de dolo.

Dito de outro modo: a fundamentação da decisão de facto constante do acórdão sub judice não evidencia a existência de qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor da arguida C , e, por outro lado, face à prova produzida, resulta, também para nós, a certeza da prática, por banda dessa arguida, do ilícito (roubo) pelo qual foi condenada (e pelos exatos factos, e nas precisas circunstâncias, tidos como provados em primeira instância).

Por conseguinte, não existindo dúvidas no espírito do julgador, afastada está, obviamente, a possibilidade de aplicação do princípio in dubio pro reo.

Assim sendo, o acórdão recorrido não merece, também neste aspeto, a censura que lhe foi dirigida pela recorrente C (violação do princípio in dubio pro reo).

c) Da medida concreta das penas.

Ambas as recorrentes questionam a determinação da medida concreta da pena que, a cada uma delas, foi aplicada.

A recorrente C entende que a pena de 4 anos e 6 meses de prisão (fixada em primeira instância) peca por excesso e desproporcionalidade, defendendo a aplicação de uma pena que não exceda os 2 anos e 6 meses de prisão.

Por sua vez, a recorrente J acha também excessiva a pena de 4 anos e 6 meses de prisão que lhe foi imposta, olhando às pouco relevantes necessidades de prevenção (geral e especial) que importa acautelar neste concreto caso, entendendo, por isso, ser mais justa e adequada a aplicação de uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

Cumpre decidir.
A moldura penal abstrata prevista para o crime de roubo, cometido por ambas as arguidas em coautoria material, é pena de prisão de 1 a 8 anos (cfr. o disposto no artigo 210º, nº 1, do Código Penal).

Dento dessa moldura penal abstrata, ambas as arguidas foram condenadas na pena de 4 anos e 6 meses de prisão (exatamente a meio da aludida moldura abstrata da pena).

Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida concreta da pena - artigo 71º, nº 1, do Código Penal -, pena que visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º, nº 1, do mesmo diploma legal -.

A este propósito, e como bem escreve o Prof. Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, abril-dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.

A medida da pena há de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do S.T.J. de 10-04-1996 (in CJ, Acs. do S.T.J., Ano IV, tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

No dizer da Prof.ª Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25),a proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção gera positiva). A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.

Em jeito de síntese, e como bem refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.

No caso dos autos, a prevenção geral, no sentido de prevenção positiva (ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias - ob. agora citada, págs. 72 e 73 -, o “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”), faz-se sentir de forma premente e clara. Com efeito, o tipo de crime em causa nestes autos (roubo) tem sido fonte de grande e justificado alarme social, sendo que, quando praticado no interior da habitação da vítima, como o foi na situação agora em apreço, mais ainda se sente tal alarme social, e, por isso, maiores são as necessidades de prevenção geral em análise.

Também ao nível da prevenção especial, entendida como dissuasão do próprio delinquente, as necessidades reveladas, face aos factos praticados, às concretas circunstâncias da vida das arguidas, e, sobretudo, aos antecedentes criminais das mesmas, são elevadas.

É que, o facto de as arguidas possuírem diversos antecedentes criminais, alguns deles já pela prática de crimes de roubo, significa que são absolutamente imperativas as necessidades de prevenção especial, impondo-se, por consequência, a aplicação às arguidas de penas relativamente severas (e não aligeiradas ou até meramente simbólicas).

Só com tal perspetiva, de rigor e de confronto das arguidas com os seus atos e com a sua personalidade neles revelada, as arguidas poderão, no futuro, afastar-se da prática de crimes do mesmo género e com a mesma inquestionável gravidade.

Perante as apontadas exigências de prevenção (quer geral, quer especial), e face aos elevados graus de ilicitude e de culpa revelados nas condutas das arguidas, pouco relevo possuem (com o devido respeito) os percursos de vida de cada uma das arguidas e a sua inserção familiar (aspetos profusamente narrados e descritos na motivação do recurso da arguida J).

A salvaguarda dos bens jurídicos, atingidos in casu de forma grave, e apesar de as arguidas possuírem família, requer da parte do julgador uma efetiva, adequada e enérgica sanção penal, capaz de permitir alcançar as finalidades da punição.

Face ao que vem de dizer-se, entendemos que a medida concreta das penas aplicadas, no acórdão recorrido, às arguidas, está de acordo com a medida da culpa revelada e com as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir neste caso.

Por palavras mais simples: atendendo ao modo de execução do crime em causa (que, por um lado, não foi fruto de qualquer circunstancialismo ocasional e/ou de um impulso momentâneo e irrefletido das arguidas - pois as mesmas deslocaram-se, num veículo automóvel, àquela residência, para, aí, subtraírem objetos aos respetivos ocupantes, se necessário usando de violência contra os mesmos -, e que, por outro lado, denota particular insensibilidade das arguidas, ao “assaltarem”, na sua própria casa, uma pessoa idosa e debilitada, com recurso a agressão física - apertaram-lhe o pescoço -), ponderando o grau de ilicitude (elevado) e a intensidade do dolo (elevada), olhando à gravidade das consequências decorrentes do crime (medianas, visto o valor do telemóvel subtraído e atenta a inexistência de lesões físicas visíveis provocadas na ofendida), sopesadas as necessidades de prevenção geral (prementes, na nossa sociedade e neste tipo de criminalidade), e analisadas as necessidades de prevenção especial (tendo em conta, além do mais, os antecedentes criminais das arguidas - em que avultam múltiplas condenações em diversas penas, pela prática dos mais variados crimes, e, com especial relevo, pelo cometimento de crimes de furto e de roubo -), as penas aplicadas às arguidas no acórdão revidendo revelam-se ajustadas e equilibradas (as arguidas foram condenadas na pena, cada uma, de 4 anos e 6 meses de prisão, sendo a pena máxima aplicável 8 anos, e sendo a pena mínima 1 ano, ou seja, as arguidas foram condenadas, precisamente, no limite médio dessa moldura penal abstrata).

Em suma: na ponderação de todos os elementos referidos, entendemos que são de manter as penas que foram aplicadas às arguidas em primeira instância, por as considerarmos justas e adequadas à gravidade do ilícito praticado, mostrando-se fixadas com equilíbrio e correção.

Assim, as pretensões das recorrentes não merecem provimento.

Perante tudo o que fica dito, é de manter a decisão revidenda, sendo de improceder os recursos das arguidas.

III - DECISÃO.

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento aos recursos, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 20 de março de 2018

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)