Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
127/14.1T8BJA.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
COMISSÃO DE PROTECÇÃO DE MENORES
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Estando os menores expostos a agressões e outros comportamentos violentos do progenitor, que até deram lugar a queixas na GNR, não deverá ser arquivado liminarmente o respectivo processo de promoção e protecção instaurado a seu favor, antes ordenada a abertura da instrução (artigo 106.º, n.º 1, da LPCJP).
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 127/14.1 T8BJA.E1 - 1.ª secção



Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

O Ministério Público veio requerer a instauração de processo de promoção e protecção relativo aos menores (…) e (…), nascidos em 27.01.2003 e 7.06.2004, respectivamente, filhos de (…) e de (…), com base no facto dos mesmos estarem a ser expostos a actos de agressões físicas e verbais entre os progenitores, já divorciados, susceptível de os vir a colocar em perigo para a sua formação psíquica, não tendo sido obtido o consentimento necessário para a intervenção da CPCJ.

Foi proferido despacho a arquivar liminarmente o processo de promoção e protecção relativamente aos menores (…) e (…).


Inconformado recorreu o Exmo. Magistrado do Ministério Publico tendo concluído nos seguintes termos:

A situação dos menores, e, respectivos progenitores foi referendada devido aos episódios de agressões verbais/violência doméstica aos quais as crianças eram expostas alguns dos quais participados à GNR, tendo mesmo a mãe dos menores apresentado queixa na GNR contra o progenitor dos menores.

Os progenitores actualmente separados mantêm entre eles, uma relação pautada por conflitos, agressões verbais, não sendo permeáveis à intervenção da CPCJ, não sendo pois possível, averiguar qual o acompanhamento efectivo dado a estes menores, e qual a actual situação destes.

Tal clima de agressividade é sempre presenciado pelos menores, podendo estes apresentar um conjunto de necessidades cuja satisfação é necessária ao seu bem-estar psicológico e cuja não realização compromete o seu desenvolvimento posterior e o seu ajustamento social.

No entanto, tal não se poderá apurar, já que o processo de promoção e protecção a favor dos menores, (…) e (…) foi liminarmente arquivado.

Assim, face à posição assumida de arquivamento liminar do processo de promoção e protecção a favor dos menores (…) e (…), por parte do Mmo. Juiz, estes menores poderão continuar em situação de perigo (já que se desconhece totalmente qual o relacionamento actual entre os progenitores, que pode de facto ser fantástico, mas por outro lado, também pode continuar no mesmo registo, que deu origem ao processo, primeiro na GNR e, após, na CPCJ).

Não se sabe se os menores (…) e (…) tem continuado ou não a presenciar tais comportamentos dos progenitores.

Estes menores encontram-se em perigo, e, ao não ser recebido o requerimento inicial do Ministério Público, e ordenada a abertura da instrução, conforme obriga o artigo 106° n.º 1 da LPCJP, primeira parte, foi claramente violado tal dispositivo, violando-se assim e ainda o superior interesse destes menores (…) e (…).

Não foram apresentadas contra-alegações.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.

Discute-se a admissibilidade legal do despacho de arquivamento liminar do processo de promoção e protecção a favor dos menores Catarina e Miguel e respondendo afirmativamente, discute-se ainda se, in casu, deveria ter sido ordenada a abertura da instrução (art.º 106, n.º 1, LPCJP).

Dispensados os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

O Tribunal a quo julgou demonstrada a seguinte factualidade:

(…) e (…), com 11 e 10 anos de idade, respectivamente, são filhos de (…) e de (…), fruto do casamento entre estes.

Os referidos progenitores divorciaram-se em 2011, tendo a progenitora saído de casa com os menores em Outubro do mesmo ano.

No âmbito da regulação das responsabilidades parentais os menores ficaram à guarda e cuidados da progenitora, passando alternadamente com o pai e a mãe os fins-de-semana, de Sexta-feira a Domingo.

Entre o ano de 2012 e o início do ano de 2013 a progenitora dos menores apresentou queixas-crime contra o progenitor alegando ser insultada e ameaçada por este em frente aos filhos no âmbito de sucessivos desentendimentos relacionados com o regime de guarda e visitas dos menores, que vieram a ser objecto de investigação no processo com o NUIPC …/12.1GACUB e deram origem à sinalização da situação junto da CPCJ de Cuba, que abriu processo administrativo de promoção e protecção.

Foi proferido despacho final no âmbito do aludido processo-crime, datado de 17 de Março de 2014, a determinar o arquivamento dos factos quanto ao crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152° do Código Penal, por falta de indícios, e a acompanhar parcialmente a acusação particular quanto a 2 crimes de injúria, previstos e punidos pelos artigos 181°, n.º 1, do Código Penal.

Os progenitores dos menores foram ouvidos no âmbito do processo administrativo de promoção e protecção em Março de 2013, tendo a mãe dos menores referido que o progenitor dos menores controlava as saídas e entradas da casa onde esta residia com eles e que já a havia ameaçado e insultado junto à porta de casa, na escola e em frente aos filhos, pelo que pretende evitar mais contactos pessoais com aquele, que se revela, no entanto, um pai interessado que acompanha os filhos a nível escolar e actividades desportivas.

Nessa mesma data ambos os progenitores dos menores negaram a intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo de Cuba, pelo que o referido processo foi em Maio de 2013 remetido aos serviços do Ministério Público.

No relatório social elaborado pela EMAT em 28.07.2014 no âmbito do incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores (…) e (…), que corre termos sob o n.º …/12.3TBCUB, por iniciativa do Ministério Público e com vista a uma alteração do regime de visitas que promovesse um maior contacto dos menores com o progenitor, faz-se menção que a relação dos progenitores é conflituosa mas que ambos promovem o desenvolvimento dos menores, bem como que a menor (…) aparenta “um desenvolvimento global adequado à sua faixa etária”, uma “boa apresentação social”, que findou o 5° ano, onde teve “adequada integração”, com “excelente aproveitamento”, que frequenta judo, natação e música (as duas primeiras sob supervisão do progenitor que a vai buscar e levar a casa da progenitora para o efeito), apresentando uma postura interessada e disponível no âmbito da entrevista, evidenciando juízo critico e capacidade de reflexão bem como satisfeita com o regime de visitas em vigor, sendo que através do seu relato, é perceptível que a “mesma vive experiências positivas com cada um dos progenitores, de acordo com os perfis de cada um deles”, apesar de se sentir “desconfortável” quando o progenitor “exerce alguma pressão” sobre a sua pessoa “em determinadas matérias”, e que, por sua vez, o menor (…), que frequentou o 4° ano de escolaridade, tendo apresentado um “aproveitamento global excelente”, que pratica judo, acompanhado pelo progenitor e irmã e corroborou a versão da irmã no que concerne aos convívios com o progenitor, estando disponível tal como ela a outros convívios desde que devidamente programados e não impliquem alteração de rotinas. Conclui-se que, tanto a (…), como o (…), “aparentam um nível desenvolvimental harmonioso para a sua faixa etária”.

Sustenta o recorrente a inadmissibilidade legal do indeferimento liminar no processo de promoção e protecção.

Recebido o requerimento inicial, o Juiz profere despacho de abertura de instrução ou, se considerar que dispões de todos os elementos necessários ordena as notificações a que se refere o n.º 1 do artigo 114°, seguindo-se os demais termos nele previstos (art.º 106.º, n.º 2, LPCJP).

Não se nos afigura ser de acolher esta argumentação.

O processo de promoção e protecção é constituído pelas fases de instrução, debate judicial, decisão e execução da medida.

Recebido o requerimento inicial, o juiz profere despacho de abertura de instrução ou, se considerar que dispõe de todos os elementos necessários, ordena as notificações a que se refere o n.º 1 do artigo 114.º, seguindo-se os demais termos nele previstos (art.º 106.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).

Sufragamos o entendimento explanado por Tomé D’Almeida Ramal, in Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 3.ª Edição Revista e Aumentada, Quid Juris, página 158.

O acto de recebimento pressupõe uma análise prévia de valoração do requerimento, que habilite o juiz ao seu recebimento, configurada que esteja uma efectiva situação de perigo, de acordo com o art.º 3.º, sob pena de inutilidade processual, face ao seu arquivamento posterior, nos termos do art.º 111.º’, pelo que conclui ser “legalmente possível a prolação de despacho judicial de arquivamento do processo, desde que seja manifesta a falta de fundamento (falta dos pressupostos referidos no art.º 3°) ou desnecessária a intervenção.

Questão que agora se coloca é a de saber se, em face da factualidade alegada no requerimento inicial, se pode desde logo concluir no sentido da manifesta falta de fundamentação quanto à configuração de uma efectiva situação de perigo.

O ora recorrente requereu a abertura de fase de instrução no âmbito de processo de promoção e protecção alegando situação de perigo para o são desenvolvimento dos menores porque os mesmos têm sido expostos ao clima de agressões por parte do progenitor à progenitora não tendo estes dado consentimento para uma intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

A criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, está abandonada ou vive entregue a si própria, sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais, não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal, está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional (art.º art.º 3.º, n.º 2, LPCJP).

O requerimento inicial assenta essencialmente na alegação de um conjunto de factos tendentes a demonstrar uma situação de perigo para os menores, resultante dos comportamentos do progenitor e do clima de agressividade entre os pais.

A decisao recorrida assenta, nuclearmente no relatório efectuado no âmbito de um processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais do qual consta que a relação dos progenitores é conflituosa mas que ambos promovem o desenvolvimento dos menores, bem como que a menor (…) aparenta “um desenvolvimento global adequado à sua faixa etária”, uma “boa apresentação social”, que findou o 5° ano, onde teve “adequada integração”, com “excelente aproveitamento”, que frequenta judo, natação e música (as duas primeiras sob supervisão do progenitor que a vai buscar e levar a casa da progenitora para o efeito), apresentando uma postura interessada e disponível no âmbito da entrevista, evidenciando juízo critico e capacidade de reflexão bem como satisfeita com o regime de vistas em vigor, sendo que através do seu relato, é perceptível que a “mesma vive experiências positivas com cada um dos progenitores, de acordo com os perfis de cada um deles”, apesar de se sentir “desconfortável” quando o progenitor “exerce alguma pressão” sobre a sua pessoa “em determinadas matérias”, e que, por sua vez o menor (…), que frequentou o 4° ano de escolaridade tendo apresentado um “aproveitamento global excelente”, que pratica judo, acompanhado pelo progenitor e irmã e corroborou a versão da irmã no que concerne aos convívios com o progenitor, estando disponível tal como ela a outros convívios desde que devidamente programados e não impliquem alteração de rotinas. Conclui-se que tanto a (…) como o (…) “aparentam um nível desenvolvimental harmonioso para a sua faixa etária”.

Como sustenta o Exmo. Magistrado do Ministério Publico, tal relatório efectuado no âmbito de um processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, ou seja, no âmbito de um processo com cariz totalmente diferente daquele que estamos a apreciar.

E certo que da factualidade apurada não consta qualquer episódio de agressividade desde 2012 e primeiro trimestre de 2013.

Estamos, todavia, numa fase de decisão liminar, e este enquadramento temporal que resulta dos documentos juntos aos autos e que parece tornar não actual qualquer situação de perigo, não foi expresso ou assumido no requerimento inicial. Se assim tivesse sido poderíamos então concluir que tal como o requerente configurava a situação de perigo ela própria se revelava não actual.

No requerimento inicial faz-se referência a momentos temporais em que se terão verificado comportamentos de agressividade por parte do progenitor, mas essas referências são exemplificativas, mais se afirmando que continuam a perdurar.

Assim sendo, em face do alegado no requerimento inicial, não se nos afigura manifesta a falta de fundamento, carecendo os autos de diligências instrutórias com vista a apurar se a situação ali descrita se mantém actual.

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam a decisao recorrida, ordenando o recebimento do requerimento inicial do Ministério Publico, bem como a abertura da instrução.

Não são devidas custas.

Évora, 12-02-2015

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso