Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1185/17.2T8BJA.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Sempre que haja uma pluralidade passiva de responsáveis pelo pagamento da dívida a execução deve correr no Tribunal do domicílio do maior número de executados.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1185/17.2T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local Cível de Beja – J2
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente execução proposta por “Caixa Geral de Depósitos, SA” contra (…), (…) e (…), a sociedade exequente veio interpor recurso do despacho que declarou incompetente o Juízo Local Cível de Beja para tramitar a execução e ordenou a remessa dos autos para o Juízo Central de Execução de Setúbal.
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Por decisão datada de 05/09/2017, o Juízo Local Cível de Beja proferiu a supra declaração de incompetência em razão do território, por entender que se estava perante uma execução por dívida com garantia real e o imóvel se situar noutra circunscrição territorial.
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e, em síntese, as conclusões afirmam que não é aplicável ao caso a regra estabelecida no nº 2 do artigo 89º do Código de Processo Civil[1].

A parte contrária não contra-alegou.

Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à questão da incompetência em razão do território.
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III – Dos factos com interesse para a justa resolução do recurso (Do histórico do processo):
1 – No exercício da sua actividade creditícia, a Caixa Geral de Depósitos, SA celebrou com o executado (…) um contrato de mútuo com fiança, formalizado por documento particular, tendo-lhe entregue a quantia de € 6.000,00, à taxa inicial de 5,159%.
2 – Os executados (…) e (…) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as quantias que viessem a ser devidas à Caixa Geral de Depósitos em consequência do referido contrato.
3 – O mutuário deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato e a Caixa Geral de Depósitos interpôs a presente execução para pagamento de quantia certa no valor de € 4.820,95, acrescida de juros contados a partir de 17/07/2017, bem como de despesas extrajudiciais e demais encargos, tudo no valor liquidado de € 5.968,87.
4 – O executado (…) mantém residência em Setúbal e os fiadores (…) e (…) estão domiciliados em Beja.
5 – No âmbito dessa execução foi penhorada a fracção autónoma designada pela Letra E, correspondente ao segundo andar direito, destinada a habitação, sita em Alameda do (…), nº (…), denominado lote 28, em Setúbal, imóvel que está descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº …/199951017.E e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº (…).
6 – Em 29/08/2017, após ter dado cumprimento ao disposto no artigo 233º do Código de Processo Civil, a Agente de Execução solicitou ao Tribunal que informasse se foi deduzida oposição à execução ou à penhora.
6 – Nessa sequência foi lavrado o despacho recorrido.
7 – Existe uma hipoteca registada pela apresentação (…) de 2007/05/16, provisória por natureza, convertida pelo averbamento ap. (…) de 2007/07/19, que garante o capital de € 54.000,00 relacionada com a concessão de empréstimo para a aquisição da habitação referida em 5, constituída a favor da Caixa Geral de Depósitos.
8 – A referida hipoteca não está relacionada com o contrato de mútuo dado à execução, pois essa dívida não beneficia de qualquer garantia real.
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IV – Fundamentação:
A incompetência relativa do Tribunal verifica-se quando são violadas as normas legais determinativas da competência interna fundada no valor da causa ou na divisão judicial do território ou quando são infringidas as normas de competência convencional interna.
Salvo os casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado, podendo o executado optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana (artigo 89º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Porém, se a execução for para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, são, respectivamente, competentes o tribunal do lugar onde a coisa se encontre ou o da situação dos bens onerados, tal como proclama o nº 2 do artigo 89º do Código de Processo Civil.
O regime regra do domicílio do executado, bem como o do foro real não são afastáveis por vontade das partes[2] e a sua violação é neste caso de conhecimento oficioso[3].
O Tribunal «a quo» entendeu que se está perante uma execução por dívida com garantia real. Por seu turno, logo na petição inicial, a sociedade exequente alerta que o mencionado crédito não beneficia da garantia real referida no artigo 21º do contrato, por falta de constituição desta.
A eficácia da hipoteca depende do registo dos respectivos factos constitutivos, mesmo em relação às partes outorgantes no contrato. E o registo funciona como condição verdadeira da eficácia absoluta do acto/negócio de constituição, de natureza constitutiva.
Com efeito, o artigo 687º do Código Civil dispõe que «a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes». E também decorre da interpretação conjugada do artigo 4º do Código do Registo Predial que a eficácia dos factos constitutivos da hipoteca, mesmo entre as próprias partes, depende da realização do registo.
Para além das menções gerais referidas no artigo 93º do Código do Registo Predial, nas inscrições hipotecárias devem constar as menções especiais indicadas no nº 1 do artigo 96º do mesmo diploma, mormente o fundamento da hipoteca, o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado. E, por isso, o artigo 693º, nº 1, do Código Civil prevê que «a hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo».
A dívida aqui em discussão não beneficia de qualquer garantia real e a hipoteca constituída não está relacionada com o contrato de mútuo dado à execução.
A mera promessa de constituição de hipoteca sobre imóvel de terceiro não viabiliza a instauração da execução no “forum rei sitae” e assim, ao não ser celebrada a competente escritura pública com garantia real, tem aplicação a regra geral de competência em matéria de execuções presente no nº 1 do artigo 86º do Código de Processo Civil.
O accionamento da disciplina prevista no nº 2 do artigo 89º do Código de Processo Civil apenas prevalece nos casos em que efectivamente existe um bem onerado com garantia real e nos estritos limites da mesma. E, por isso, atendendo a que a dívida em discussão não goza de qualquer garantia real, esta regra específica não tem aplicação nos presentes autos.
E, assim sendo, sempre que haja uma pluralidade passiva de responsáveis pelo pagamento da dívida, a execução deve correr no Tribunal do domicílio do maior número de executados, ao abrigo das regras presentes nos artigos 82º, nº 1 e 89º, nº 1, do Código de Processo Civil. Na situação vertente, como dois dos demandados têm habitação em Beja e o outro reside em Setúbal, o Tribunal competente para tramitação a execução é aquele onde foi interposto inicialmente o procedimento executivo, revogando-se assim a decisão proferida.
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V – Sumário:
1. A mera promessa de constituição de hipoteca sobre imóvel de terceiro não viabiliza a instauração da execução no “forum rei sitae” e assim, ao não ser celebrada a competente escritura pública com garantia real, tem aplicação a regra geral de competência em matéria de execuções presente no nº 1 do artigo 86º do Código de Processo Civil.
2. Sempre que haja uma pluralidade passiva de responsáveis pelo pagamento da dívida a execução deve correr no Tribunal do domicílio do maior número de executados.
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, declarando-se o Juízo Local Cível de Beja competente para a tramitação da presente execução.
Sem custas nos termos e ao abrigo do artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 22/03/2018
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário
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[1] Não foi disponibilizado ao Tribunal da Relação o suporte informático que contivesse as alegações da recorrente e, por isso, por razões de tempestividade de resposta, optou-se por efectuar uma súmula da argumentação ali contida.
[2] Artigo 95º (Competência convencional):
1 - As regras de competência em razão da matéria, da hierarquia e do valor da causa não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 104.º.
2 - O acordo deve satisfazer os requisitos de forma do contrato, fonte da obrigação, contanto que seja reduzido a escrito, nos termos do n.º 4 do artigo anterior, e deve designar as questões a que se refere e o critério de determinação do tribunal que fica sendo competente.
3 - A competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a que deriva da lei.
4 - A designação das questões abrangidas pelo acordo pode fazer-se pela especificação do facto jurídico susceptível de as originar.
[3] Artigo 104º (Conhecimento oficioso da incompetência relativa):
1 - A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes:
a) Nas causas a que se referem o artigo 70.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 71.º, os artigos 78.º, 83.º e 84.º, o n.º 1 do artigo 85.º e a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 89.º;
b) Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido;
c) Nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo.
2 - A incompetência em razão do valor da causa é sempre do conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que se suscite.
3 - O juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente; não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados.