Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
33232/15.7T8LSB.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO À PARTE
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
I- Apesar do art.º 543.º do CPC respeitante ao “Conteúdo da indemnização” referir na alínea a) do nº1 que a mesma pode consistir “ No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos “ tais despesas serão outras que não as contempladas na condenação em custas que o litigante de má-fé tenha sido alvo na acção na qual o incidente de litigância de má-fé teve lugar.
II- Visto que nas custas de parte se compreendem as taxas de justiça pagas pela parte que são objecto de nota discriminativa e justificativa de modo a serem suportadas pela parte vencida, serão noutra sede que deverão ser reembolsadas.
III- Por seu turno, o montante atinente aos honorários dos mandatários poderá não corresponder exactamente aos que foram liquidados caso se reputem excessivos, sendo, por isso, de reduzi-lo “aos justos limites”.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

ACORDÃO

I- RELATÓRIO
BB, LIMITED, Autora nos autos à margem referenciados em que é Ré CC, LDA., veio recorrer do Despacho de 14.11.2017 que a condenou no pagamento de uma indemnização, por ter litigado de má-fé, à Ré, no montante de € 16.495,57 formulando, no termo da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. O Despacho ora recorrido enferma de nulidade por falta de pronúncia sobre questões de facto e de direito levantadas pela Autora.
2. O Tribunal a quo não apreciou as questões que a Autora submeteu à sua apreciação, em clara violação do dever que se impunha ao julgador, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, e bem assim, em manifesta contradição com o disposto nos termos do artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil, no que aos limites da condenação respeita.
3. Pelo que é nulo o Despacho recorrido, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
4. Despacho ora recorrido enferma de nulidade, também, por falta de pronúncia sobre os meios de prova apresentados pela Ré e impugnação pela Autora, no seu requerimento de 25/08/2017, quanto ao teor e força probatória dos mesmos.
5. Não tendo procedido à análise criteriosa que lhe competia, o Douto Tribunal está em manifesto incumprimento do dever que lhe cabia na elaboração da sentença, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
6. Razão pela qual, é por demais evidente a nulidade do despacho recorrido, e sentença que veio integrar, por dela não constarem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Termos em que, pelo exposto, se requer a V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores se dignem revogar o Despacho ora recorrido e substituí-lo por outro que, ao contrário deste, absolva a Autora do pagamento da indemnização fixada no montante de € 16.495,57 (dezasseis mil quatrocentos e noventa e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos), por ter litigado de má-fé.

2. A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

3. Dispensaram-se os vistos.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se às seguintes questões: saber se o despacho recorrido enferma de nulidade por falta de pronúncia sobre os fundamentos esgrimidos na oposição deduzida pela Autora, ora apelante, ao pedido indemnizatório formulado pela Ré, ora apelada, e se a indemnização se mostra fixada de acordo com o “ prudente arbítrio”.

II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os seguintes:
A) Na sentença proferida em 11 de Julho de 2017 na acção movida pela ora recorrente BB, LIMITED contra a recorrida CC, LDA., foi aquela condenada como litigante de má-fé na multa de 10 UCS e no pagamento à Ré em indemnização a “ fixar após audição das partes”(cfr. fls. 223 a 257 dos autos);
B) De tal sentença interpôs a Autora competente recurso para este Tribunal o qual, por Acórdão de 12 de Abril de 2018, transitado em julgado, o julgou improcedente, confirmando aquela decisão, designadamente no que concerne à condenação da mesma Autora em multa e indemnização por litigância de má-fé.
C) Entretanto, mediante requerimento de 11 de Setembro de 2017 a Ré havia requerido o pagamento das seguintes quantias a título indemnizatório : € 14.863,57 de honorários liquidados pela Ré aos mandatários e € 1632 de taxa de justiça inicial, juntando factura e recibo dos ilustres mandatários e comprovativo do pagamento da taxa de justiça;
D) A A. e ora recorrente deduziu oposição suscitando a excessividade dos honorários apresentados para o trabalho despendido pelos mandatários da Ré e impugnando o descriminado para os justificar requerendo a realização de prova suplementar para apuramento e liquidação do quantum indemnizatório.
E) Foi subsequentemente proferida a decisão recorrida, em 14 de Novembro de 2017, cujo teor é o seguinte:
No âmbito dos presentes autos foi proferida sentença, na qual se condenou a parte activa como litigante de má-fé, “com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária” e de “assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça”1.
Naquela decisão foi a parte activa condenada na multa de 10 Ucs e numa indemnização, cujo montante, por falta de elementos para fixar na sentença, se entendeu fixar após audição das partes.
O contraditório foi cumprido e a parte passiva apresentou requerimento, pedindo a condenação na indemnização de € 16.495,57. Juntou documentos (Notas discriminativa de honorários e despesas e recibo de quitação). Não apresentou qualquer outro meio de prova.
A parte activa não impugna o valor dos honorários e despesas pagas. A sua defesa centra-se na fixação da parte dos honorários que foram despendidos por causa da actuação de má-fé daquela.
*
A litigância de má-fé pode conduzir à aplicação de duas sanções ao litigante: multa e indemnização à parte contrária.
A condenação em multa não depende do pedido da parte, devendo o Tribunal aplicá-la sempre que entenda, como entendeu no caso concreto, verificados os respectivos pressupostos – artigo 542º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No que tange à indemnização, o preceito acima referido é claro: ela terá de ser pedida pela parte, ainda que o não seja nos articulados, mas posteriormente.
Assim, além da demonstração de um ilícito perpetrado pelo lesante, traduzido na sua litigância processual censurável, é ainda exigido que o lesado formule pedido indemnizatório.
Ao conteúdo da indemnização refere-se o artigo 543º, que no seu n.º 1 estabelece que tal indemnização pode ser simples (alínea a)) ou agravada (alínea b)) e no seu n.º 3 permite ao juiz, caso não existam elementos para fixar o montante indemnizatório na sentença, ouvir as partes e fixá-lo depois, sendo que tal fixação deve ocorrer, ficar decidido e a questão resolvida no próprio processo em que tem lugar a condenação da parte com base em tal tipo de comportamento processual, pelo que não é possível – em nossa opinião e na da jurisprudência já citada – relegar para execução de sentença a liquidação ou a fixação da indemnização por litigância de má-fé.
Na situação em apreço, a ré apresentou pedido indemnizatório e discriminou os montantes, apresentando meios de prova.
Ora, no caso concreto, cumpre sublinhar o que já se referiu na sentença. Aí se diz “Sabia que não detinha um crédito, quis fazer crer ao Tribunal que aquele existia e, com tal alegação, conduzir o Tribunal a proferir sentença condenatória. Com esta conduta, obrigou a ré a uma defesa que, em circunstâncias normais, não se veria obrigada a fazer”. Na verdade a má-fé da autora manifesta-se, desde logo, com a propositura da acção, pelo que a indemnização abrange todas as quantias pagas a título de honorários e despesas processuais.
Pelas razões expostas, condena-se a parte activa no pagamento de uma indemnização, por ter litigado de má-fé, à parte passiva, no montante de € 16.495,57.”.

2. Do mérito do recurso
2.1. Da nulidade do despacho recorrido
Insurge-se a apelante contra o facto de no despacho recorrido se ter consignado que a mesma não havia impugnado o valor dos honorários e despesas pagas pela Ré, o que no seu entender não é correcto.
Vejamos.
Lendo a oposição da apelante, o que dela se extrai é que a mesma se insurge contra o valor cobrado a título de honorários e despesas pelos ilustres mandatários que patrocinaram a Ré e não contra o facto de esta os ter liquidado, o que não põe em causa.
Aliás, nem se vislumbra que “ prova suplementar “ poderia o Tribunal determinar de motu proprio para se pronunciar relativamente à indemnização pedida.
Outrossim não se visa neste incidente – e ao contrário do que sucede numa acção de honorários – aquilatar da (in) justeza dos honorários e despesas reclamados pelos mandatários que patrocinaram a Ré mas tão-só determinar, uma vez que estes foram pagos, se é de lhe conceder a sua totalidade ou não a título de indemnização.
Em suma: Está bem de ver que o despacho recorrido não enferma de qualquer nulidade, maxime da apontada omissão de pronúncia.

2.2. Vejamos agora se a indemnização se mostra fixada de acordo com o “ prudente arbítrio”.

Desde já cumpre salientar que foi considerada na indemnização atribuída pela 1ª instância a taxa de justiça liquidada pela Ré apesar de a Autora ter sido condenada nas custas do processo que englobam, como se sabe, a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (Cfr. art.º 529º nº1 do CPC e 3º, nº 1 RCP) sendo que nestas se compreendem as taxas de justiça pagas pela parte (art.º 533º do CPC) que são objecto de nota discriminativa e justificativa de modo a serem suportadas pela parte vencida.
Evidentemente que a Ré/apelada não pode receber por duas vezes o montante liquidado a título de taxa de justiça e, por conseguinte, a questão que se coloca é se a indemnização ora decidida a pode contemplar.
Cremos que não.
Apesar do art.º543.º do CPC respeitante ao “Conteúdo da indemnização” referir na alínea a) do nº1 que a mesma pode consistir No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos “ entendemos que se tratarão de despesas porventura não contempladas na condenação em custas que o litigante de má-fé tenha sido alvo na acção na qual o incidente de litigância de má-fé teve lugar.
Convém referir que sufragamos o entendimento de que a indemnização a que aludem os arts.º 542º nº1 e 543º tem um desígnio ressarcitório e não poderá ser fixada em montante superior ao dano efectivamente sofrido pelo lesado.
Mas a questão não é pacífica, como nos dá nota Marta Frias Borges na sua dissertação de mestrado[1], explicitando as duas teses em confronto: uma que defende que o escopo da responsabilidade processual será um escopo punitivo e público e outra que salienta a predominância do escopo ressarcitório e nesta senda defende que o critério que norteia a fixação de tal indemnização é a medida do dano e por isso se deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
De facto, ainda que o nº 3, do art. 543º, aluda ao prudente arbítrio do juiz na fixação da indemnização não lhe é permitido firmar uma quantia independente da existência ou da amplitude dos danos sofridos pelo lesado. Parece-nos antes que o legislador admitiu o recurso à equidade apenas com o propósito de evitar a liquidação em execução de sentença, encerrando a questão da má-fé processual no processo em que a mesma se verificou.[2]
Como decorre do exposto, a Ré veio reclamar o pagamento da quantia de € 14.863,57 de despesas e honorários por si liquidados aos mandatários e € 1632 de taxa de justiça inicial.
Quanto à taxa de justiça inicial, já vimos que deverá ser reembolsada noutra sede e o que resta saber é se o montante atinente aos honorários dos mandatários deverá corresponder exactamente aos que foram liquidados, ainda que se reputem excessivos.
A lei permite, como vimos, que o Tribunal reduza “aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 3 do citado artigo 543.º).
E parece-nos evidente que no caso, tratando-se de um processo que terminou na fase do saneador, com a prolação de saneador/sentença, em que a actividade processual da Ré se circunscreveu à apresentação da contestação e presença numa tentativa de conciliação, o reembolso da integralidade dos honorários liquidados de perto de 15 mil euros (sendo que só de honorários sem IVA foram debitados €10.850) – ainda que no confronto com o pedido formulado – é, a nosso ver, excessivo.
Para além disso, e uma vez que tais honorários do mandatário da parte que obtém ganho de causa serão parcialmente recuperados através das custas de parte (artigos 533º, nº 2, alínea d) do C.P.C. e 25º e 26º do R.C.P.) não pode ser indemnizado o montante que irá ser atendido nessa sede, sob pena de uma intolerável duplicação de condenação.
Ora, de acordo com o prudente arbítrio e razoabilidade expressos no normativo enunciado, entende-se ser de reduzir a verba de honorários fixada a título de indemnização para metade do seu valor, ou seja 5.425,00[3], e suprimir da mesma a quantia liquidada a título de taxa de justiça de que a apelada será ressarcida noutra sede, como se disse.
As despesas de expediente reclamadas no montante € 1234,20 deverão igualmente ser reembolsadas pela apelante à apelada.

III-DECISÃO

Face ao exposto, acorda este Colectivo do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação interposta parcialmente procedente e, em consequência, fixar o montante da indemnização a liquidar pela apelante à apelada de acordo com o prudente arbítrio à luz do disposto no nº3 do art.º 543º do CPC em € 6659,20 (5.425,00+1234,20).
Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento.

Évora, 20 de Dezembro de 2018

Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, https://estudogeral.sib.uc.pt
[2] Idem, Marta Frias Borges in ob.cit.
[3] A indemnização é em si uma operação não sujeita a IVA.